CONSTRUÇÕES DE TÓPICO E DESENCADEAMENTO DE CONCORDÂNCIA O COMPLEXO C-T

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Transcrição:

1 CONSTRUÇÕES DE TÓPICO E DESENCADEAMENTO DE CONCORDÂNCIA O COMPLEXO C-T Ana Luiza Araújo LOPES Juliana Costa MOREIRA Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) analuizaa@gmail.com julianaichs@yahoo.com.br Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar a valoração de traços phi no complexo C-T, em construções de tópico. Para tal, como referencial teórico adotaremos o Programa Minimalista (Chomsky,1995), o modelo de derivação por fases (Chosmky, 2005), aliados à proposta cartográfica (Rizzi, 1997). De acordo com Chomsky (op. cit), os traços de CP [AGREE] e [EPP] podem ser incorporados pelo TP, que serve como sonda no nível da fase CP, assim temos um movimento A. Já, se os traços não são incorporados por TP, a concordância será desencadeada através de um movimento A. Considerando o que fora apresentado, nossa hipótese é que no PB contemporâneo, há variação no que diz respeito ao modo que a concordância se realiza. Esta pode realizar tanto em CP quanto em TP. Observamos que há variação no desencadeamento da concordância no P, o que leva-nos a crer que há possibilidade de ocorrência ou de estar ocorrendo uma mudança paramétrica no que diz respeito à marcação do valor do parâmetro que define se as línguas são de proeminência de concordância ou de tópico. Palavras-chave: tópico; concordância verba; periferia esquerda da sentença; valoração de traços. 1. Introdução No Português Brasileiro, encontramos construções em que o tópico desencadeia concordância verbal, independente de o elemento topicalizado não ser o sujeito dessa oração. É nosso propósito analisar, neste trabalho, construções este tipo de construção, como exemplificado a seguir: (1) Muita gente mora nessas cidades. (2) Nessas cidades moram muita gente. Em (1) a concordância verbal é desencadeada pelo sujeito preposto (muita gente).já em (2), poderia-se esperar que o verbo concordasse com o sujeito posposto muita gente, entretanto, acorre uma inversão locativa e o verbo concorda com o objeto topicalizado. Como referencial teórico, adotaremos o Programa Minimalista (Chomsky,1995), o modelo de derivação por fases (Chosmky, 2005), aliados à proposta cartográfica (Rizzi, 1997).

2 2.1. Referencial Teórico No Programa Minimalista, assume-se a existência da Faculdade da Linguagem princípios subjacentes à gramática de todas as línguas consiste de um léxico e um sistema computacional. O processo gerativo de uma expressão inicia-se com a extração de itens do léxico. O sistema computacional organiza estes itens através das operações sintáticas Juntar ( MERGE ) e Mover ( MOVE ) de acordo com as exigências paramétricas de uma determinada língua, uma vez que o movimento de um constituinte pode ser requerido em uma língua e não em outra, pois um parâmetro pode ter valores diferentes (+/-) em línguas distintas. Em novo desenvolvimento da teoria, Chomsky (2001,2005 propõe que a estrutura sintática é construída em fases ( phases ). As fases são definidas como os domínios nos quais os traços não interpretáveis são valorados. De acordo com Chomsky (2005, identificamos as fases fortes a partir das categorias funcionais CP e vp. Estas categorias são abordadas em perspectiva cartográfica: (i) C se refere à região que Rizzi (1997) chama de periferia à esquerda ( left periphery ), tratando-se da periferia do IP; (ii) já vº, é o núcleo funcional associado a uma estrutura argumental completa. Para Chomsky (op.cit), as operações computacionais Juntar/ Mover são reduzidas à operação MERGE (Juntar). Há, para o autor, dois tipos de junção: Junção Interna (IM) e Junção Externa (EM). A primeira (IM) seleciona itens do léxico. Através da segunda operação, são formados novos objetos sintáticosa partir da operação Agree, caracterizada por uma relação entre uma sonda e um alvo. A sonda possui traços não interpretáveis (uf) e o alvo é caracterizado por possuir traços interpretáveis (if). Os atributos da sonda devem incluir os do alvo, o que permite que a sonda tenha um subgrupo dos atributos do alvo. Após a valoração dos traços não interpretáveis da sonda, estes são apagados antes que a derivação seja enviada para os níveis de interface, ou seja, para os componentes semântico e fonológico. Em resumo, toda operação sintática envolve a relação entre uma sonda e um alvo suficientemente próximo da sonda (Relação de Localidade), os quais devem combinar em termos dos atributos dos traços que fazem parte da operação Agree. Quanto à cartografia, trata-se do mapeamento detalhado e preciso das estruturas sintáticas (Rizzi e Cinque, 2008). O principal foco desse mapeamento é a periferia esquerda da oração, que seria o lugar de interface entre o discurso e a oração. Rizzi (1997, 2004) assume a periferia à esquerda de uma oração como uma zona estrutural definida por um sistema de núcleos funcionais e suas projeções:

