O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DO INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA À LUZ DA INTERLÍNGUA

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Transcrição:

O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DO INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA À LUZ DA INTERLÍNGUA Anilda Costa Alves Leônidas José da Silva Jr. Universidade Federal da Paraíba anildacosta16@gmail.com Universidade Estadual da Paraíba leonidas.silvajr@gmail.com Resumo Os estudos de aquisição de uma LE têm como paralelo a aquisição da língua materna (LM), considerando esta como ponto de partida para o processo de aprendizagem. Inicialmente, as pesquisas na área buscaram descrever acerca de questões concernentes a problemáticas relacionadas à sala de aula e a busca de métodos mais eficientes para a apropriação da língua. Entender a aquisição não negligenciando o sujeito é extremamente importante para compreender os diversos modos de funcionamento da linguagem. Ao interagir com outros sujeitos, cada indivíduo carrega consigo marcas que o faz singular. Este trabalho trata da identidade do sujeito aprendiz de inglês como língua estrangeira (LE) no processo de aquisição à luz da interlíngua. O entendimento da linguagem enunciada pela criança, sujeito que ao enunciar carrega consigo sua voz própria é fundamental para o estabelecimento de que língua e fala não são entidades abstratas, mas antes enunciados concretos. As reflexões aqui exploradas surgem dos dados de uma criança de oito anos, estudante do terceiro ano do nível fundamental 1de uma escola regular da cidade de Guarabira-PB onde duas vezes por semana tem contato com o inglês em aulas com duração de 50 minutos cada. Neste estudo, buscamos investigar possíveis marcas identitárias do sujeito durante a aquisição da LE. As análises se dão tanto no âmbito da escrita, onde a criança deveria completar as frases com palavras em inglês, estas representadas por imagens, quanto da fala sob o ponto de vista fonético-acústico. Para as análises acústicas utilizamos o programa computacional PRAAT versão 5.4 (Boersma&Weenik, 2014). Palavras-chave: Aquisição da linguagem; interlíngua; ensino.

Introdução Os estudos de aquisição de uma língua estrangeira (LE) têm como paralelo a aquisição da língua materna (LM), considerando esta como ponto de partida no processo ensino-aprendizagem (cf: Masrcherpe, 1970; Selinker, 1972; Stampe, 1973). Conforme Marchezan et al. (2014), com as novas perspectivas linguísticas ancoradas por Chomsky na década de 1960 (o Gerativismo e Universais Gramaticais), dos debates acerca da natureza da linguagem e do ensino-aprendizagem de línguas que leva em conta a proposta de Interlíngua na década de 1970 (cf: Masrcherpe, 1970; Selinker, 1972; Stampe, 1973; Hymes, 1974 e Widdowson, 1978), começou-se a ser observado não apenas o processo de ensino, mas também o processo de aprendizagem. Dessa forma o aprendiz não está excluído dos olhos do professor/instrutor. Ainda segundo Marchezan et. al. (op. cit.), durante os anos de 1940 e 1950 os trabalhos na área de aquisição seguiam o modelo estruturalista com uma perspectiva behaviorista onde a língua é vista como uma rede de hábitos, sendo formada por um estímulo e uma resposta (S-R). Essa visão estruturalista foi contestada por Chomsky (1959) em seu artigo seminal que traz novas perspectivas aos estudos de aquisição da linguagem. Chomsky (op. cit.) aponta que uma gramática estruturada (inclui-se a fonologia e a sintaxe) será facilmente apreendida por qualquer criança num curto período de tempo independentemente do seu grau intelectual (cf: p. 59). Diante da proposta chomskyana, surgem algumas reflexões, tais como a existência de um período propício para aquisição Período Crítico (critical period CP) sendo uma tarefa árdua e até mesmo ineficaz, adquiri-la após tal momento. Sua aplicação se dá tanto no domínio neurocognitivo (fonológico) como no neuromotor (fonético) (cf:selinker, (1972;Flege et. al. 1999). Nesta hipótese do CP, o cérebro teria uma fase onde a aquisição de línguas não seria algo tão complexo, mas com o passar do tempo, a aprendizagem se tornaria mais difícil, pois ao distanciar-se da idade mais adequada ao aprendizado, ou seja, ao CP. A partir de Chomsky (1959), Kenedy (2016) ao tratar da hipótese inatista corrobora o autor e afirma que apenas o ser humano é capaz de construir uma competência linguística por ser esta uma dotação genética. Segundo Kenedy, (op. cit.), com esta hipótese, conclui-se que exista um genoma humano; materiais genéticos responsáveis pelo inatismo linguístico que tem como destino específico a aquisição da linguagem. Ao falar da hipótese inatista, é importante citar também o trabalho de Stephen Krashen. Ele foi um dos primeiros a desenvolver uma teoria focada na aquisição de uma LE: a teoria do monitor.

