PROSPECÇÃO DE POPULAÇÕES DE ESPÉCIES DO GÊNERO Gossypium, NATIVAS OU NATURALIZADAS, NO ESTADO DO CEARÁ Francisco das Chagas Vidal Neto (Embrapa Algodão / vidal@cnpa.embrapa.br), Paulo Augusto Vianna Barroso (Embrapa Algodão), José Wellington dos Santos (Embrapa Algodão), Gildo Pereira de Araújo (Embrapa Algodão). RESUMO - O levantamento, mapeamento, coleta e caracterização das populações de Gossypium ocorrentes no Brasil são instrumentos para o conhecimento da sua diversidade. Como parte de um projeto nacional, foi conduzida uma expedição às principais áreas de com presença de Gossypium no estado do Ceará para realização de um estudo sobre a ocorrência de populações de espécies nativas ou naturalizadas deste gênero. Foram realizadas 126 coletas, em 81 propriedades de 45 municípios, nos quais eram preenchidos questionários visando caracterizar as populações encontradas. Constatouse a presença de populações preservadas de G. barbadense nas microrregiões geográficas do litoral de Camocim e Acarau e do Cariri, no estado do Ceará, onde é cultivado como plantas de fundo de quintal, quase que exclusivamente para fins medicinais. Há grande diversidade genética em G. hirsutum L.r. marie galante, no estado do Ceará. Palavras-chave: diversidade genética; Gossypium hirsutum; Gossypium barbadense PROSPECTION, OF POPULATIONS OF SPECIES OF THE GENUS Gossypium, NATIVES OR NATURALIZED, IN THE STATE OF THE CEARÁ ABSTRACT - The survey, mapping, collect and characterization of the occurring populations of Gossypium in Brazil are instruments for the knowledge of its diversity. As part of a national project, a collecting expedition to the main areas with Gossypium occurrence in Ceará state, was lead, carrying through a study on the presence of populations of native or naturalized species, of this genus. 126 collections had been carried through, in 81 properties of 45 counties, where questionnaires were filled having aimed at to characterize the finded populations. The presence of preserved populations of G. barbadense in the geographic microregions of the Camocim and Acarau coast and Cariri was evidenced, in the Ceará State, where it is cultivated as plants of deep of yard and almost exclusively for medicinal ends. It has great genetic diversity of G.Hirsutum L.r. marie galante in Ceará State. Key words: Genetic diversity; Gossypium hirsutum; Gossypium barbadense INTRODUÇÃO O estudo da diversidade genética de uma espécie é de grande importância para sua preservação e utilização em programas de melhoramento genético. Segundo Freire et al. (2000), no Brasil são encontradas três espécies do gênero Gossypium, nas formas silvestres ou asselvajadas: Gossypium mustelinum, Gossypium barbadense e Gossypium hirsutum L.r. marie galante Hutch. A espécie G. mustelinum tem registro de coleta no município do Crato, situado na Chapada do Araripe, estado do Ceará, em 1938 (PCKERSGRILL et al., 1975). A G. hirsutum L.r. marie galante Hutch (Algodão mocó) é de ocorrência comum em todo o estado do Ceará, onde foi amplamente cultivada até meados da década de 1980. A G. barbadense, que ocorre nas formas varietais semi-domesticadas rim-
de-boi e quebradinho, é citada como ausente no semi-árido nordestino, devido à pluviosidade insuficiente para o seu desenvolvimento. O trabalho teve como objetivo, realizar a coleta in situ e sistematização de informações, sobre a ocorrência de populações de espécies do gênero Gossypium, nativas ou naturalizadas, no estado do Ceará, visando atualizar a base de conhecimentos sobre sua evolução e oferecer subsídios a futuras ações de preservação. MATERIAL E MÉTODOS Este trabalho é parte do projeto Prospecção e caracterização de populações das espécies do gênero Gossypium nativas ou naturalizadas do Brasil que se encontra em andamento e foi realizado no estado do Ceará. A caracterização in situ e coleta de plantas de G. barbadense, G. mustelinum e G. hirsutum var. marie galante foram realizadas com base em levantamentos conduzidos por uma expedição às principais áreas de ocorrência das espécies no Estado. A expedição durou 15 dias nos meses de novembro e dezembro de 2004 e teve um percurso de 4216km, onde foram realizadas 126 coletas, em 81 propriedades de 45 municípios. Para cada ponto de coleta das populações foi preenchido um questionário com quesitos sobre a localização geográfica e o proprietário/mantenedor, a estrutura da população e do ambiente em que a população está localizada. A identificação das espécies realizada a campo, será