Geração de Energia Elétrica a partir do Biogás Proveniente de Aterro Sanitário Estudo de Caso



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Transcrição:

Geração de Energia Elétrica a partir do Biogás Proveniente de Aterro Sanitário Estudo de Caso Vanessa Pecora Garcilasso 1 Sílvia Maria Stortini González Velázquez 1, 2 Suani Teixeira Coelho 1 Resum o O projeto de geração de energia elétrica a partir do biogás proveniente de aterro sanitário, desenvolvido pelo Centro Nacional de Referência em Biomassa (CENBIO), encontra-se em operação no aterro sanitário da Essencis Central de Tratamento de Resíduos (CTR) de Caieiras, localizado no km 33 da Rodovia dos Bandeirantes, em Caieiras, São Paulo. O biogás é formado a partir da degradação anaeróbia da matéria orgânica e sua produção é possível a partir da degradação de resíduos orgânicos, sendo composto tipicamente por metano (CH 4 ) e dióxido de carbono (CO 2 ). O gás metano gerado em aterros, se não for devidamente controlado, por meio de sistemas de coleta e aproveitamento ou pela queima em flares, contribui, também, para o agravamento do efeito estufa. Além da oportunidade de gerar energia elétrica, 1 CENBIO Centro Nacional de Referência em Biomassa Av. Prof. Luciano Gualberto, 1289. Cidade Universitária. São Paulo - SP. Brasil - Fone: (11) 3091.2650 e-mail: vpecora@iee.usp.br 2 Universidade Presbiteriana Mackenzie - Rua da Consolação, 930 CEP 01302-907 - Consolação - São Paulo - SP Brasil - Fone: 11 2114 8552, Fax: 11 2114 8553 Temário: Meio Ambiente e Mudanças Climáticas/Ambiental. 1249

diversificando a matriz energética com uma alternativa descentralizada, a utilização do biogás de aterro contribui para diminuir as conseqüências das mudanças climáticas, pois o gás metano, produzido pelo lixo, é cerca de 20 vezes mais nocivo que o gás carbônico (CO 2 ) na formação do efeito estufa. Com isso, projetos de aproveitamento desse recurso são passíveis de comercialização de créditos de carbono no âmbito do Mecanismo de D esenvolvimento Limpo (MD L), previsto pelo Protocolo de Q uioto. 1.Introdução A geração de resíduos sólidos e efluentes domésticos está diretamente relacionada ao padrão de vida e hábitos de consumo população urbana. A coleta, tratamento e disposição adequada destes resíduos refletem a qualidade de vida da população, das águas dos rios e águas subterrâneas. Neste contexto, a disposição final do lixo urbano é um dos graves problemas ambientais enfrentados pelos grandes centros urbanos em todo o mundo e tende a agravar-se com o aumento do consumo de bens descartáveis, que passam, cada vez mais, a compor os grandes volumes de lixo gerados pela população. O aterro sanitário é a forma mais econô mica e seg ura ambientalmente de disposição de resíduos sólidos urbanos. Consiste na utilização de métodos de engenharia para confinar os dejetos na menor área possível, reduzi-los a um menor volume e cobri-los, freqüentemente, com uma camada de terra. É de fácil execução e apresenta grande capacidade de absorção de resíduos quando comparada às outras formas de destinação final como a incineração, compostagem e reciclagem. Por outro lado, a necessidade de grandes áreas próximas aos centros urbanos, grandes quantidades de material de cobertura e riscos de contaminação do solo, das águas e do ar, demonstram que os aterros devem ser muito bem controlados. Além disso, os aterros impossibilitam o reaproveitamento de materiais, o que evitaria a exploração de matéria-prima virgem na produção de novos bens de consumo. Os resíduos sólidos urbanos acumulados de maneira contínua em aterros sob a influência de agentes naturais (chuva e microrganismos), se degradam pela bioconversão da matéria orgânica sob a forma de biogás e lixiviados. 1250