3 O sistema é delimitado na posição mais alta por Force, o núcleo que expressa a categoria da oração declarativa, relativa, interrogativa etc-, e em posição mais baixa por Fin, o núcleo que diferencia construções finitas e não finitas, selecionando o sistema TP com suas características familiares de finitude. O autor, que assume a recursividade de Top, propõe que as categorias Top são projeções específicas para tópicos, ao passo que a categoria Foc é especificada para abrigar constituintes focalizados. Dentro das formulações de Rizzi (1987, 2004), os núcleos Top e Foc são ativados quando há um constituinte com a função de tópico ou de foco a ser acomodado na periferia à esquerda da oração. Em sua proposta Rizzi (1997, 2004), os especificadores dos núcleos funcionais projetados em CP são licenciados por conteúdos substantivos de traços desses núcleos, os quais, sendo de categorias diferentes, ocupam posições diferentes em Comp. Os sintagmas carregando as funções de tópico ou foco ocupam os Specs dos núcleos correspondentes, projetados no sistema de CP; sendo a posição de projeção dos núcleos Top1, Top2, Top3 dentro de CP, definidas pela posição de realização do advérbio na estrutura da frase (Rizzi, 2004). Essa proposta para o mapeamento da periferia esquerda é parte da cartografia. Os estudos cartográficos podem ser articulados com as propostas minimalistas, o que apresento na seção que segue. Discorreremos, na próxima seção, sobre a relação entre o programa minimalista e os estudos cartográficos. 2.2.A Cartografia e o minimalismo Chomsky(2008), ao definir o CP como fase, recorre a noção de uma categoria C expandida, como proposto por Rizzi (1997), semelhante a concha vp, que é espraiada em várias categorias; e o mesmo ocorreria com um CP fásico. Mas como essas duas propostas, uma minimalista focada na forma e no processamento computacional e a outra focada no mapeamento da estruturas como a de Rizzi, podem ser articuladas? A simplicidade crucial para o minimalismo parece ser contraria à complexidade das análises cartográficas, mas Cinque e Rizzi (2008) afirmam que na verdade é uma divisão de trabalho: enquanto o minimalismo foca nos mecanismos de geração de orações, isto é, nos

