Currículo Resumido Prof. Dr. Pedro Demo



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Transcrição:

Currículo Resumido Prof. Dr. Pedro Demo É graduado em Filosofia e Doutor em Sociologia, com pós-doutorados na Alemanha e Estados Unidos. É Professor Titular Aposentado do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, instituição que lhe conferiu também o título de Professor Emérito. É Bolsista 1B de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Trabalha com Metodologia Científica, no contexto da Teoria Crítica e de Pesquisa Qualitativa. Pesquisa principalmente a questão da aprendizagem nas escolas públicas, por conta dos desafios da cidadania popular. No Ministério da Educação, foi Secretário-Geral Adjunto de 1979 a 1983 e Diretor Geral do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) de 1984 a 1985. Orientou ao longo de sua carreira 22 dissertações de mestrado, 9 teses de doutorado, 15 trabalhos de conclusão de curso de graduação e 11 de iniciação científica. Recebeu inúmeras homenagens nacionais e internacionais; é autor de mais de 100 artigos completos em periódicos; mais de 70 livros; dentre muitas outras contribuições. OUTRA UNIVERSIDADE Pedro Demo (2010) Para: Graciosa, do alto de seus 90 anos Como sugere Duderstadt (2003), a universidade poderia ser, possivelmente, a instituição mais relevante e estratégica deste século, tendo em vista que pessoas educadas e suas ideias são a real riqueza das nações, em especial da riqueza globalizada. Formação primorosa é o capital intelectual mais decisivo de hoje, porque planta a perspectiva permanentemente aberta de desenvolvimento pessoal e social. É inegável o sabor neoliberal dessas expectativas, à medida que se reduz facilmente formação aos ditames do mercado, sobressaindo a empregabilidade. Manter-se empregável significa submeter-se docilmente ao mercado que a nada se submete (desregulado, cada vez mais), como se fosse única razão de ser da sociedade. O trabalhador precisa correr obsessivamente atrás do mercado globalizado e enlouquecido, sem nunca o alcançar, já que, inovando-se por inovar, não há aonde chegar (Rosso & Fortes, 2007. Rosso, 2008). Mesmo assim, a visão de Duderstadt é uma entre tantas outras bem mais afinada

com os tempos, sem falar que insiste adequadamente na formação para a vida, não só para o mercado. Marca maior desta formação é a aprendizagem permanente, entendida como desafio de desconstrução e reconstrução infinda das potencialidades de desenvolvimento. Por isso, uma das características mais cruciais da universidade seria aprender a aprender, ao lado do domínio de conteúdos. Parto da metáfora de que a universidade é como o sarcófago. Por fora, pode até brilhar, mas dentro contém um cadáver. Instituição quase milenar, tem problemas similares de igrejas milenares: a fé arraigada perdeu completamente o senso de realidade. Os tempos passam, inelutavelmente. O espírito pode (deve) persistir, também porque é algo flexível, como um sopro não linear, mas as burocracias, os poderes, os arranjos e astúcias, não! Universidade é instituição do século passado, para dizer o mínimo e lá está ancorada, plácida e altaneira. Parece anunciar: os tempos que se lixem, ela está acima dos tempos! O mais ridículo é que, em geral vendendo-se como fonte paradigmática da mudança, em especial da mudança bem concebida e feita diz-se isso sempre, monótona e vaziamente, da educação é uma das instituições que menos muda (Darder et alii, 2009). Fala tanto de mudança, para encobrir o quanto a teme. Não é menos ridículo que, tendo sido um dos baluartes da queda do argumento de autoridade por conta de seu método científico (Demo, 2005), a universidade hoje vive não mais que de autoridade, num mundo onde só tem autoridade o que funciona. Não posso negar o quanto isto tudo é ambíguo, mas a autoridade do argumento é referência extremamente mais sadia e promissora. Tento neste texto alinhavar algumas ideias que valem o quanto pesam em torno do que seria a universidade do futuro, para o futuro. Entendo que é instituição central das oportunidades de vida e trabalho. No entanto, não cabe mais o apelo reformista, que se contenta em ajeitar mazelas, mas de salto radical, também para ser condizente com uma de suas referências mais caras: conhecimento disruptivo e rebelde. A universidade estagnou na transmissão de conteúdos envelhecidos e canônicos. Usando terminologia modista atual: não consegue arrumar-se como web 2.0, persistindo como web 1.0: estática, reprodutiva, autoritária. Em minha visão, ao fundo, está concepção específica de universidade, incompatível com a atual, e que representa uma visão entre outras tantas. Por coerência, busco usar a autoridade do argumento em favor de outra universidade, que deveria viver deste tipo de autoridade, ou, como diria Habermas, da força sem força do melhor argumento (1989). Não estou, com isso, endossando o aporte teórico de Habermas, por mais que o admire, porque entendo ser teoria objeto de uso, não de adoção. Estudamos teorias para nos tornarmos autores, não porta-vozes. Minhas bases teóricas são remix de outras, ainda que sempre reconstruídas pessoalmente (Weinberger, 2007. Latterell, 2006). Filiação teórica não é inteligente (Demo, 2010). Reconstruir teoria própria, plural, aberta,

em constante evolução e aprendizagem, parece mais hábil e capaz de acompanhar os tempos, e, mesmo, de estar à frente deles. Dispensado dizer o quanto isso é polêmico. Falar de outra universidade só pode ser polêmica. Vale, porém, apenas o que pesa, ou seja, pelo bom uso da autoridade do argumento (Demo, 2004a). DEFININDO UNIVERSIDADE Entendo que universidade gira, institucionalmente, em torno de dois desafios mais básicos. De um lado, produzir conhecimento próprio. De outro, formar alunos, produzindo conhecimento. Ambos os desafios são de igual importância, e requerem a universidade de pesquisa, na qual a tarefa decisiva é obra de pesquisadores educadores. Não dou importância à extensão, nem ao ensino. Extensão é, como já disse em outros momentos (1996), a má consciência da universidade: não sendo cidadania compromisso curricular (extensão é tipicamente opcional, eventual, intermitente), arranja-se lugar colateral, no qual se fazem coisas pouco significativas para a formação estudantil, também porque não faz parte da formação docente. De fato, não faz parte do currículo a cidadania, pois está fundado em ensino, sem mais. Ensino é referência de velhos tempos, quando o argumento de autoridade ainda valia (mui contraditoriamente), consubstanciado tipicamente na aula sem autoria. O modelo que chamo de ibérico de universidade verboso, retórico, beletrista, filosofante centra-se no ensino, quase como função profética, ainda que não passe de porta-voz de fonte pretensamente indiscutível. A vida implica ensino, porque não é viável extirpar relação de autoridade entre as pessoas, mas não é formativo. Do ponto de vista da formação forja do sujeito capaz de história própria, individual e coletiva, e de convivência igualitária a categoria mais apropriada é aprendizagem, a mesma no professor e no aluno, embora em estágios diferenciados. Processos formativos profundos implicam, naturalmente, o desenvolvimento da cidadania, ou, como costumo sugerir, da qualidade política, o que dispensa extensão. Ao mesmo tempo, implicam aprendizagem reconstrutiva e autopoiética, o que nada tem a ver com ensino, mas com construção de habilidades autoras e autônomas. Do ponto de vista da sociedade, não é função da universidade cuidar, por exemplo, da favela ao lado, ainda que possa, se nisto se produzir conhecimento e se formar melhor os alunos. Mas não apenas como função social ou coisa parecida, porque a função social por excelência da universidade é produzir conhecimento