No aterramento do lixo, um dos problemas ambientais considerados é a emissão do biogás, mistura gasosa combustível produzida pela digestão anaeróbia da matéria orgânica, composto por aproximadamente 45% de CO 2 (dióxido de carbono), 50% de CH 4 (metano), que é um combustível possível de ser coletado e utilizado como fonte de energia, e o restante por 3% de N 2 (nitrogênio), 1% de O 2 (oxigênio) e 1% de outros gases (LEONE, 2003). O seu poder calorífico é de 14,9 a 20,5 MJ/ m3, aproximadamente 5800 kcal/m 3 (MUY LAERT, 2000). A concepção de aterros sanitários que visam, além do armazenamento correto do lixo, o aproveitamento do biogás gerado ao longo do tempo, possibilita maior eficiência na produção e captação do metano gerado, por meio de uma rede de drenos de biogás, previamente instalada, que atinja todas as camadas de lixo. Em aterros sanitários construídos conforme as normas brasileiras vigentes, já está prevista a colocação desta tubulação para coleta do gás (ABNT, 1992;ABNT, 1995). A impermeabilização eficiente da base e da cobertura do aterro possibilita condições adequadas para a degradação da matéria orgânica, aumentando, conseqüentemente, a produção de biogás. Além disso, é uma maneira de minimizar contaminações tanto no solo como em lençóis freáticos (ENSINAS;BIZ Z O, 2003). D entre os principais problemas locais decorrentes da emissão descontrolada de biogás advinda da decomposição do lixo estão os prejuízos causados à saúde humana e à vegetação, decorrentes da formação de ozônio troposférico ou da exposição a alguns constituintes do biogás que podem causar câncer e outras doenças que atacam fígado, rins, pulmões e o sistema nervoso central (OMS, 2000). H á ainda o risco de incêndios e explosões em instalações próximas aos aterros, uma vez que este gás é altamente inflamável. Outro efeito negativo é o inconveniente causado por odores desagradáveis que podem gerar distúrbios emocionais em indivíduos que residem em áreas próximas aos aterros, além de favorecer a desvalorização das propriedades. Um sistema padrão de coleta do biogás de aterro tem três componentes centrais: poços de coleta e tubos condutores, compressor e sistema de purificação do biogás. O Sistema de coleta conta com tubos verticais perfurados ou canais e em alguns casos com membrana protetora. Além disto, a maioria dos aterros sanitários com sistema de recuperação energética possui flare para queima do excesso do biogás ou para uso durante os períodos de manutenção dos equipamentos (MUY LAERT, 2000;W ILLUMSEN, 2001). 1251

Segundo Cunha (2002), a captação do biogás resultante da decomposição dos resíduos orgânicos compactados em aterros é viável do ponto de vista econômico, energético e ambiental, traz redução de custos para a Prefeitura local e um destino nobre para o lixo. O aproveitamento do biogás concentrado nas montanhas de lixo de um aterro sanitário para movimentar um gerador, em caráter experimental, se fez necessário para a avaliação da tecnologia, pouco difundida, entretanto, viável no Brasil (CENBIO, 2009). 2.Cenário dos Resíduos Sólidos Urbanos no Brasil No Brasil, são coletadas cerca de 230.000 toneladas de resíduos sólidos diariamente, sendo 125.000 toneladas referentes aos resíduos domiciliares, o que representa 0,74 kg por habitante por dia (IBGE/PNSB, 2000). Como os dados abordados são de 2000, estima-se que a geração de resíduos sólidos no Brasil tenha crescido proporcionalmente ao número de habitantes. D os 5.507 municípios brasileiros, 4.026 (73,1% ) têm população até 20.000 habitantes e neles, 68,5% dos resíduos gerados são vazados em lixões e em alagados. As cidades brasileiras com população acima de um milhão de habitantes coletam 31,9 % (51.635 t/dia) de todo o lixo urbano brasileiro e têm seus locais de disposição final em melhor situação: apenas 1,8 % (832 t/dia) é destinado a lixões, sendo o restante depositado em aterros controlados ou sanitários que somam aproximadamente 1.452 aterros (IBGE/PNSB, 2000). Um dos problemas relacionados à questão de resíduos diz respeito à cobertura de coleta. Infelizmente, nem todo resíduo sólido urbano gerado é coletado pelos serviços públicos de limpeza urbana. Com isso, a parcela da população não atendida muitas vezes descarta seus resíduos em locais impróprios, como margens ou mesmo interior de rios, terrenos baldios, praças públicas, praias, etc., acarretando sérios problemas de saúde devido à proliferação de vetores de doenças e contaminação da água, além de ocasionar entupimento de bueiros e canais de escoamento de águas superficiais, causando enchentes. Em muitas cidades brasileiras, a coleta de RSU consome um significativo percentual do orçamento municipal, chegando a ultrapassar os gastos com serviços de saúde pública, por exemplo. Mas embora os gastos sejam elevados, isto não resolve um segundo problema muito importante, que é a destinação dos resíduos coletados. 1252