posteriormente confirmada pela avaliação de um exemplar herborizado, já enviado para classificação à Embrapa Cenargen para classificação. RESULTADOS E DISCUSSÃO As coletas foram realizadas nas principais áreas de ocorrência das espécies no Estado, segundo informações de produtores, extensionistas e comerciantes, além de outros componentes da cadeia produtiva (Tab. 1). A realização do levantamento, mapeamento, coleta e caracterização nos meses de novembro e dezembro, limitou um pouco o trabalho, tendo em vista que, na maioria dos casos, as colheitas já haviam sido realizadas e as plantas se encontravam com pouco material vegetativo, prejudicando a caracterização morfológica, e a identificação de prováveis ocorrências de doenças e pragas, inviabilizando a coleta de material em muitas áreas visitadas. De acordo com os dados, observou-se que 87,65% das coletas foram da espécie G. hirsutum L.r. marie galante Hutch, 8,65% de G. barbadense e 3,50% classificado como espécie desconhecida, pois as características morfológicas intermediárias entre as raças de G. hirsutum Latifolium e marie galante sugerem um provável híbrido entre estas (Fig 1). Até o momento não havia registro da ocorrência de populações de G. barbadense no estado do Ceará. A espécie G. barbadense foi encontrada exclusivamente como plantas de fundo de quintal, utilizada principalmente para fins medicinais. As plantas coletadas apresentavam idades variando entre 2 a 8 anos, altura média de 2 a 4m. Foram encontradas plantas com sementes separadas (28,56%), características da variedade botânica barbadense e plantas com sementes agrupadas, formando uma estrutura conhecida com rim-de-boi, características da variedade brasiliense, cujas sementes estavam aderidas umas às outras de modo firme (42,86%) ou fraco (28,56%). Esta espécie foi registrada quase que exclusivamente no litoral norte do estado, mais precisamente nos município de Cruz e Jijoca, região caracterizada pela ocorrência de grandes cajueirais, predominantemente em pequenas
propriedades ou residências rurais. Apenas uma ocorrência foi registrada no município de Barbalha, localizado na região do Cariri. As sementes para o plantio foram obtidas de familiares ou vizinhos e apresentavam presença parcial de línter branco e fibra branca. Este comportamento não indica a ocorrência de fluxo gênico, uma vez que, apesar da predominância de manchas nas pétalas da espécie, a sua ausência é bem documentada na literatura. Das sete coletas desta espécie, quatro não apresentavam flores e, as três restantes tinham flores com mancha forte, mancha fraca e sem manchas vermelhas nas pétalas. Embora a presença de manchas nas pétalas seja predominante na espécie, a ausência é bem documentada na literatura; portanto, sua ausência não indica, necessariamente, que tenha ocorrido fluxo gênico. Não há risco de fluxo gênico, uma vez que, com exceção da ocorrência de Jijoca, onde foram identificadas três plantas adultas de algodão mocó, não foi detectada a presença de outras espécies de algodão. Tabela 1. Distribuição das coletas realizadas por município, no estado do Ceará. Mesorregiões geográficas Microrregiões geográficas Municípios Coletas Plantas Nordeste Cearense Litoral de Camocim e Acarau Bela cruz 1 1 Cruz 5 5 Jijoca 2 2 Sobral Forquilha 3 7 Masspê 2 3 Santa Quitéria Catunda 3 5 Santa Quitéria 2 4 Ipu Ipueiras 1 1 Norte Cearense Itapipoca Amontada 2 4 Itapipoca 2 3 Uruburetama Itapagé 1 3 Tururu 1 2 Uruburetama 2 2 Canidé Canidé 2 2 Baturité Baturuté 1 1 Capistrano 2 4 Metropolitana de Fortaleza Metropolitana de Fortaleza Caucaia 1 1 Guaiuba 1 1 Maracanaú 1 1 Pacatuba 2 3 Sertões Cearenses Sertão de Crateús Crateús 1 1 Independência 1 2 Monsenhor Tabosa 1 1 Tamboril 1 1 Sertão dos Inhamuns Aiuaba 4 6 Tauá 2 3 Sertão de Quixeramobim Boa Viagem 3 4 Choró Limão 1 3
Ibaretama 1 3 Quixadá 2 4 Quixeramobim 2 3 Sertão de Senador Pompeu Acopiara 4 7 Mombaça 1 1 Pedra branca 1 2 Senador Pompeu 1 1 Centro-sul Cearense Várzea Alegre Várzea Alegre 2 2 Sul cearense Barro Barro 2 3 Aurora 1 3 Chapada do Araripe Campos Sales 1 2 Potengí 1 2 Cariri Barbalha 4 6 Crato 2 4 Santana do Cariri 2 3 Caririauçu Caririaçu 2 2 Farias Brito 1 2 Total 81 126 Não identificado 3,70% G. barbadense 8,64% G. hirsutum 87,65% Figura 1. Distribuição das coletas segundo a espécie. A espécie G. hirsutum, por ser de ampla distribuição no semi-árido nordestino onde foi amplamente cultivada, representou 87,65% das coletas. A maior ocorrência foi registrada em pequenas propriedades (39,51%) que adotam o sistema de cultivo tradicional, consorciado com culturas