4 processos computacionais, a cartografia foca nos detalhes das estruturas geradas. Os autores lembram ainda que os estudos cartográficos levam em conta os pressupostos minimalistas. Tendo em vista o que foi dito, o nosso objetivo é avaliar como ocorre a valoração de traços pertencentes ao domínio CP. Na próxima seção, apresentamos estudos recentes que versam sobre a valoração de traços no complexo C-T. 3.1. Sobre a valoração de traços-phi no complexo C-T Conforme é postulado no Programa Minimalista, através de uma operação de concordância, os traços- phi e o traço EPP podem atrair o DP com o qual concordam até o especificador de TP. Após o movimento do DP para esta posição, há a atribuição de Caso Nominativo e a posição de sujeito é preenchida. Considerando que os traços-phi e o traço e EPP pertencem ao núcleo da fase (C), Chomsky (2001, 2005) questiona o movimento do DP apenas até T: : Como (qual é o mecanismo?) e por que (qual é a motivação?). Segundo o autor, o mecanismo óbvio é que os traços de CP (Agree e EPP) são herdados pelo TP e, então, T, derivacionalmente, serve como uma sonda no nível da fase CP. Assim, T projeta um especificador no momento em que se combina com C em decorrência do traço EPP, servindo como sonda no nível da fase CP. A motivação para que haja a herança de traços de C para T, de acordo com o autor, é a de que a interface C-I requer uma dualidade semântica que é satisfeita a partir da distinção A versus A : um elemento A pode ser movido para a posição não argumental [Spec C], ao passo que um elemento A, pode ser movido para a posição argumental [Spec T]. 1 Ao admitir que a herança dos traços-phi e do traço EPP é opcional na fase C, Chomsky (op.cit) assume que estes traços podem ocorrer na região de C e, consequentemente, podem ser valorados nesta região. O autor ressalta, porém, que essa conclusão foi desenvolvida por Miyagawa que discute que a concordância ( agreement ) e o foco ( focus ) são dois valores do mesmo parâmetro e as línguas variam com relação a qual deles é proeminente: traços-phi para línguas do tipo Inglês e foco para línguas do tipo Japonês, línguas banto, além de outras. Miyagawa (2004) considera que todas as operações que movem uma categoria para o especificador de TP são desencadeadas pelo traço [EPP] presente no núcleo: ( ) Movimentos para TP ou categoria mais alta Wh movement; focus movement, agreement movement (thematic subject); scrambing 2 Miyagawa (2004) 1 Conforme Chomsky (op.cit.), os traços-phi podem ser propriedade de núcleos de fase em geral, não apenas de C, v também pode transmitir estes traços para V e a sonda de um objeto com Caso Estrutural em v pode ser capaz de mover para [Spec V], passo a passo, até chegarem a [Spec T] ou [Spec C]. 2 Para Fukui (apud Miyagawa (2004)), a falta de concordância é responsável por um tipo de movimento opcional, scrambling, que pode mover livremente uma categoria de uma posição específica exatamente pelo motivo de não haver concordância.

5 Em princípio, poderíamos dizer que as línguas se diferem quanto à ocorrência de cada um dos movimentos listados acima; no entanto, para Miyagawa (op cit), a diferença é apenas aparente. A análise dessas operações de movimento desenvolvida pelo autor é feita considerando, primeiramente, que essas operações são fundamentalmente a mesma: tanto o movimento do sujeito para o especificador de TP para satisfazer a exigência de T, como o movimento de uma expressão Wh para o especificador de CP são desencadeados pelo traço [EPP]. Faz-se importante deixar claro que Miyagawa, ao considerar que o traço EPP é responsável pelos quatro movimentos listados acima, assume que estes são claramente desencadeados a partir da interação deste com outros traços: traços-phi e foco (focus). A análise do autor é, portanto, baseada na noção de variação paramétrica. Uma língua pode ser de proeminência de sujeito (agreement) e de proeminência de tópico (focus). Entretanto, resta clarificar a maneira pela qual o EPP interage com outros traços funcionais. O autor assume que os traços-phi podem ocorrer em C: possivelmente, todos os traços não interpretáveis estão localizados nos núcleos das fases (Cº e vº). Chomsky (2005) concorda com esta afirmação, como dissemos, ao assumir que a herança dos traços-phi (de C para T) é opcional. O trabalho que desenvolvemos está em fase inicial, e por ora só estamos analisando a valoração de phi. Especialmente para explicar a valoração desses traços quando ocorre a concordância entre tópico e o verbo, em detrimento à concordância com o sujeito. Antes de apresentarmos nossa análise gostaríamos de pontuar que outrostrabalhos trazem evidências para a valoração de traços-phi em C, em várias línguas. A seguir aprensentamos o trabalho de Henderson (2006) sobre a concordância entre tópicos e verbos em línguas banto. 3.2. A concordância em línguas banto A concordância em línguas banto pode ser desencadeada por tópicos. Henderson (2006) e Duarte (2011), analisam o fenômeno especialmente no que diz respeito às orações relativas. As línguas banto tem 3 tipos de relativas (Henderson 2006): Tipo 1: concordância com o sujeito e com o NP relativizado a) Mbatya dza-v-aka-son-era vakadzi mwenga Shona 10roupas 10REL-3PL-PST-costurar-APP mulher noiva As que roupas que a mulher costurou para a noiva (Demuth and Harford 1999 apud Hendersen 2006) b) Inja e-mfana wa-yi-thenga Zulu 9cachorro 9REL-menino 3SG-9OM-comprar O cachorro que o menino comprou (Poulos 1982 apud Hendersen 2006) Tipo2: concordância com o sujeito c) incwadi isitshudeni a-isi-yi-funda-yo Zulu 9carta 7estudante REL-7AGR-9OM-ler-RS