sempre atualizado em favor da sociedade e, nisto, formar bem seus alunos para corresponderem com cidadania esperada. A universidade não pode isolar-se, como se fosse parêntese na vida do estudante e um lugar separado (campus). Sua relação com a sociedade é umbilical, porque retira dela sua razão de ser. É a sociedade que demanda conhecimento e formação. Aí está uma das críticas: hoje, é comum que as universidades não produzam conhecimento (ainda assim dão aula alegremente), e não se cuida da formação dos estudantes, condenados a escutar e reproduzir aulas, em especial apostilas (Goldacre, 2008. Frazier, 2009). É imprescindível repensar o que se entende por conhecimento, que, aqui, formulo como dinâmica disruptiva e rebelde, ao lado de também ambígua. Na visão vetusta, conhecimento é pacote curricular, tendencialmente o mesmo de sempre (produtos sacralizados), estático, ou patrimônio cultural a ser preservado caninamente. Ainda que conhecimento seja também patrimônio cultural, facilmente divisado nas enciclopédias, currículo não pode ser museu, mesmo porque os museus se entendem hoje como sinalização do futuro que o passado deveria sugerir. A noção de identidade mudou substancialmente: só permanece o mesmo, o que muda. A natureza ainda é aquela porque evolui. Evolução lhe é parte fundamental de sua identidade intrinsecamente dinâmica. Nós próprios somos os mesmos, porque evoluímos, tanto assim que nossa carteira de identidade precisa, de tempos em tempos, ser refeita. A universidade guarda a noção de identidade como a dos museus antigos: trata-se de preservar a ferro e fogo. O que se preserva a ferro e fogo apenas fica ainda mais velho e ultrapassado. Por outra, não se trata de mudar por mudar, porque toda evolução decorre estruturalmente, ainda que dentro de padrões flexíveis (Ulanowicz, 2009). O que não muda, não permanece idêntico, mas deformado (Massumi, 2002). Conhecimento é uma das forjas mais incisivas da mudança, ao lado do processo evolucionário. Embora ambíguo (pode ser facilmente colonizador) (Harding, 2008), usa sua força questionadora rebelde para desconstruir e reconstruir interminavelmente a trajetória histórica e evolucionária. Questionar e autoquestionar-se é sua habilidade maior, do que decorre que não fabrica produtos definitivos. Não faz mais sentido a universidade de ensino, porque não vai além de requentar reprodutivamente o que sequer é seu patrimônio. É instituição tipicamente colonizada (Harding, 1998), e, como tal, tende a imbecilizar os estudantes. Sua maior pecha são professores não autores e que, ainda assim, dão aula. Reprodução é a regra. Podem ter títulos, mas o que define docência não é aula. É autoria. Autoria não provém de ensino, mas de pesquisa. Não segue que bom pesquisador seja bom professor, mas um não vai sem o outro. Cuidar que o aluno aprenda (Demo, 2004) não decorre, automaticamente, da condição de pesquisador. O pesquisador precisa, também, ser educador e isto implica outras habilidades (Bain, 2004). Quem não pesquisa, a rigor, nada tem a ensinar, a não ser praticar o plágio despreocupadamente.

Ademais, ensino implica, obsessivamente, presença física do aluno, sob o tacão do público cativo. Não podendo a maioria dos alunos estudar de dia, resta a noite. Um direito, certamente. O professor instrucionista se apressa, no entanto, em dar sua receita: como este aluno não vai estudar em outra oportunidade, além de chegar cansado, cabe aula (só aula), através da qual se repassam todos os conteúdos curriculares, como se fosse pacote a ser engolido friamente (Schneider, 2007). Usa-se a expressão ver matéria, e não passa disso: a matéria é apenas vista, pois não se estuda, pesquisa, elabora, argumenta. Do professor sem autoria decorre aluno sem autoria. Para que serve aluno sem autoria? Não sabendo aprender e dominando, em geral mal e porcamente, conteúdos ultrapassados e/ou mal arrumados, fica à deriva, não pode assumir posto de comando e coordenação, não irá além de cumprir ordens, não fará parte da economia globalizada competitiva, ou seja, só cabe na empresa atrasada. Mas esta desgraça não é a maior. Mais comprometedora é a deformação à qual é submetido, arruinando suas oportunidades de vida. Num surpreendente texto, Finkel (2000) sugere ensinar com a boca fechada. Ou seja, não ensinar, mas cuidar que o aluno aprenda (Bain, 2004). O mundo reconhece hoje pelo menos dois modos de presença: física e virtual. Ambas são fundamentais e uma não se reduz à outra, embora possam se aproximar. Muitos jovens já quase não distinguem, tamanha é sua atividade no mundo virtual (Castronova, 2005. Pitrat, 2009. Shirky, 2008). Postular que somente se aprende escutando professor fisicamente presente é velharia inconseqüente, golpe de professor que teme ficar sem aluno ou de figura autoritária que precisa de ouvintes dóceis. A própria educação à distância, por mais que seja algo ainda malafamado e ambíguo, está destronando a presença física passo a passo, sem falar nos ambientes virtuais de aprendizagem. Falamos de presença virtual, porque é presença. Primeiro, quem estuda está sempre presente, pouco importa onde esteja estudando. Segundo, presença é dinâmica maleável e multidimensional, não se restringindo ao contato físico direto. O jargão acadêmico, no entanto, continua obsoleto: fala-se de curso presencial e não presencial, como se os virtuais (ou à distância) não implicassem presença. Neste sentido, não cabe exigir que os alunos compareçam toda noite, sem falar que não vale a pena comparecer para apenas escutar aula. A tendência hoje é não oferecer curso só com presença física ou só com presença virtual, mas de estilo mesclado (blended) (Mason & Rennie, 2008. Demo, 2009). De todos os modos, os alunos comparecem à universidade, física ou virtualmente, para produzir conhecimento, exercitando autoria, não para absorver sucata (Bonk & Graham, 2006.Shank, 2007. Oliver & Trigwell, 2005. Sharpe et alii, 2006). Universidade de pesquisa é, ao mesmo tempo, universidade comprometida com formação primorosa. É preciso conjugar qualidade formal e política. No cenário da qualidade formal tratase de produzir conhecimento formalmente bem feito, dentro das referências da metodologia

