Cadernos da Escola de Comunicação A BUSCA PELO FURO DE REPORTAGEM NO ISABELA É APRESENTADA POR DOIS VIESES NARRATIVOS: DRAMÁTICO E TÉCNICO Aluna: Jenifer Magri Curso: Jornalismo Professora orientadora: Maura Oliveira Martins PALAVRAS-CHAVE: Espetacularização; Dramatização; Sensacionalismo; Furo de Reportagem; Jornalismo Policial. RESUMO O caso Isabella Nardoni entrou para a história do jornalismo brasileiro. No dia 29 de março de 2008, a criança foi jogada do sexto andar do edifício London na capital paulista, onde estava com o pai Alexandre Nardoni e a madrasta Anna Carolina Jatobá. A morte da menina foi explorada intensamente pelos meios de comunicação. O estudo proposto se concentra em analisar a espetacularização da notícia pela ótica do furo de reportagem, ou seja, a busca por noticiar primeiro que os outros veículos. O conteúdo explorado se refere aos laudos dos peritos as descobertas da polícia. Para a realização da pesquisa, utilizou-se como objeto de estudo duas reportagens veiculadas na revista eletrônica Fantástico, num intervalo de quase três meses. Ambas foram anunciadas como notícias inéditas furos jornalísticos, no jargão profissional embora tenham o mesmo conteúdo. A principal diferença entre as analisadas está na linguagem usada na narrativa sobre o assunto. A reportagem do dia 27 de abril faz uma leitura abordando as informações dos laudos dos peritos de forma técnica mostrando quais as pistas encontradas e como se chegou ao resultado. Nessa reportagem há uma perda do trágico (Martins e Azevedo, 2009), ou seja, o repórter dá ênfase no resultado das análises traçando uma narrativa voltada aos dados técnicos, e não humanos, a 62
JENIFER MAGRI respeito do assunto. Já a do dia 20 de julho apresenta os resultados da perícia no formato de animação em 3D. Essa matéria valoriza a tragédia e enfatiza na morte da menina Isabela utilizando todos os recursos sensacionais, como imagens e som. Dessa forma, o objetivo central do trabalho é verificar se o modo em que foi construída a segunda reportagem não teria transformado a primeira em espetáculo. O furo referido acima então se justifica por o programa televisivo estar mostrando a tecnologia usada pela perícia, ou seja, após a coleta dos dados os resultados são transformados em um vídeo que simula o ocorrido. E a espetacularização ocorreria então pelo fato de o programa estar apresentando novamente os laudos da polícia, só que, desta vez, ao invés de trazer a leitura técnica do caso, a reportagem traz as mesmas informações relatadas a partir do vídeo da simulação em 3D. A pesquisa intenta esclarecer conceitos de espetacularização e sensacionalismo i, muitas vezes compreendidos de forma errada ou imprecisa, como esclarece Amaral (2005). O conceito de sensacionalismo, frequentemente utilizado para definir os produtos jornalísticos populares, já não tem servido pela sua amplitude, pelos equívocos teóricos que normalmente o acompanham e pelas novas formas de popularização (Amaral, 2005, p. 2). A metodologia desse trabalho consiste na análise de discurso. A pesquisa é exploratória e os métodos utilizados para chegar aos resultados são análises sobre a construção das narrativas das reportagens selecionadas. Para essa esse estudo também foi preciso fazer uma decupagem dos vídeos das matérias, de modo a levantar os critérios a serem analisados - desde imagens, texto, áudio, gestualidade - de modo a capturar os sentidos propostos pelas reportagens. Os conceitos estudados neste trabalho são sensacionalismo, jornalismo policial, espetacularização e dramatização da notícia. Para melhor entender a notícia como espetáculo, abordou-se o conceito de Sociedade do espetáculo, de Guy Debord (1997). O teórico observa o fenômeno da sociedade de consumo, em função do rápido desenvolvimento tecnológico e da consequente expansão dos meios de comunicação de massa que deu origem a sociedade do espetáculo. Para Guy Debord, O conceito de espetáculo nada mais seria que o exagero da mídia, cuja natureza, indiscutivelmente boa, visto que serve para comunicar, pode às vezes chegar a excessos. Frequentemente, os donos da sociedade declaram-se mal servidos por seus empregados midiáticos; mais ainda, censuram a plebe espectadores pela tendência de entregar-se sem reservas, e quase bestialmente, aos prazeres da mídia. (Debord, 1997, p. 171) As explicações e os estudos sobre a espetacularização vão além das imagens e 63
