Interação Genótipo-Ambiente para a Produção de Leite em Rebanhos da Raça Holandesa no Brasil. 2. Uso de um Modelo Animal 1



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Transcrição:

Rev. bras. zootec., 29(6):2030-2035, 2000 (Suplemento 1) Interação Genótipo-Ambiente para a Produção de Leite em Rebanhos da Raça Holandesa no Brasil. 2. Uso de um Modelo Animal 1 Paulo Roberto Nogara Rorato 2, Dale Van Vleck 3, Rui da Silva Verneque 4, Mário Luiz Martinez 4, José Valente 4, Claudia Helena Gadini 5 RESUMO - Com o objetivo de estudar o efeito da interação genótipo-ambiente sobre o desempenho produtivo de vacas da raça Holandesa no Brasil, foram estudados os registros de produção total de leite à primeira lactação de 14.238 vacas, filhas de 233 touros distribuídas em 377 rebanhos, no período de 1981 a 1991. Os dados pertencentes ao Arquivo Zootécnico Nacional-Gado de Leite foram estratificados de acordo com a produção média de leite do rebanho, por lactação, em níveis baixo (B), médio (M) e alto (A). Os componentes de (co)variância foram estimados utilizando-se o método da máxima verossimilhança restrita sob um modelo animal, considerando a produção total de leite, em função dos efeitos fixos rebanho-ano-época e aleatórios genético aditivo, interação touro x ano-época e residual. Os componentes de variância genética (s 2 a ) foram 1.012.987, 429.703 e 583.650 e os de ambiente (s2 e ) foram 597.785, 1.168.903 e 1.164.211, respectivamente, para os níveis B, M e A. Os coeficientes de herdabilidade estimados foram 0,58; 0,26; e 0,32, para os níveis B, M e A, respectivamente. Os coeficientes de correlação genética entre os níveis, medida da interação genótipo-ambiente, foram 0,42, entre os níveis B e M, 0,59, entre os níveis B e A e 0, 98, entre os níveis M e A. Palavras-chave: coeficientes de herdabilidade, componentes de variância, correlação genética, interação genótipo-ambiente, produção de leite Genotype-Environment Interaction on Milk Production in Holstein Herds in Brasil. 2. Use of an Animal Model ABSTRACT - Records on 14.238 first lactations of Holstein cows sired by 233 bulls distributed in 377 herds from 1981 to 1991 were used to study the effect of genotype-environment interaction on milk production. The data were distributed in three levels (low- B, medium-m and high-a) according to the average of the herd milk production. (Co) variances components were estimated by REML using an animal model considering milk production as a function of the herd-year-season fixed effect and the additive genetic, sire by year-season interaction, and residual random effects. The estimated variance components were 1,012,987, 429,703, and 583,650, for the genetic (s 2 a ) and 594,785, 1,268,903, and 1,164.211, for the environmental (s2 e ) variance, respectively, for the levels B, M, and A. The estimated heritabilities were.58,.26, and.32, respectively, for B, M, and A levels. The estimated genetic correlations were.42,.59, and.98, among the levels B and M, B and A, and M and A, respectively. Key Words: coefficients of heritability, genetic correlation, genotype by environment interaction, milk production, variance components Introdução Por ser um país continental, o Brasil apresenta grande variação climática, com baixas temperaturas no inverno e verão quente; um regime de chuvas bem distribuído durante o ano todo, no sul; inverno seco com temperatura amena e verão quente e chuvoso, nas regiões centrais; clima tropical úmido, na região norte e semi-árido na região nordeste. O maior percentual da produção de leite nacional está concentrado nas regiões central e sul do país proveniente de animais da raça Holandesa e seus mestiços. Por originar-se de região de clima temperado, esta raça, quando exposta a condições diversas, necessita adaptar-se modificando o metabolismo em busca do conforto térmico. A energia despendida neste processo é subtraída daquela disponível para a produção, que, por conseguinte, é reduzida. O melhoramento genético dos rebanhos leiteiros brasileiros, em geral, passa pela importação de sêmen. Todavia, para nossas condições criatórias, em conseqüência das diferenças de ambiente, os produtos destas importações muitas vezes têm evidenciado baixo desempenho produtivo. Segundo BUVANENDRAN e 1 Pesquisa financiada pela CAPES. 2 Professor do Departamento de Zootecnia - UFSM - 97105-900 - Santa Maria - RS. 3 Professor do Animal Science Department - UNL - Lincoln - Nebraska - USA. 4 Pesquisador do CNPGL/EMBRAPA - Coronel Pacheco - MG. 5 In Memoriam.