científica, usando formalizações reconhecidas com devida perícia. Ainda que a noção de ciência tenha sofrido questionamentos crescentes ultimamente (a título de pós-modernismo, sobretudo), principalmente por conta de determinismo e reducionismo metodológico de tom linear (Haack, 2003. De Landa, 1997), bem como de experiências virtuais de novas epistemologias, a exemplo da wikipedia (Lih, 2009. O Neil, 2009. Ayers et alii, 2008), conhecimento científico persiste como uma das expressões mais elevadas da mente humana e decisiva para a inovação. Por mais que seja, igualmente, patrimônio eurocêntrico (Santos, 2009. Santos & Meneses, 2009), renhidamente colonialista (Harding, 1998. Smith, 1999), isto não retira o argumento de que grande parte de sua relevância está na qualidade formal, representada pelo método científico. Tem a seu favor a criação de todas as tecnologias mais decisivas dos últimos séculos, até a do computador e internet. De cariz lógico-experimental, disciplinar e analítico (Demo, 1995; 2000), pratica facilmente o que Morin chama de ditadura do método (2002), guiada por pressuposições excessivamente idealizadas e reducionistas, como seria o caso da economia com sua proposta do equilíbrio perfeito. Este não existe na natureza e sociedade, mas assumiu o papel de referência pétrea dos economistas tradicionais (Beinhocker, 2007. McKibben, 2007). As novas epistemologias sugerem que conhecimento é dinâmica disruptiva e rebelde, sempre em vir a ser, aberto a novos questionamentos porque adveio de questionamento, flexível como toda dinâmica. Na wikipedia todo texto pode ser editado e reeditado, não conhecendo formato final. Isto não deprecia a qualidade formal, tanto assim que a feitura de textos na wikipedia segue regras metodológicas mais ou menos consensuais. Produzir conhecimento é desafio complexo e exigente, amadores podem participar, mas expertos são insubstituíveis, versatilidade metodológica é indispensável (Keen, 2007. Kittur et alii, 2007). Pesquisa não precisa ser consequência de sofisticação obsessiva, já que, podendo todos aprender (Grossi, 2004), todos podem pesquisar, mas implica procedimentos formais como parte de sua qualidade (Booth et alii, 2008). No cenário da qualidade política trata-se de trabalhar pesquisa como componente pedagógico da formação do aluno. Embora não se reduza à qualidade formal, forma com ela dupla inseparável. Não pode, por isso, ser buscada fora da qualidade formal, mas dentro dela, tomando-se em conta a politicidade do conhecimento (Demo, 2002; 2010). Por ser dinâmica vinculada a inovações e alternativas de desenvolvimento, conhecimento é expressão de poder e influência, sendo-lhe intrínseca esta marca (Mouffe, 2005). Sua politicidade não é corrupção provinda de fora malevolamente, mas parte de sua estruturação e funcionamento. Faz bem o método científico em propugnar em favor de postura distanciada, dita objetiva e neutra, mas isto é apenas boa vontade (ou princípio ). Na via real, nada alimenta mais a competitividade do que conhecimento inovador. Entendendo-se pesquisa como atividade política também, torna-se mais

fácil aceitar sua função pedagógica, sem recair em proselitismo ou politicagem. Para percebermos mais de perto o contexto educativo da pesquisa, é útil visualizar como qualidade formal e política podem entrelaçar-se: quando o aluno aprende método científico, conduz projeto de pesquisa, exercita leitura crítica, fundamenta tudo que propõe, desconstrói e reconstrói teorias para tornar-se autor, escuta com atenção argumentos alheios e muda de visão, se for o caso, não está apenas fazendo ciência; está igualmente forjando sua cidadania, à medida que burila a cidadania que sabe pensar. Deixa de lado o argumento de autoridade (não é a rigor argumento) para assumir a autoridade do argumento. Enquanto o primeiro é deseducativo, o segundo é educativo, porque proporciona a oportunidade de construir o tipo de autonomia e autoria que convive com outras autonomias e autorias. A disputa por argumentos bem fundados e nunca cabalmente fundados (Demo, 2009a) pode ser igualitária porque é capaz de convencer sem vencer, usando como estratégia a força sem força do melhor argumento (Habermas, 1989). Podem-se negociar consensos inteligentes, sem gritaria, vociferação ou imposição, descobrindo-se que a convivência social mais digna é aquela orientada pela autoridade do argumento. Sendo todo argumento aberto (pede naturalmente contra-argumentação), o fundamento do questionamento é o autoquestionamento. Esta qualidade política pode ser motivada no próprio exercício da qualidade formal, sem pieguices. Qualidade política pode, naturalmente, provir de fora, como é o caso comum da extensão, quando traz um político profissional para falar aos estudantes ou se organizam greves e movimentos. No entanto, a qualidade política mais profunda é aquela encaixada na própria dinâmica disruptiva e rebelde do conhecimento formalmente bem feito. Ainda, leve-se em conta que qualidade política é ambígua: não quer dizer que sempre se volte para o bem. Pode-se usar ciência para mil finalidades, nem sempre eticamente aceitáveis. Conhecimento científico, ao destronar o argumento de autoridade em nome da autoridade do argumento, tornou-se o tipo dominante de conhecimento na sociedade eurocêntrica, posando crescentemente como nova religião, tamanha é a fé que nele se deposita (García-Carpintero & Köbel, 2008). Quando a crítica não é autocrítica, dispensa a crítica. Vale sozinha, reincidindo naquilo que condenou. Dáse, por isso, grande valor a epistemologias críticas e autocríticas, ao estilo de Sócrates, porque o primeiro a ser questionado é o questionador, assim como o primeiro a ser avaliado é avaliador (Copeland, 2005. Boylan, 2009. McCreery, 2010). É neste sentido que professor precisa ser pesquisador e educador, conjugando bem qualidade formal e política. A universidade é lugar privilegiado para este tipo de atividade, o que a torna instituição de proa da sociedade atual, trabalhando a referência mais sensível na sociedade em termos de produção de oportunidades, que é conhecimento academicamente bem elaborado.

