Potencial do sensoriamento remoto hiperespectral no estudo das perdas de solo em uma área piloto do Seridó (RN) sob processo de desertificação

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Transcrição:

Potencial do sensoriamento remoto hiperespectral no estudo das perdas de solo em uma área piloto do Seridó (RN) sob processo de desertificação Luciano José de Oliveira Accioly 1 Márcia Barros Macedo 2 Admilson da Penha Pacheco 2 Eduardo Alves da Silva 1 Hélio Leandro Lopes 1 Ricardo Alexandre Irmão 1 Eudmar da Silva Alves 1 1 Embrapa Solos UEP Recife Rua Antônio Falcão, 402-51020-240 - Recife - PE, Brasil {oaccioly, Eduardo, helio, irmao, eudmar}@uep.cnps.embrapa.br 2 Universidade Federal de Pernambuco - UFPE Av. Acadêmico Hélio Ramos, s/n 50740-530 Recife PE, Brasil {robarros, apacheco}@ufpe.br Abstract. Erosion by water removes the surface of the soils and exposes the subsurfaces layers. Soil characteristics varies in depth. Some soil characteristics that varies with depth, such as soil texture, soil organic carbon and iron oxide content have important effects on spectral characteristics of the soils. As an example, for a given soil type the increase in soil organic matter content decreases soil reflectance and, thus, soil albedo. The objective of this paper is to compare soil spectral curves from unaltered soil and degraded soils using small depth samples and to evaluate the depth of the layer removed by soil erosion on the base of these comparisons. Spectral curves matches between preserved and eroded soils was able to assess the depth of the layer removed by erosion. The next step will be to extend these results to produce maps of quantified soil losses on the base of hyperspectral images. Palavras-chave: hyperion, erosão do solo, carbono orgânico, óxidos de ferro, caatinga, soil erosion, organic carbon, iron oxides. 6415

1. Introdução Entre os indicadores dos processos de desertificação, a erosão do solo está presente na maioria dos trabalhos (Accioly e Oliveira, 2004). A maior parte dos estudos de solos usando espectroscopia, diz respeito à caracterização de curvas espectrais a partir de dados coletados sob condições de laboratório e campo (Epiphanio et al., 1992; Irons et al., 1989; Stoner e Baumgardner, 1981; Baumgardner et al., 1985; Madeira Netto et al., 1993). Esses estudos tentam estabelecer relações entre características químicas, mineralógicas e físicas com a resposta espectral dos solos. Um dos trabalhos que relaciona a intensidade de erosão dos solos com alterações nos valores de reflectância das curvas espectrais destes solos foi publicado por Weismiller et al. (1985). Estes autores concluíram sobre a viabilidade de se estimar a intensidade da erosão por meio da simulação dos resultados do sensor TM a partir de dados espectrais de laboratório. Seubert et al. (1979), citados por Weismiller et al. (1985), encontraram diferenças nas respostas espectrais de solos preservados, levemente erodidos, moderadamente erodidos, severamente erodidos e áreas de depósito. Nas curvas espectrais apresentadas por Weismiller et al. (1985), nota-se que a reflectância aumenta e o formato da curva é alterado na região espectral estudada (400 a 2.400 nm) à medida que aumenta a intensidade da erosão. Segundo Latz (1981), citado por Weismiller et al. (1985), entre as características do solo que mais influenciam as curvas de reflectância de solos erodidos estão os teores de matéria orgânica e os teores de óxidos de ferro (Fe 2 O 3 ). Quando a erosão aumenta em severidade aumentam os teores de óxidos de ferro enquanto os teores de matéria orgânica diminuem. Com relação ao estágio de erosão, as curvas espectrais podem ser classificadas da seguinte forma: (a) de resposta afetada pelo teor de matéria orgânica; (b) de resposta moderadamente influenciada pelos teores médios de óxidos de ferro; (c) de resposta fortemente influenciada pelos altos teores de óxidos de ferro (Weismiller et al., 1985). A matéria orgânica do solo é um material complexo, rico em carbono, caracterizado por diversos tipos de ácidos orgânicos, sendo importante para a produtividade biológica e para a saúde do solo (Sposito, 1989). Wessman (1991) discute o efeito da matéria orgânica sobre a resposta espectral dos solos. As substâncias orgânicas apresentam bandas de absorção que podem ser utilizadas para diagnosticar a presença de grupamentos funcionais específicos (Weyer, 1985). Solos contendo altos teores de matéria orgânica são espectralmente escuros devido à presença destes grupamentos funcionais (Bigham et al., 1993). Embora os teores de matéria orgânica nos solos das regiões semi-áridas sejam, em geral, muito baixos, a influência destes materiais sobre a resposta espectral dos solos é relevante a ponto de ser detectado por meio da espectroscopia de imagem (Stoner e Baumgardner, 1981). Sousa (1995), estudando a variação do teor de carbono orgânico, em solos aluviais do semi-árido nordestino (camadas espaçadas de 5 em 5 cm), encontrou que os teores decrescem com a profundidade. Silva (1986) estudou as variações do teor de carbono orgânico em Neossolos Regolíticos e Argissolos, sob diferentes tipos de manejos e uso a intervalo de 1 cm até 10 cm e de 2 cm de 10 a 20 cm de profundidade. Observando-se os resultados verifica-se redução nos teores de C orgânico com a profundidade, sendo esta redução maior para áreas com caatinga (pousio) do que para áreas cultivadas ou sob pastagens. Relacionando-se os resultados obtidos por Sousa (1995) e Silva (1986) com os efeitos da matéria orgânica sobre as curvas espectrais de amostras de solos apresentados nesta revisão, pode-se inferir sobre a possibilidade de se identificar a espessura da camada removida pela erosão a partir de comparações entre curvas espectrais provenientes de solos preservados e degradados. A aplicação dos estudos de espectroscopia de solos, realizados em laboratório e em campo, na interpretação de imagens de satélite até anos recentes, era limitada pela inexistência de imagens orbitais hiperespectrais e pelos altos custos das imagens 6416