Uma das hipóteses mais discutidas de Krashen (2003) é a hipótese da aquisição-aprendizagem. Segundo ele, os indivíduos podem desenvolver sua competência linguística de duas formas distintas e independentes. A primeira, a aquisição, desenvolve-se de forma inconsciente e muito semelhante ao desenvolvimento da LM. A segunda, a aprendizagem, acontece de forma consciente, dessa forma o aprendiz tem consciência das regras que estão sendo internalizadas da LE, podendo falar acerca delas. A hipótese desenvolvida por Krashen leva a algumas reflexões. Indivíduos que foram imersos a uma língua de forma natural podem, em algumas circunstâncias, refletir sobre o sistema linguístico, como também, indivíduos que tiveram contato com uma língua num ambiente formal, podem utilizá-la de forma tão natural quanto o primeiro caso. O foco deste trabalho não é o de discutir acerca da melhor maneira de se adquirir uma competência linguística. Consideramos, como Vygotsky (2001), que o desenvolvimento cognitivo humano é resultado das interações estabelecidas no meio social. O autor propõe que a fala sempre foi social, tudo é de fora para dentro, dessa forma, no processo de aquisição da LE, como também da LM, a interação é essencial para chegar ao conhecimento. Assim como Vygotsky, Bakhtin/Volochinov (1997) traz uma visão da linguagem voltada para o social (a identidade do sujeito) que é dependente do processo interacionista. Assim, a linguagem é vista como dialógica. A LE leva o sujeito a uma reformulação que pode acarretar em deslocamentos identitários. Compreende-se, portanto, que entender a linguagem apenas numa visão biológica e psicológica é não entender os modos de funcionamento da linguagem, que estão também centrados no sujeito e não somente fora dele. O entendimento da linguagem enunciada pela criança, sujeito que ao enunciar carrega consigo sua voz própria, é fundamental para o estabelecimento de que língua e fala não são entidades abstratas, mas antes enunciados concretos. Trata-se, portanto do que Bakhtin (op. cit.) ao propor que a palavra é signo ideológico que ao ser posta em uso, no caso a criança, carrega valores sócio-histórico-culturais. Diante do até aqui exposto é importante refletir também acerca das abordagens pedagógicas concernentes ao ensino de uma LE. Para uma considerável parcela de professores, os alunos devem seguir um modelo de pronúncia do nativo para que de fato possam ser classificados como falantes fluentes da língua. Mesmo que o indivíduo consiga dominar grande parte das regras estruturais, o fato de, por exemplo, não conseguir se enquadrar nos padrões suprassegmentais da língua alvo, tais

como, acento, ritmo, é suficiente para que esse falante, mesmo conseguindo um alto e suficiente grau comunicativo, não seja declarado como um falante proficiente. Algumas questões são importantes destacar no ensino de LE ao se pensar em tais situações. O número de falantes do inglês como uma LE excede ao número de falantes nativos. Cada vez mais a interação estabelecida entre falantes do inglês é envolvida por falantes não nativos. Consideramos assim como Jenkins (2000) que a busca por um modelo ideal de pronúncia nativa não deve ser essencial no processo de ensino da língua. Widdowson (1994) enfatiza que o fato de o inglês ser uma língua internacional, ninguém tem o domínio sobre ela e que isso se torna motivo de orgulho para os nativos do inglês como LM. Essa intimidação que muitas vezes ocorre por parte dos professores, de buscar seguir um modelo nativo durante o decorrer do trabalho, deve ser repensada. O sujeito, já com todos os padrões de sua língua estabelecidos, não deve ser levado a tentar esvaziar-se, tarefa que está fora de nosso alcance, para conseguir enquadrar-se, muitas vezes de forma agressiva, em todos os padrões da língua do outro, como se esses padrões fossem universais, e negando assim sua identidade enquanto sujeito falante de uma língua bem estabelecida. Muitos falantes do inglês como LE não têm como propósito uma fluência semelhante a um nativo, ao contrário, a busca se dá no intuito apenas de comunicar, e na maioria das vezes essa interação não ocorre com os nativos da língua alvo. A partir dessa visão, seria interessante que ao invés de seguir um modelo específico de pronúncia, houvesse apenas uma busca por manter a inteligibilidade da língua, de forma a não negar a essência do aprendiz e ao mesmo tempo torna-lo um falante efetivo no processo interacionista, seja com falantes nativos do inglês ou não. Compreende-se, portanto, que entender a linguagem apenas numa visão biológica e psicológica é não entender os modos de funcionamento da linguagem, que estão também centrados no sujeito e não somente fora dele. É nessa perspectiva que buscamos realizar esse trabalho, não excluindo o sujeito, antes o colocando como peça fundamental para as análises nele ancoradas, ratificando a língua como organismo vivo, carregado de significações ideológicas e que se constitui histórica e socialmente. Passemos então a refletir acerca da identidade do sujeito, através da linguagem, por meio das produções orais e escritas de uma criança de oito anos no processo de aquisição do inglês como LE. Metodologia