Gestação de oportunidades pressupõe autoria. Produzir oportunidades contém, dentro de sua estrutura, produzir-se como fator primeiro da própria oportunidade. Oportunidades não são dadas, semeadas a esmo, ou impostas. São construídas, dentro das circunstâncias dadas. Universidade seria, então, a casa das grandes oportunidades para todos os jovens que aí estudam, sem falar na produção de conhecimento em favor da sociedade como um todo. Hoje estão na contramão. Agarrada ao instrucionismo (reprodução de conhecimento via ensino), torna-se porta-voz de acervos alheios e obsoletos. Principalmente, é urgente modificar o conceito e a prática do professor: não se define por aula, mas por autoria. Neste sentido, universidade nova só é nova se abrigar professores novos. Seguindo modelos atuais, reproduz-se o mesmo atraso, mesmo em estabelecimentos novos (Lipman, 2007). Há principalmente dois modelos vigentes muito questionáveis: O modelo da universidade federal e assemelhados, não porque seja pública e gratuita (defenderia esta marca, já que educação não se vende, nem se compra), mas porque perdulária nos gastos, entupida de professores que apenas dão aula (menos da metade seria suficiente), frequentada por número muito baixo de alunos, marcantemente a serviço da elite, com muito pouca pesquisa e baixos salários, em vista da dedicação exclusiva ; é troféu dos que, podendo fazer curso secundário privado e de bom nível, consegue depois estudar de graça; plantada no currículo extensivo, afoga o aluno em conteúdos disciplinares sem devida aprendizagem, mantendo-se alheia ao desafio de saber pensar; problemas principais seriam: i) grande parte dos professores não é autor e mesmo assim dá aula; ii) tempo de pesquisa é usado para outras atividades ou fica na ociosidade; iii) compromisso com a formação do aluno é quase nulo, também porque extensão é proposta inepta; O modelo da universidade privada, em especial as empresas lucrativas, não só porque sua oferta se orienta pelos preços cobrados aos alunos, mas sobretudo porque a oferta noturna (é a mais típica) é abreviada e arranjada, para caber no tempo disponível do aluno, em geral em contexto instrucionista clamoroso, e no seu bolso; dificilmente se pesquisa, porque parece luxo manter o professor para tanto; predominam professores horistas, contratados apenas para dar aula, ignorando-se que aula supõe pesquisa; a titulação, como regra, é a mínima exigida por lei, para baixar custos; enchem-se salas com alunos que apenas escutam, tomam nota e fazem prova; por conta dos custos, é difícil ou impossível manter adequadamente cursos nobres como medicina e engenharias. Como sempre, em cada caso há exceções importantes. Há departamentos nas universidades federais que sabem montar ambiente instigante de pesquisa e formação, em geral com apoio do CNPq (esta instituição tem o mérito de alimentar a noção de professor pesquisador), mas são ilhas de excelência. No espaço privado, há alhos e bugalhos também. As

universidades confessionais (em especial as PUCs), têm merecido amplo respeito da sociedade, também porque reinvestem o que arrecadam na própria instituição. Têm também obtido financiamentos públicos importantes. Há que se levar em conta que a iniciativa privada em educação é constitucional. Não questiono isso. Muitos questionam o modelo lucrativo empresarial, recentemente introduzido no Brasil e em franco progresso (Bok, 2003. Washburn, 2005). De fato, por questão de lucro, tais universidades se curvam a ofertas menos exigentes (em geral das humanidades e similares) (McGann, 2009), evitando entrar em campos que demandam pesquisa, laboratório, materiais importados etc. Aula em grandes anfiteatros não precisaria ser problema, se nela apenas se introduz o assunto, deixando para outro momento a atividade de aprendizagem propriamente dita, implicando pesquisa, elaboração, fundamentação, e, naturalmente, grupo pequeno de estudantes (Kirp, et alii, 2004. Davidson & Goldberg, 2009). A universidade representa a culminância da alfabetização científica (Akdur, 2009. Grinnell, 2009. Flick & Lederman, 2006), considerada uma das habilidades mais cruciais do século XXI (Fadel, 2009. Compayré, 2009). É desperdício astronômico manter instituições instrucionistas, porque não conseguem preparar seus alunos para a vida, nem para o mercado. São obsoletas e seu produto é obsoleto. Muitas universidades federais colocam-se em patamares bem superiores, mas giram em torno do instrucionismo, à medida que se mantêm, basicamente, como entidades de ensino. Poderiam abrigar número muito mais elevado de alunos, caso admitissem flexibilidade de oferta mesclada (blended), combinando presença física e virtual e desfazendo a aula como referência didática central (Young, 2002). O corpo docente poderia ser bastante menor e muito mais bem pago, iniciativa essencial para cultivar universidade de pesquisa de excelência inequívoca. Ao mesmo tempo, é importante encontrar caminhos para evitar a quota da elite, que sempre foram, sem, porém, incidir em critérios impróprios de seleção, como é cor. As novas universidades federais criadas no Governo Lula representam iniciativa importante, também porque algumas foram alocadas em interiores estratégicos, mas, como regra, organizadas por ex-reitores de federais, replicam nelas as mesmas precariedades. Como não são, em geral, grandes pesquisadores (estes têm mais o que fazer do que ser reitores), não conseguem admitir que a novidade provém, principalmente, de uma fonte: professor. O mesmo professor faz a mesma universidade (Christensen et alii, 2008). FORMAR-SE, APRENDER

Embora toda universidade tenha algum departamento de pedagogia ou coisa parecida, dificilmente se dá ao trabalho de discutir o que seria formação e aprendizagem, também porque, como regra, a pedagogia aí exercitada é feita à moda antiga, tipicamente instrucionista. Diria que pedagogia é o curso mais importante da universidade em nossos tempos, porque define o que é aprender. Mais que criticar, é urgente resgatar este curso marcantemente estratégico, por mais que seja um dos mais fracos e fortemente carregado de seleção negativa dos alunos (Demo, 2009). Seria de todo recomendável que o professor não assuma a função docente sem antes preparar-se no curso de pedagogia, onde teria de aprender a cuidar da aprendizagem dos alunos. Na prática, isto não se vê como problema. Havendo titulação exigida formalmente, o docente entra em sala de aula e começa a lecionar, mesmo que nunca tenha produzido conhecimento próprio. Pode dar qualquer aula dentro de sua graduação, porque se supõe que a titulação seja suficiente. A função docente é reduzida a transmitir conteúdos curriculares, em geral com apoio de apostilas, nas quais tudo já está arrumado. Basta repassar. Não se imagina que produção própria seja requisito fatal. Aposta-se muito mais em retórica, motivação, simpatia, do que em expertise construída com mão própria. Isto denota que a universidade ainda não toma a sério o que é formação e aprendizagem. Literalmente falando, seus professores são formadores mal formados, à imagem e semelhança da própria pedagogia obsoleta. Formação significa o processo pelo qual a pessoa é apoiada por outra, em geral mais adulta, no sentido da construção da autoria e autonomia. A outra pessoa é apoio, porque, na verdade, ninguém emancipa ninguém. Entretanto, ninguém se emancipa sozinho, porque autonomia só pode ser arquitetada na convivência com outros (Demo, 2005b). O outro nos constitui. Formar-se significa aprender a construir-se como referência central das próprias oportunidades, no contexto social. Duas referências são relevantes: i) autoria habilidade de construir a vida como texto próprio, no plano individual e coletivo, e como expressão da cidadania ativa; ii) autonomia habilidade de gestar roteiro de aperfeiçoamento incessante da personalidade, tendo como resultado a constituição de sujeito capaz de história própria. Autoria e autonomia não podem ser completas, porque não somos seres completos. Formação elevada implica capacidade de convivência com outras autorias e autonomias, igualitariamente. Embora sempre objeto de polêmicas, muitos ainda usam o termo alemão, Bildung, para designar este processo de autoconstrução. Costuma-se dizer que formação é o que resta, depois que se esqueceu tudo 1. Todo aforismo exagera. Este também. Mas realça a repulsa ao instrucionismo, à medida que descarta memorizações opressoras, repasses autoritários, disciplinarizações 1 Bildung ist das, was übrig bleibt, wenn man alles vergessen hat.