6 A carta que o estudante está lendo d) umfati tintfombi la-ti-m-elekelela-ko Swati 1mulher 10menl REL-10AGR-9OM-ajudar-RS A mulher que a menina ajuda Tipo 3: concordância apenas com o NP relativizado. d) imundondo mú - kpa - aki omoto Dzamba 5jarro 5AGR.REL-pegar-IMP pessoa O jarro que a pessoa pegou (Bokamba 1976 apud Hendersen 2006) e) mukanda mú tind - aki Poso Lingala 5carta 5AGR-mandar-PST Poso A carta que Poso mandou Henderson (2006) afirma que segundo a proposta padrão em que traços responsáveis por relativização e wh residem em C, e o relativos a flexão residem em T. E propõe uma análise das relativas levando em conta presença/ausência de traços phi em C e/ou T. O autor retoma ainda a idéia que sujeitos em algumas línguas banto, na verdade são tópicos, e retoma a proposta de Rizzi (1997) para apresentar a estrutura interna dessas construções. Assumindo essa estrutura, ele afirma que o varia nessas relativas são os complementizadores que podem residir em Force ou Fin, numa variação paramétrica entre línguas. Em relativas do tipo 1 o comp está em force e carrega traços phi, desencadeando agree. Enquanto no tipo 2 o comp está em Fin, sem traços phi, desta forma não há concordância, o verbo valora os traços phi apenas do sujeito. Henderson mostra que as relativas do tipo 3 exigem uma outra explicação, pois apenas o lugar de comp, não justifica essa ocorrência, em que apenas o objeto topicalizado vai concordar com o verbo. Ele afirma que um parâmetro similar pode nortear essa concordância, que prevê que traços de flexão vão residir em Fin ou T. E no caso das línguas que tem o 3 tipo de relativas, flexão reside em Fin, concordando com o tópico. A proposta de Henderson é uma forte evidência pra traços de flexão e phi em C na sua versão espraiada o que pode ser muito interessante para explicação de concordância com tópico no PB

7 3.3A valoração de traço-phi no Português Brasileiro No PB, assim como no terceiro tipo de língua banto apontado por Henderson (2006), acontece concordância entre o tópico e o verbo 3. As perguntas que colocamos incialmente é por que isso acontece? E qual a motivação para ocorrência? Como dissemos anteoriormente, no PB é possível a concordância verbal ocorrer com tópicos argumentais ou não - que aparecem à esquerda do verbo. As construções em que a flexão verbal estabelece concordância com um tópico não-argumental têm sido apontadas como uma evidência para a idéia de que o PB é uma língua de proeminência de tópico ou de orientação ao discurso (Pontes, 1987; Galves, 1998; Negrão, 1999; Kato & Raposo, 2006; entre vários outros). Retomamos os exemplos apresentados na introdução: 1. Muita gente mora nessas cidades. 2. Nessas cidades moram muita gente. Como podemos explicar a diferença nessas duas frases? Acreditamos que, assim como proposto por Chomsky (2005) os traços phi em PB são valorados em C ( como dissemos anteriormente os traços phi não interpretáveis podem residir em C ou v). Consideramos ainda a proposta de Myagawa, e uma vez que o PB como é uma língua de proeminência de tópico, a concordância entre tópico e verbo, explicada pela interação entre os traços phi na língua e o traço foco. Os movimentos de tópicos, wh, seria motivada pela presença desse traço de borda, não exploraremos esse assunto neste trabalho mas pretendemos retomar a isso, uma oportunidade futura. Nosso foco aqui é mostrar que, como argumentado por Mygawa (2004) e Chomsky 2005, os traços não interpretáveis residem no núcleos das fases, acreditamos que no PB os traços phi residem em núcleo de C, e quando não há nenhum DP nesse local para valorar esses traços não interpretáveis, os traços podem ser herdados por T. Apresentamos abaixo a distribuição de traços-phi no PB: Considerando que a valoração traços-phi como mostramos acima, conseguimos explicar os exemplos 1 e 2 apresentados anteriormente. 3 Avelar e Cyrino 2008 acreditam que a concordância entre tópico e o verbos no PB foi influenciado pelo fenômeno em línguas banto, devido ao contato entre as línguas,

