Estudo Comparativo entre a Precipitação da Fase Sigma em um Aço Inoxidável Superferrítico e em um Aço Inoxidável Dúplex. Resumo

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Estudo Comparativo entre a Precipitação da Fase Sigma em um Aço Inoxidável Superferrítico e em um Aço Inoxidável Dúplex. Fernando Cerqueira Pimenta Jr (1) ; Wolfgang Reick (2) ; Angelo Fernando Padilha (1) Resumo A precipitação e a cinética de precipitação dentro da ferrita de dois aços inoxidáveis - o primeiro deles um aço completamente ferrítico (W. Nr. 1.4575) e o segundo deles um ferrítico-austenítico com microestrutura dúplex (W. Nr. 1.4462) - foram estudadas. Os dois aços apresentaram fases ferríticas com composições químicas praticamente idênticas. Enquanto no aço dúplex, a formação da fase sigma ocorreu por meio da decomposição eutetóide da ferrita em fase sigma e austenita, no caso do aço superferrítico a formação de sigma ocorreu por meio de uma reação tradicional de precipitação. Foram determinados diagramas TTT para início de precipitação da fase sigma nos dois aços. A cinética de formação de sigma é cerca de duas ordens de grandeza mais rápida no aço dúplex do que no aço superferrítico. O cotovelo (ou nariz) da curva TTT e a temperatura limite superior de formação de sigma estão deslocados para temperaturas mais altas no aço dúplex, em comparação com o aço superferrítico. A deformação a frio acelerou a precipitação de sigma nos dois aços. A Comparative Study on Precipitation of Sigma Phase in a Superferritic and in a Duplex Stainless Steel. Abstract The kinetics and the precipitation of sigma phase within the ferrite phase of two stainless steels - the first a fully ferritic one (W.-Nr. 1.4575) and the second, a ferritic-austenitic duplex steel (W.-Nr. 1.4462) - have been studied. Both steels presented almost the same chemical composition of the ferrite phase. While an eutectoid decomposition of ferrite into sigma phase and austenite occurred in the duplex steel, a traditional sigma phase precipitation took place in the superferritic steel. The TTT-diagrams were determined for the beginning of sigma formation in the ferrite for both steels. The rate of the sigma phase precipitation was two orders of magnitude faster within the duplex steel as compared to the superferritic one. At the same time, the nose of the TTT-curve was shifted towards higher temperatures, as well as the upper precipitation temperature limits were higher for the duplex steel than for the superferritic one. Cold deformation accelerated the beginning of sigma precipitation in both cases. (1) Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da EPUSP, São Paulo, Brasil. (2) Euro-Labor, Hörder Straβe 284, D-58454 Witten, Alemanha. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 29301

