ISSN 1678-5975 Novembro - 2010 V. 8 nº 1 1-7 Porto Alegre Caracterização dos Depósitos Sedimentares em Subsuperfície no Setor Meridional da Planície Costeira Sul de Santa Catarina Silva, A.B. 1,2 ; Barboza E.G. 1,2,3 ; Rosa M.L.C.C. 1,2,4 & Fracalossi, F.G. 2 1 Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica CECO/IG/UFRGS (andersonpraia@yahoo.com.br); 2 Programa de Pós-Graduação em Geociências PPGGEO/IG/UFRGS; 3 Departamento de Paleontologia e Estratigrafia DPE/IG/UFRGS; 4 Departamento de Geodésia DGEO/IG/UFRGS. RESUMO A aplicação da Geofísica nos ambientes costeiros, através do radar de penetração do solo (GPR), possibilita a realização de análises detalhadas do registro sedimentar presente em subsuperfície. A partir dessa análise, é possível definir os tipos de depósitos e interpretar os ambientes sedimentares relacionados à sua gênese. O presente estudo define, através do registro de GPR, as radarfácies correspondentes as diferentes fácies sedimentares. A área selecionada para este estudo localiza-se na Planície Costeira Sul de Santa Catarina, nas proximidades da Lagoa do Sombrio, onde se encontram depósitos costeiros gerados por sucessivas transgressões e regressões da linha de costa. Através do registro de uma seção perpendicular a linha de costa, quatro radarfácies foram identificadas e interpretadas como pertencentes aos sistemas eólico, praial e marinho raso. A análise da disposição espacial dos ambientes interpretados evidencia o padrão progradacional da barreira holocênica no setor investigado. ABSTRACT The application of geophysics in coastal environments, through the ground penetrating radar (GPR), improves the analyses of subsurface sedimentary record. This analysis allows to characterize the deposits and to interpret the sedimentary environments related to its genesis. Through the GPR register this study defines radarfacies and its corresponding sedimentary facies. The study area is located in the south portion of Santa Catarina Coastal Plain, in the region of Sombrio Lagoon, where coastal deposits were generated by successive shoreline transgressions and regressions. Through the register of a dip GPR profile four radarfacies were identified and interpreted as corresponding to aeolian, beach and marine environments. The spatial disposition of these environments evidences the progradation of the holocenic barrier in the area. Palavras chave: evolução costeira, radarfácies, Bacia de Pelotas.
2 Caracterização dos Depósitos Sedimentares em Subsuperfície no Setor Meridional da Planície Costeira Sul de Santa Catarina INTRODUÇÃO O radar de penetração de solo (GPR) é um equipamento geofísico que está sendo bastante utilizado em ambientes costeiros, pois permite uma aquisição rápida e de alta resolução (Botha et al., 2003; Gandolfo et al.,2003; Bristow et al., 2007; Johnston, et al., 2007; Barboza et al., 2009). O registro do GPR permite a visualização da geometria deposicional e estratigráfica, e conseqüentemente é um método de grande importância para o refinamento de modelos costeiros pré-existentes. Este estudo define no registro do GPR, as radarfácies correspondentes a diferentes fácies sedimentares, em um setor da Planície Costeira Sul de Santa Catarina. Através da análise realizada contribui-se para o entendimento da evolução da barreira holocênica, uma vez que não existem trabalhos voltados para o estudo da estratigrafia local. O perfil selecionado para tanto, possui uma orientação transversal a linha de costa e localizase no município de Passo de Torres, nas proximidades da Lagoa do Sombrio (Fig. 1). Figura 1. Mapa de localização da área de estudo (adaptado de IBGE, 2006). Em detalhe imagem de satélite onde se observa cristas (tonalidade mais clara) e cavas (mais escuras) que representam a paleotopografia de cordões de dunas frontais. CONTEXTO GEOLÓGICO Na Planície Costeira Sul de Santa Catarina, afloram colinas de rochas pré-cambrianas ou paleozóicas e mesozóicas isoladas entre sedimentos quaternarios (DNPM, 1988). De acordo com Diehl & Horn (1996), os depósitos quaternários apresentam características
Silva et al. 3 semelhantes ao litoral norte da Planície Costeira do Rio Grande do Sul. Esta por sua vez, é formada por depósitos que representam antigos sistemas deposicionais costeiros, preservados em sua morfologia. Esses sistemas foram gerados por sucessivas transgressões e preservados após a regressão da linha de costa (Villwock & Tomazelli, 1995). Tais sistemas são constituídos por depósitos gerados em ambiente marinho raso, praial, eólico, lagunar e aluvial. MÉTODO O equipamento utilizado na aquisição dos dados foi o GPR da empresa GSSI (Geophysical Survey Systems Inc.), modelo SIR-3000 com antena de freqüência central de 200 MHz. Durante a aquisição, as antenas transmissora e receptora foram fixadas a um veículo para facilitar transporte do equipamento