INTOXICAÇÃO POR SENNA OCCIDENTALIS EM BOVINOS EM PASTOREIO - RELATO DE CASO SENNA OCCIDENTALIS POISONING IN GRAZING CATTLE CASE REPORT Margarida Buss Raffi 1 Eliza Simone Viégas Sallis 2 Raquel Rúbia Rech 3 Shana Letícia Garmatz³ Claudio S. L. Barros4 RESUMO É descrito um surto da intoxicação por Senna occidentalis em bovinos em pastoreio. O surto ocorreu no município de Candelária, Rio Grande do Sul, durante o outono. Os bovinos afetados tiveram acesso a uma pastagem usada anteriormente como lavoura de soja e que estava altamente infestada por fedegoso (S. occidentalis). Morreram vinte e nove bovinos de um total de 87 (33,3%). Os sinais clínicos incluíam urina escura, fraqueza muscular, andar cambaleante, decúbito esternal e morte. Os principais achados de necropsia consistiam de áreas pálidas na musculatura esquelética e, em menor grau, no miocárdio, e mioglobinúria. Histologicamente havia degeneração, necrose e regeneração de fibras musculares esqueléticas e degeneração e necrose de fibras miocárdicas. O diagnóstico de intoxicação por S. occidentalis foi baseado nos dados epidemiológicos, nos sinais clínicos, nos achados de necropsia e na histopatologia. Palavras-chave: plantas tóxicas, Senna occidentalis, doenças de bovinos, patologia, miopatia. ABSTRACT An outbreak of Senna occidentalis poisoning in cattle at pasture is described. The outbreak occurred in the country of Candelária, state of Rio Grande do Sul, Brazil, during the fall. Affected cattle had access to a pasture previously used as cultured field for soybean and which was heavily infested by coffe senna (S. occidentalis). Twenty nine out of a total of 87 cattle (33,3%) died. Clinical signs included dark urine, muscle weakness, staggering gate, 1 Méd. Vet. Prof. Assistente, Dpto Patologia Animal, UFPel, Pelotas, RS. E-mail: marga@ufpel.tche.br 2 Méd. Vet. Prof. Assistente, Setor de Patologia Animal, FZVA- Campus Uruguaiana-PUCRS. 3 Méd. Vet. Aluno Pós-graduação em Medicina Veterinária, UFSM. 4 Méd. Vet. Prof. Tit. Patologia, UFSM.
Raffi, M.B. et al. 132 sternal recumbency, lateral recumbency and death. The main gross pathological findings were pale areas of discoloration in the skeletal muscles and, to a lesser degree, in the myocardium, and myoglobinuria. Histopathological findings consisted of degeneration, necrosis, and regeneration of skeletal muscles fibers and degeneration and necrosis of myocardial fibers. The diagnosis of S. occidentalis poisoning in this outbreak was based on the epidemiological and clinical data, the necropsy and histopathological findings. Key words: Poisonous plants, Senna occidentalis, diseases of cattle, pathology, myopathy. INTRODUÇÃO Senna occidentalis é um arbusto anual da família Leguminoseae, conhecida popularmente como fedegoso; possui flores amarelo-ouro e vagens curvas, com ápices voltados para cima. A brotação ocorre na primavera e as inflorescências no início do verão. É uma planta encontrada em pastagens, solos férteis, ao longo de estradas ou contaminando lavouras de soja, milho e sorgo (BARROS, 1993; TOKARNIA et al., 2000). A intoxicação espontânea tem sido descrita em bovinos, suínos e eqüinos (MARTINS et al., 1986; BARTH et al., 1994; MÉNDEZ & RIET-CORREA, 2000). Sementes, vagens, folhas e caules são tóxicos; as sementes são a parte mais tóxica. A enfermidade ocorre pela ingestão de cereais ou feno contaminados com sementes ou outras partes da planta ou pela ingestão da planta por bovinos em pastoreio. A contaminação dos cereais ocorre durante a colheita mecânica de lavouras contaminadas por S. occidentalis (BARROS, 1993; MÉNDEZ & RIET- CORREA, 2000; TOKARNIA et al., 2000). A doença ocorre geralmente em bovinos maiores de um ano de idade, sob a forma de surtos, afetando de 10 a 60% do rebanho, com alta letalidade (BARROS, 1993). Os sinais clínicos observados em bovinos intoxicados são diarréia, mioglobinúria, fraqueza muscular, ataxia dos membros posteriores, relutância em mover-se, decúbitos esternal, lateral e morte. Na maioria das vezes, os animais permanecem alerta e conservam parcialmente o apetite até poucas horas antes da morte (BARROS, 1993; BARROS et al., 1999). Na fase final da doença, há marcada elevação da atividade sérica de creatinina fosfoquinase (CPK) e aspartato aminotransferase (AST). Os animais podem adoecer até duas semanas após cessada a ingestão da planta (BARROS, 1993). Na necropsia, há áreas pálidas, focais a coalescentes na musculatura esquelética e estrias claras no miocárdio.