Para esta pesquisa, fizemos uso de gravações orais e escritas de palavras de uma criança de oito anos, aluna do terceiro ano do Ensino Fundamental I de uma escola regular da cidade de Guarabira-PB. A criança foi observada durante o período de um mês durante as aulas de inglês que ocorriam duas vezes por semana com duração de 50 minutos cada aula. Durante este período, a criança, inserida numa turma, teve contato com as diversas habilidades da língua inglesa. As aulas aparentavam ser muito contendo sempre atividades que os levassem a interagir utilizando a língua inglesa, muitas atividades envolvendo a fala, como pequenos diálogos, músicas etc. Em nosso último contato com a turma, pedimos que a professora realizasse uma atividade que os levassem a escrever algumas palavras em inglês, além da coleta dos material fonético realizada pela pesquisadora. Os dados orais foram gravados a partir de um gravador Zoom H1 Handy Recorder 200m. Após coletados, foram rodados e analisados acusticamente no programa computacional PRAAT versão 5.4 (Boersma&Weenink, 2014). Resultados e discussões Figura 1: produção escrita de criança de oito anos aula de inglês Com base na perspectiva da subjetividade, formada pela LM, percebemos na escrita da criança alguns traços recorrentes da sua identidade linguística. Os falantes do português brasileiro

(PB) apresentam uma sensibilidade ao travamento silábico, principalmente com consoantes as oclusivas [p], [b], [t], [d], [k] e [g]. Palavras do PB com essa característica geralmente são ressilabificadas para tornar-se mais acessíveis ao falante. É comum ouvirmos produções como [ɔbiʒɛtu] objeto, onde há a inserção de uma vogal logo após a oclusão, reestruturando a sílaba. Geralmente esse fenômeno desloca-se para a escrita, visto que o sujeito, principalmente em processo inicial de aprendizagem, reproduz na escrita fielmente os segmentos oralizados. Podemos perceber essa subjetividade e identidade linguística já fortemente marcadas da LM quando a criança escreve em inglês as palavras book, pen, e notebook transcritas respectivamente como buki, peim e notebuke. Os dados presentes na figura 1 deixam clara a presença de um estudante brasileiro de inglês como LE ao anunciarem as marcas da LM. A criança nas palavras buki e notebuke reestrutura a sílaba aos moldes do PB, excluindo assim o travamento silábico, comum na língua inglesa. Passemos agora para a análise acústica dos dados da mesma criança. Figura 2: produções orais de uma criança de oito anos aula de inglês Palavras: book, cap, dad

Figura 3: produções orais de uma criança de oito anos aula de inglês Palavras: club, cat, dog Assim como nas produções escritas, percebemos marcas identitárias linguísticas nas produções orais da criança. Com exceção da palavra dog, a criança inseriu uma vogal de apoio em todas as demais palavras do inglês tornando-as sílabas canônicas do PB com a sequência consoantevogal (CV). Esse processo, denominado vogal epentética é muito comum quando falantes em fase inicial têm contato com uma língua como o inglês, onde a estrutura consoante-vogal-consoante (CVC), ou seja, travamento silábico, é muito comum. Silva (2011) define a vogal epentética como uma inserção de vogal entre encontros consonantais envolvendo oclusivas, africadas, nasais ou fricativas. A vogal epentética pode ocorrer também em final de palavra, sendo a vogal [i] muito recorrente na produção dos falantes do PB. Acusticamente podemos identificar as marcas do PB nas produções orais da criança ao produzir as palavras em inglês através da análise espectrográfica. As faixas escuras, destacadas por setas vermelhas nas figuras 2 e 3, apontam a presença de vogais. Essas faixas são denominadas de formantes. Kent & Read (2002) classificam os formantes como modos naturais de vibração das pregas vocais. Como esses segmentos não apresentam constrições severas no trato vocal, apresentando apenas pequenas constrições no movimento da língua e lábios (a língua pode estar posicionada mais para frente, trás, alto, baixo ou numa posição mais central, neutra), quando produzimos um segmento vocálico, nosso trato vocal, também denominado ressoador em fonética acústica, produz ondas estacionárias. As ondas estacionárias são assim classificadas por apresentarem um padrão de vibração gerado pelo encontro de ondas idênticas em sentidos opostos. As constrições no trato vocal é o que