O Gráfico 1 representa as unidades de destinação final de resíduos coletados, por região, segundo resultados obtidos pela IBGE/PNSB (2000). O Gráfico 2 apresenta a participação (% em relação ao total de resíduos coletados) das diferentes formas de tratamento e destinação final de resíduos no Brasil. Figura 1 -D estinação final de resíduos coletados, por região Fonte:IBGE/PNSB, 2000. A partir dos dados, fica evidente a predominância de lixões a céu aberto em todas as regiões do país, sendo que os aterros sanitários e controlados estão mais presentes nas regiões Sudeste e Sul. Figura 2 -Participação das D iferentes Formas de Tratamento e D estinação Final de Resíduos no Brasil - % em relação ao total de resíduos coletados Fonte:IBGE/PNSB, 2000. 1253

D o total de resíduos sólidos coletados no pais, 36% são destinados para aterros sanitários;37% para aterros controlados e 21% para lixões a céu aberto, totalizando 84% da quantidade de resíduos coletados que são dispostos no solo. Embora a pesquisa do IBGE tenha sido realizada há uma década, sabe-se que desde então muitos esforços vêm sendo realizados por órgãos públicos, entidades privadas e até mesmo organizações do terceiro setor para estimular o fechamento de lixões a céu aberto. Na maioria das vezes os lixões que foram fechados migram para aterros controlados ou sanitários e, portanto, o número total de unidades de disposição final de resíduos no solo continua semelhante. A disposição do resíduo sólido urbano no solo, seja em aterros sanitários, aterros controlados ou vazadouros a céu aberto, resulta em inúmeros impactos ambientais negativos, além dos prejuízos sociais e econômicos. Entre esses impactos, pode-se citar: A ocupação de extensas áreas para servirem de aterros, que por sua vez estão cada vez mais escassas, especialmente nas grandes cidades e em regiões metropolitanas; O risco de contaminação do lençol freático e cursos d água nas proximidades dos locais de disposição final de lixo, especialmente nos lixões e aterros que não possuem adequada impermeabilização de base; Maior proliferação de vetores de doenças, que podem ocasionar sérios problemas de saúde pública; O total desperdício dos recursos naturais e energéticos contidos nos materiais dispostos nos aterros e lixões; A liberação de maus odores, mais intensos e constantes em vazadouros a céu aberto; A contínua produção de biogás, gerado pela decomposição anaeróbica dos materiais orgânicos presentes nos resíduos já aterrados. Por ser altamente combustível, o biogás necessita ser continuamente drenado para evitar explosões nesses locais. No Brasil, a maioria dos aterros utiliza o sistema de drenos abertos, onde é mantida acesa uma chama para queima imediata do biogás que vai sendo naturalmente drenado. Esse sistema apresenta uma baixa eficiência e estimase que apenas 20% do biogás drenado seja efetivamente destruído pela queima. O restante é simplesmente emitido para a atmosfera. 1254

Em função das ligações químicas entre os átomos de H idrogênio e Carbono, o metano possui um elevado potencial energético (energia química) que quando reage com oxigênio, libera grande quantidade de calor (energia térmica). É um gás de fácil combustão e por isso, nos locais onde ele é gerado, existe sempre o risco de ocorrer explosões. D esta forma, é de suma relevância para mitigar as mudanças globais do clima que sejam implementados projetos efetivos para evitar as emissões de metano provenientes de aterros de resíduos sólidos urbanos para a atmosfera. Para isto, são possíveis os seguintes caminhos: Evitar a disposição de resíduos orgânicos em aterros, seja pela redução da sua geração e descarte, seja pelo aproveitamento ou tratamento dos mesmos por meio aeróbico, que possibilita a produção de composto orgânico que pode ser aplicado no solo, sem gerar metano; Realizar a captação forçada do biogás gerado no interior dos aterros e, subseqü entemente, promover sua destruição por meio da oxidação térmica do metano, ou seja, sua queima, conforme demonstrado na reação abaixo: Como pode ser visto, esta é uma reação exotérmica, isto é, libera energia na forma de calor e esta energia pode ser aproveitada no próprio aterro. 3.Estudo de Caso Um dos objetivos do projeto consistiu em implementar um sistema de geração de energia elétrica a partir do biogás proveniente do tratamento de resíduos sólidos urbanos em aterro sanitário. Na primeira etapa do projeto foi realizada uma amostragem dos aterros sanitários das regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste do país. D esta forma, foi executado um mapeamento dos aterros existentes nas regiões indicadas, buscando também identificar a infra-estrutura apresentada em cada um deles. Este critério foi importante, pois permitiu que fosse realizada a pré-seleção da unidade mais adequada para a instalação do projeto. Após as visitas realizadas em alguns aterros sanitários, concluiu-se que o aterro da Essencis - CTR Caieiras estava apto a receber o projeto, além de localizar-se mais próximo ao CENBIO e por apresentar maior interesse em implementar o projeto. 1255