obsessivas, mormente reproduções curriculares (Socratic Method, 2009. Critical Thinking Community, 2009. Garlikov, 2009) No contexto atual, uma das referências fundamentais da formação está na produção própria de conhecimento, porque conhecimento está entre as instrumentações mais poderosas da autonomia e autoria. Mais antigamente, formação tinha sabor mais clássico, de fundo cultural, humanístico, e mesmo retórico. Hoje centra-se na alfabetização científica (Dakers, 2006), porque conhecimento científico é visto como alavanca principal das oportunidades (Akdur, 2009). Pessoa educada era, antes, aquela que sabe comportar-se, fina, de berço. Hoje é a pessoa formada, no contexto da aprendizagem permanente. Formação e aprendizagem não são sinônimos, embora sejam parentes próximos. Aprendizagem acrescenta as habilidades relativas à produção do conhecimento, desconstrutivas e reconstrutivas, em especial a capacidade de usar a autoridade do argumento, a par da reestruturação constante dos esquemas mentais de interpretação da realidade. Aprender a aprender é desafio tipicamente formativo, no sentido de que se calca na gestação de autoria e autonomia. Temos atualmente inúmeras teorias da aprendizagem, muitas de considerável sofisticação e alicerçadas em processo reconhecidos de pesquisa, embora sejam, em geral, desprezadas na universidade em nome da aula. Não cabe aqui fazer excurso detalhado dessas teorias. Ofereço apenas uma síntese ilustrativa: a) Aprender é dinâmica reconstrutiva, através da qual, partindo de conhecimento existente, refazemos versões interpretativas, à medida que desestruturamos e reestruturamos esquemas mentais; a inspiração maior desta percepção é o construtivismo piagetiano e que tem como proposta fundamental que conhecimento não se reproduz; se constrói; a criança aprende enquanto é levada a rever esquemas mentais que ela já assentou em sua mente, por conta de realidades que não se encaixam; ocorre, pois, processo de desestruturação, seguido de reestruturação em patamar mais elaborado, que recebeu a denominação de equilibração (Piaget, 1990; 2007); b) Esta visão foi amplamente recepcionada pela autopoiese, teoria biológica que entende o ser vivo como dinâmica sempre em formação autônoma e autorreferente, de dentro para fora; mesmo que se quisesse reproduzir conhecimento, seria impraticável, porque a mente autopoiética não procede assim; assim como não existe possibilidade de um povo reproduzir a cultura do outro, não há condição de pretender apenas copiar; reunindo um grupo de 10 pessoas em torno da mesa e contando para a primeira uma história, que é contada para a segunda até a décima, veremos facilmente que a história avança com deturpações crescentes, por conta da percepção autorreferente de cada

contador (Maturana, 2001. Demo, 2002a); como diz o povo sabiamente, quem conta um conto, acrescenta um ponto; c) A noção reconstrutiva é igualmente patrimônio do sociointeracionismo de Vygotsky (1989; 1989a), amplamente utilizada nos ambientes virtuais de aprendizagem, em especial nos videogames (considerados por alguns autores como os ambientes mais promissores vigentes) (Gee, 2003; 2007; 2010), sob o conceito de scaffolding : aproveitando a metáfora dos andaimes na construção de prédios (o debaixo apoia o de cima, elevando-se a construção); designa a mediação docente, necessária para abrir oportunidades e desafios sempre mais elaborados para o aluno ( zona do desenvolvimento proximal, ou seja, a condição do aluno que pode enfrentar desafios mais exigentes com a mediação docente, para além dos que já faz sozinho); indica que a formação da autonomia e autoria carece da mediação docente, não na posição instrucionista, mas de apoio pedagógico; esta teoria valoriza sobremaneira o professor como mediador da aprendizagem, indicando que é função docente cuidar que o aluno aprenda, empurrando-o para estágios cada vez mais elaborados e exigentes; d) Cita-se ainda bastante a visão maiêutica socrática, uma das primeiras projeções pedagógicas (quase 500 anos antes de Cristo), porque ancorada na construção de percepção crítica autocrítica; o primeiro objeto da crítica é o crítico, pois a coerência da crítica estão na autocrítica (Demo, 2010); tem inspirado visões pertinentes como a teoria crítica (Darder et alii, 2009), e a pedagogia histórica-crítica (Saviani, 2005), realçando mais que tudo sua qualidade política emancipatória; serve para fundar a conquista da autonomia, arquitetada, porém, como habilidade de convivência autocrítica, bem como a construção de espírito crítico, considerado hoje como uma das habilidades do século XXI (Copeland, 2005. Fadel, 2009); a maiêutica foi, possivelmente, uma das primeiras versões do sabe pensar (Demo, 2000. Chaves, 2009. Copeland, 2005); e) Há muitas outras referências que assinalo aqui sumariamente: i) aprendizagens situadas, proposta elaborada em especial por Gee (no contexto dos videogames), cuja marca maior é, através de simulações, oferecer ao aluno cenários que parecem concretos e manipuláveis, em especial em áreas mais abstratas, como matemática (2004); ii) aprendizagens por problematização, fundamentadas na organização curricular em torno de problemas pertinentes e interessantes, capazes de representar desafios motivadores para o aluno (Savin-Baden & Wilkie, 2006), a exemplo dos videogames que são, com efeito, problemas excitantes; iii) aprendizagens significativas, orientadas para a ideia de que somente nos motivamos e aprendemos o que nos parece relevante e