PETERSEN (1980), a interação genótipo-ambiente origina mudanças na ordem de classificação dos valores genéticos e nas variâncias genéticas. Na tentativa de elucidar a importância da interação genótipo-ambiente, inúmeros trabalhos de pesquisa foram realizados, estimando-se a correlação genética entre o desempenho das filhas de um mesmo reprodutor em diferentes condições de ambiente dentro de um mesmo país, como nos trabalhos de VAN VLECK (1963), MOULICK (1978), DE VEER e VAN VLECK (1987) e CARABAÑO et al. (1990), ou mesmo entre países diferentes, como nos trabalhos de PETERSEN (1975), McDOWELL et al. (1976), MENENDEZ e GUERRA (1981), CARABAÑO et al. (1989) e STANTON et al. (1991). Esses autores concluíram que não ocorre, ou se ocorre não tem importância prática, alteração na ordem de classificação dos genótipos, como conseqüência da interação genótipo-ambiente. Conclusão semelhante foi relatada por MAITA e VACCARO (1988), na Venezuela, comparando os desempenhos de filhas de touros nativos com os de filhas de touros importados. Entretanto, BUVANENDRAN e PETERSEN (1980) encontraram correlação genética baixa (0,08) para a produção de leite, no Sri lanka e na Dinamarca, e ABUBAKAR et al. (1987) estimaram correlação genética igual a 0,26 entre a ordem de classificação dos valores genéticos de touros no México e na Colômbia, indicando mudanças consideráveis na ordem de classificação dos reprodutores nos dois países. HOURI NETO (1996), estudando a correlação genética entre o desempenho das filhas de touros no Brasil e nos Estados Unidos, concluiu que a resposta, em termos de produção, era diferente nos dois países, em função da interação genótipo-ambiente. O efeito da interação genótipo-ambiente sobre o desempenho produtivo da raça Holandesa, no Brasil, foi estudado por MADALENA et al. (1982), os quais encontraram efeito significativo para a interação grupo genético-nível de manejo em rebanhos mestiços das raças e Guzerá. VENKOWSKY e DIAS (1970) verificaram a superioridade do grupo genético 5/8 Holandês + 3/8 Guzerá em regime de criação extensivo, enquanto, em sistemas intensivos de produção, PIRES et al. (1985) verificaram acréscimo significativo na produção de leite e na duração da lactação com o aumento da proporção de genes da raça Holandesa na composição genética dos animais. De forma semelhante, em estudo realizado por RORATO et al. (1992), no Estado do Paraná, o melhor desempenho foi verificado nas filhas de touros RORATO et al. 2031 de origem nacional, quando exploradas em rebanhos com nível de produção de até 5.000 kg leite/lactação, ao passo que as filhas dos touros de origem americana e canadense foram mais produtivas nos rebanhos com nível de produção superiores a este. RORATO et al. (1994), ainda no Estado do Paraná, estimaram coeficientes de correlação genética iguais a 0,25 e 0,36 entre o desempenho das filhas de um mesmo reprodutor em regiões diferentes. Pesquisando muitos rebanhos da raça Holandesa no Brasil, em que o ambiente foi estudado de forma indireta pelo nível de produção, RORATO et al. (1999) verificaram que os menores coeficientes de correlação genética ocorreram entre os ambientes mais contrastantes. Os estudos sobre interação genótipo-ambiente são contraditórios, merecendo ser mais pesquisado nas condições brasileiras. O objetivo deste trabalho foi avaliar a ocorrência da interação genótipo-ambiente sobre a produção total de leite na raça Holandesa, por intermédio da estimativa dos coeficientes de herdabilidade e de correlação genética entre as produções das filhas de um mesmo reprodutor em ambientes diversos, representados por três níveis diferentes de produção. Material e Métodos Foram estudadas as produções totais de leite à primeira lactação de 14.238 vacas da raça Holandesa, filhas de 233 touros, distribuídas em 377 rebanhos, no período de 1981 a 1991. Os dados foram extraídos do Arquivo Zootécnico Nacional-Gado de Leite, localizado no CNPGL-EMBRAPA. Sob a suposição de que, nos rebanhos de produção de médias mais baixas, o manejo em geral é deficitário, tornando-se mais eficiente nos rebanhos de médias mais elevadas, o ambiente foi diferenciado de forma indireta, pela média de produção do rebanho. Os dados foram estratificados de acordo com a produção média de leite do rebanho em: nível baixo (B) para as produções por lactação, ajustadas à idade adulta, abaixo de 5.500 kg, médio (M) de 5.501 a 6.500 kg e alto (A) acima de 6.500 kg. FALCONER (1952) sugere que o desempenho de uma mesma característica em dois ambientes diferentes pode ser assumido como características distintas; a magnitude do coeficiente de correlação genética entre os desempenhos das filhas de um mesmo reprodutor nos níveis diferentes de ambiente dá indícios do comportamento dos genes e será uma das medidas da interação. Assim, a correlação genética entre as produções de leite, nos níveis

