EFEITO DA TEMPERATURA DE BOBINAMENTO NA MICROESTRUTURA E NAS PROPRIEDADES MECÂNICAS DE UM AÇO MULTICONSTITUÍDO DA CLASSE DE 800 MPa DE LIMITE DE RESISTÊNCIA* Danilo de Castro Denúbila 1 Ronaldo Antônio Neves Marques Barbosa 2 Túlio Magno Fuzessy de Melo 3 Resumo Neste trabalho, foi avaliada a influência da temperatura de bobinamento após a laminação de tiras a quente em escala industrial na Usiminas, usina de Ipatinga, na microestrutura, na dureza e nas propriedades mecânicas em tração de um aço ARBL da classe de 800 MPa de limite de resistência mínimo. Verificou-se que a microestrutura, a dureza e as propriedades mecânicas em tração (limite de escoamento, de resistência e alongamento) foram pouco afetadas pela variação de temperatura de bobinamento na faixa estudada, entre 470 C e 680 C. Esse resultado está relacionado com o perfil de resfriamento aplicado no processo industrial, que gerou microestruturas formadas predominantemente por uma matriz ferrítica, com pequena quantidade de perlita e bainita. Como a temperatura de início de formação de martensita para o material estudado se encontra abaixo da menor temperatura de bobinamento aplicada, não houve formação significativa dessa fase. Palavras-chave: aços multiconstituídos; temperatura de bobinamento; laminação de tiras a quente; aços para a indústria automotiva. EFFECT OF THE COILING TEMPERATURE ON THE MICROSTRUCTURE AND MECHANICAL PROPERTIES OF A 800 MPa TENSILE STRENGTH MULTIPHASE STEEL Abstract This study evaluates the influence of the coiling temperature after industrial scale hot strip rolling, at Usiminas Ipatinga Mill, on the microstructure, hardness and mechanical properties of a HSLA steel with minimum tensile strength of 800 MPa. It was found that the microstructure, the hardness and the mechanical properties (yield strength, tensile strength and total elongation) were little affected by the change of coil temperature in the studied range, between 470 C and 680 C.This result is related with the cooling profile applied after the industrial rolling process, that results in a microstructure containing basically of ferrite matrix, with small fraction of pearlite and bainite. As the martensite start temperature of this steel is below the lowest coiling temperature applied in the study, there was no significant formation of this phase. Keywords: Multiphase steels; coil temperature; hot strip mill; automotive steels. 1 Engenheiro Metalurgista, Mestrando em Engenharia Metalúrgica, Assistência Técnica, Usiminas, Ipatinga, MG, Brasil. 2 Engenheiro Mecânico, M. Sc., PhD, Professor Adjunto do Demet da UFMG, Belo Horizonte, MG, Brasil. 3 Engenheiro Mecânico, Dr. - Ing., Centro de Tecnologia Usiminas, Usimina,; Ipatinga, MG, Brasil. 465
1 INTRODUÇÃO O crescimento do mercado de automóveis e a globalização têm provocado rápidas modificações em termos de utilização de processos produtivos e matérias-primas destinadas à produção de veículos cada vez mais modernos e adequados à legislação vigente [1-2]. Requisitos como redução do nível de emissão de poluentes e segurança do veículo são, hoje, tão importantes como seu design, potência e conforto. Dentro dessa tendência, a indústria automobilística tem realizado esforços para reduzir o peso dos veículos, atuando em componentes como suspensões, eixos de transmissão, sistemas de freios, rodas e toda a estrutura de sustentação do veículo. Uma solução cada vez mais adotada envolve a substituição dos aços convencionais por chapas de aço de maior resistência e menor espessura. Assim, essa demanda por redução de peso dos componentes intensificou a aplicação de aços de alta resistência que, dia-a-dia, têm sido introduzidos na indústria automotiva [3]. Buscando a contínua evolução dos aços desse setor, iniciou-se o desenvolvimento de um aço da classe de 800 MPa, com microestrutura multiconstituída (Ferrita- Bainita-Martensita-precipitados) [4]. A alta resistência aliada à boa conformabilidade e soldabilidade deste aço, possibilitará uma redução significativa de peso nos novos projetos de rodas automotivas. Para que sejam obtidas as microestruturas responsáveis pela combinação especial de resistência e conformabilidade que caracterizam os aços de resistência mais elevada para aplicação em rodas, é