significativo para nossas vidas (Fink, 2003), tornando-se propostas abstratas difíceis de manejar por parecerem distantes e não manipuláveis; f) Caberia citar a pedagogia histórica-crítica, por ser patrimônio nosso e por incorporar componentes emancipatórios próprios de autores como Gramsci e Paulo Freire (Saviani, 2005. Darder et alii, 2009), ressaltando a politicidade das aprendizagens; dedica-se precipuamente à inclusão de alunos marginalizados, buscando tomar a sério a problemática lancinante da escola pública onde estudam 90% dos alunos do ensino fundamental; contrapõe-se à pedagogia dominante considerada neoliberal e alienante, buscando espaços alternativos de formação discente e atuação docente; a discussão sobre aprendizagens nem sempre é suficiente, guardando ainda certo ranço instrucionista, à medida que toma a didática vigente como aparentemente adequada; mesmo assim, é o que temos de melhor no cenário nacional, com a vantagem de ser produção própria. Em suma, todas essas proposições têm em comum, em maior ou menor grau, a noção reconstrutiva das aprendizagens inspirada na autoria, postando o aluno como sujeito e o professor como mediador crucial. Ressalta-se ainda a politicidade da aprendizagem, à medida que o processo formativo resulta no forja do sujeito capaz de história própria, individual e coletiva. Conhecimento se constrói, formação aposta na autoria e autonomia, educação alimenta a cidadania. A percepção política das aprendizagens é menos visível em teorias mais clássicas, como a piagetiana, não havendo, porém, obstáculo propriamente. Isto torna posicionamentos críticos fundamentais para a formação do aluno e do professor (Hooks, 2009. McCreery, 2010). Este cenário, entretanto, ficaria incompleto e envelhecido, caso não se tomassem em conta os ambientes virtuais de aprendizagem, cuja presença nos processos formativos só tende a aumentar e serão, um dia, predominantes (Demo, 2009. Pratt, 2009. Aldrich, 2009). Sendo o aproveitamento educacional de plataformas virtuais ainda relativamente recente (Mason & Rennie, 2008. Ertl, 2010), este horizonte pode causar algum susto e incompreensão, também porque não faltam abusos, em especial no que se tem chamado de educação à distância (Clark & Mayer, 2008. Horton, 2006). Muitos professores ainda duvidam que se possa aprender adequadamente sem sua presença física, especialmente sem sua aula (Schneider, 2007). Colocando-se no centro do sistema, postula o aluno como plateia cativa, cuja função é frequentar aula, tomar nota e fazer prova, engolindo conteúdos em geral copiados. Outros temem o advento das novas tecnologias, seja porque, ao lado de inovações pertinentes, há problemas e riscos eminentes e iminentes (Siegel, 2008), seja porque sempre surge a ideia apressada de que substituiriam os docentes, seja porque, colocando o aluno no centro, não haveria mais como manter a disciplina em sala de aula. Facilmente as novas gerações veem computador e internet

como espaço de liberdade de expressão (Tapscott, 2009. Atton, 2004), também de seu abuso, por mais que análises críticas apontem para o mundo virtual como mundo de controle sob outras artimanhas (Galloway, 2004. Goldsmith & Wu, 2006. O Neil, 2009. Fabos, 2008). A discussão em geral admite que a tendência futura é de ajeitar a mescla entre cursos de presença física e virtual, possivelmente com a predominância da última (Bracken & Skalski, 2010. Levinson, 2009). Não seria o caso oferecer cursos apenas com presença física ou apenas com presença virtual (Tomlison et alii, 2008. Kidd & Chen, 2009. Heider, 2009). Também faz parte desta discussão que o professor não será substituído: ele continua sendo a principal tecnologia, insubstituível na condição de mediador. Será, porém, substituído o professor que, sem autoria, dá aula, porque, a rigor, inaproveitável. Apenas expor conteúdos, mesmo que de modo não instrucionista, vai se tornando tarefa virtual, agregada em vídeos, DVDs, ambientes eletrônicos, plataformas virtuais, portais, etc., onde os alunos podem encontrar os conteúdos expostos, com a vantagem de que podem ser continuamente atualizados. O professor mediador, em especial o professor maiêutico, não sai de cena. Ao contrário, vai ocupar tanto mais e melhor seu lugar na cena, não no centro (o centro é do aluno), mas na função mediadora. A grande questão, porém, é garantir em ambientes virtuais condições adequadas de aprender bem. Ninguém questionaria a educação à distância, se nela se aprendesse bem. A má fama advém da suspeita de que se trata de proposta ajeitada, apequenada, sumária, facilitada. Muitas vezes é. Mas não precisa ser. Assim, o que está em jogo nos ambientes virtuais de aprendizagem não é a questão das novas tecnologias (estas vão muito bem, obrigado!), mas até que ponto seriam expressão de oportunidades pertinentes de aprender bem, com a vantagem de implicarem habilidades do século XXI, como fluência tecnológica, textos multimodais, modos coletivos de produzir conhecimento, mobilidade de participação (Demo, 2009). Temos alguns exemplos concretos muito ilustrativos, em especial da wikipedia. Embora também cercada de polêmicas e ambiguidades (guerra das edições, vandalismos, muitos textos primários, hierarquias administrativas crescentes, etc.) (O Neil, 2009. Nicotext, 2009. Criticism of Wikipedia, 2009. Viegas et alii, 2007), está sendo autêntica revolução (Lih, 2009. Baker, 2008), no sentido de inaugurar novas epistemologias, fomentar a produção coletiva desinteressada, montar uma enciclopédia sempre atualizada e útil. Como todos podem editar, os textos são sempre abertos, indicando que conhecimento não se conclui, ao contrário da crença modernista linear. Muita gente aprendeu a fazer texto científico deste modo, aprimorando a perspectiva da alfabetização científica, por mais que aí trabalhem amadores e surjam textos frívolos (é bem mais comum texto sobre alguma estrela de televisão do que sobre Sócrates). A wikipedia não substitui outras enciclopédias manejadas por expertos, mas é produto de valor reconhecido, rivalizando claramente com outras, como a Britânica (Giles, 2005).

O ambiente da wikipedia pode ser visto como intensamente formativo, à medida que promove a participação desinteressada (cultura do dom) (Benkler, 2006. Benkler & Nissenbaum, 2006), a produção e autoria coletiva, o exercício da autoridade do argumento (não vinga qualquer argumento de autoridade, porque todo texto é, por definição, discutível), a negociação de consensos possíveis, a convivência de autonomias e autorias diversificadas. Também em blogs podem-se encontrar algumas dessas características, incentivando a autoria dos participantes, como é comum na assim dita web 2.0. Exercitam-se novas alfabetizações (Coiro et alii, 2008. Lankshear & Knobel, 2007. Sheridan & Inman, 2010), fluência tecnológica, feitura de textos multimodais (para além do meramente impresso), o uso da imagem e movimento como argumentação (não apenas ilustração), o que condiz com exigências e expectativas das novas gerações, sem falar que são ambientes mais facilmente motivadores. Descortinam-se infinitas oportunidades de autoria, inclusive seu questionamento (em especial do copyright), à medida que as plataformas digitais impulsionam modos interativos e participativos de reconstrução textual. Não havendo propriamente ideia original, pois as mentes não são (são produto evolucionário, histórico e cultural), sempre aparece a preferência por acesso desimpedido a todos os textos, facilitado pelo software livre (Lessig, 2004; 2005). No plano individual e subjetivo, porém, todos somos autores autorreferentes, sinalizando o horizonte da autonomia própria. Formação adequada promove ambos os horizontes da produção coletiva e individual (Kittur et alii, 2007). Esta apreciação dos ambientes virtuais de aprendizagem não pode recair no determinismo tecnológico (Fuchs, 2008), na euforia dos amadorismos (Keen, 2007. Bauerlein, 2008) ou nos modismos que apagam os passados em nome de futuros muito ambíguos (Levinson, 2009). O olhar do educador torna-se essencial, para podermos filtrar o que realmente interessa para a formação adequada e atualizada das novas gerações, sem apor resistências apenas antiquadas. Tecnologia não é apenas meio, como em geral os pedagogos afirmam (também para livrar-se dela). É alfabetização, sendo fluência tecnológica uma das habilidades do século XXI. Como somos também tecnologia da natureza (a produção da vida e do ser humano no processo evolucionário tem a marca da inovação tecnológica), nossa relação com tecnologia não se esgota como mero meio (Ulanowicz, 2009. Fuchs, 2008). Podemos resumir o desafio das aprendizagens como a busca por autoria individual e coletiva, dinâmica ressaltada por todas as teorias mais consistentes e muito impulsionada pelas novas tecnologias. A atual universidade está na contramão, tanto porque vegeta no instrucionismo, quanto porque ignora, em grande parte, as habilidades do século XXI. Pesquisa, de novo, comparece como referência crucial.