dão as características as ondas estacionárias. Barbosa e Madureira (2015) definem que quase todos os sons apresentam padrões estacionários. Apenas sons bilabiais não apresentam estacionariedade por serem segmentos produzidos na saída do trato vocal e assim como são sons exteriores não há a possibilidade de ocorrer o encontro de ondas idênticas em sentido oposto. No caso das vogais, como são segmentos produzidos, como mencionado anteriormente, sem constrições severas no trato vocal, os padrões formânticos são bem definidos, por isso sua identificação no espectrograma não é uma tarefa complexa podendo assim ser comprovada a presença de marcas identitárias da LM também nas produções orais da criança ao ter contato com uma LE. Del Ré et. al. (2014) fala acerca da importância das pesquisas em aquisição envolvendo crianças. Antes mesmo de nascer, a criança já é confrontada com uma língua. Aos poucos essa criança vai internalizando todos os aspectos da língua ao qual está imersa. É no processo de interação que vai, de fato, se efetivando como sujeito ativo. Os estudos em aquisição na perspectiva bakhtiniana trazem à tona aspectos que necessitam ser observados durante o percurso que a criança traça. Nessa visão, uma aquisição que tem como foco apenas os aspectos lexicais e gramaticais, pouco revelam acerca da maneira pela qual se identificam linguagem e cultura, pois, os sujeitos é que constituem linguagem e por ela são constituídos. É dessa forma que as singularidades vão sendo construídas. Del Ré et. al. (op. cit.) enfatiza assim a importância de um conhecimento que tem como referência os modos de funcionamento da linguagem que além de uma visão biológica e psicológica, esteja também ligado aos aspectos socioculturais. De fato, o sujeito não exclui a estrutura linguística, ao contrário, necessita dela, mas apenas o domínio da mesma não garante a constituição efetiva do sujeito. Trazendo essa visão aos estudos de uma LE fica ainda mais evidente. É muito comum um indivíduo ter total controle estrutural de uma LE e apresentar, mesmo assim, muita dificuldade no processo comunicativo, visto que as marcas da LM passam a interferir sobre suas tentativas interacionistas. Assim, a visão behaviorista, que considerava a mente do aprendiz como uma tábula rasa, não faz qualquer sentido. A criança, como observado nos dados acima, não vai vazia para a sala de aula, pois conhecimentos de mundo, padrões de sua LM já se encontram firmados. Considerações finais

Neste artigo buscamos trazer um olhar pouco explorado nos trabalhos que envolvem a aquisição da linguagem. A visão bakhtiniana entende a língua como organismo vivo, concreto, onde o sujeito que a utiliza carrega significações que não devem ser discriminadas. Pudemos comprovar em nossos dados orais e escritos, as marcas identitárias que a criança carrega da LM ao utilizar o inglês como LE. Excluir ou simplesmente atribuir tais produções como erro, é não voltar-se para o que de fato é a língua e seus diversos modos de funcionamento. A importância que Bakhtin atribui à subjetividade ativada pelo aprendiz no processo de aquisição traz ricas contribuições para o ensino de LE. Não há como exigir que o sujeito esvazie-se para incorporar uma língua ao qual não foi imerso. É importante que os profissionais do ensino compreendam que para aprender/adquirir uma nova língua, os sujeitos não precisam necessariamente se enquadrar em todos os padrões elencados no novo idioma, pois isso seria como negar tudo que foi constituído no indivíduo durante a aquisição da LM. A língua carrega marcas culturais, sociais que são manifestas no processo comunicativo e neutralizar isso, é neutralizar o próprio sujeito. Referências BAKHTIN/VOLOSHINOV. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. MarinaYaguello.SãoPaulo: Hucitec, 1997. BARBOSA, P. A; MADUREIRA, S. Manual de fonética acústica experimental Dados aplicados ao português brasileiro. São Paulo, Cortez Editora, 2015. BOERSMA, P.; WEENINK, D. Praat: doing phonetics by computer (Version 5.3) Retrieved from: http//www.praat.org, 2014. BRUNER, J. Como as crianças aprendem a falar. Lisboa: Instituto Piaget, 1983. CHOMSKY, N. A Review of B. F. Skinner s Verbal Behavior. Language, vol. 35, (1), 1959, pp. 48-63

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