2032 Rev. bras. zootec. A, B e C, foi um dos critérios adotados para estudar a interação. De outra forma, a interação foi também avaliada por meio da comparação dos valores dos coeficientes de herdabilidade, estimados para os diferentes níveis, uma vez que a heterogeneidade destes parâmetros é indício de interação. Os componentes de (co)variância foram estimados utilizando-se o método da máxima verossimilhança restrita (REML) sob um modelo animal considerando as produções totais de leite, em função do efeito fixo de rebanhoano-época e dos aleatórios genético aditivo, interação touro-ano-época e residual. Foram consideradas duas épocas por ano, uma de abril a setembro e a outra de outubro a março. O programa computacional utilizado foi o MTDFREML de BOLDMAN et al. (1995). Resultados e Discussão A distribuição dos dados pelos níveis está apresentada na Tabela 1. Observa-se a existência de maior número de informações nos níveis mais altos, nos quais os coeficientes de variação foram menores, sugerindo serem as produções nestes níveis, relativamente, mais homogêneas. O maior componente de variância fenotípica foi observado no nível de produção alto (A), seguido dos níveis baixo (B) e médio (M), aproximadamente 9% menores (Tabela 2), sugerindo que, com o meio ambiente mais favorável oferecido no nível A, os fenótipos expressaram maior variação, diferenciando-se uns dos outros. Esta tendência está de acordo com o relatado por DONG e MAO (1984), BOLDMAN e FREEMAN (1990) e VALENCIA et al. (1998), os quais observaram aumento da variância fenotípica do nível baixo para o alto. O componente de variância genética aumentou do nível M para o B (Tabela 2), em que seu valor máximo foi cerca de 58 e 42% maior, em relação aos níveis M e A, respectivamente. Estas menores variâncias genéticas observadas para os níveis M e A podem ser atribuídas, em parte, às restrições impostas aos reprodutores, os quais deveriam possuir mais que três filhas, que, por sua vez, deveriam estar presentes em, pelo menos, dois dos níveis para que fossem incluídos neste estudo. Tal procedimento pode ter levado a uma amostra selecionada de reprodutores. Este componente de variância foi responsável por, aproximadamente, 59, 26 e 32% da variação total, para os níveis B, M e A, respectivamente. Este comportamento foi oposto ao relatado por BOLDMAN e FREEMAN (1990) e DONG e MAO (1990), para os quais a variância genética cresceu do nível B para o A e foi o dobro no A em relação a B, e por VALENCIA et al. (1998), os quais verificaram que a maior variância genética ocorreu no nível M, onde foi cerca de três vezes maior em relação a B. O componente de variância de ambiente foi menor no nível B, enquanto nos níveis M e A foram encontrados valores duas vezes maiores (Tabela 2). Estes altos valores para os níveis M e A foram responsáveis pela compressão da variância genética, sugerindo que os animais nestes dois níveis não foram capazes de expressar tode seu potencial genético, em conseqüência do meio ambiente desfavorável. Este componente de variância foi responsável por, aproximadamente, 34, 70 e 64% da variação total para os níveis B, M e A, respectivamente. Comportamento similar foi relatado por DE VEER e VAN VLECK (1987), BOLDMAND e FREEMAN (1990) e VALENCIA et. al. 1998), os quais observaram que a variância residual aumentou com o nível de produção. As proporções da variação devidas à interação touro x ano-época foram pequenas, representando apenas, aproximadamente, 7, 4 e 4% da variância Tabela 1 - Número de observações, produções médias de leite e respectivos erros-padrão, em kg, e coeficientes de variação (CV), em %, segundo os níveis de produção Table 1 - Number of observations, average milk yield, and respective standard errors, in kg, and coefficients of variation (CV), in %, by herd production level Níveis Nº Obs. Produção de leite Erro-padrão CV Levels N. Obs. Milk production Standard error Baixo-B 2750 4813 1442 29 Low - B Médio-M 5809 6043 1463 24 Medium -M Alto-A 5724 7042 1515 22 High - A