133 Intoxicação por... Histologicamente há vários graus de degeneração, necrose e ruptura de fibras musculares esqueléticas, associadas, algumas vezes, a processos proliferativos e regenerativos. A lesão no miocárdio é menos intensa (BARROS, 1993; BARTH et al., 1994; BARROS et al., 1999). Descreve-se um surto da intoxicação por S. occidentalis em bovinos em pastoreio, no estado do Rio Grande do Sul. RELATO DO CASO A enfermidade ocorreu no município de Candelária, RS, em um lote de 87 bovinos (terneiros, novilhas e vacas) que estavam numa pastagem de milheto e, há 10-12 dias, foram colocadas em uma área de 30 ha de campo nativo que havia sido lavoura há 2 anos. Nesse campo de 30 hectares, há uma área de cerca de 1 ha, com grande quantidade de S. occidentalis (Figura 1) com sinais evidentes de ter sido consumida pelos bovinos. Aproximadamente 10 dias após a entrada neste potreiro, começaram a ocorrer mortes, chegando ao total de 29 animais assim distribuídos: duas vacas (4 anos), 18 novilhas (2-3 anos) e 9 terneiros (6-7 meses). Os animais apresentavam fraqueza muscular, andar cambaleante, relutância para se mover, urina escura (mioglobinúria), decúbito esternal, lateral e morte. Dois bovinos cruzas Red Angus foram necropsiados. O bovino 1 era uma terneira com 7 meses de idade e o bovino 2, uma novilha de 2 anos de idade. Dos animais necropsiados foram coletados fragmentos de órgãos da cavidade abdominal, torácica, sistema nervoso central e músculos esqueléticos, fixados em formol a 10%, embebidos em parafina, cortados com 6 µm de espessura e corados pela hematoxilina e eosina. RESULTADOS E DISCUSSÃO As alterações macroscópicas dos bovinos 1 e 2 foram semelhantes e caracterizadas por urina de coloração marrom escura e áreas irregulares, brancas ou branco-amareladas de distribuição aleatória nos músculos esqueléticos (Figura 2). Embora essas áreas tivessem distribuição disseminada, os músculos de maior massa muscular dos membros pélvicos e torácicos foram os mais acentuadamente afetados. Observou-se também edema entre grupos musculares. Na superfície de corte do coração do bovino 2, observaram-se estrias branco-amareladas distribuídas aleatoriamente entre as fibras miocárdicas. Histologicamente, as fibras musculares esqueléticas mostraram degeneração, necrose hialina e flocular segmentar (Figura 3), ativação de células
Raffi, M.B. et al. 134 satélites, algumas áreas com infiltrado de macrófagos e regeneração de miotubos, um grau moderado de degeneração e necrose foi observado também no miocárdio. No rim, havia necrose e degeneração das células epiteliais dos túbulos e material homogêneo eosinofílico intratubular. Os demais órgãos não apresentaram lesões significativas. Através dos dados epidemiológicos, dos sinais clínicos, das lesões macroscópicas e dos achados histopatológicos, confirmou-se o diagnóstico de intoxicação por S. occidentalis. No Brasil, já foram descritos outros surtos de intoxicação por S. occidentalis em bovinos em pastoreio (BARROS et al., 