TRAÇOS DA CONDIÇAO DOCENTE E DISCENTE Utilizo alguns dados fornecidos pelo MEC/INEP, com o objetivo de conferir um pouco mais de concretude à minha análise dos docentes (Ministério da Educação/Inep, 2009). Trata-se de cifras muito gerais que permitem apenas um relance inicial, mas, ainda assim, importante para divisarmos alguns traços desta realidade tão complexa. Aparece também terminologia ultrapassada, como a designação de graduação presencial, que serve para distinguir de cursos à distância. Fica a impressão de que em cursos à distância os alunos não estariam presentes, por mais que esta modalidade esteja em franco progresso e reconhecimento oficial. Fica igualmente a impressão de que aprendizagem vista como mais autêntica seria aquela organizada em torno da presença física do aluno e do professor. Não caberia mais esta maneira de ver, o que indica certa desatualização do Ministério da Educação. Observando a Tabela 1, que oferece alguns indicadores da educação superior na modalidade presencial para 2008, podemos retirar algumas referências analíticas, tais como: a) A esfera pública (federal, estadual e municipal) é a que mostra razão mais elevada referente a cursos por instituição: 26,5 na média total, 35,9 na esfera estadual, 26,5 na federal e apenas 10,2 na municipal; este último indicador aproxima-se da esfera privada (razão de apenas 8,3), sugerindo que a oferta municipal é um pouco estranha ao ninho público, guardando modos mais próprios da oferta privada; a esfera estadual, como se sabe, é muito híbrida, abraçando desde as melhores universidades do país (estaduais paulistas USP, UNICAMP, UNESP) até outras em estados menos avançados e reconhecidamente de qualidade muito baixa; de todos os modos a oferta estadual tem representado a manutenção de oferta pública e gratuita para a demanda em cada estado; ademais, como aparece no total geral de apenas 10,3 cursos por instituição, nota-se uma oferta restrita que uma análise mais detalhada iria descobrir que se trata de cursos menos complexos e exigentes, algo bem comum na esfera privada; Tabela 1. Indicadores da educação superior, graduação presencial - Brasil - 2008. Graduação Presencial Pública Indicadores - razão Total geral Total Federal Estadual Municipal Privada Cursos/Instituição 10,3 26,5 28,6 35,9 10,2 8,3 Candidatos/Vaga 1,9 7,1 8 8,8 1,3 1,2

Matrículas/Docente em exercício 15,8 11,4 10,4 11,7 17,4 18,2 Indicadores - percentual Matrículas Femininas 54,6 52 49,7 54,4 53,9 55,5 Matrículas - Turno Noturno 62,6 37,7 25,9 43,5 71,6 70,9 Docentes femininas (exercício e afastadas) 44,9 43,5 41,2 46,7 44,1 45,7 Docentes (exercício e afast.) - Tempo integral 39,1 76,7 85,8 73,7 21,2 18,6 Mestres em exercício 35,6 27,5 25,9 27,5 39,7 40 Doutores em exercício 24 44,3 49,5 42,1 16,3 13,1 Fonte: MEC/INEP/Deed. b) A esfera estadual mostrava a melhor relação de candidato por vaga, de 8,8, com média de 7,1 na esfera pública, muito diferente da situação privada e municipal (em torno de 1 apenas); esta relação baixíssima acaba influindo no total geral de apenas 1,9: não comparecem sequer dois candidatos por vaga, indicando já alguma saturação do sistema universitário; esta média, porém, distorce o fato de que na esfera pública (com exceção da municipal), a demanda continua elevada, ao combinar, em geral, qualidade mais convincente com gratuidade; c) Já na relação de matrícula por docente em exercício, a maior encontrava-se na esfera privada (18,2), sendo a mais baixa a da esfera federal (10,4), reforçando um questionamento geralmente feito a ambos os casos: nas federais há número insuficiente de alunos por professor, enquanto há demais nas privadas; note-se que a razão municipal era bem similar à das privadas (17,4); ocorre que tais cifras encobrem práticas instrucionistas que, em vez de cuidar da aprendizagem dos alunos, oferecem aulas a salas cheias ou vazias; d) Matrículas femininas superavam as masculinas, sendo a relação mais elevada nas privadas; este dado guarda forte dubiedade: de um lado, aponta para tendência fundamental de emancipação feminina, à medida que esta avança claramente na ocupação das matrículas, em especial em áreas nobres, como medicina; de outro, como a relação mais elevada era a das privadas, isto poderia insinuar que a mulher ainda tende a ocupar cursos menos nobres e mais facilitados, em especial os voltados para docência básica e sem maiores exigências metodológicas formais; e) A oferta noturna era amplamente dominante (de 62,6% no total geral), em especial nas esferas municipal (71,6%) e privadas (70,9%); isto corresponde a um traço notório dos alunos trabalhadores que não podem estudar durante o dia, concentrando-se claramente nas duas ofertas menos qualitativas (privada e municipal); já as federais