RORATO et al. 2033 total, respectivamente, para os níveis B, M e A estimativa para o coeficiente de herdabilidade no (Tabela 2), sugerindo que, a partir dos dados estudados, nível médio de produção, e de DE VEER e VAN este efeito pode não ser importante sob o ponto de VLECK (1987) e BOLDMAN e FREEMAN (1990) vista prático, porém foi cerca de 50% maior para o e DONG e MAO (1990), os quais observaram valores crescentes, de acordo com o aumento da média de nível B em relação aos outros dois. As variâncias heterogêneas verificadas neste produção, para os coeficientes de herdabilidade estimados. Os menores valores estimados neste trabalho trabalho chamam a atenção para a necessidade de estabilização das mesmas para aumentar a acurácia para os coeficientes de herdabilidade, para os níveis nas avaliações genéticas, pois, segundo RAMOS et al. A e M, são conseqüência da redução da variância de (1966), uma conseqüência direta da heterocedasticidade reprodutor causada, provavelmente, pela seleção dos das variâncias é o risco de se selecionar maior touros e do tratamento preferencial dispensado às proporção de animais de maior variabilidade fenotípica, vacas de maiores produções destes níveis. Apesar de e não de maior valor genético, podendo provocar as condições de meio ambiente serem melhores nos redução no progresso genético. níveis M e A, quando comparados com o nível B, Os coeficientes de herdabilidade (Tabela 2), provavelmente, não eram suficientemente boas, limitando a expressão do potencial genético das vacas assim como as variâncias, não foram homogêneos nos diferentes níveis, crescendo da seguinte forma: superiores nestes dois níveis e, neste caso, segundo 0,26; 0,32; e 0,58, respectivamente, para os níveis M, CARABAÑO et al. (1989), as diferenças nas produções entre os animais, devidas ao valor genético, A e B, como conseqüência do aumento da variância de reprodutor e da redução da variância de ambiente. estariam restringidas. Os rebanhos de médias de produção mais altas apresentaram menores estimativas. A maior magnitude que os menores coeficientes de correlação genética O estudo da interação genótipo-ambiente revelou observada no nível B (45 e 55% em relação a M e A, estimados (0,42 e 0,59) ocorreram entre os níveis respectivamente) talvez possa ter ocorrido em função baixo e médio e baixo e alto, respectivamente (Tabela 2). do menor número de observações neste extrato (cerca de 50% dos outros dois) para um número menor de genótipos não tiveram a oportunidade de se expressar Estes valores ocorreram, provavelmente, porque os reprodutores (cerca de 8%, somente), reduzindo o plenamente, em conseqüência do meio desfavorável número médio de filhas, o que diminui a acurácia das no nível baixo, além do menor número de observações estimativas. Esta tendência de comportamento foi neste nível. Estes valores são maiores que aqueles relatada por RAMOS et al.(1996) e VALENCIA et relatados por RORATO et al. (1994 e 1999), com al. (1996), os quais observaram o maior coeficiente dados brasileiros. Todavia, são menores que os obtidos de herdabilidade no nível B. Todavia, estes resultados por DE VEER e VAN VLECK (1987) e CARABAÑO são discordantes dos relatados por MIRANDE e et al. (1989 e 1990), com dados latinoamericanos e VAN VLECK (1985), os quais verificaram a maior americanos. Sob o ponto de vista prático, estes valo- Tabela 2 - Componentes de variância genética (σ 2 a ), de ambiente (σ2 e ), da interação touro x ano-época (σ 2 T X AE ), em kg2,e fenotípica (σ 2 p ), segundo os níveis de produção Table 2 - Genetic (σ 2 a ), environmental, (σ2 e ), interaction (σ2 T X AE ), and phenotipic (σ2 p ) variance components, in kg 2, by levels Níveis Levels σ 2 a σ 2 e σ 2 T X AE σ 2 p Baixo-B 1.012.987 594.785 125.151 1.732.923 Low - B (59) 1 (34) (7) (100) Médio-M 429.703 1.168.903 75.229 1.673.835 Medium-M (26) (70) (4) (100) Alto-A 583.650 1.164.211 70.496 1.818.367 High - A (32) (64) (4) (100) 1 Os valores entre parentêses representam o percentual em relacao à variancia total. 1 The values between brackets means the percentage of the total variance.