A Central de Tratamento de Resíduos - Caieiras (CTR) foi inaugurada em março de 2002 e recebe resíduos domiciliares, industriais e de serviços de saúde. Controlada pelo Grupo Essencis, possui área total de 3.500.000 m 2, sendo 1.500.000 m 2 destinados somente ao aterramento de lixo. O fluxo diário de resíduos é da ordem de 10.000 t/dia, sendo que cerca de 70% é orgânico. O aterro possui um sistema de impermeabilização inferior, constituído por uma camada de argila de 0,60 m de espessura, com permeabilidade inferior a 10-7 cm/s, executada na base do aterro, e por geomembrana texturizada de Polietileno de Alta D ensidade (PEAD ) de 2,0 mm de espessura, instalada na base e nos taludes do aterro, para evitar a contaminação do solo e do lençol freático, atendendo às características de estanqueidade, durabilidade, resistência mecânica, resistência a intempéries e compatibilidade com os resíduos a serem aterrados. O aterro também conta com um sistema de coleta e remoção de chorume, instalado acima do sistema de impermeabilização, que o conduz para uma bacia localizada a jusante do aterro, de onde é captado e levado para tratamento em uma Estação de Tratamento de Efluentes (ETE). Existem drenos de saída do biogás possibilitando sua captação, purificação, queima em flare e, atualmente, sua utilização como combustível no sistema de geração de energia elétrica. Para o levantamento de dados técnicos do aterro foi preciso conhecer os aspectos que envolvem a produção, composição e características dos resíduos sólidos urbanos coletados, além de avaliar o comportamento destes parâmetros ao longo dos anos. A quantidade da produção está sempre associada ao tipo de lixo e, conseqüentemente, às características sócio-econômicas da população envolvida. Os fatores que influenciam diretamente a produção de biogás em aterros sanitários são o tipo e quantidade de lixo depositado, a temperatura e o índice de pluviosidade no local, o teor de umidade na massa de lixo, o grau de compactação do lixo, a forma construtiva do aterro, especialmente quanto à espessura e material utilizado na cobertura do lixo, a idade do aterro e a pressão barométrica (CH ESF, 1987). A decomposição anaeróbia do lixo disposto em um aterro sanitário é analisada em função do biogás produzido, sendo que a redução 1256

do metano emitido para a atmosfera pode ser conseguida pela sua captura, seguido da queima em flare. Pode-se também recuperar o metano como fonte de energia evitando-se assim a queima de quantidade equivalente de combustível fóssil. Em ambos os casos o dióxido de carbono é formado. As vantagens da utilização do biogás para geração de energia elétrica estão relacionadas às emissões evitadas, pela utilização de uma fonte renovável, e à eficiência dos sistemas de conversão (CENBIO, 2005). O aquecimento global é o resultado do aumento da concentração na atmosfera de gases de efeito estufa (GEE) pela ação do homem. Estes gases retêm o calor refletido pela superfície da Terra e estabelecem ameaça potencial a todos os ecossistemas naturais, incluindo a sociedade humana. Em face disto, em 1998, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a Organização Mundial de Meteorologia (OMM) constituíram o Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), para apoiar, com trabalhos científicos, as negociações da Convenção-Q uadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQ MC), no âmbito da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (ECO-92), ocorrida no ano 1992 (PECORA, 2006). Como conseqü ência dessa Convenção e princípios nela estabelecidos, foi elaborado o Protocolo de Q uioto, documento que define o comércio de emissões, como forma de mitigar o efeito estufa e fomentar o D esenvolvimento Sustentável em todo o planeta (NOV AGERAR, 2004). Para os cálculos demonstrativos de redução de emissão dos gases de efeito estufa, criou-se uma padronização para regulamentar os resultados e, neste caso, o órgão mundial de maior fidedignidade é o IPCC (CENBIO, 2009). Neste contexto, para o cálculo do potencial de geração de biogás no aterro, foram utilizadas as metodologias sugeridas pelo IPCC (1996;2006). Atualmente, o aterro sanitário em questão produz, em média, 17.000 m 3 /h de biogás, sendo que 50% é metano. Em função da vazão de metano, atualmente, o aterro apresenta potencial de geração de energia de, aproximadamente, 17 MW. 1257

