Aplicações financeiras e disponibilidades de caixa dos órgãos públicos Parecer nº 12/00-SAFF Ementa: Direito Administrativo e Financeiro. Contabilidade. Aplicação de disponibilidades financeiras da Câmara Municipal. As aplicações financeiras de rendimento diário estão incluídas no conceito de disponibilidades de caixa do 3º do art. 164 da Constituição Federal, que determina seu depósito em banco oficial. Parecer pela impossibilidade de prestação do serviço proposto por banco privado, por expressa vedação constitucional, com sugestão de estudos mais amplos sobre a juridicidade das relações entre esta Casa Legislativa e o Banco proponente, à vista do dispositivo constitucional citado. Senhor Procurador-Geral Trata o presente processo de proposta do banco comercial em epígrafe no sentido de aplicação automática dos recursos em conta corrente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. 1. Histórico do presente processo Através de correspondência de 20 de abril passado, dirigida ao Exmº Sr. Primeiro Secretário, o Interessado, por um dos seus Gerentes, vem oferecer a V.Sª a possibilidade de aplicação diária automática em Fundo de Aplicação Financeira dos recursos em conta corrente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. (fls. 02). Acompanha a inicial formulário de autorização da referida aplicação (fls. 03). O Exmº Sr. Primeiro Secretário houve por bem colher o opinamento da operosa Diretoria de Finanças (fls. 04), que informou, em síntese, que procura solicitar ao Tesouro Municipal apenas os valores que serão efetivamente desembolsados, evitando a formação de resíduo na conta corrente desta Casa Legislativa e contribuindo para maximizar o rendimento das aplicações e o fluxo de caixa do próprio Tesouro Municipal. Informa ainda que não existirá
dificuldade operacional caso se delibere pela aceitação da proposta. Retornando o feito ao Exmº Sr. Primeiro Secretário em 04/05/00, este determina a manifestação desta Procuradoria-Geral (fls. 07) quanto aos aspectos jurídicos do assunto. Aqui chegando os autos, foram distribuídos por V.Exª, aos 05 do corrente, ao signatário deste (fls. 08), que opinará nos termos seguintes. 2. Breve histórico do tema Dispõe o 3º do art. 164 da Constituição Federal: Art. 164 - (omissis) 3º - As disponibilidades de caixa da União serão depositadas no Banco Central; as dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei. Segundo nos consta, à época da promulgação da Constituição (1988), tal disposição já era cumprida pela Municipalidade, que mantinha todas as suas disponibilidades em banco comercial cujo acionista majoritário era o Estado do Rio de Janeiro. Pouco após, em 1990, veio a lume a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, que contém a seguinte disposição no art. 57 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: Art. 57 - A arrecadação de impostos, taxas, contribuições e demais receitas do Município e dos órgãos vinculados à administração direta, indireta e fundacional, e os pagamentos a terceiros, serão processados em estabelecimentos bancários oficiais. Parágrafo Único - Mediante prévia aprovação da Câmara Municipal, o Prefeito poderá celebrar contrato que assegure exclusividade ao estabelecimento bancário oficial que proporcione melhores contrapartidas ou compensações ao Município. Segundo se tem notícia, o Poder Executivo Municipal jamais deu cumprimento integral a esta disposição, mantendo convênios com diversos bancos privados para arrecadação das receitas. Quanto às disponibilidades, foram sempre mantidas em estabelecimento oficial, primeiramente do Estado do Rio de Janeiro, depois de instituição controlada pelo Estado de Minas Gerais. Com a desestatização de ambas as instituições bancárias, o Poder Executivo passou a depositar suas disponibilidades em estabelecimento bancário federal. Quanto à Câmara Municipal, parece ter mantido ininterruptamente seus depósitos no banco pertencente ao Estado do Rio de Janeiro, mesmo após a alienação de seu controle acionário a instituições privadas, ocorrida em 1997. 208 Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, jul./dez. 2000