1999) que igualmente ocorreram no outono; dos surtos relatados por BARROS et al. (1999), a morbidade variou de 4,2% a 29,1%, e neste relato houve morbidade de 33,3%, demonstrando as grandes perdas que podem ocorrer na pecuária decorrente de intoxicações por plantas tóxicas. Os sinais clínicos são relacionados à incapacitação muscular devido à miopatia causada pela planta. A mioglobinúria, observada nos dois bovinos necropsiados, resulta da destruição da fibra muscular e liberação da mioglobina na circulação que posteriormente é eliminada na urina (urina marrom escura). Deve-se realizar o diagnóstico diferencial de enfermidades que cursam com hemoglobinúria como tristeza parasitária, leptospirose e hemoglobinúria bacilar, no entanto nenhuma dessas enfermidades apresenta lesões musculares, e com exame pode diferenciar-se mioglobina de hemoglobina (BARROS, 1993). No diagnóstico diferencial, devem ser incluídas outras enfermidades que causam necrose muscular como deficiência de vitamina E/selênio e intoxicação por antibióticos ionóforos. Na intoxicação por antibióticos ionóforos em bovinos, as lesões são mais acentuadas no miocárdio e associadas ao uso de ração contendo essas substâncias (BARROS, 2001a). A deficiência de vitamina E/selênio afeta geralmente animais jovens (2 a 4 meses) com elevada taxa de crescimento e produz lesões nos músculos esqueléticos e coração que são acentuadas pela calcificação (BARROS, 2001b). REFERÊNCIAS BARROS, C.S.L. Intoxicações por plantas que afetam o sistema muscular. Intoxicação por Senna occidentalis. In: RIET- CORREA, F., MÉNDEZ, M.C., SCHILD, A.L. Intoxicações por plantas e micotoxicoses em animais domésticos. Pelotas: Hemisferio Sul do Brasil, 1993. p.201-213.
135 Intoxicação por... BARROS, C.S.L. Intoxicação por antibióticos ionóforos. In: RIET-CORREA, F., SCHILD, A.L., MÉNDEZ, M.C., et al. Doenças de ruminantes e eqüinos. São Paulo: Varela, 2001a. p.189-191. BARROS, C.S.L. Deficiência de selênio e vitamina E. In: RIET-CORREA, F., SCHILD, A.L., MÉNDEZ, M.C., et al. Doenças de ruminantes e eqüinos. São Paulo : Varela, 2001b. p.329-333. causam necrose segmentar muscular: p.58-61. TOKARNIA, C.H., DÖBEREINER, J., PEIXOTO, P.V. Plantas tóxicas do Brasil. Rio de Janeiro : Helianthus, 2000. Plantas que causam degeneração e necrose musculares: p.145-150 BARROS, C.S.L., ILHA, M.R.S., BEZERRA, P.S., et al. Intoxicação por Senna occidentalis (Leg. Caesalpinoideae) em bovinos em pastoreio. Pesq Vet Bras, v.19, n.2, p.68-70, 1999. BARTH, A.T., KOMMERS, G.D., SALLES, M.S., et al. Coffee senna (Senna occidentalis) poisoning in cattle. Vet Human Toxicol, v.36, n.6, p.541-545, 1994. Figura 1 - Senna occidentalis Candelária RS. MARTINS, E., MARTINS, V.M.V., RIET- CORREA, F., et al. Intoxicação por Cassia occidentalis (Leguminosae) em suínos. Pesq Vet Bras, v.6, n.2, p.35-38, 1986. MÉNDEZ, M.C., RIET-CORREA, F. Plantas tóxicas e micotoxicoses. Pelotas: Universitária/UFPeL, 2000. Plantas que
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