Cadernos da Escola de Comunicação A BUSCA PELO FURO DE REPORTAGEM NO ISABELA É APRESENTADA POR DOIS VIESES NARRATIVOS: DRAMÁTICO E TÉCNICO abordam também a notícia como mercadoria e entretenimento. A notícia, na abordagem mercadológica, emprega maneiras mais atrativas de ser veiculada, no caso Isabela as reportagens utilizam recursos da literatura que podem contribuir para essa atração por parte do telespectador ao vê-las. Desse modo a informação passa a ser entretenimento, assim o produto informação é vendido e recebe em troca a audiência tão desejada. A dramatização ii dos fatos de uma notícia é um dos recursos utilizados pelo jornalismo popular para vender informação. As técnicas de produção textual, edição e diagramação são os recursos utilizados para tornar a matéria mais atraente do ponto de vista mercadológico. As notícias relacionadas à tragédia, à violência e ao crime são apresentadas na TV de forma semelhante ao espetáculo conceituado por Debord (1997). O telejornalismo policial tende a apresentar as reportagens com estratégias semelhantes aos do romance policial, o que as torna mais próximas do entretenimento. Entre os recursos usados pela TV, está a supervalorização da imagem, a supremacia da emoção, a dramatização na narração, a fragmentação, entre outros. Os telejornais populares sensacionalistas transformados em produtos de consumo reforçam o caráter perecível da notícia. Na busca por novos produtos, esse gênero pode contribuir para o acúmulo de imagens e estabelecer o espetáculo. Esse modelo de jornalismo geralmente valoriza a narrativa e o drama, dando ênfase na tragédia como estratégia. Sendo assim a fórmula é quanto mais apelos tiver, maior será o número de telespectadores. O jornalismo sensacionalista vende o que choca, sangra, o escândalo, a polêmica, as brigas, o conflito. Explorando recursos dramáticos, o jornal é capaz de tornar sensacional tanto o que é quanto o que não é sensacional fatos que trazem por si só uma carga emotiva. O recurso da dramatização foi bem explorado no caso Isabela Nardoni, nas matérias analisadas parece ser utilizado apenas em uma. Esse recurso é muito usado por jornais taxados como sensacionalistas para relatar as tragédias: os fait divers iii. Como diz Angrimani (1995), a formula dá resultado. Assim como no século XIX os fait divers deram resultados com as narrativas dramáticas dos fatos que são os elementos fundamentais da notícia-mercadoria para garantir uma boa atratividade. O resultado do sucesso dos fait divers como informação está relacionado ao interesse humano por assuntos bizarros do comportamento do homem, a curiosidade, o impacto e o espetáculo. 64
JENIFER MAGRI O caso Isabella Nardoni pode ser caracterizado como um fait diver, pois o acontecimento é um caso singular, particular, incomum, em que o pai é o principal suspeito de ter jogado a filha da janela do sexto andar do edifício London. Segundo os estudos sobre os fait divers, a natureza desse fato sugere que ele não tenha grande interesse público, pois não traz forte repercussão à vida da população, é um caso isolado em si próprio, sem grande historicidade, visto que não fala especificamente de algo que atinge o bem público. O caso Isabella parece causar interesse pelas características internas do fato, mas, em si, não tem grande interesse público. As reportagens buscavam criar a sensação de interesse público como principal valor notícia, como estratégia que talvez foi adotada para dar maior repercussão ao caso. As reportagens na realidade são de interesse do público. É necessário distinguir a diferença desses valores notícia, interesse público, é o fato que interessa a sociedade, que pode alterar algo na vida de uma sociedade; interesse do público é o fato que interessa para uma pessoa em particular, mas que não afeta a sociedade. A dramatização no telejornalismo enfatiza como as pessoas ou atores sociais aparecem ou são narrados em função do texto. Curado (2002) entende que a encenação dos fatos em noticiários sensacionalistas, passa a fazer parte da realidade, narrando independentemente da linearidade temporal, não respeitando a construção lógica do entrevistado. Olga Curado classifica a seleção de imagens espetaculares como clipe jornalístico: Quando o fio condutor de uma reportagem é a seleção de imagens espetaculares, o material que resulta daí é o clipe jornalístico. Narrar histórias a partir de uma sequência de efeitos visuais é uma leitura inconsistente e juvenil da realidade, (...). Se uma falsa estética da edição prevalece para a construção da narrativa noticiosa, a informação passa para segundo plano. (Curado, 2002, p. 171). A dramatização nos casos policiais tem como características narrativas parecidas com a literatura, assim tendem a noticiar sempre as mesmas histórias ou pelo menos semelhantes, com vítimas e heróis positivos e negativos, que são típicos do melodrama. Os personagens melodramáticos são caracterizados como o traidor ou o personagem do terrível, justiceiro que garante um encerramento positivo, vítima que representa a inocência e o Bobo que extravasa a tensão da história pelo cômico. Martins e Azevedo (2009) classificam os personagens do caso estudado. Para as autoras o papel do Traidor, encaixa-se a madrasta, como na literatura no conto da Cinderela e Branca de Neve. A Vítima incontestável é a menina Isabela o papel de Justiceiro é assumido pelos próprios 65
