HISTÓRIA E MEMÓRIA: MORADORES DE CASAS NO INÍCIO DA FORMAÇÃO URBANA NO SÉCULO XX EM JATAI - GO José Antonio de Souza Filho (Universidade Federal de Goiás) Este trabalho busca resgatar a memória individual dos moradores que residem atualmente em casas edificadas no começo da formação da cidade de jataí, especificamente as que foram construídas no inicio do século XX. Essas casas que nasceram no século passado fazem parte do primeiro centro urbano de jataí e mantém a originalidade 1 de seus primeiros moradores. Vendo que se trata de pessoas que viveram grande parte de sua vida nessas residências e atualmente ainda moram nelas, foi dirigido o trabalho sobre o resgate das lembranças dessas casas, remanescentes construídas no século XX. Esse interesse surge no momento em que se sabe que os moradores dessas casas, denominadas como antigas 2, preservam na memória a cultura de seu tempo, os vários processo de modernização que a cidade passou nas ultimas décadas e também a casa. Portanto, havia a necessidade de resgatar a memória desses moradores, uma vez que eles são fontes vivas e que não são preservadas pela falta de conhecimento histórico, ausentando aqui qualquer tipo de investigação sobre a questão dessa lembrança. É necessário trazer o resgate da memória, principalmente as que são desconhecidas da cidade, e assim, ajudar a compreender o passado para melhor entender o presente. As casas erguidas no inicio do século passado, apesar de seu tempo de construção, continuam com seu estilo arquitetônico original. Porém, é verdade que algumas casas já passaram por algum processo de restauração 3. Contudo, a resistência ao tempo destas casas faz com que elas sejam hoje lugares que confirmam a memória de seus moradores, uma vez que os individuos tem as diversas lembranças vividas nesse espaço que ele conhece desde sua infância. Essa união que a memória faz junto ao homem e a casa é justificada através da quantidade de tempo (histórico) que o morador viveu no lugar. 1 Originalidade entendida como objeto não alterado e pertencente aos primeiros moradores dessa casa. 2 Antiga, considerando que para estes moradores essa forma visível seria como um sinal de identidade e que as individualizam enquanto referência a um passado específico no contexto das outras formas contemporâneas. 3 Restauração ou recuperação de partes ou simplesmente da fachada, onde em muitos casos, coexistem grandes alterações internas com a inalterabilidade da forma visual frontal.
Discutirei também a relação dos atuais moradores de casas do inicio século XX como fonte orais, que viram as diferentes fases da modernização que a cidade passou nestas ultimas décadas, e por serem fontes vivos é possível estudar o processo de memória individual relacionando o morador da residência vintessista. Desta maneira, o estudo envolve-se na problemática de se utilizar a memória individual como fonte histórica, onde o morador viu, presenciou e conta a sua historia. A preocupação aqui não é com os grandes acontecimentos ocorridos na cidade de jataí e sim com o cotidiano, com os fatos talvez, até desconhecidos. Sabemos quem fundou a cidade de jataí 4, e quem ajudou a povoar? Pouquíssimos sabem. É esta questão que o trabalho ajuda a responder, através de resgatar a memória individual dos moradores que teve sua casa construída nas primeiras décadas do século XX. Para o estudo foram feitas entrevista com moradores que residem da época presente em casas do período delimitado, onde foi o primeiro centro urbano de jataí. A eles foram aplicados um questionário procurando identificar a ligação com a casa, como o tempo em que o morador habita a residência. Seguindo, como foi à passagem da sua construção ate hoje, se a moradia passou por alguma modificação ou restauração. Também foi percebido o grau de compreensão sobre a lei municipal de preservação das casas antigas da cidade, o processo de tombamento. A novidade aqui é que a maioria dos moradores sabem do processo de preservação, mas não o compreendem. Sobre a história da casa, como, os moradores pioneiros, datação histórica e a finalidade da obra, os entrevistados não se recordam, principalmente sendo fatos que ocorreram antes da sua chegada. No final, o morador começa a se encontrar dentro do passado/presente, daí 4 A cidade de Jataí constitui-se na última fase da expansão do gado que, vindo da Zona Leste do Brasil, através do rio São Francisco, tomou conta de Minas Gerais e veio até Goiás e Mato Grosso. Até essa época, a região sudoeste era pouco conhecida, envolta em perigos e mistérios. Mas, sustentados pelo sonho desenvolvimentista, os primeiros desbravadores chegaram à região, ignorando quaisquer obstáculos. Em setembro de 1836, Francisco Joaquim Vilela e seu filho José Manoel Vilela, procedentes de Espírito Santo dos Coqueiros, município de Lavras do Funil, hoje cidade de Coqueiral, Estado de Minas Gerais, entraram pelo leste, através de Rio Verde nos sertões do sudoeste goiano, onde montaram uma fazenda de criação de gado, às margens dos Rios Claro e Ariranha. Do encontro dos dois pioneiros ficou acertado amigavelmente, de modo definitivo, simples e prático, que as terras banhadas por águas da margem esquerda do Ariranha, pertenceriam aos Vilelas, e as percorridas por afluentes do Bom Jardim, seriam dos Carvalhos. Posteriormente formou-se então o primeiro núcleo de povoação, com terreno doado por Francisco Joaquim Vilela e sua mulher Genoveva Maximinia Vilela, recebendo o nome de Paraíso. Em 17 de agosto de 1864, o Presidente da Província de Goiás elevou a categoria de Freguesia, a Capela do Divino Espírito Santo de Jataí, criando assim o Distrito de Paraíso de Jataí. Em 09 de julho de 1867, foi lançada a pedra fundamental da Igreja, pelo padre Antônio Marques Santarém. Em 28 de julho de 1882 de acordo com a resolução nº 668 foi lançada a pedra fundamental, criando o município de Paraíso. Em 02 de fevereiro de 1885 recebeu o nome de Jataí. No entanto, foi através da Lei Estadual nº 56 de 31 de maio de 1895, que a sede do município se elevou à categoria de cidade de Jataí, por imposição do Tenente Coronel José Manoel Vilela. A comarca de Jataí foi implantada em 21 de julho de 1898 desmembrando-se judicialmente de Rio Verde. Fonte:http://www.jatai.go.gov.br. Acesso: 07 de Setembro 2007.