1. Introdução O contínuo desenvolvimento dos aços inoxidáveis, desde o seu descobrimento no início do século XX, tem levado a composições cada vez mais ricas em elementos de liga. Se por um lado, a presença de altos teores de elementos de liga no aço propicia em geral a obtenção de melhores propriedades mecânicas e de corrosão, por outro lado, estes elementos de liga têm algumas conseqüências negativas quanto à estabilidade microestrutural do material. A exposição em altas temperaturas dos aços inoxidáveis, especialmente dos tipos austenítico, ferrítico e dúplex, pode causar a precipitação de numerosos tipos de fases intermetálicas, carbonetos, nitretos e boretos. Na maioria dos casos, precipitação destas fases afeta as propriedades do material de forma negativa e é indesejável. Dentre as fases mencionadas, provavelmente a mais estudada e indesejável seja a fase sigma. Já em 1907, antes mesmo do descobrimento dos aços inoxidáveis, Treitschke e Tamman [1], estudando o sistema Fe-Cr, suspeitaram da existência de um composto na faixa de 30 a 50% em peso de cromo. Em 1927, Bain e Griffiths [2] encontraram no sistema Fe-Cr-Ni uma fase dura e frágil, denominada por eles de constituinte B ( B constituent ; B de brittle ). Em 1936, Jett e Foote [3] denominaram-na fase sigma e em 1951, Bergmann e Shoemaker [4] estudaram detalhadamente e determinaram a estrutura cristalográfica da fase σ do sistema Fe-Cr. A precipitação de fase sigma nos aços inoxidáveis pode ocorrer tanto nos tipos austeníticos, como nos ferríticos e nos ferríticos-austeníticos com microestrutura dúplex [5,6]. A precipitação deste intermetálico Fe-Cr ou Fe-Cr-Mo, de estrutura tetragonal, com 30 átomos por célula unitária, causa perda de tenacidade e empobrecimento da matriz em cromo e molibdênio. Nos aços austeníticos, a precipitação de sigma geralmente demanda centenas ou até milhares de horas e as frações volumétricas precipitadas não são altas [7,8]. A precipitação neste caso pode ser representada por uma reação comum de precipitação: γ γ* + σ, onde γ* é uma austenita empobrecida em cromo e eventualmente em molibdênio, em comparação com a austenita original. A precipitação ocorre predominantemente nos contornos de grão, especialmente nas junções triplas. No caso dos inoxidáveis dúplex, a precipitação pode se completar em poucas horas e consumir toda a ferrita da microestrutura [9 a 11]. A precipitação neste caso pode ser representada por uma reação do tipo eutetóide: α γ* + σ, onde γ* é uma austenita empobrecida em cromo e molibdênio em comparação com a austenita não transformada. A precipitação se inicia nas interfaces α/γ e avança no grão ferrítico. A precipitação de fase σ nos inoxidáveis é bem menos estudada nos aços ferríticos [12 a 15] que nos aços austeníticos e que nos dúplex. Estudos anteriores de Reick e co-autores [12 a 14], mostraram que a cinética de precipitação de σ no aço inoxidável superferrítico W. Nr. 1.4575 é muito mais rápida que nos inoxidáveis austeníticos, porém mais lenta que a nos inoxidáveis dúplex. Quanto ao tipo de reação, parece razoável esperar que, se o aço não contém elementos austenitizantes, como o níquel e o nitrogênio, a reação será do tipo: α α* + σ, onde α* é uma ferrita empobrecida em cromo e molibdênio, em comparação com a ferrita inicial. Por outro lado, se o aço contém níquel e/ou nitrogênio em quantidade suficiente, a reação poderá, em princípio, ser do tipo eutetóide: α γ + σ. O tipo de reação de precipitação da fase sigma é um dos aspectos que deverá ser abordado/discutido/esclarecido no presente trabalho. O principal objetivo deste trabalho é comparar a cinética e o modo de precipitação da fase sigma a partir da ferrita em dois aços inoxidáveis, um totalmente ferrítico e outro ferrítico-austenítico com microestrutura dúplex, porém em ambos os aços a composição da ferrita é praticamente a mesma. Para isto foram escolhidos dois aços comerciais bastante utilizados nas suas respectivas classes: o superferrítico W. Nr. 1.4575 e o dúplex W. Nr. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 29302

1.4462. Se por um lado, a ocorrência dessas fases nos aços dúplex e superferrítico estudados no presente trabalho é esperada, por outro lado, muitos aspectos e mecanismos de precipitação não foram ainda esclarecidos. Além disto, não encontrou-se na literatura nenhum estudo sistemático e detalhado sobre precipitação no aço DIN W Nr. 1.4575. 2. Materiais e métodos No presente trabalho foram utilizadas amostras de chapas laminadas de corridas comerciais de dois aços: X 1 CrNiMoNb 28 4 2 (W. Nr. 1.4575). Este aço inoxidável ferrítico (com espessura inicial de 4,95 mm), também denominado superferrítico, foi selecionado devido ao fato de seus teores de cromo e de molibdênio serem comparáveis ao da ferrita do aço inoxidável dúplex utilizado. X 2 CrNiMoN 22 5 3 (W. Nr. 1.4462). Este aço inoxidável ferrítico-austenítico com microestrutura dúplex (com espessura inicial de 1,45 mm) é provavelmente a composição mundialmente mais utilizada desta classe de aços. Na tabela são apresentadas as composições químicas dos dois materiais. Tabela 1: Composição química em % em peso dos dois aços pesquisados. Aço C Si Mn Cr Mo Ni Nb N 1.4575 0,01 0,35 0,22 28,12 2,44 3,91 0,31 0,01 1.4462 0,03 0,6 1,64 22,51 3,03 5,6 0,012 0,134 Amostras dos dois aços foram solubilizadas a 1050 C por 30 minutos e resfriados em água. Metade das amostras dos dois aços foi deformada por laminação a frio com 20% de redução em espessura. Tanto as amostras apenas solubilizadas, como as solubilizadas e deformadas a frio, foram submetidas a um amplo programa de tratamentos térmicos de envellhecimento, visando a determinação de diagramas tempo-temperatura-transformação (TTT). Os tratamentos térmicos de envelhecimento foram realizados na faixa de 600 a 1000ºC com duração de até 100 horas. Os tratamentos de envelhecimento com duração entre 3 segundos e 5 minutos foram realizados em banho de sal fundido e os demais em forno mufla. A caracterização microestrutural foi realizada com auxílio de várias técnicas complementares de análise microestrutural, tais como microscopia óptica, microscopia eletrônica de varredura com análise química das fases por dispersão de energia, difração de raios x utilizando um difratômetro com radiação Mo kα, medidas magnéticas utilizando um ferritoscópio e medidas de dureza Vickers. 3. Resultados Os resultados deste trabalho serão subdivididos e apresentados em duas seções: caracterização microestrutural após o tratamento térmico de solubilização e antes da precipitação (3.1) e após os tratamentos térmicos de envelhecimento sem e com prédeformação a frio (3.2). 3.1 Microestruturas dos aços após a solubilização e antes da precipitação Após o tratamento térmico de solubilização, o aço ferrítico W. Nr. 1.4575 apresentou uma microestrutura de grãos equiaxiais com diâmetro médio acima de 100 µm e dureza por volta CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 29303