hiperespectrais obtidas de sensores aerotransportáveis. Desta forma, alguns estudos que tentaram comparar dados de laboratório e campo com imagens esbarraram nas limitações dos sensores multiespectrais com larguras de banda suficientemente grande para diluir os efeitos das estreitas bandas de absorção como as existentes para os minerais de argila caulinita e montmorilonita. Os novos dados hiperespectrais, a partir de sensores orbitais como, por exemplo, o Hyperion, têm motivado o aparecimento de uma série de projetos e trabalhos científicos, que tentam a discriminação de classes de solos (Accioly, 1997) ou do estado de degradação desses solos (Williams e Kepner, 2006) a partir da espectroscopia de imagem. Além disso, a evolução, nos últimos anos, em termos de hardware, com possibilidade de processar arquivos de dimensões da ordem de milhões de bytes, e em termos de software, para o processamento de imagens, incorporando processamentos que envolvem o uso de análise estatística multivariada, tem possibilitado maiores ganhos na interpretação das imagens hiperespectrais. 2. Material e Métodos Este trabalho está sendo conduzido em uma área piloto (75.000 ha) localizada no núcleo de desertificação do Seridó (RN/PB) (Figura 1) (a) (b) Figura 1 Localização da área piloto (a) e foto da ocorrência de desertificação na área (b) A altitude varia de 200 a 700 m com média de 270 m. O clima é tropical semi-árido com precipitação média anual de 550 mm e estação chuvosa de fevereiro a maio. As classes de solo foram mapeadas por Silva et al. (2006). Nessa área predominam os Luvissolos Crômicos vérticos fase erodida, quase sempre, associados com Neossolos Litólicos, os Planossolos Nátricos, ocorrendo em áreas com relevo plano e suave ondulado e os Neossolos Regolíticos que são solos profundos mas de textura arenosa. A área é dominada por vegetação de caatinga heperxerófila arbórea-arbustiva. Três classes dessa tipologia de caatinga podem ser encontradas na área: densa, semi-densa e aberta. A maior parte da área piloto encontra-se sob intensa pressão antrópica com ocorrência esparsa de caatinga preservada. Até o final da década de 1980, a cultura do algodão dominava a ocupação da área. No início da década de 6417