as perguntas sugere que ele exponha suas saudades em seu tempo de criança, as mudanças nas formas de construção e o fato do crescimento que a cidade teve. Compartilho com Halbwachs (2004) a idéia de que a memória carece de melhores cuidados, por isso a necessidade de resgatar a lembrança individual, mantendo assim as recordações do sujeito que viveu em décadas anterior, preservando a historia que direta ou indireta faz parte de nossa realidade. A lembrança, esta pode se justificar através da imagem, neste caso a imagem que corresponde as espaço como lugar de moradia. Para Halbwachs, a lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados ao presente, e além disso, preparada por outras reconstruções feitas em espaços anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada (Halbwachs, 2004:PP.75.6). Então, e o espaço em manifestação que afirma a lembrança da memória na atualidade uma vez que a casa encontra-se em processo permanente de ocupação, onde o morador que passou a maior parte de sua vida, e sabendo do espaço em utilização se trata de edificação não contemporânea, mas que guarda recordações desse passado vivido (Halbwachs, 2044: p75). Retornando para o aspecto do espaço como moradia, discutirei o conceito de casa na mentalidade do morador que hoje reside na casa construída no inicio do século XX. Para este a residência antes de tudo e definida como antiga, este conceito de fato é afirmativo, uma vez que o individuo viveu e viu sua casa atravessar várias décadas mantendo a preservação arquitetônica original, e passando no máximo por alguma restauração. Além de presenciar o surgimento de novos padrões na construção, ultrapassando assim esta moradia que no século passado era considerada moderna para sua época. Hoje esses moradores têm uma visão/conceito de que esta casa ventissista se enquadra em um modelo antigo. Essa variação de tempo faz surgir o conceito de novo e velho, e passam a ser empregados na medida em que as residências avançam no tempo. Esse modelo antigo de casa remete ao rural, uma vez que elas estão relacionadas na formação inicial da cidade e que englobavam com as casas rurais que aqui já existiam, a elas se referindo, ou repetindo em menor escala e complexidade a espacialidade das edificações não urbanas.
Com o processo de modernização da cidade foi possível ver a divergência no espaço urbano entre os diferentes tipos de casas antigas e contemporâneas. Tal divergência sobretudo na visão dos moradores das casas selecionadas para este estudo - põe em risco as casas construídas no século passado, pois a modernização não visa manutenção desse patrimônio e, portanto retorna a questão do novo e do velho onde dentro dessa modernidade o antigo acaba sendo marginalizado. Esta marginalização é entendida como uma valorização pela sociedade de coisas no momento presente, neste caso, construções modernas. É fato também, que a modernização avançou no tempo sem preocupar com as edificações do começo da construção da cidade, assim além de retirar da cidade a característica de seu estilo inicial, esconde sob a contemporaneidade os traços característicos do seu passado. É importante analisar dentro desse conceito de casa a relação entre os presentes moradores e antepassados que residem na casa. Todos eles fazem parte do processo de reconhecimento sobre aquisição do imóvel que em primeiro momento não lhes pertencia, lembrando assim, desse primeiro morador da casa e em alguns casos da historia particular, mantendo assim, por via oral a memória de todos aqueles que de alguma forma fizeram parte da historicidade dessa casa em destaque. Este conceito de lugar dito antigo por estes indivíduos, são na verdade, o espaço entendido como perfeito, segundo Halbwachs, que viabiliza e confirma o estado da memória individual deste habitante. Concluo sabendo da complexidade que é a busca em resgatar a historia de vida destes moradores, mas ao estudar suas vidas junto à casa, descobri a instituição sensível 5, que para Halbwachs, se trata da instituição da existência da memória individual por meio da memória coletiva, portanto, as lembranças de vida podem ser afirmadas pelo espaço construído pelo conceito da casa por esse morador. Por outro lado, ainda são grandes os problemas em trabalhar com as fontes orais, neste caso; principalmente, trabalhando a questão da memória individual. Este estudo foi dificultado no momento em que a fonte, aqui oral, tem a incapacidade de se lembrar, sua infância junto a casa, e mais, a imprecisão das lembranças vivenciadas nesses períodos. 5 Halbwachs, 2004: p.41
Convergindo para o estudo da relação história e a memória está a questão da não correta compreensão do que venha a ser o processo de tombamento do patrimônio municipal por este morador remanescente, já que ele se encontra em uma residência antiga cujos padrões arquitetônicos desta são oriundos do inicio do século XX. Porém há aqueles que o conhecem, mas não o compreendem de fato, sobretudo o seu funcionamento burocrático e documental. Assim, além da problemática do tombamento e da manutenção do patrimônio construído e no caso - de residências antigas somase às dificuldades financeiras de se restaurar uma propriedade particular, mesmo sabendo a sua importância enquanto marco de memória e a necessidade de se preservar um patrimônio que guarda a memória de seus moradores juntamente com seu tempo histórico. BIBLIOGRAFIA BOSI, E. Memória e Sociedade. Lembrança de Velhos. São Paulo: Cia das Letras, 1994. BURKE, P. A história como Memória Social. O Mundo como teatro - estudos de Antropologia História, Lisboa: Difel, 1992. FILHO, Nestor Goulart Reis. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1984. HALBWACHS, M. A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro, 2004.