Geração de biogás e biofertilizante através da digestão anaeróbica da mistura de soro de leite, produtos lácteos e dejetos avícolas

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Transcrição:

Geração de biogás e biofertilizante através da digestão anaeróbica da mistura de soro de leite, produtos lácteos e dejetos avícolas Cássio Rubbo¹ 1 Univeridade Estadual do Rio Grande do Sul (cassiorubbo@gmail.com); Resumo O Rio Grande do Sul se destaca pela alta produção de leite e ovos, gerando grandes quantidades de resíduos, principalmente dejetos de galinhas, soro de leite e produtos de retorno de mercado. A digestão anaeróbica demonstra ser uma alternativa sustentável para o tratamento destes compostos, através da degradação e estabilização da matéria orgânica, podendo formar o gás metano, outros produtos inorgânicos e o biofertilizante. Desta forma, o objetivo deste trabalho foi avaliar a viabilidade da utilização de substrato formado por soro do leite, dejetos avícolas e produtos de retorno lácticos através de digestão anaeróbica para a produção de biogás e biofertilizantes. Utilizou-se neste projeto reservatórios de 100L divididos em dois experimentos: um preliminar, com três concentrações diferentes de soro de leite, produto lácteos e dejetos avícolas, no qual obteve-se redução de 54,63 % de DQO na concentração 55%, 25% e 20%, respectivamente. Para geração de biogás o composto de maior destaque foi de 80% soro e 20% dejetos, resultando em 0,65L. Com os substratos que apresentaram maior potencial de geração de biogás, desenvolveu-se um segundo experimento. Neste verificou-se redução de aproximadamente 57,83% dos sólidos totais, com diminuição de 13,32% na DBO. A produção de biogás mostrou-se eficiente, com produção de 90L, comprovando desta forma a redução da carga orgânica do substrato. O biofertilizante obteve 2459 mg/kg de N e 443 mg/kg de P, apresentando valores semelhantes a média de composição da literatura. Palavras-chave: Digestão anaeróbica. Biogás. Biofertilizante. Área Temática: Energias Alternativas Generating Biogas and Biofertilizer Through Anaerobic Digestion Mix Whey, Dairy and Poultry Manure Abstract The Rio Grande do Sul is the high production of milk and eggs, generating large amounts of waste, especially waste chicken, whey products and market return. Anaerobic digestion proves to be a sustainable alternative for the treatment of these compounds through the degradation and stabilization of organic matter can form methane gas, bio-fertilizer and other inorganic products. Thus, the aim of this study was to evaluate the feasibility of using substrate consisting of whey, poultry waste products and lactic return through anaerobic digestion to produce biogas and biofertilizers. Was used in this project 100L tanks divided into two experiments: a preliminary three different concentrations of whey, milk product and poultry manure, which was obtained in 54.63 % reduction of COD concentration in 55%, 25% and 20%, respectively. For biogas generation compound most outstanding was 80% whey and 20% waste, resulting in 0,65L. With the substrates with higher potential for biogas generation, developed a second experiment. In this there was a reduction of approximately 57,83% of the total solids, a reduction of 13,32% in BOD. Biogas production was efficient, producing 90L,