de 225 HV 10. Após a deformação a frio os grãos tornaram-se levemente alongados e a dureza subiu para cerca de 300 HV 10. Após o tratamento térmico de solubilização, o aço dúplex W. Nr. 1.4462 apresentou uma microestrutura de grãos ferríticos (cerca de 60% em volume) e austeníticos (cerca de 40% em volume) alongados na direção de laminação, ambos com diâmetro médio abaixo de 10 µm e dureza por volta de 250 HV 10. A partição dos elementos de liga nas duas fases foi estudada com várias técnicas complementares e os resultados das análises são apresentados na tabela 2. Após a deformação a frio os grãos tornaram-se ainda mais alongados e a dureza subiu para cerca de 350 HV 10. Tabela 2: Microanálise química da liga e das fases em % em peso. Fe * Cr * Ni * Mo * N Liga (análise de área) 68,15 23,38 5,3 3,17 0,14 ** Austenita (análise puntual) 69,64 21,04 7,08 2,24 0,22 *** Ferrita (análise puntual) 67,43 24,7 4,32 3,56 0,10 *** * Análise por dispersão de energia (EDX) ** Cromatografia gasosa *** Análise por comprimentos de onda (WDX) 3.2 Microestruturas dos aços após os tratamentos térmicos de envelhecimento Antes de apresentar detalhes sobre a precipitação da fase sigma nos dois aços é interessante comparar as cinéticas globais. A figura 1 apresenta os diagramas TTT (tempotemperatura-transformação) para os dois aços após o tratamento térmico de solubilização (curvas cheias) e após 20% de redução em espessura (curvas interrompidas). Figura 1: Diagramas tempo-temperatura-transformação (TTT) para início de precipitação de fase sigma no aço inoxidável dúplex (W. Nr. 1.4462) e no aço inoxidável superferrítico (W. Nr. 1.4575). CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 29304