Para a conversão energética do biogás, os motores de combustão interna possuem maior eficiência, além de serem mais baratos, conforme projetos anteriores desenvolvidos pelo CENBIO. Já as turbinas e microturbinas a gás possuem maior eficiência global de conversão, quando operadas em cogeração, porém, por serem importadas, o preco e os custos de operação e manutenção são elevados, além de exigirem que o gás combustível apresente propriedades mais controladas que os motores convencionais. Portanto, a tecnologia de geração de energia elétrica adotada no projeto em questão é o motor ciclo Otto a biogás, de 200 kw (Fotografia 1). Por utilizar tecnologia nacional, o projeto apresenta-se replicável, pois possui menor custo de investimento, fácil acesso a peças de reposição, diminuindo o custo de O& M, além de payback inferior a um ano. Motores de potência maior do que a instalada no projeto são importados, elevando o custo inicial de investimento e, também, de operação pois necessitam de pessoal mais especializado e manutenção, pois sendo as peças importadas, podem sofrer atrasos decorrentes da importação, paralisando temporariamente a operação do sistema. Para este cenário o payback foi de aproximadamente dois anos e na análise econômica não foi considerada a comercialização dos créditos de carbono obtidos a partir da energia elétrica gerada com biogás. Fotografia 2 -Grupo gerador instalado no aterro sanitário da Essencis CTR Caieiras Fonte:CENBIO, 2009. 1258

4.Conclusão Q uanto à análise das possibilidades de replicação do projeto, parte-se da premissa de ser uma alternativa para aterros menores, localizados em cidades afastadas dos grandes centros urbanos, que necessitam de menor quantidade de combustível, com menor concentração de metano. Além disso, o sistema é de fácil manuseio e requer menor quantidade de pessoal especializado, podendo ser operado pelos próprios funcionários do aterro. Para aterros sanitários de pequeno porte, com baixa produção de biogás e, conseqüentemente, baixa obtenção de metano, existem motores nacionais de potências que vão de 4 kw até 264 kw. Para os de grande porte que pretendam aproveitar todo o biogás produzido, os motores existentes são importados, de potências que variam de 925 kw até 1,54 MW. A quantidade de grupos geradores necessários para compor o sistema de geração de energia a biogás, em um aterro sanitário, depende da quantidade de biogás disponível no aterro para ser utilizado como combustível. Além do sistema de geração de energia elétrica, recomenda-se que o aterro implemente flare(s) para queima de excedente de biogás, quando houver, ou então para a queima de todo o biogás, quando houver a necessidade de interromper a operação do sistema para manutenção. O aterro sanitário da Essencis CTR Caieiras possui biogás suficiente para produção de energia elétrica até, aproximadamente, o ano de 2045. Isso significa que após o encerramento do aterro, em 2024, o mesmo terá capacidade de produção de biogás por mais de 20 anos. O biogás produzido no aterro pode ser utilizado como combustível em sistemas de geração de energia elétrica, proporcionando ao aterro economia em relação aos gastos com a energia elétrica adquirida da rede, proveniente da concessionária local, além de possibilitar a obtenção e comercialização dos créditos de carbono e receita com a venda da energia excedente. 5.Referências Bibliográficas ABNT - ASSOCIAÇ Ã O BRASILEIRA D E NORMAS TÉ CNICAS Apresentação de Projetos de Aterros Sanitários de Resíduos Sólidos Urbanos.NBR 8419, 1992. ABNT - ASSOCIAÇ Ã O BRASILEIRA D E NORMAS TÉ CNICAS Apresentação de Projetos de Aterros Controlados de Resíduos Sólidos Urbanos.NBR 8849, 1995. 1259

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