proving thereby reducing the organic load of the substrate. The biofertilizer received 2459 mg/kg N and 443 mg / kg of P, with values similar to the average composition of the literature. Keywords: Anaerobic digestion. Biogas. Biofertilizer. Thematic Area: Energy Alternatives I Introdução O crescente aumento populacional mundial gera maior necessidade de alimentação, neste cenário a agropecuária desempenha um forte papel. No Brasil, esta tem grande importância, em especial na produção de leite e aves (frangos). Segundo dados do IBGE, o Rio Grande do Sul é o segundo maior produtor de leite do país, ficando atrás somente de Minas Gerais, com mais de 3,3 bilhões de litros anuais, significando 12% da produção nacional. O qual tem gerado nos últimos anos uma produção de queijos de 745 mil toneladas/ano. Em relação a galinhas poedeiras, entre as regiões mais produtoras do quarto trimestre de 2012, a região Sul ocupou a segunda colocação nestes parâmetros, atrás da região Sudeste. Responsabilizando-se por 10.226.000 aves, e consequentemente, 52.025.000 dúzias de ovos, obtendo a segunda colocação regional. Com isso, é gerada uma quantidade significativa de resíduos, entre os quais se destacam os dejetos de galinhas, soro de leite e sobras do processo. Os dejetos quando aplicados no solo sem um tratamento prévio, através dos microrganismos podem contaminar os lençóis freáticos pela lixiviação dos minerais presentes nas excretas, que podem acarretar graves problemas ambientais. O soro é a porção aquosa liberada do coágulo durante a fabricação convencional de queijo, sua fórmula possui um grande teor de matéria orgânica, gerando um alto custo para tratamento. Isso faz com que este resíduo muitas vezes seja descartado em cursos d'água, o que constitui um dos maiores poluentes residuais industriais. Por estes resíduos apresentarem elevada concentração de matéria orgânica, e pela maneira como estas atividades vem se desenvolvendo no mercado, são altamente interessantes para tratamentos biológicos como a biodigestão anaeróbia, que através da degradação e estabilização da matéria orgânica podem formar o gás metano e outros produtos inorgânicos (dióxido de carbono) e biofertilizantes (matéria orgânica estabilizada). Segundo Cantrell et al., (2008), o processo de degradação anaeróbica pode ser dividido em quatro etapas distintas hidrolise, acidogênese, acetogênese e metanogênese. A biodigestão anaeróbia é o processo pelo qual, a matéria orgânica é convertida na sua grande parte em gás metano e gás carbônico. Na ausência de oxigênio são utilizados aceptores de elétrons inorgânicos como NO 3- (redução de nitratos), SO 4 2- (redução de sulfatos), ou CO 2 (formação de metano) (CHERNICARO, 1997). Desta forma, o objetivo deste trabalho foi avaliar a viabilidade da utilização de substrato formado por soro do leite, dejetos avícolas e produtos de retorno lácticos através de digestão anaeróbica para a produção de biogás e biofertilizantes.

II Materiais e Métodos Os experimentos foram montados no Laboratório da Fundação Proamb, utilizando-se dejetos de aves poedeiras provenientes de uma granja do município de Pinto Bandeira/RS, esta possui aproximadamente 27.000 galinhas, já o soro do leite e as sobras da produção são gerados em um laticínio do município de Nova Petrópolis/RS, que processa aproximadamente 1.000.000.000 litros de leite por dia, o qual tem vazão próxima aos 10m³/dia de soro de leite Ambos os experimentos ocorreram em batelada com tempo de retenção indefinido e a temperatura ambiente. O primeiro experimento se desenvolveu em três tratamentos com volume de 40L em proporções diferentes de soro de leite, dejetos avícolas e produtos de lácteos (Tabela 1). Com base nos resultados obtidos se desenvolveu um segundo experimento, neste utilizou-se volume de 60L do substrato composto por dejetos avícolas e soro do leite, na porção 80% e 20% (Tabela 2). Ambos os biodigestores utilizados foram constituídos por tambores cilíndricos com cavas possuindo capacidade de 100 litros de substrato. Cada recipiente possuía três furos de 16 mm diâmetro, para acoplamento de torneiras, sendo nas duas extremidades superiores (tampa) e um próximo ao centro do tambor. Para a saída do biogás produzido foi acoplado à torneira, uma mangueira de nível destinada ao gasômetro, que permite o armazenamento e deslocamento da água ali existente a outro tambor, possibilitando a mensuração de biogás gerado. Tabela 1: Porcentagem de substratos adicionados no primeiro experimento. REATORES MISTURA (%) 1 Dejetos avícolas (20%) Soro (55%) Produto Retornado (25%) 2 Dejetos avícolas (20%) Soro (80%) -- 3 Dejetos avícolas (20%) Soro (30%) Produto Retornado (50%) Tabela 2: Porcentagem de substratos adicionados no experimento 2. REATORES MISTURA (%) 4 Dejetos avícolas (20%) Soro (80%) Para determinar as características do substrato e biofertilizante foram realizadas as medidas de ph, temperatura externa e deslocamento de biogás e os resultados do primeiro experimento foram submetidos à análise da demanda química de oxigênio (DQO), os do segundo experimento foram submetidos além da demanda química de oxigênio, percentual de sólidos, nitrogênio e fósforo. As leituras de ph foram realizadas por medidas de eletrodo e fitas de ph. Os valores de DQO foram obtidos pela técnica da volumetria, que determina a quantidade de matéria oxidada quimicamente através de um agente oxidante numa solução feita com o material em estudo. O teor de nitrogênio foi determinado por micro-kjedahl e quantidade de fósforo pelo método EPA 3050B. As análises de DQO, nitrogênio e fosforo foram realizadas através do laboratório Eurofins Alac, na unidade de Garibaldi-RS.