2034 Rev. bras. zootec. Tabela 3 - Coeficientes de herdabilidade, segundo os níveis B, M e A e de correlações genéticas entre eles Table 3 - Coefficients of heritability, for the levels B, M, and A, and genetic correlations among them Níveis Herdabilidades Corr. genéticas Levels Heritabilities Genetic correlations Baixo-B 0,58 B X M 0,42 Low - B Médio-M 0,26 B X A 0,26 Medium -M Alto-A 0,32 M X A 0,98 High - A res significam que filhas de um reprodutor expressarão frações diferentes do valor genético transmitido, dependendo do nível em que estiverem os rebanhos nos quais irão realizar seus desempenhos. Portanto, para rebanhos classificados nestes dois estratos, é importante que o efeito da interação genótipo-ambiente seja considerado no momento da escolha do sêmen a ser adquirido, pois, caso contrário, o produtor poderá ver sua expectativa de ganho genético para a próxima geração frustrada. HOURI NETO (1996), estudando a correlação genética entre as produções das filhas de touros com desempenho no Brasil e nos Estados Unidos, concluiu, similarmente, que a utilização de touros leiteiros selecionados para produção de leite no Brasil, a partir de avaliação genética feita sob condições norte-americanas, deveria levar em consideração a interação genótipoambiente. O valor estimado entre os níveis médio e alto foi de 0,98 e está de acordo com os resultados relatados por DE VEER e VAN VLECK (1987) e CARABAÑO et al. (1990), os quais encontraram coeficientes de correlação próximos da unidade. Este valor significa que as filhas de um mesmo reprodutor deverão apresentar desempenhos semelhantes nos níveis M e A. Conclusões Os componentes de variância nos diferentes níveis foram heterogêneos, fato que deve ser considerado na avaliação genética dos animais. Os coeficientes de herdabilidade estimados não foram homogêneos, implicando em que o progresso genético esperado pela seleção está na dependência dos diferentes níveis de ambiente em que os animais são criados. Os coeficientes de correlação genética de 0,42, entre os níveis B e M, e 0,59, entre os níveis B e A, são indícios claros do efeito da interação genótipoambiente, mostrando que os melhores reprodutores em um dos níveis não serão, necessariamente, nos outros; portanto, na aquisição de sêmen, a interação genótipo-ambiente deve ser considerada. O coeficiente de correlação 0,98, entre os níveis M e A sugere desempenhos semelhantes entre as filhas de um mesmo reprodutor nestes dois níveis de produção. Agradecimento Ao Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Santa Maria, pela oportunidade; à CAPES, pelo suporte financeiro que viabilizou a realização deste estudo; ao CNPGL-EMBRAPA, pela cessão dos arquivos com os registros de produção; e ao Animal Science Department da Universidade de Nebraska-Lincoln-USA, pelo uso do laboratório de computação onde as análises foram realizadas. Em especial ao Dr. Dale Van Vleck, pela colaboração na realização deste trabalho. Referências Bibliográficas ABUBAKAR, B.Y., McDOWELL, R.E., VAN VLECK, L.D. 1987. Interaction of genotype and environment for breeding efficiency and milk production of Holsteins in Mexico and Colombia. Trop. Agric., 64(1):17-22. BOLDMAN, K.G., FREEMAN, A.E. 1990. Adjustment for heterogeneity of variances by herd production level in dairy cow and sire evaluation. J. Dairy Sci., 73(2):503-512. BUVANENDRAN, V., PETERSEN, P.H. 1980. Genotypeenvironment interactionn in milk production under Sri Lanka and Danish conditions. Acta Agriculturae Scandinavica, 30:369-372. CARABAÑO, M.J., WADE, K.M., VAN VLECK, L.D. 1990. Genotipe by environment interactions for milk and fat productions of the Unite States. J. Dairy Sci., 73(1):173-180. CARABAÑO, M.J., WIGGANS, G.R., ALENDA, R. 1989. Estimation of genetic parameters for milk and fat yields of dairy cattle im Spain and the United States. J. Dairy Sci., 72(11):3013-3022. DE VEER, J.C., VAN VLECK, L.D. 1987. Genetic parameters for first lactation milk yields at three levels of herd production. J. Dairy Sci., 70(7):1434-1441. DONG, M.C., MAO, I.L. 1990. Heterogeneity of (co)variance and heritability in different levels of intraherd milk production variance and of herd average. J. Dairy Sci., 73(3):843-851. FALCONER, D.S. 1952. The problem of environment and selection. America. Nat., 86:293-298. HOURI NETO, M. Interação genótipo-ambiente e avaliação genética de reprodutores da raça Holandesa, usados no Brasil e nos Estados Unidos: Belo Horizonte, MG:Escola de Veterinária/UFMG, 1996, 204 p. Tese (Doutorado em Ciência Animal) - Universidade Federal de Minas Gerais, 1996. MADALENA, F.E., LEMOS, A.M.,TEODORO, R.T. et al.

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