Para algumas viagens também, no fim, se parte. Sem clamor, sem fanfarras. Andrea abraça a mãe, aperta-a, solta-a, depois a beija. Ela pede encarecidamente que ele não abrace ninguém, que não toque a barriga de ninguém. Os americanos não gostam... Depois eles ficam com raiva e atiram. Nós nos olhamos, os dois nos lembrando de quando compramos algumas camisetas e escrevemos nelas: Se eu abraçar você, não tenha medo. Na escola, Andrea sentia continuamente o impulso de abraçar os colegas com força, e nós esperávamos, assim, tornar as coisas mais fáceis. Um escrito nem tão grande, nem tão pequeno: não queria ser um aviso ameaçador, muito menos uma súplica. Um simples conselho, e, além disso, as camisetas coloridas eram real mente muito bonitas. Nós as colocávamos nele, não sem dificuldade. Quando Andrea levantava os braços para o alto, ficava duro e era necessário acompanhar a camiseta, centímetro por centímetro. Tínhamos comprado de quatro cores: brancas, azuis, vermelhas e laranja. Pensávamos em poder variar, mas acontecia, por muitos dias, de Andrea querer usar só a cor laranja, ou só a azul. Assim, tivemos que multiplicá-las, em seu armário havia pilhas de camisetas coloridas. 25
Lavar cada centímetro quadrado. Estamos entendidos? E não comam porcarias. Ei, não o perca. E não se perca diz-me a mãe, e os olhos estão brilhando, metade de lágrimas e metade de orgulho. O irmão esquiva-se da mordida, lembrando-se do ardor de ocasiões anteriores. Eles nos fotografam diante do check-in, um ao lado do outro. Andrea inclina a cabeça na direção do meu ombro. Sei que fez suas ideias. Está trabalhando nisso, eu sinto. Passamos ao controle de segurança: coloco o computador no recipiente de plástico. Andrea o vê e alinha-o direitinho. Joga-se através da passagem, o policial o detém, ele tenta abraçá-lo. É um balé. Explico. Está tudo bem. Depois, Andrea sai em disparada e para diante dos grandes janelões para observar um avião manobrando. Daqui a pouco vamos embarcar, digo. Sentados em nossos lugares, à espera da decolagem, sinto- -me confuso e observo, como se estivesse de longe, a cabine, os outros passageiros. E se eu tivesse exagerado? Andrea brinca com o cinto, depois o fecha de repente. Parte-se! Andrea, você promete que vai ficar sempre perto de mim, que vai me obedecer? Promete? Prometo, papai. Promete que não vai me dar mais o braço para eu morder? Um pouco. O que você me prometeu? Ficar em paz. Não... Mas decolamos, e, em poucos instantes, tudo fica tão pequeno: as ruas, os fios; os campos, os lenços; 26
Se eu te abraçar, não tenha medo as cidades, amontoados de telhados, e até a nossa casa terá sumido, a velocidade dilui as coisas, e pequenas parecem as aflições vividas, as férias dos anos anteriores, a escola, os professores bons e os menos bons, os médicos, as recomendações. Os medos. Tudo se dissolve. Estamos no ar. É um voo quase imóvel, nós só nos levantamos para ir ao banheiro. Andrea observa pela janelinha, e eu com ele. Durante algum tempo acompanha com o olhar os contornos das nuvens, depois agarra uma das minhas mãos. Não é sua primeira viagem de avião, não acho que seja medo. Não mostra a inquietação obscura de quando há algo de errado. Simplesmente se conectou comigo: tudo bem, Andre, há esse pedaço de céu, mas depois está a América, que está a nossa espera, se não gostarmos, podemos voltar para casa quando quisermos. Ei, americanos, não gostamos de vocês! Se houver problemas, voltamos imediatamente. Sinto-o presente, calmo. Faltam apenas duas horas, e então seremos americanos, mais americanos do que ontem. No aeroporto de Miami, três quartos das cores da humanidade estão com o nariz para cima, olhando os painéis das partidas e nas filas do check-in. Andrea olha ao redor, está atordoado, move-se com muita prudência, na ponta dos pés, acaricia o ar com as mãos. Acabamos caindo em um taxista lento. Antes de nos deixar entrar, ele nos estuda, depois fica às voltas com o taxímetro, vira e revira o espelho retrovisor, resmunga. 27
O que ele tem? pergunta, referindo-se a Andrea. Nada respondo. Eu acho que ele tem alguma coisa. É um menino autista, digo, e queria acabar com essa conversa. Você poderia ter me dito logo! Eu me agito. Pronto, aí vamos nós, penso, vou ter que me aborrecer, nós não vamos atravessar um continente e todo mundo com o dedinho apontado, me dizendo: Mas o que seu filho tem? Ah, não, assim não dá, América, não dá mesmo, a pátria das mil etnias e você empaca por causa de um pouco de autismo? Eu me irrito, sem meias medidas. Vamos, Andre, vamos descer... Não! No meu táxi os meninos assim pagam meia tarifa. Aí está, o tapete vermelho da América é uma corrida com desconto e um hotel abaixo das expectativas. Na recepção, bastante esforçada, Andrea logo agarra alguns folhetos e começa a picá-los em pedacinhos. O senhor tenta tirá-los dele, com gentileza, e dali nasce um silencioso puxa daqui, solta dali, até que Andrea o desnorteia, beijando-o de repente. O homem larga os pedaços de papel. O quarto também é esmolambado, e nem tão limpo, a imagem que eu tinha visto na internet era completamente diferente. Estamos cansados, não estou com vontade de discutir, além disso, Andrea acabou de vencer a dura batalha dos folhetos. Um a um. Melhor irmos nos batizar no oceano, nos livrar de todas as tensões nadando. Aos cinco anos, Andrea jogara-se na piscina e a atravessara, indo e voltando, em apneia, debaixo dos nossos olhos perplexos. Pensamos: é um golfinho! Crescerá e nadará debaixo d água de um lado ao outro do canal da Mancha. Que campeão... 28
Se eu te abraçar, não tenha medo Um jantar rápido e depois vamos dormir. O primeiro sono americano. Andrea está tranquilo, desaba assim que encosta no travesseiro, é um atleta do time de futebol dos dorminhocos. Pego um de seus escritos, como se, para a ocasião, abrisse uma garrafa de champanhe. Leio em voz alta, mas na minha cabeça. PARA ME COMUNICAR MELHOR QUERIA UMA AJUDINHA... EU APRECIARIA MUITO UM CONSELHO SEU... Você acha que sou normal um mala sem alça e mal-educado, eu sou sensível diferente e muito sozinho VAMOS, OUTRO CONSELHO SOBRE COMO EU DEVERIA TRATAR VOCÊ. EU ME COMPORTO BEM OU...? Papai pra mim é único queria que andrea fosse único pra papai VOCÊ ACHA QUE NÃO É ASSIM? Também tenho aspectos bonitos você os conhece VOCÊ OS CONHECE, PERGUNTA OU AFIRMAÇÃO? Só pergunta ACHO QUE NÃO CONHEÇO TODOS ELES, ANDREA. AJUDE-ME, ME DIGA QUAIS SÃO OS MAIS BONITOS PARA VOCÊ... Não papai não é minha função Quanto caminho pela frente... 29