no campo, e otimizar a obtenção dos dados. O arranjo utilizado foi o Common Off Set e a constante dielétrica para areia seca igual a 6. A profundidade máxima do dado adquirido foi em torno de 22 m devido a freqüência do equipamento e as diferenças de condutividades dos depósitos. O sistema de GPR foi conectado a um GPS diferencial (DGPS) permitindo o georeferenciamento das seções com melhor precisão da topografia. Os registros adquiridos em campo foram processados e interpretados no programa Radan. Para melhorar a relação sinal - ruído foi realizado uma remoção de ruídos contínuos (background removal), filtros passabanda, e adicionado um ganho para melhorar a visualização do dado. Após estes procedimentos foi realizada a correção topográfica, obtendo-se as profundidades e a morfologia correta dos refletores. Dentre os perfis obtidos, uma seção perpendicular a linha de costa com direção noroeste-sudeste foi escolhida. Este perfil corta no sentido de migração feições geomorfológicas de cristas e cavas (Fig. 1), que representam a paleotopografia de cordões de dunas frontais, as quais marcam antigas linhas de costa. RESULTADOS E INTERPRETAÇÕES A interpretação dos dados seguiu os princípios da sismoestratigrafia (Mitchum Jr. et al., 1977; Vail, 1987), porém ponderações foram feitas devido ao GPR obter um registro de mais alta resolução do que uma seção sísmica convencional (Neal 2004). Na seção escolhida foram delimitadas quatro radarfácies distintas (Figs. 2 e 3). A primeira radarfácies diferenciada (A), possui refletores subhorizontais, com pouca continuidade lateral e com contraste acentuado. São observados refletores côncavo-convexos com amplitude em torno de 2 m interpretados como correspondentes a estruturas do tipo hummocky. Esta interpretação evidencia a presença de depósitos gerados em ambiente subaquoso relativamente profundo (shoreface médio/inferior Fig. 4.), refletindo um sistema marinho com energia elevada. A segunda radarfácies (B), corresponde a um conjunto de refletores irregulares, descontínuos, ondulados e com contraste pouco acentuado. Estes podem representar depósitos sub-aquosos gerados em ambiente mais raso que a radarfácies anterior (shoreface superior), apresentando hummockys de menor amplitude. O padrão de radarfácies seguinte (C) é caracterizado por refletores contínuos, subparalelos em baixo ângulo. Este padrão é interpretado como depósitos de praia (foreshore), caracterizando um ambiente transicional, subaéreo - subaquoso. A última radarfácies (D) possui refletores contorcidos, descontínuos e com padrão ondulado. Em torno 2 m de profundidade alguns refletores se tornam transparentes, sem contraste, evidenciando depósitos mais homogêneos. Este conjunto de refletores foi interpretado como dunas embrionárias e dunas frontais, caracterizando um ambiente eólico. Feições geomorfológicas de cristas e cavas, observadas na superfície do terreno, também se refletem nesta radarfácies (padrão ondulado), representando a paleotopografia de cordões de dunas frontrais. Nesta seção, esta morfologia foi suavizada devido à construção da estrada.
4 Caracterização dos Depósitos Sedimentares em Subsuperfície no Setor Meridional da Planície Costeira Sul de Santa Catarina Figura 2. a) Em torno de 2,5 m, um refletor diácrono que corta os outros refletores representa o nível do lençol freático. b) As radarfácies delimitadas não representam superfícies de tempo, as quais encontram-se em posição inclinada/obliqua com relação a estas delimitações. Através do dado real de campo, observam-se os diferentes ambientes que compõem um perfil praial (Fig. 5). Estes são correlacionáveis com as Radarfácies identificadas acima: padrão A e B com refletores que representam estruturas do tipo hummocky, refletindo um ambiente marinho; padrão C com refletores contínuos e paralelos, correlacionados a praia (por vezes esses refletores podem estar truncados por sangradouros) e padrão D com refletores ondulados que representam as dunas. CONCLUSÕES Diferentes ambientes foram identificados e diferenciados a partir das radarfácies e dos dados observados em campo. O perfil analisado na Planície Costeira Sul de Santa Catarina demonstra o padrão progradacional da barreira holocênica, onde fácies eólicas recobrem fácies praiais e marinhas. A investigação da seção assinala a grande melhoria da interpretação de modelos costeiros e o potencial do uso do GPR nesses sistemas deposicionais.
Silva et al. 5 Figura 3. Detalhes das diferentes radarfácies definidas. No padrão D observamos um refletor diácrono, que representa o nível do lençol freático. Figura 4. Partes componentes do perfil praial correlacionáveis com as radarfácies analisadas no registro do GPR. Figura 5. Situação em praia atual onde se observam os diferentes ambientes que compõem o perfil praial. Estes são correlacionáves com as radarfácies identificadas.