As curvas foram determinadas para início de precipitação, isto é, quando a precipitação tornava-se detectável por difração de raios x. Se o critério de detecção utilizado tivesse sido o metalográfico (ótico ou eletrônico), as curvas seriam ligeiramente deslocadas para tempos mais curtos. Pode-se notar claramente que a precipitação de fase sigma ocorre cerca de duas ordens de grandeza mais rápida no aço dúplex do no aço superferrítico. O nariz da curva do aço dúplex está deslocado para temperatura mais alta que o aço superferrítico. Outra diferença importante é a temperatura limite superior de precipitação de cada aço, a qual é mais alta no aço dúplex. A deformação a frio acelera a precipitação de fase sigma nos dois aços. Nos tempos pesquisados (até 100 horas) não foi detectada a presença de fase χ em nenhum dos aços. A precipitação de fase sigma nos tempos estudados ocorreu nos dois aços apenas na ferrita e apresentou algumas particularidades interessantes. No aço superferrítico a precipitação de sigma aconteceu de maneira tradicional, diretamente da ferrita, isto é, não houve formação de austenita. A precipitação iniciou-se nos pontos triplos e logo cobriu totalmente os contornos de grão. Para tempos mais longos de exposição podia-se observar a precipitação de sigma no interior dos grãos ferríticos (vide figura 2). Figura 2: Precipitação de fase sigma (α α* + σ) no aço inoxidável superferrítico W. Nr. 1.4575 após envelhecimento a 850ºC por 30 horas. No aço dúplex a formação de sigma ocorreu por meio da reação eutetóide α γ* + σ e consumiu praticamente toda ferrita do aço. A precipitação iniciava-se nas interfaces α/γ e avançava sobre os grãos ferríticos (vide figura 3). Nos tempos estudados não constatou-se a precipitação de sigma dentro da austenita original. Conforme pode ser observado na figura 1, a deformação plástica (20% de redução em espessura) aplicada depois do tratamento térmico de solubilização acelerou a precipitação de sigma nos dois aços. No aço ferrítico, na faixa de temperaturas em que ocorreu precipitação de sigma, a recristalização sempre precedeu a precipitação e ocasionou considerável refino de grão. No caso do aço dúplex, as duas fases recristalizaram-se com cinéticas diferentes. Acima de cerca de 815ºC, a ferrita recristalizou-se antes do início da precipitação de sigma e abaixo desta temperatura, a precipitação iniciou-se antes da recristalização. A austenita do aço dúplex apresentou maior resistência à recristalização que a ferrita em todas temperaturas estudadas. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 29305

Acima de cerca de 870ºC, a recristalização da austenita precedeu a precipitação de sigma na ferrita. Figura 3: Precipitação de fase sigma (α γ* + σ) no aço inoxidável dúplex W. Nr. 1.4462 após envelhecimento a 850ºC por 30 minutos. Legenda da micrografia: A = austenita; F = ferrita; S = fase sigma. 4. Discussão dos resultados As composições químicas dos aços e das fases presentes antes da precipitação tem certamente influência na quantidade de fase precipitada e no modo de precipitação. Se forem levados em conta apenas os teores de cromo e de níquel, o aço ferrítico (vide tabela 1) apresenta maior propensão à precipitação de fase sigma que a ferrita (vide tabela 2) do aço dúplex. Por outro lado, segundo Norström e co-autores [9], o molibdênio da ferrita dos aços inoxidáveis dúplex tem um efeito de 4 a 5 vezes o do cromo na propensão do aço à formação de fase sigma, enquanto o efeito do silício é de 1 a 2 vezes o efeito do cromo. Portanto, se forem levados em conta os efeitos do molibdênio e do silício com os fatores propostos por Norström e co-autores [9], o aço dúplex torna-se ligeiramente mais propenso à formação de sigma do que o aço superferrítico. Apenas as diferenças de composição dos dois aços e de suas ferritas todavia não são capazes de justificar as duas ordens de grandeza mais rápida que a precipitação de sigma ocorre no aço dúplex, em comparação com o superferrítico. Os resultados deste trabalho mostram que o fator predominante é o modo de transformação; no caso do aço dúplex é uma reação eutetóide cooperativa e com distâncias de difusão menores (vide figura 4), enquanto no aço ferrítico a reação de precipitação é convencional. É interessante mencionar, que eventuais adições maiores de níquel - um elemento austenitizante que diminui a propensão à formação de fase sigma nos aços inoxidáveis austeníticos [5 a 8] - ao aço superferrítico o deslocaria para o campo de duas fases (ferrita e austenita), a ferrita formada se tornaria mais rica em cromo, molibdênio e silício, portanto mais propensa à formação de sigma, e a reação de formação de sigma passaria provavelmente a ser eutetóide e mais rápida. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 29306