1980, essa cultura foi, praticamente, devastada pela praga do bicuco (Anthonomus grandis Boheman, 1843). Atualmente, pastagens, extração de minerais diversos e olarias, que usam a lenha como combustível, são os principais responsáveis pelos impactos ambientais que levam à degradação dos solos. Amostras de solo foram coletadas a intervalo de 1 cm até 10 cm e de 2 cm de 10 a 20 cm de profundidade em cada uma das unidades de solo representativas da área piloto. Os mesmos solos selecionados foram coletados sob condições de caatinga preservada e sob outros usos, principalmente, pastagens. Foram consideradas áreas de caatinga preservada aquelas cujas condições indicavam pouca intervenção humana nos últimos 20 anos. As amostras foram secas ao ar, passadas em peneira com 2 mm de malha e levadas para o Laboratório de Radiometria do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). As curvas espectrais foram obtidas utilizando-se o espectroradiômetro FieldSpec Pro FR (ASD, 2006) operando na faixa espectral de 400 a 2.500 nm com intervalo amostral de 1 nm sob condições de iluminação artificial. Três leituras foram obtidas para cada amostra e a sua média expressa em termos de Fator de Reflectância Bidirecional (FRB) usando uma placa de Spectralon como referência. Devido ao nível de ruído, as bandas acima de 2.350 nm não foram consideradas na apresentação das curvas espectrais deste trabalho. As amostras foram submetidas, ainda, a análises para a determinação dos teores de carbono orgânico, óxidos de ferro e da composição granulométrica. Para a estimativa da camada de solo removida por erosão, foram realizadas comparações diretas entre curvas espectrais de solos preservados e alterados. 3. Resultados e Discussão As curvas espectrais para os Planossolos, Neossolos Regolíticos e Neossolos Litólicos (Figura 2a) apresentam formas semelhantes àquelas dos solos com baixos teores de carbono orgânico e de óxidos de ferro ou minimamente alteradas segundo Stoner e Baumgardner (1981). Nesses solos a erosão tende a aumentar os valores de FRB em toda a faixa do espectro (maior albedo). No entanto, o formato das curvas espectrais permanece, praticamente, inalterado. A remoção da matéria orgânica nos solos erodidos (1E, 2E, 3E) é a causa provável para os maiores valores de FRB (Figura 2a). No caso do Luvissolo Crômico as diferenças entre curvas espectrais de solos preservados e erodidos ocorrem tanto em relação à magnitude de resposta do FRB quanto em relação ao formato das mesmas (Figura 2b). O solo preservado apresenta curva semelhante à dos demais solos, ou seja, minimamente alterada devido, provavelmente, aos baixos teores de carbono orgânico e de óxidos de ferro. Por outro lado, o Luvissolo Crômico erodido tem curva espectral (Figura 2b) semelhante àquela dos solos afetados por teores médios de óxidos de ferro e baixos teores de carbono orgânico (Stoner e Baumgardner, 1981). Ao contrário dos demais solos, a curva espectral do Luvissolo Crômico erodido apresentou menores valores de FRB do que aquela obtida para a amostra desse solo preservado. Além disso, o formato da curva espectral do solo erodido apresentou feição de absorção nas proximidades de 900 nm, característica de amostras com teores médios de óxidos de ferro. No Luvissolo Crômico preservado o teor de óxido de ferro aumenta com a profundidade havendo, portanto, redução do efeito da matéria orgânica sobre o decréscimo dos valores do FRB. Os óxidos de ferro secundários são os principais pigmentos dos solos com baixos teores de matéria orgânica (Torrent et al., 1983). Como resultado, os solos erodidos com essas características apresentam uma redução nos valores de FRB em todo espectro. Esses resultados são confirmados pela análise desses dois constituintes (Tabela 1). 6418

No intervalo de 500 a 900 nm, a curva espectral do Luvissolo Crômico erodido para a profundidade de 0 a 1 cm é, praticamente, igual àquela do mesmo solo preservado para a profundidade de 16 a 18 cm (Figura 2b). Os formatos dessas curvas permanecem, praticamente, semelhantes para os comprimentos de onda superiores a 900 nm, havendo, no entanto, pequenas diferenças na magnitude de resposta. Esses resultados evidenciam a possibilidade de se estimar a camada de solo removida por erosão com base na espectroscopia de laboratório. No presente trabalho estima-se que uma camada de 16 cm foi removida com a erosão do Luvissolo Crômico. Curvas espectrais - preservado x erodido (0-1 cm) Curvas espectrais - Luvissolo Crômico 0,7 0,6 0,6 0,5 FRB 0,5 0,4 0,3 0,2 FRB 0,4 0,3 0,2 0,1 0,1 0 400 511 622 733 844 955 1066 1177 1288 1399 1510 1621 1732 1843 1954 2065 2176 2287 Comprimento de onda (nm) 1P 1E 2P 2E 3P 3E 0 400 510 620 730 840 950 1060 1170 1280 1390 1500 1610 1720 1830 1940 2050 2160 2270 Comprimento de onda (nm) 4P (0-1 cm) 4E (0-1 cm) 4P (16-18 cm) Figura 2 (a) Exemplos de curvas espectrais (P = solo preservado, E = solo erodido) para a profundidade de 0 a 1 cm. 1 = Planossolo, 2 = Neossolo Regolítico, 3 = Neossolo Litólico. (b) Curvas espectrais de amostras de um Luvissolo Crômico (solo 4) preservado (4P, 0 a 1 cm e 4P, 16 a 18 cm de profundidade) e erodido (4E, 0 a 1 cm de profundidade). Tabela 1 Análise granulométrica, teor de carbono orgânico e teor de óxido de ferro para amostras de um Luvissolo Crômico. Análise granulométrica (%) Carbono Orgânico Óxido de Ferro Condição do solo Profundidade (cm) Curva na Figura 2b Areia Silte Argila C (%) (Fe 2 O 3 ) (%) Preservado 16-18 4P (16-18 cm) 47,8 24,2 28,0 0,7 5,5 Erodido 0-1 4E (0-1 cm) 57,8 26,2 16,0 0,8 6,0 3. Conclusões 6419