apresentavam apenas 25,9% de matrículas noturnas, assinalando estilo elitista de oferta (para alunos que não precisam trabalhar); por outra, sendo de 43,5% as matrículas noturnas nas estaduais (chegando já perto da metade), denota estilo mais híbrido de oferta, próprio deste sistema (mescla as melhores universidades do país as paulistas com outras tantas muito precárias); é preocupante esta constatação: a oferta noturna coaduna-se com demanda menos pretensiosa, na qual também se oferecem cursos menos exigentes; em parte, é grande injustiça para com os alunos (não podem ser prejudicados porque não conseguem deixar de trabalhar), em parte persiste como referência de ofertas decaídas; f) A proporção de docentes femininas se aproxima daquela masculina (44,9% no total geral), denotando avanço considerável e desejável, ainda mais se observarmos que as cifras são similares em todas as esferas; g) A proporção de docentes de tempo integral desvela diferenças notáveis: enquanto era de 85,5% nas federais, chegava a apenas 18,6% nas privadas; a taxa das municipais também era muito baixa (21,2%); assim, para o total geral esta relação não atingia 40%, sugerindo que a profissão docente universitária ainda era, amplamente, de tempo parcial, o que, desde logo, prejudica o compromisso com a pesquisa; h) A proporção de doutores revela traço similar: enquanto eram 49,5% (praticamente metade) nas federais, ficavam em meros 13,1% nas privadas, e 16,3% nas municipais; nas privadas estaria o reino dos mestres (40%), nas federais o reino dos doutores; no total geral, a proporção era de apenas 24,0% de doutores. Desses dados muito gerais podemos concluir que persistem diferenças altissonantes entre esfera pública e privada, por mais que na esfera pública a municipal demonstre traços mais próprios da privada. Fica claro que a oferta noturna continua dominante, em especial em sistemas menos qualitativos, apontando para injustiça flagrante contra alunos trabalhadores, enquanto as federais insistem na oferta diurna, de tom elitista. A aversão à pesquisa torna-se nítida no sistema privado e municipal, onde docentes de tempo integral são poucos. Embora tempo integral não signifique necessariamente produção científica própria elevada, cabe assinalar que a profissão docente ainda é marcada pelo tempo parcial. A Tabela 2 indica que o regime de trabalho mais comum ainda era a hora-aula em 2008 (40,52%, para o total), um pouco acima do tempo integral (39,06%). Nas Universidades o perfil do regime de trabalho era muito diverso daquele dos Centros Universitários e Faculdades. Tabela 2. Funções docentes (em exercício e afastados), por regime de trabalho - Brasil - 2008. Regime de trabalho Total Universidades Centros Universitários Faculdades

Total 338890 52,57% 10,68% 36,75% Integral 39,06% 57,89% 20,92% 17,41% Parcial 20,42% 20,22% 24,74% 19,44% Hora-aula 40,52% 21,89% 54,34% 63,15% Fonte:MEC/INEP/Deed. Nas universidades, o tempo integral se aproxima dos 60%, enquanto era de 20,92% nos centros universitários e 17,41% nas Faculdades. Nessas, o regime da hora-aula atingia a 63,15% (quase dois terços dos docentes), insinuando que este é o regime típico de trabalho; nos Centros Universitários, a hora-aula chegava a 54,34%, enquanto era de 21,89% nas Universidades. Esta cifra já era absurda, porque a noção de hora-aula contém perversidade afrontosa, à medida que se contrata aula desvinculada do pagamento pela preparação dela, favorecendo a aula sem autoria. Embora o tempo integral nas Universidades se aproximasse já dos 60%, não segue daí que todos os docentes deveriam alocar-se neste regime de trabalho. Pode haver professores de tempo parcial, desde que inapelavelmente pesquisadores, o que pode acontecer em esferas profissionais nas quais se cultivam perfis acadêmicos de desempenho 2. No entanto, pesquisa compatibiliza-se mais facilmente com tempo integral, e jamais com hora-aula, que, na prática, é proposta de colonização de docentes. Professores pesquisadores de tempo parcial podem carregar consigo a vantagem de introduzir na academia o olhar da pesquisa vinculada à intervenção na realidade, algo que muitas vezes falta na Universidade. Observar a sociedade apenas pela janela da Universidade pode acarretar marcante miopia analítica. A Tabela 3 apresenta cifras muito preocupantes em termos da titulação acadêmica dos docentes, por conta de taxas elevadíssimas de docentes dotados de especialização apenas (pós-graduação lato sensu). Em 2002, esses docentes eram ainda grande maioria nas municipais (60,1%) e ainda maioria (50,2%) nas privadas, descendo para 44,0% e 46,9% em 2008, respectivamente. O sistema municipal, em 2008, ostentava cifra menor (44,0%) em comparação com o privado (46,9%), denotando, talvez, política mais acertada. Espanta, porém, que mesmo nas federais docentes com apenas especialização ainda eram 30,4% em 2002, mantendo-se em 24,5% em 2008, apesar do relativo avanço (por volta de seis pontos percentuais). As federais avançaram em docentes com doutorado: eram 41,2% em 2002, e 49,5% em 2008, já quase metade. 2 Para dar exemplo pessoal: Fui por longos anos professor de tempo parcial no Departamento de Sociologia da UnB, enquanto era Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA. No IPEA a função era marcantemente acadêmica, compatibilizandose bem com Sociologia na universidade, com a possível vantagem de poder observar a realidade social sob o ângulo de intervenções práticas.

No sistema privado, contudo, doutores eram 12,0% em 2002 e 13,1% em 2008; mestres eram 37,8% em 2002 e 40,0% em 2008, indicando que esta estrutura resiste bravamente, talvez também por conta dos custos, sem falar na manutenção do especialista ainda como docente apto (é mais caro contratar doutores). As federais movem-se melhor, mas não deixa de ser constrangedor que, em 2008, ainda um quarto dos seus docentes tinha apenas especialização. Esta discussão, porém, precisa ser posta com devida cautela, porque titulação não é referência sagrada. A presença maior de doutores cumpre uma razão formal (necessária, naturalmente), mas não tem automaticamente os efeitos de pesquisa e formação discente esperados. Tabela 3. Docentes em exercício, titulação, dependência administrativa - Brasil - 2002 e 2008. Ano Titulação Total Federal Estadual Municipal Privada Total 227844 45907 32481 5618 143838 2002 Até especialização 44,4 30,4 35,6 60,1 50,2 Mestrado 34 28,4 25,5 30 37,8 Doutorado 21,6 41,2 38,8 9,9 12 Total 321493 61783 42042 8069 209599 2008 Até especialização 40,4 24,5 30,4 44 46,9 Mestrado 35,6 25,9 27,5 39,7 40 Doutorado 24 49,5 42,1 16,3 13,1 Fonte: MEC/INEP/Deed. Há doutores que não pesquisam nada, além de oferecerem aulas incompetentes, bem como há especialistas que cuidam bem da aprendizagem dos alunos, à medida que alimentam produção própria condizente. Seja como for, essas cifras desvelam que a estrutura docente universitária ainda é frontalmente instrucionista, combinando tempo integral exíguo e titulação insuficiente como fatores mais tendenciais da mediocridade acadêmica e educacional. A horaaula ainda era pecha avassaladora do sistema. Existe alguma preocupação com a titulação docente, em especial nos sistemas públicos, mas avança muito devagar. No sistema privado, está quase estagnado, indicando que a oferta de mera aula é seu negócio. A Tabela 4 revela que a estrutura da titulação mostra resistência histórica visível: em 2002, docentes com apenas especialização eram 44,40%, caindo em 2008 para 40,37%, ou seja, uma diminuição muito pequena. Isto pode ser função de que a formação de mestres e doutores seja mais lenta do que se espera, sem falar em sua resistência a morar em interiores do país. A proporção de mestres subiu de 33,07% em 2002, para 35,63% em 2008; a de doutores subiu de 21,63% em 2002, para 24% em 2008. Tudo parece muito devagar.