TEMPERATURA ( c) III Resultados e Discussão Para o primeiro teste foram realizadas análises de DQO e ph. Na Tabela 3 encontram-se os resultados das análises realizadas. Tabela 3: Valores de demanda Bioquímica de Oxigênio e ph dos biodigestores REATOR DQO*(mg/Kg) DQO** ph* ph** 1 237082 107574 7 6,5 2 119952 192810 7 6,6 3 224989 196036 6,9 6,4 Na tabela 3 confirma-se o processo de digestão anaeróbia que promove a remoção da matéria orgânica, podendo ser observado, pelos resultados de DQO nos reatores 1 e 3. O reator 1 obteve a maior eficiência na remoção, sendo de 54,63%. Já para o reator 2, acreditase que este aumento na carga foi gerado devido a erro de amostragem. Conforme Magalhães (1986), as bactérias metanogênicas responsáveis pela conversão dos ácidos orgânicos em metano, são sensíveis a valores de ph abaixo de 6,5 bem como a variações de ph. A lactose remanescente no soro pode-se transformar em diversos produtos, sendo a evolução mais frequente sua transformação em ácido láctico (PERRONE, 2010), isso acarreta na diminuição do ph. De acordo com Tessaro (2011), ph inferior a 6,8 é indicativo de fermentação incompleta, que favorecem o desenvolvimento de bactérias acidogênicas, o que prejudica o desenvolvimento das metanogênicas, e consequentemente diminui a produção de biogás. Figura 1: Temperatura do ambiente de operação dos biodigestores. 28 26 24 22 20 18 16 14 12 10 0 10 20 30 40 50 60 TEMPO (DIAS) Fonte: Autor, 2013. Conforme verifica-se na figura acima, a média de temperatura nos meses em que os biodigestores operaram foi de 19 C, mantendo assim o reator operando um pouco abaixo da faixa mesofílica (20 a 40 C) e possivelmente reduzindo parte da sua capacidade de produção, afetando as taxas de reações enzimáticas, o que possivelmente gerou uma diminuição na produção de biogás e posteriormente o seu cessar.

VOLUME (L) Figura 2: Volume em litros de biogás produzido 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0 0 5 10 15 20 25 TEMPO EM DIAS Fonte: Autor, 2013. REATOR 1 REATOR 2 REATOR 3 No segundo experimento foram obtidos os resultados de ph inicial e final demostrados na tabela 4, bem como a demanda bioquímica inicial e final do processo. Tabela 4: Valores de demanda Bioquímica de Oxigênio e ph dos biodigestores REATOR DQO*(mg/Kg) DQO**(mg/Kg) ph* ph** 4 83868 72700 7 6,5 Ambos os experimentos apresentaram redução no ph, favorecendo ao desenvolvimento de bactérias acidogênicas, prejudicando as metanogênicas e diminuindo a quantidade de biogás. No experimento 2 ocorreu redução de aproximadamente 57,83% dos sólidos totais indicando que houve diminuição da matéria orgânica, que pode ser confirmada pela demanda bioquímica de oxigênio, possuindo uma eficiência próxima a 13,32 %. Santos (1999), verificaram em média redução de sólidos totais de 47,83% através desta mesma técnica em dejetos de galinhas poedeiras criadas sob diferentes temperaturas. Assim, neste experimento verificou-se uma redução de 57,83% sendo superior à encontrada para resultados com composições associadas. De acordo com a tabela 5 é possível obter o seguinte resultado para as análises finais no biofertilizante do experimento: 2,459 g.l -1 de nitrogênio(n) e 0,443 g.l -1 de fósforo(p). Souza et al.(1995), obteve a composição média do biofertilizante 1,5 a 4,0% de N e 1,0 a 5,0% de P, sendo assim, verificou-se no experimento 1,66% de N e também 1,66% de P, isto indica que o mesmo está na faixa mediana, possibilitando sua recomendação na utilização como biofertilizante. Tabela 5: Valores de demanda Bioquímica de Oxigênio e ph dos biodigestores REATOR NT * NT** P* P** ST (%)* ST (%)** 4 83713 2459 2122 443 6,52 2,75 Na figura 3 é possível verificar a variação de temperatura, sendo que Chernicharo (1997), descreve que diferenças no interior do reator maiores que 2 C geram falhas no processo que também é sensível a variações bruscas de temperatura. Pode-se verificar sua ocorrência, sendo mais intensa a partir do vigésimo quarto dia, acarretando em uma pequena