- A erosão aumentou a reflectância do Planossolo, do Neossolo Regolítico e do Neossolo Litólico e reduziu a reflectância do Luvissolo Crômico. - As curvas espectrais estudadas apresentaram forma semelhante àquela dos solos minimamente alterados pelos teores de matéria orgânica e de óxidos de ferro e àquela dos solos afetados pelos teores médios de óxidos de ferro. - Com base em comparações entre curvas espectrais de um mesmo solo preservado e erodido é possível estimar a espessura da camada de solo removida pela erosão. 4. Agradecimentos Os autores agradecem ao Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) pelas análises radiométricas realizadas em seu laboratório. 5. Referências bibliográficas Accioly, L. J. O. Applying spectral mixture analysis (SMA) for soil information extraction on the Airborne Visible/Infrared Imaging Spectrometer (AVIRIS) data. 1997. 233p. Dissertação (Doutorado em Ciências do Solo e da Água) The University of Arizona, Tucson. 1997. Accioly, L. J. O.; Oliveira, M. A. J. Indicadores de processos de desertificação. In: Romeiro, A. R. (Ed.). Avaliação e Contabilização de Impactos Ambientais. Campinas: Editora Unicamp, 2004. p. 123-141 ASD. Spectroradiometers FieldSpec Pro Line, the benchmark. Disponível em : <http://www.asdi.com/products-fsp.asp>. Acesso em: 02 fev. 2006. Baumgardner, M. F.; Silva, L. F.; Biehl, L. L.; Stoner, E. R. Reflectance properties of soils. Adv. Agron. v.38, p.1-44, 1985. Bigham, J. M.; Post, D. F.; Jones, F. S.; Konen, M. E. Relationship between color and organic carbon in soils in western Ohio. Agron. Abst. v.85, p.294, 1993. Epiphanio J. C. N.; Formaggio, A. R.; Valeriano, M. M.; Oliveira, J. B. Comportamento Espectral de Solos do Estado de São Paulo. São José dos Campos: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 1992. 132p. (INPE 5424-PRP/172). Irons, J. R.; Weismiller, R. A.; Petersen, G. W. Soil Reflectance. In: Asrar, G. (Ed.) Theory and Applications of Optical Remote Sensing. New York, John Wiley & Sons, 1989. p. 66-106. Madeira Netto, J. da S.; Pouget, M.; Bedidi, A.; Cervelle, B. Informações quantitativas sobre a mineralogia dos latossolos a partir da reflectância espectral no visível e infravermelho próximo e médio. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR), 7, 1993, Curitiba. Anais... São José dos Campos: INPE, 1993. Artigos, p.919-928. CD-ROM. Silva, A. B. Caracterização dos principais solos do Agreste de Pernambuco e o efeito do manejo de um Regossolo eutrófico sobre a erosão e produtividade de milho e feijão. 1986. 108p. Dissertação (Mestrado em Solos e Nutrição de Plantas) Universidade Federal de Viçosa, Viçosa. 1986. Silva, F. H. B. B.; Accioly, L. J. O.; Burgos, N.; Costa, T. C. C.; Silva, A. C. S. Levantamento de reconhecimento dos solos de uma área piloto do núcleo de desertificação do Seridó (RN/PB). In: Reunião Brasileira de Manejo e Conservação do Solo e da Água (RBMCSA), 16, 2006. Aracaju. Anais... Aracaju: SBCS, 2006. Resumos. CD-ROM. 6420

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