Cadernos da Escola de Comunicação A BUSCA PELO FURO DE REPORTAGEM NO ISABELA É APRESENTADA POR DOIS VIESES NARRATIVOS: DRAMÁTICO E TÉCNICO veículos de comunicação, que prontamente tomam para si a responsabilidade de garantir punição e a explicitação da verdade, através das vias midiáticas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A prévia conclusão da análise das reportagens revela que ambas são espetaculares não apenas por apresentar o mesmo conteúdo, pelo acumulo de imagens e sim pelas estratégias adotadas pela emissora, Rede Globo. Na tentativa de manter a pauta atualizada além da repetição as reportagens se excedem tanto na ótica dramática quanto na técnica, e as matérias se tornam parecidas com jogos de detetives em que o que todos entram no jogo para descobrir quem matou Isabela Nardoni. Nas análises também é constatado que em nenhum momento os acusados tem a chance de se retratar, que parece reforçar não só a visão dos laudos dos peritos mas um posicionamento da emissora. O estudo está andamento, trata-se de um resultado parcial. A visão no momento é que um novo formato de narrativa para casos policiais vem sendo utilizado, que é o da primeira reportagem que tem como característica a perda do trágico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANGRIMANI SOBRINHO, Danilo. Espreme que sai Sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa. São Paulo, Sumus, 1995. DEBORD, Guy. Sociedade do Espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro. Contraponto, 1997. MARTINS, Maura e AZEVEDO, Anna Carolina. A perda da essência trágica na cobertura jornalística da queda do voo AF 447. XXXII Congresso Brasileiro de Comunicação Curitiba, Intercom, 2009. PONTE, Cristina. Para entender as notícias Linhas de análises do discurso jornalístico. Florianópolis: Insular, 2005. DION, Sylvie. O fait divers como gênero narrativo. Acessado em 2011 publicado em <http://w3.ufsm.br/revistaletras/artigos_r34/revista34_8.pdf> 66
JENIFER MAGRI i Para Angrimani (1995) Sensacionalismo é tornar sensacional um fato jornalístico que, em outras circunstâncias editoriais, não mereceria esse tratamento. Como o adjetivo indica, trata-se de sensacionalizar aquilo que não é necessariamente sensacional, utilizando-se para isso de tom escandaloso, espalhafatoso. Sensacionalismo é a produção do noticiário que extrapola o real, superdimensiona o fato. (ANGRIMANI, 1995, p.16) ii A dramatização é a teatralização de uma situação real ou inspirada na realidade e que pode ser explorada. Considerando o conceito de Reis (1995) a dramatização como a ação de "dar forma de drama", entende se por drama uma forma literária ou discursiva baseada em atributos que combinam para criar a ilusão do vivido ou ilusão dramática. O termo dramatização em grego nos remete para a ação, nomeadamente a teatral, que será o atributo central do drama que por si só não define por si só o drama. A ação dramática submete-se a atributos específicos: a concentração em torno de personagens principais e num tempo limitado; a tensão que decorre dessa concentração e das relações conflituosas que se estabelecem entre essas personagens; a intensidade que pauta o ritmo da narração (Silva, 1969; Reis, 1995). iii Em seu sentido mais comum, um fait divers é a seção de um jornal na qual estão reunidos os incidentes do dia, geralmente as mortes, os acidentes, os suicídios ou qualquer outro acontecimento marcante do dia. O emprego do termo fait divers remonta à criação da grande imprensa, ou seja, no final do século XIX. Seu sentido primeiro é de ordem profissional já que designa uma categoria de notícias. Entretanto, um fait divers significa igualmente uma notícia de pouca importância, um fato insignificante oposto à notícia significativa e a ao acontecimento histórico. Pode-se dizer, querendo minimizar a importância de um acontecimento: é apenas um fait divers!, ou querendo valorizar uma notícia: não é um simples fait divers! (Sylvie Dion, 2007, publicado em http://w3.ufsm.br/revistaletras/artigos_r34/revista34_8.pdf). 67