8 1) Muita gente mora nessas cidades No exemplo acima os traços phi são herdados de C para T, a sonda ( traços não interpretáveis de phi) alcança o alvo DP ( que tem traços phi interpretáveis), o que explica a gramaticalidade dessa sentença. E ainda podemos explicar a gramaticalidade do exemplo 2 2) Nessas cidades moram muita gente Nesse exemplo, os traços não interpretáveis de phi que residem em C são valorados pelo traços interpretáveis do objeto topicalizado.

9 Essas são nossas primeiras análises para as questões levantadas nesse trabalho e pretendemos continuar a desenvolver esse trabalho testando nossa hipótese em outros contextos, e no futuro, buscaremos comparar a distribuição de traços phi no PE e PB. 4. Considerações finais Considerando o que fora apresentado, nossa hipótese é que no PB contemporâneo, há variação no que diz respeito ao modo que a concordância se realiza. Esta pode realizar tanto em CP (cf exemplo 2) quanto em TP (cf. exemplo 1). Em 1 há herança dos traços- phi - de C para T. Entretanto, no outros exemplos traços phi são valorados em C. Essas primeiras análises serão refinadas testando nossa hipótese em um numero maior de contextos e futuramente em uma comparação da distribuição de traços phi no PE e PB. 5. Referências bibliográficas Avelar, Juanito & Sonia Cyrino (2008) Locativos preposicionados em posição de sujeito: uma possível contribuição das línguas Bantu à sintaxe do português brasileiro. Linguística 3 Revista de Estudos Linguísticos da Universidade do Porto, pp. 218-149. Benincá, P. e Polleto Cecília. Topic, Focus and V2: defining the CP sublayers in: In A. Belletti (ed). Structures and Beyond. The Cartography of Syntactic Structures, vol.3, Oxford University Press.Cinque, G, Rizzi. L. (2008) The Cartography of Sintatc Structures. In:CISCL Working Papers. ST Chomsky, Noam (1995). The Minimalist Program. Cambridge, Mass.: MIT Press. Chomsky (2001). Derivation by Phase. Ken Hale: A Life in Language. Kenstovicz, Michael (ed). Cambridge, Mass: MIT Press. pp. 1-54. Chomsky, Noam. 2005. On Phases. Ms Henderson, B. 2006. The syntax of agreement in Bantu relatives. In Topics in the morphosyntax of Underrepresented Languages: Papers from the 9th Texas Linguistics Society Conference. CSLIPublications, Stanford, CA. Kato, Mary & Eduardo Raposo (2006) Topicalization in European and Brazilian Portuguese.In. J. Camacho, N. Flores-Ferrán, L. Sánchez, V. Deprez & M. L. Cabrera (orgs.) Romance linguistics 2006. Current Issues in Linguistic Theory. Amsterdam: John Benjamins, pp. 205-218. Negrão, Esmeralda (1999) Português brasileiro: uma língua voltada para o discurso. Tese de Livre-Docência, Universidade de São Paulo. Miyagawa, S. On The Epp. Mit, 2004. RIZZI, L. (1997). The Fine Structure of the Left Periphery. In Elements of Grammar: Handbook in Generative Syntax, ed. Liliane Haegeman, 281-337. Dordrecht, Netherlands: Kluwer Academic Publishers. Rizzi, L. (2004). Locality and Left Periphery. In A. Belletti (ed). Structures and Beyond. The Cartography of Syntactic Structures, vol.3, Oxford University Press, p. 223-251.