6 Caracterização dos Depósitos Sedimentares em Subsuperfície no Setor Meridional da Planície Costeira Sul de Santa Catarina AGRADECIMENTOS Os autores expressam seus agradecimentos ao CNPq (processos n o 472380/2007-9 e 300699/2007-7) pelo apoio financeiro deste estudo através do Projeto de Pesquisa e Bolsa de Produtividade em Pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOZA, E.G.; DILLENBURG, S.R.; ROSA, M.L.C.C.; TOMAZELLI L.J. & HESP P.A. 2009. Ground-penetrating radar profiles of two Holocene regressive barriers in southern Brazil. Journal of Coastal Research, SI 56 (Proceedings of the 10th International Coastal Symposium), Lisboa, Portugal, p. 579-583. BOTHA, G.A.; BRISTOW, C.S.; PORAT, N.; DULLER, G.; ARMITAGE, S.J.; ROBERTS, H.M.; CLARKE, B.M.; KOTA, M.W. & SCHOEMAN, P. 2003. Evidence for dune reactivation from GPR profiles on the Maputaland coastal plain, South Africa. In: BRISTOW, C.S. & JOL, H.M. (eds.). Ground Penetrating Radar in Sediments. The Geological Society, London, Special Publication, 211: pp. 29-46. BRISTOW, C.S.; JONES, B.G.; NANSON, G.C.; HOLLANDS, C.; COLEMAN, M. & PRICE, D.M. 2007. GPR surveys of vegetated linear dune stratigraphy in central Australia: Evidence for linear dune extension with vertical and lateral accretion. In: BAKER, G.S. & JOL, H.M. (eds.). Stratigraphic Analyses Using GPR. The Geological Society of America, Colorado, Special Publication, 432: pp. 19-34. DIEHL, F.L. & HORN, Fº, N.O. 1996. Compartimentação geológicogeomorfologica da zona litorânea e planície costeira do Estado de Santa Catarina. Notas Técnicas 9, CECO, UFRGS. Porto Alegre, p. 39-50. DNPM, 1988. Mapa Geológico do Quaternário Costeiro dos Estados do Paraná e Santa Catarina, Escala 1:200.000. GANDOLFO, O.C.B.; SOUZA, L.A.P.; TESSLER, M.G E & RODRIGUES, M. 2003. Estratigrafia rasa da ilha Comprida (SP): um exemplo de aplicação do GPR. Brazilian Journal of Geophysics, São Paulo, 19(3): 252-262. HESP, P.A.; DILLENBURG, S.R.; BARBOZA, E.G.; TOMAZELLI, L.J.; AYUP-ZOUAIN, R.N.; ESTEVES, L.S.; GRUBER, N.L.S.; TOLDO JR., E.E.; TABAJARA, L.L.C.A. & CLEROT, L.C.P. 2005. Beach Ridges, Foredunes or Transgressive Dunefields? Definitions and an Examination of the Torres to Tramandaí Barrier System, Southern Brazil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, Rio de Janeiro - RJ, v. 77, n. 3, p. 493-508. HORN, Fº, N.O. 1988. Geologia das Folhas de Torres, Três Cachoeiras, Arroio Teixeira e Maquine, Nordeste do Rio Grande do Sul. Dissertação (Curso de Pós Graduação em Geociências), Universidade federal do Rio Grande do Sul, 241p. JOHNSTON, J.W.; THOMPSON, T.A. & BAEDKE, S.J. 2007. Systematic pattern of beach-ridge development and preservation: Conceptual model and evidence from ground penetrating radar. In: BAKER, G.S. & JOL, H.M. (eds.). Stratigraphic Analyses Using GPR. The Geological Society of America, Colorado, Special Publication, 432: pp. 47-58. MITCHUM Jr., R.M.; VAIL, P.R. & SANGREE, J.B. 1977. Seismic Stratigraphy and Global Changes of Sea Level, Part 6: Stratigraphy interpretation of seismic reflection patterns in depositional sequences. In: PAYTON, C.E. (ed.). Seismic Stratigraphy Applications to Hydrocarbon Exploration. Tulsa, AAPG, 117-133 (Memoir # 26). NEAL, A. 2004. Ground-penetrating radar and its use in sedimentology: principles, problems and progress. Earth-Science Reviews 66, p. 261 330. IBGE, 2006. Carta Internacional ao Milionésimo. Folhas G04-SH22 e G04-SI- 22. Download Geociências. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em out. 2006. VAIL, P.R. 1987. Seismic Stratigraphy Interpretation Using Sequence Stratigraphy. Part 1: Seismic Stratigraphy Interpretation Procedure. In: BALLY, A.W. (ed.). Atlas of Seismic Stratigraphy. Tulsa, AAPG, v. 1, p. 1-9, (AAPG Studies in Geology # 27).
Silva et al. 7 VILLWOCK, J.A.; TOMAZELLI, L.J.; LOSS, E.L.; DEHNHARDT, E.A.; HORN Fº, N.O; BACHI, F.A. & DEHNHARDT, B.A. 1986. Geology of the Rio Grande do Sul Coastal Province. In: Rabassa J. (ed.). Quaternary of South America and Antarctic Peninsula. Rotterdam, A.A. Balkema. v.4, p.79-97. VILLWOCK, J.A. & TOMAZELLI, L.J. 1995. Geologia costeira do Rio Grande do Sul. Notas Técnicas 8, CECO, UFRGS. Porto Alegre, 45p.