alimentícias e associado à pecuária. O tipo de população predominante foi de variedade local (39,51%). As plantas de beira de estrada representaram 24,69% e tem origem na dispersão de sementes durante o transporte. Segundo (LLEWELLYN e FITT, 1996), a dispersão de sementes a partir das lavouras dificilmente ocorre, visto serem grandes, cobertas por abundante quantidade de fibras e raramente transportadas por animais. Entretanto, observou-se a dispersão de sementes a pequenas distâncias a partir de lavouras, favorecida pelo declive do terreno e pela altura das plantas de até mais de seis metros, cujos capulhos pequenos (2 a 3g) com baixa umidade se tornam mais leves e são carregados pelo vento, ocasionando o surgimento de plantas contíguas às capoeiras, atingindo até 20m de distância. A água de enxurrada também poderia estar contribuindo para isto, em que circunstâncias também, se observou o transporte de capulhos de algodão por pássaros, a maiores distâncias, para a construção de ninhos, favorecendo o fluxo gênico. Apesar das restrições naturais das áreas de plantio do algodão mocó, foi detectado risco de fluxo gênico com algodoeiros herbáceos em 9,88% das populações. O fluxo é facilitado pela ocorrência contígua de lavouras de cultivares semi-perenes, e/ou variedades locais de algodão mocó, de pluma branca ou colorida e do algodão herbáceo. Caso ocorra, este fluxo será resultante do transporte do pólen entre estas espécies. O cruzamento pode ser favorecido pela alta taxa de alogamia do mocó, que pode chegar a 100% (FREIRE e COSTA, 1999). Uma outra forma de fluxo que é bastante comum e que se acentuou com a ausência de controle de distribuição das sementes é a mistura de sementes nas usinas, que as repassam para o plantio. Na maior parte das populações realiza-se colheitas e beneficiamento, manual ou na algodoeira e em apenas 24,69% das amostras, o algodão é comercializado. As populações de algodão coletadas são empregadas para os mais diversos fins, sendo que a maior parcela ainda é para fiação (24,69%). As plantas apresentavam idade média de 1 a 20 anos, sendo que as mais velhas eram representadas por capoeiras de algodão mocó. Nestas capoeiras, destinadas à comercialização, não havia plantas jovens, que eram destruídas pelo pastoreio do gado ou pelo roço realizado antes da colheita. Por outro lado, foi registrada a presença de plantas jovens em várias idades, em populações de fundo de quintal e em menor nível em beira de estrada, devido ao roço freqüente. A presença de mancha vermelha na base das pétalas, variando de fraca a forte, foi detectada em 84,48% das populações, além da presença de aproximadamente 200 plantas de pluma marrom e duas cremes dentro de um plantio de variedade local. A mudança de hábitos culturais e o abandono (40,74%) constituíram o maior percentual de risco para as populações observadas, vindo, a seguir, a depredação do ambiente, o pastejo de animais e o fluxo gênico. As ações públicas no sentido da destruição e desestímulo ao plantio destes algodões também representam risco para ditas populações e como decorrência, em municípios como Quixeramobim, Quixadá, Senador Pompeu e Canindé, entre outros, antigos grandes produtores de algodão mocó, são poucas as ocorrências de G. hirsutum var. marie galante. O bicudo-do-algodoeiro foi a principal praga, com 97,53% de ocorrência, seguido da Lagartarosada (93,83%), do percevejo manchador (88,89%), além de outros de pequena ocorrência.
CONCLUSÕES 1. Foi constatada a presença de populações preservadas de G. barbadense nas microrregiões geográficas do Litoral de Camocim e Acarau e do Cariri, no Estado do Ceará; 2. O G. barbadense é cultivado como plantas de fundo de quintal e quase que exclusivamente para fins medicianis; 3. Há grande diversidade genética em G. hirsutum L.r. marie galante no estado do Ceará. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREIRE, E. C. Distribuição, coleta, uso e preservação das espécies silvestres de algodão no Brasil. Campina Grande: Embrapa Algodão, 2000. 22 p (Documentos, 78). FREIRE, E. C.; COSTA, J. N. da. Objetivos e métodos utilizados nos programas de melhoramento do algodão no Brasil. In: BELTRÃO, N. E. de M. (Ed.) O agronegócio do algodão no Brasil. Brasília: Embrapa Comunicação para Transferência de Tecnologia, 1999. v. 1, p. 271-93. PICKERSGILL, B.; BARRET, C. H.; LIMA, D. A.. Wild cotton in northeast Brazil. Biotropica. v. 7, n. 1, p. 42-54, 1975.