REATOR4 (m³) Temperatura ( C) produção de biogás. Estabilizou-se a partir do quadragésimo segundo dia, quando é obtida a menor temperatura externa. Figura 3: Temperatura do ambiente de operação dos biodigestores 18 16 14 12 10 8 6 4 0 10 20 30 40 Tempo (DIAS) Na figura 4 pode-se observar uma grande geração de biogás, estando em aproximadamente 0,09 m³. Comparando o volume obtido no experimento realizado com os resultados similares, percebe-se que a produção foi superior aos dois primeiros autores e próximos a de Parzianello (2011), constando a eficiência na geração de biogás. Figura 4: Temperatura do ambiente de operação dos biodigestores 0,10 0,08 0,06 0,04 0,02 0,00 0 10 20 30 40 50 TEMPO (DIAS) REATOR4

IV Conclusão No primeiro experimento foi possível confirmar que houve produção de biogás e quantificação do volume produzido. O primeiro reator apresentou maior remoção da carga orgânica, porém gerou menos biogás. No segundo experimento obteve-se redução de sólidos totais e da demanda bioquímica de oxigênio confirmando a digestão anaeróbica, verificou-se também uma grande geração de biogás estando acima de resultados obtidos em experimentos com os mesmos substratos, e uma menor redução da DQO quando comparado ao primeiro experimento. Através da análise de sólidos totais e da demanda química de oxigênio conseguiu-se evidenciar que houve redução da matéria orgânica, onde o processo de biodigestão foi efetivo para ambos os experimentos em algum momento do processo. Com o desenvolver da biodigestão anaeróbica houve redução nos nutrientes essenciais às plantas, nitrogênio e fósforo, estes quando comparados à literatura obtiveram valores adequados, o que possibilita recomendação como biofertilizante. V Referências CANTRELL, K.B.; DUCEY, T.; RO, K.S.; HUNT, P.G. Livestock waste-to-bioenergy generation opportunities. Bioresource Technology, Essex, v.99, n.17, p.7.941-7.953, 2008. CHERNICHARO, C. A. L. Princípios do tratamento biológico de aguas ressiduárias - Reatores anaeróbicos. Volume 5. Belo horizonte: DESA-UFMG, 1997.246p. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatística da Produção Pecuária. Junho de 2012. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/agropecuaria/producaoagropecuaria/abat e-leite-couro-ovos_201201_publ_completa.pdf >. Acessado dia 03/02/2013. MAGALHÃES, A. P. T. Biogás: um projeto de saneamento urbano. São Paulo: Nobel, 1986. 120 p. PARZIANELLO, J. Avaliação da Biodigestão Anaeróbia da Mistura de Resíduos Avícolas e Lácteos. Pato Branco, 2011. PERRONE, I. Soro de leite: Concentração, Cristalização da lactose e secagem. 2010. 86 f. Tese (Doutorado de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos) - Universidade Federal de Viçosa, 2010. SANTOS, T. M. B.; BASAGLIA, R.; SAKOMURA, N.; FURLAN, R. L.; LUCAS JR., J. Manure and biogas production from laying hens submitted to different ambient temperatures. Athens: Agricultural University of Athens, 1999. v.1, p. 275-281. SOUZA, J. S. I.; Peixoto, A. M.; Toledo, F. F. Enciclopédia agrícola brasileira. Volume 1, 508 p. Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz : Edusp, 1995. TESSARO, Amarildo. A. Potencial energético da cama de aviário produzida na região sudoeste do Paraná utilizada como substrato para a produção de biogás. Tese (Mestrado Pós-graduação em Desenvolvimento de Tecnologia) Curitiba, 2011.