necessário um controle preciso do processo de fabricação, especialmente da laminação de tiras a quente. É sabido que, no processo de laminação a quente, a composição química do aço, a temperatura e o tempo de reaquecimento de placa, as temperaturas de acabamento e bobinamento, a escala de passes, a velocidade da linha e a estratégia de resfriamento, são variáveis que irão definir a microestrutura e as propriedades mecânicas do material em processo. Na fabricação de um aço com microestrutura formada por dispersão de uma segunda fase mais dura na matriz ferrítica, como é o caso dos aços de resistência mais elevada, o controle da temperatura de bobinamento desempenha um papel preponderante. Nesse trabalho, objetivou-se estudar os efeitos da variação da temperatura de bobinamento na microestrutura e nas propriedades mecânicas de um aço da classe 800 MPa, para aplicação em componentes automotivos. Visto já se ter uma composição química pré-definida, foram mantidas constantes todas as variáveis do processo, exceto a temperatura de bobinamento. 2 MATERIAIS E MÉTODOS O material utilizado foi um aço ARBL, microligado ao Nb e Ti, com a composição química mostrada na tabela 1. A produção da corrida e o processo de laminação a quente foram realizados em escala industrial, na Usiminas, Usina de Ipatinga. Uma corrida de 180 t foi produzida, gerando placas por lingotamento contínuo, que foram laminadas para atender a este estudo. Foram utilizadas quatro placas com 250 mm de espessura e 1300 mm de largura, provenientes do meio da sequência de lingotamento, laminadas a quente sob condições similares. No reaquecimento de placas empregou-se uma temperatura (TRP) igual a 1240 C, por 180 min, a fim de propiciar maior dissolução dos precipitados existentes. Foi visada uma temperatura de acabamento (TA) na laminação de tiras de 880 C, para as quatro placas. As 466
placas foram laminadas de 250 mm até 3,30 mm de espessura, visando-se para cada uma delas uma temperatura de bobinamento (TB), entre 510 C e 650 C. Os demais parâmetros de processo foram monitorados e controlados, podendo ser considerados constantes. Tabela 1. Faixa de composição química (% massa) do aço utilizado C Mn Si Al P S Nb Ti Cr 0,15 2,00 0,10 0,015 0,080 0,025 0,010 0,020 0,25 1,00 As bobinas laminadas a quente foram amostradas em uma das extremidades do seu comprimento (topo ou base), sempre no meio da sua largura, onde é feita a medição industrial das temperaturas de processamento (TA e TB). De cada amostra foram retirados três corpos de prova (CPs) para realização dos ensaios de tração, conforme a norma NBR ISO 6892 [5]. Foram usados CPs com base de medida 80 mm, e orientados transversalmente à direção de laminação. Os constituintes microestruturais do aço em cada condição de processamento foram identificados através dos microscópios ótico (MO) e eletrônico de varredura (MEV), em amostras atacadas com o reagente nital 4%. Os testes de dureza foram realizados conforme a norma NBR NM 6507 [6], em escala Vickers, com carga de 10 kgf (HV10). 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. Microestrutura ISSN 1516-392X Em função da variação de TB ao longo do comprimento de cada bobina laminada, foram selecionadas seis posições especiais, no seu início e/ou final, para a retirada das amostras usadas nas análises e nos ensaios deste estudo. O valor da temperatura TB visada correspondente a cada posição e à TB real obtida, é apresentado na tabela 2. Tabela.2. Posições de retirada das amostras usadas nas análises e nos ensaios deste estudo Visada TB ( C) Obtida Posição na laminação Posição na largura da tira 510 470 FINAL 510 500 FINAL 550 550 FINAL 600 600 FINAL 650 650 FINAL 650 680 INÍCIO MEIO A microestrutura das amostras, vista no MO, para todas as condições avaliadas, é formada predominantemente por matriz ferrítica, com grãos de contornos pouco definidos e formatos variáveis, como mostrada nos exemplos da figura 1. Embora a granulação da ferrita seja heterogênea, observa-se que a maioria dos grãos possui 467
