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relógios de pirraça tudo azul - miolo 7L.indd 9 19/07/2011 12:39:08
e se e se o prazo for uma eternidade apenas e se a eternidade for pouca e se quiser ainda mais eternidades e se o tempo não contar em veias que sangram risonhas e balofas e se os relógios de pirraça esconderem as horas e o sol for de um lado para o outro (cuco, cuco) e se o lado que ele quiser ficar for esférico ou elíptico, e se ele for moebiano, sem dentro nem fora e se Euclides for um fanfarrão apenas e se apenas o que quer ficar o resto da vida contigo do lado for uma bondade que você precisa agora e se agora já era 11 tudo azul - miolo 7L.indd 11 19/07/2011 12:39:08
quintal I e quintal II, lá e quintanas quintal I dobra o galho e pende amora que o fino pé toca agitado de um para outro lado olha bico que prende rubro e vai e voa tudo volta a aquietar-se menos eu quintal II e as formigas incessantes e inexoráveis são a medida do tempo um exército de ampulhetas em marcha nada as cessa nada as detém correição lá vagueio então ao longe imaginado o quebra-quebra do mar na areia tão constante e interminável medida do tempo também prefiro esta calma eterna, e nada do que aquele afazer pra sempre 12 tudo azul - miolo 7L.indd 12 19/07/2011 12:39:08
quintanas pois tudo isto passará menos eu menos o passarinho menos o poeta 13 tudo azul - miolo 7L.indd 13 19/07/2011 12:39:08
tique-taque como a areia paciente de uma para outra câmara caminha de ponto em ponto de ruptura desfazendo pressurosa seus montinhos e assim outra vez e de novo indiferente ao tique-taque nervoso da parede ao pêndulo basculante e monótono e à intempestiva aparição do cuco ou ao verde matrix digital que mandou os ponteiros rubis e engenhocas lubrificadas para as cucuias eu também o fiz e agora apenas contemplo a sombra que quando há interrompe o sol sobre as flores num descanso que é nosso meu tempo eu o construo com o que aguento a eternidade pode me esperar mais um pouco nunca chegarei atrasado meu relógio é sempre e é agora 14 tudo azul - miolo 7L.indd 14 19/07/2011 12:39:08
faça sua escolha mas não se corte pelos pulsos a medição é implacável e lembre-se os lambaris ainda sobem as fracas correntes do ribeirão 15 tudo azul - miolo 7L.indd 15 19/07/2011 12:39:08
elefantes os elefantes, os compreendo e invejo pelo menos na lenda antecipam, pressentem a hora aquela quando devem revertere ad locum tuum e o fazem resignados não pelo inefável acredito e suspiro mas pela solidão incomunicável intransmissível ao comum que marcha ao lado, filho, companheiro, companheira afinal o sinal só acende para ele na sua hora, é a sua hora e é só só ele a ela é sensível nada a fazer senão recolher-se juntar-se aos tantos outros já virados passado até mamute, nesta hora, creio, recupera-se para ir virar história contada de rabo em rabo de tromba em tromba 16 tudo azul - miolo 7L.indd 16 19/07/2011 12:39:08
ou pior, cair no esquecimento sem que mal maior o atinja mal maior que o tigre hostil que as hienas circundantes e atentas o mal do destino, da negação, da recusa, a triste queda, ante os vermes silentes no oculto da floresta pois só quem leu seus corações se lembrará um dia neste dia quando ele for o seu o que é memória de elefante por isso os invejo tão próximo me sinto elocubro naquele cérebro pequeno o gigante de sua singular existência o é apenas para alguns que como ele olharam o mundo com outros olhos mansos, mas vendo de cima as miudezas que os distraem mas veem a grandiosa beleza trágica 17 tudo azul - miolo 7L.indd 17 19/07/2011 12:39:08
da vida vivida no risco da memória e do esquecimento ser esquecido é como não ter vivido a vida só aconteceu para quem tem a identidade consigo o que conta ao fim, ainda sobra o marfim, as veleidades vaidosas no melhor dos casos viram teclas às mãos sensíveis dispostas no pior, badulaques que impedem as crianças de brincar na sala. 18 tudo azul - miolo 7L.indd 18 19/07/2011 12:39:08
curvas da estrada entre as mãos se esvai o encantamento correndo entre dedos os fios da magia cortam e lavam indolor em riste os calos, os grumos da liça nada fará voltar a violeta da madrugada que anuncia resta ao sonhador de novo se pôr em pé em marcha não sendo a primeira não terá sido a última em que o espelho parte e a estrada se mostra curva além da sombra das amoreiras onde zunem as abelhas ordeiras e alcança o olhar crispado as mãos pendem novamente no bolso buscam o tabaco que se faz lume companheiro e lá se foi mais um dia quase um dia inteiro 19 tudo azul - miolo 7L.indd 19 19/07/2011 12:39:08
caqui a hora passa por aqui e sei que o tempo voa mas não anda e nem cessa de parecer correr estático, o tempo é pragmático o tempo é como caqui verde ou maduro, escoa a cica gruda minha língua num céu que da boca apreendi infinito 20 tudo azul - miolo 7L.indd 20 19/07/2011 12:39:08