Em 1996, o Exmº Sr. Prefeito ajuizou, perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a Representação por Inconstitucionalidade nº 06/96, pedindo a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos orgânicos acima transcritos, obtendo liminar de suspensão dos mesmos. Em 17/08/98, a Representação foi julgada procedente. Encontram-se, portanto, inaplicáveis os dispositivos citados da Lei Orgânica Municipal. Em 11/02/00, porém, o Supremo Tribunal Federal deu provimento a agravo de instrumento interposto por esta Procuradoria-Geral, determinando a subida do recurso extraordinário que havia sido inadmitido pelo Tribunal Fluminense. Assim, o julgamento deste recurso pelo Pretório Excelso poderá modificar o quadro jurídico sobre a matéria. No que tange ao pagamento dos servidores, o Poder Executivo Municipal, com base na liminar acima noticiada, credenciou em 1996 vários bancos privados para serem depositários dos vencimentos, à livre escolha do servidor. Inexplicavelmente, em 1999, cancelou todos estes credenciamentos, obrigando os servidores do Poder Executivo Municipal a tornarem-se correntistas de determinada instituição bancária federal, para que pudessem receber seus vencimentos. Deste breve escorço fica ressaltado que, apesar das diversas mudanças de fato e de direito, a Câmara Municipal manteve ininterruptamente as suas disponibilidades na mesma instituição bancária, ora proponente. 3. Apreciação Do que foi visto acima, é fácil concluir que a escolha da instituição bancária na qual esta Casa Legislativa deve manter suas disponibilidades financeiras é questão que demanda maior estudo, diante do possível descumprimento do dispositivo constitucional, após a mudança da composição acionária do banco proponente. Tal questão, porém, não foi objeto da consulta formulada a esta Procuradoria-Geral, pelo que sugerimos a Vossa Excelência encaminhar à nobre Mesa Diretora a indicação para que tais estudos sejam realizados. Nada obstante, pode-se responder à consulta formulada simplesmente verificando se a aplicação proposta na inicial pode quadrar-se ao conceito de disponibilidades de caixa veiculado pelo 3º do art. 164 da Constituição Federal. Os próprios termos da inicial parecem indicar tal compreensão, ao falar da aplicação dos recursos em conta corrente. Na ciência contábil, colhe-se Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, jul./dez. 2000 209
a seguinte lição: A intitulação Disponibilidades, dada pela Lei nº 6.404, é usada para designar dinheiro em caixa e em bancos, bem como valores equivalentes, como cheques em mãos e em trânsito e que representam recursos com livre movimentação para aplicação nas operações a empresa e para as quais não haja restrições para uso imediato. 1 (sublinhamos) Na contabilidade pública aplica-se o mesmo conceito, como se vê da seguinte passagem de LINO MARTINS DA SILVA, ao tratar do balanço financeiro: Portanto, o balanço financeiro, ou de receita e despesa, deixa em evidência a situação das disponibilidades, depois de conhecido o total da receita arrecadada e o seu emprego na realização da mesma. 2 Também a Lei Orgânica do Município, ao autorizar tais aplicações, referese a disponibilidades ( recursos disponíveis ), como se vê no seu art. 55: Art. 55 - Compete à Mesa Diretora da Câmara Municipal, além de outras atribuições previstas nesta Lei Orgânica e no regimento interno: VII - autorizar a aplicação dos recursos públicos disponíveis, na forma do art. 110 e seus parágrafos. Parágrafo Único - O resultado das aplicações referidas no inciso VII será levado à conta da Câmara Municipal. (sublinhamos) Não há dúvida, então, de que os recursos em conta corrente a que se refere a inicial estão incluídos no conceito de disponibilidades contido no citado dispositivo da Constituição Federal. Vê-se, portando, que a aceitação da proposta inicial implicaria descumprimento do estabelecido no art. 164 3º da Constituição Federal, pelo que opinamos pela inviabilidade jurídica da mesma. 4. Conclusões Do exposto, concluímos que é juridicamente inviável a proposta contida na inicial, sugerindo ainda a realização de estudos mais amplos sobre o regime jurídico das relações entre esta Casa Legislativa e as instituições 1 FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS CONTÁBEIS, ATUARIAIS E FINANCEIRAS. Manual de contabilidade das sociedades por ações. 4. ed. São Paulo : Atlas, 1994. p. 117. A leitura do excerto deve ser feita com as devidas adaptações para a contabilidade pública, o que não atinge a essência do conceito. 2 SILVA, Lino Martins da. Contabilidade governamental. 3. ed. São Paulo : Atlas, 1996. p. 285. 210 Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, jul./dez. 2000
bancárias. É o nosso parecer, submetido à elevada consideração de Vossa Excelência. Rio de Janeiro, 26 de maio de 2000. Sérgio Antônio Ferrari Filho Procurador da Câmara Municipal do Rio de Janeiro Visto. De acordo. À consideração do Excelentíssimo Primeiro Secretário. Em 29 de maio de 2000. Roberto Benjó Procurador-Geral da Câmara Municipal do Rio de Janeiro Rev. Direito, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, jul./dez. 2000 211