tamanho bastante reduzido, abaixo de 5 m. Apesar da diferença de temperatura de bobinamento de até 210 C, não se observam grandes variações nas microestruturas. Figura 1 Aspecto típico da microestrutura das amostras correspondentes a diferentes temperaturas de bobinamento (TB), observadas por microscopia óptica. Ataque: Nital 4%; ampliação original: 1000X. Sob maior aumento, no MEV, verificou-se que, em todas as amostras, a segunda fase é constituída de perlita, bainita e algumas ilhas de martensita/austenita (MA) nos contornos dos grãos, como indicado na Figura 2 (TB = 650 C). Observa-se também que a matriz ferrítica se apresenta de duas formas distintas, uma com grãos 468
ISSN 1516-392X menores, equiaxiais e contornos bem definidos (F1), sugerindo ter sido formada após o processo de laminação a quente. Outra, com grãos alongados e sem definição dos contornos, com tamanhos variados (F2), provavelmente formados durante a laminação de acabamento. TB = 470 C TB = 500 C TB = 550 C TB = 600 C TB = 650 C TB = 680 C Figura 2 - Aspecto típico da microestrutura das amostras correspondentes a diferentes temperaturas de bobinamento (TB), observadas no MEV. Ataque: Nital 4%; ampliação original: 5000X 469
3.2. Propriedades Mecânicas em Tração Os resultados dos ensaios de tração realizados nas amostras retiradas no meio da largura das bobinas laminadas neste estudo são apresentados na tabela 3, como a média de três corpos de prova ensaiados para cada amostra. Tabela 3. Média dos resultados dos ensaios de tração realizados nas amostras retiradas no meio da largura das bobinas laminadas neste estudo TB ( C) LE (MPa) LR (MPa) Al (%) LE/LR 470 738,3 827,3 19,9 90,0 500 720,7 788,0 18,9 91,2 550 747,0 816,3 19,2 91,5 600 786,3 845,7 22,5 93,0 650 760,7 805,3 21,2 94,4 680 717,7 790,7 20,2 90,7 Na figura 3, esses resultados são mostrados graficamente, em função do valor de TB correspondente ao local de onde foram retiradas as amostras. Nesta figura, o desvio padrão de cada ponto do gráfico é indicado através de barras de erros. Notase que, apesar da diferença de temperatura de bobinamento de até 210 C, não se observam grandes variações nos valores das propriedades mecânicas encontradas. Figura 3. Variação das propriedades à tração das amostras retiradas das bobinas laminadas neste estudo em função da temperatura de bobinamento (TB) na posição de amostragem. LE = Limite de Escoamento; LR = Limite de Resistência; AL = alongamento total (base 80 mm) 470
De acordo com dados publicados na literatura, a diminuição da temperatura de bobinamento de aços ARBL provoca um aumento de LE e LR, acompanhado de uma redução de AL [7,8]. Figura 4. Influência da temperatura de bobinamento em um aço laminado a quente microligado ao nióbio com vários níveis de Mn [8]. De acordo com a figura 4, a TB pode influenciar o limite de escoamento em tração. Isto ocorre porque a diminuição da TB implica no aumento da taxa de resfriamento, afetando as temperaturas de formação dos produtos de decomposição da austenita e a quantidade de defeitos internos na subestrutura, tais como discordâncias e elementos em solução sólida, além de favorecer a formação de precipitados mais finos e dispersos pela matriz. Em outras palavras, a TB geralmente exerce influência sobre o tamanho e a morfologia dos grãos da ferrita, das colônias de perlita e dos precipitados. Ou seja, a diminuição da TB aciona os mecanismos clássicos de endurecimento por solução sólida, refino de grão e precipitação. Dessa forma esperava-se uma relação direta no aumento das propriedades mecânicas com o aumento da taxa de resfriamento, o que não se observou nos resultados apresentados na figura 3. No entanto, esse comportamento pode ser associado às transformações de fases do aço avaliado durante o resfriamento aplicado no presente estudo após a laminação a quente, como será mostrado na seção 3.5. 3.3. Dureza Em relação à dureza do aço estudado, os resultados médios obtidos das diferentes temperaturas de bobinamento utilizadas são apresentados na Tabela 4. Não se observou uma queda de dureza, com o aumento da (TB). 471