Figura 4: Modelo para precipitação de fase sigma na ferrita de aços inoxidáveis dúplex (α γ* + σ) com nucleação na interface ferrita/austenita e crescimento na ferrita [14]. O fato do nariz da curva TTT de precipitação de sigma do aço dúplex estar deslocado para temperaturas mais altas, em comparação com o aço superferrítico, também pode ser atribuído ao teor mais alto de molibdênio na ferrita do aço dúplex [9]. O fato da microestrutura inicial do aço dúplex ser mais fina e com grande quantidade de interfaces α/γ disponíveis para nucleação de sigma, em contraposição à microestrutura de grãos grandes do aço superferrítico, provavelmente contribuiu para tornar a precipitação de sigma mais rápida no aço dúplex. O efeito acelerador da pré-deformação a frio na cinética de precipitação de sigma tem causas diferentes nos dois aços. No aço superferrítico, a recristalização precedeu a precipitação e seu efeito foi indireto; refino de grão e aumento dos locais preferenciais de precipitação (contornos de grãos). No caso do aço dúplex, acima de 815ºC, a recristalização da ferrita precedeu a precipitação de sigma e abaixo desta temperatura houve interação entre precipitação e recristalização, com conseqüente aceleração da precipitação e retardamento da recristalização[12-14]. A não detecção de fase chi no presente trabalho pode ser atribuída a duas causas principais: os teores de molibdênio dos aços pesquisados eram relativamente baixos e os tempos de envelhecimento insuficientes [15]. 5. Conclusões Os estudo comparativo da precipitação de fase sigma no aço inoxidável superferrítico DIN W. Nr. 1.4575 e no aço inoxidável ferrítico-austenítico dúplex DIN W. Nr. 1.4462 possibilitou as seguintes conclusões: (i) A precipitação de fase sigma ocorreu cerca de duas ordens de grandeza mais rápida no aço dúplex do que no superferrítico. (ii) A precipitação da fase sigma no aço dúplex ocorreu por meio de uma reação eutetóide (α γ* + σ), enquanto que no aço superferrítico o modo de precipitação foi convencional (α α* + σ). As diferenças no modo de precipitação foram as principais responsáveis pelas diferenças cinéticas. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 29307

(iii) (iv) (v) O nariz da curva TTT de início de precipitação da fase sigma e o ramo superior da mesma curva estavam deslocados para temperaturas mais altas no aço dúplex, cuja ferrita era mais rica em molibdênio que a ferrita do aço superferrítico. O efeito acelerador da pré-deformação a frio na cinética de precipitação de sigma teve causas diferentes nos dois aços. No aço superferrítico a recristalização precedeu a precipitação e causou refino de grão e aumento nos locais de precipitação. No aço dúplex houve na ferrita, abaixo de 815ºC, interação entre recristalização e precipitação. Não foi detectada a presença de fase χ nos tempos de envelhecimento estudados (até 100 horas de duração). Referências bibliográficas 1. Treitschke, W.; Tammann, G.: Zeitschrift für Anorganische Chemie 55 (1907) 402-411. 2. Bain, E. C.; Griffiths, W. E.: Trans. Am. Inst. Mining Met. Eng. (AIME) 75 (1927) 166-211. 3. Jett, E. R.;Foote, F.: Metals and Alloys 7 (1936) 207-217. 4. Bergman, G.; Shoemaker, D. P.: Journal of Chemical Physics 19 (1951) 515-515. 5. Peckner, D.; Bernstein, I. M.: Handbook of Stainless Steels. McGraw-Hill Book Company, New York (1977). 6. Davis, J. R.: (Editor); ASM Speciality Handbook: Stainless Steels. ASM, USA, (1994). 7. Weiss B.; Stickler R.: Metallurgical Transactions 3A (1972) 851-866. 8. Barcik, J.: Materials Science and Technology 4 (1988) 5-15. 9. Norström, L.-Å.; Pettersson, S.; Nordin, S.: Zeitschrift für Werkstofftechnik 12 (1981) 229-234. 10. Schwaab P.: Soderbände der Praktischen Metallographie 14 (1983) 435-444. 11. Cortie M. B.; Jackson E. M.: Metallurgical and Materials Transactions A 28A (1997) 2477-2484. 12. Reick W.: Kaltumformung und Rekristallisation eines rostbeständigen ferritischaustenitischen Duplex-Stahles. Doktorarbeit, Institut für Werkstoffe, Ruhr-Universität Bochum, Bochum, BRD (1993). CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 29308

13. Reick W.; Pohl M.; Padilha A. F.: Congresso Internacional de Tecnologia Metalúrgica e de Materiais, ABM, São Paulo, vol. 8 (1995) 327-336. 14. Reick, W.; Pohl M.; Padilha A. F.: ISIJ International 38 (1998) 567-571. 15. Brandis, H.; Kiesheyer, H.; Lennartz, G.: Archiv für das Eisenhüttenwesen 46 (1975) 799-804. CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 29309