Tabela 4. Valores médios de dureza do material das amostras de bobinas laminadas, correspondentes a diferentes temperaturas de bobinamento (TB) (Vickers, carga de 10 kgf). TB ( C) Média HV10 kgf Desvio padrão 470 259,5 3,4 500 255,8 1,4 550 251,4 2,1 600 256,2 4,3 650 251,3 3,6 680 246,0 3,4 3.4 Transformações de Fases no Resfriamento após a Laminação a Quente Para se conhecer os produtos da transformação da austenita em função da composição química e da taxa de resfriamento (TR) aplicada, considerando diversas curvas de resfriamento contínuo, são elaborados diagramas de transformação de fases em resfriamento contínuo (TRC ou CCT), através de ensaios dilatométricos. A figura 5 apresenta o diagrama CCT elaborado pelo Centro de Tecnologia Usiminas para o aço ARBL da classe 800 MPa de LR, utilizado no presente estudo. Figura 5. Diagrama TRC para o material avaliado neste estudo. (Aquecimento a 10 C/s até 880 C, resfriamento a 1,0 C/s até 875 C) 472
O diagrama mostra que para resfriamentos aplicados a partir de 880 C, com taxas usuais na laminação industrial de tiras a quente, entre 2 C/s e 100 C/s, o produto apresenta microestrutura formada predominantemente por ferrita, perlita, bainita e martensita, com uma dureza crescendo desde cerca de 200 HV até 240 HV com o aumento da taxa de resfriamento. Analisando os dados de processo das bobinas deste estudo, cada seção da tira teve o resfriamento feito por jatos de água ao longo de uma mesa de resfriamento, depois de sair da última cadeira de laminação e antes de ser bobinada, resultando em uma taxa média de cerca de 35 C/s. Nesta taxa de resfriamento observa-se na figura 5 que, para as temperaturas de bobinamento estudadas, espera-se encontrar uma microestrutura formada predominantemente por uma matriz ferrítica, perlita e bainita, sem a formação de martensita, cuja temperatura de início de transformação se encontra abaixo da temperatura de bobinamento mínima estudada. 4 CONCLUSÃO A microestrutura das bobinas laminadas industrialmente com temperatura de bobinamento variando entre 470 C e 680 C é formada basicamente por uma dispersão de segunda fase em matriz ferrítica. Apesar da diferença de temperatura de bobinamento de até 210 C, não se observaram grandes variações nas microestruturas. Observou-se também, pequena variação nas propriedades mecânicas do material avaliado. O limite de resistência variou entre 788 MPa e 846 MPa, o limite de escoamento entre 718 MPa e 786 MPa, e o alongamento total entre 18,9% e 22,5%. Isto está relacionado com a microestrutura formada no resfriamento após a laminação de acabamento, composta predominantemente por ferrita e pequenas quantidades de perlita, bainita e constituinte MA. Os resultados de dureza mostraram a mesma tendência encontrada nas propriedades mecânicas e microestrutura, não apresentando uma variação significativa com o aumento da temperatura de bobinamento. Agradecimentos À Usiminas, pela oportunidade e pelos recursos disponibilizados para a realização deste trabalho, à Universidade Federal de Minas Gerais e ao CAPES-PROEX. REFERÊNCIAS ISSN 1516-392X 1 Marron, G.; Teracher, P. The Application of High-Strength, Hot-Rolled Steels in Auto Wheels. JOM, v.48, n.7, p.16-20, July 1996. 2 Souza, M.; Melo, T.; Andrade, G.; Gritti, J; Costa, J. Desenvolvimento de Aço Bifásico Ferrita-Martensita para Aplicação em Rodas. Seminário de Laminação: Processos e Produtos Laminados e Revestidos -ABM, 34, 1997, Belo Horizonte, 1997. p.27-39. 3 Meyer, L.C.O., Araujo, C.S., Gritti, J.A., Costa, J.A. Desenvolvimento de acos ferritabainita para aplicacao em rodas automotivas. In: Seminário de Laminacao - ABM, 32, 1995, Curitiba, 1995. 17p. 4 Avelar Júnior, A. R. Influência das condições de laminação a quente nas propriedades mecânicas em tração de aço ARBL da classe 700MPa de limite de escoamento. 50º Seminário de Laminação - Processos e Produtos Laminados e Revestidos - Ouro Preto, MG, 2013. 473
5 Associação Brasileira De Normas Técnicas. Rio de Janeiro. NBR ISO 6892, Materiais Metálicos - Ensaios de tração à temperatura ambiente, 2002. 34p. 6 Associação Brasileira De Normas Técnicas. Rio de Janeiro. NBR NM ISO 6507-1, Materiais Metálicos - Ensaio de Dureza Vickers Parte 1: Método de Ensaio, 2008. 22p. 7 Pickering, F. B. Physical Metallurgy and the Design of Steels, 1ª Ed. Essex: Applied Science Publishers, 1978. 275p 8 Pradhan, R. Continuously Annealed Cold-Rolled Microalloyed Steels with Different Microestructures, In: International Conference On Technology And Applications Of HSLA Steels. 1983, Philadelphia. Proceedings HSLA Steels Technology e Applications. Ohio: ASM, 1984. P. 193-201. 474