ANÁLISE DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR EM ILHÉUS (2009-2010) Ariene Bomfim Cerqueira Paula Carine Matos de Souza Guilhardes de Jesus Júnior Universidade Estadual de Santa Cruz, Departamento de Ciências Jurídicas, Ilhéus/Ba. Trabalho de levantamento de dados do Projeto Serviço de Referência dos Direitos da Mulher (SER Mulher), com recursos do MEC/PROEXT INTRODUÇÃO Este artigo trata acerca de uma análise da efetivação da lei 11.340/06 na cidade de Ilhéus, durante os anos de 2009 e 2010, destacando a quantidade de ocorrências delituosas registradas nos dados estatísticos com o número de inquéritos instaurados no mesmo período, além de comparar os tipos de violência que apresentam-se com maior freqüência. Nota-se que, apesar das denúncias, existe uma grande dificuldade para que a violência contra a mulher seja verdadeiramente observada como um problema social. De acordo com BOURDIEU (2007), devido à incorporação de valores sexistas, a sociedade enxerga a divisão dos sexos como algo normal, que faz parte da ordem das coisas. As mulheres e a sociedade como um todo, têm se conscientizado dos seus direitos e, ao longo dos tempos, têm buscado, sobretudo graças à implementação da defesa aos direitos humanos, proporcionar a igualdade de direitos entre homens e mulheres. A partir de dados obtidos junto à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher situada no município de Ilhéus/BA, pode-se observar o rompimento dessas formas de pensamento tradicionais que submetiam às mulheres a aceitação dos desmandos masculinos, entretanto a sociedade ainda está longe de uma real contretização dos objetivos ansiados pela lei supracitada. OBJETIVOS Foi analisar a efetivação da lei Maria da Penha no município de Ilhéus nos dois últimos anos de aplicação (2009 e 2010), a partir de uma ponderação da quantidade de ocorrências delituosas registradas nos dados estatísticos com o número de inquéritos instaurados no mesmo período, comparando ainda os tipos de violência que se apresentam com mais freqüência.
METODOLOGIA Trabalho realizado a partir da análise de dados estatísticos fornecidos pela Delegacia especial de Atendimento à Mulher (DEAM) situada na cidade de Ilhéus. O presente trabalho também é resultado do levantamento da literatura correspondente ao tema. DISCUSSÃO Mediante a análise dos dados estatísticos dos anos de 2009 e 2010, fornecidos pela Delegacia Especial de Atendimento a Mulher em situação de violência domestica e familiar (DEAM) situada no município de Ilhéus, observa-se que ainda está presente na cidade a ideologia de empoderamento feminino, em consonância com o pensamento de CORTEZ e SOUZA (2008), visto que muitas mulheres não se utilizam dos benefícios jurídicos que tem direito por causa do medo, dependência e incorporação de velhas ideologias patriarcalistas. As ocorrências delituosas registradas neste período são divididas em lesão corporal, vias de fato, agressão moral, ameaça, estupro, constrangimento ilegal, violência sexual e infantojuvenil, maus tratos/ negligências, e homicídio tentado. Ressalta-se que a modalidade maus tratos/negligencias presente nos dados de 2009 não esteve presente nas estatísticas de 2010, tendo sido provavelmente substituído pelo não correspondente Homicídio tentado. A lei 11.340, Lei Maria da Penha, no art. 7º disserta a respeito das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, conceituando e dividindo a violência em cinco formas, a saber, moral, física, psicológica, sexual, e patrimonial. A violência moral, conceituada na Lei Maira da Penha como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria, tem seu correspondente nos dados da DEAM em agressão moral. A violência física é conceituada na lei 11.340 como qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal da mulher, tendo como correlatos nos dados estatísticos da DEAM a lesão corporal, vias de fato, os maus tratos/negligências (2009) e o homicídio tentado (2010). Observa-se que a violência física embora bastante cometida durante o período analisado, não corresponde ao maior índice de violências registradas pela delegacia, visto que a maioria das mulheres que sofrem agressão corporal acabam não registrando ocorrências devido ao medo de sofrer novas represálias, havendo ainda casos em que há inserida na comunidade da agredida a ideologia de que a agressão física faz parte do comportamento normal e aceitável no ambiente doméstico e familiar, como afirma BOURDIEU (2007):
Os dominados aplicam categorias construídas do ponto de vista dos dominantes às relações de dominação, fazendo-as assim ser vistas como naturais. O que pode levar a uma espécie de auto-depreciação ou até de auto-desprezo sistemáticos, principalmente visíveis. Pag. 46 Já a violência psicológica é observada quando há conduta que tenha como conseqüência dano emocional, diminuição da auto-estima, prejuízo à saúde psicológica e a autodeterminação, ou que vise controlar as ações da ofendida, ou que ainda prejudique ou perturbe o pleno desenvolvimento desta. A partir da triagem dos dados obtidos na delegacia, infere-se como violência psicológica a ameaça e o constrangimento ilegal. Quanto a violência sexual, a lei referente a violência domestica e familiar contra a mulher conceitua-a como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, ou mesmo que a leve a comercializar sua sexualidade ou a utilizá-la de qualquer outro modo, ou ainda que a proíba de utilizar-se de métodos contraceptivos, ou mesmo que a force a contrair matrimônio, a engravidar, a abortar ou prostituir-se, mediante a coação, a chantagem, o suborno ou manipulação, sendo considerado também como violência sexual atitudes que limitem ou anulem o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da ofendida. Os correlatos da violência sexual nos dados da DEAM são o estupro e a violência sexual e infanto-juvenil. Os dados obtidos junto a DEAM quanto à violência domestica estão presentes no gráfico 1. Gráfico 1- Comparativo dos tipos de violência registrados na DEAM/ Ilhéus no período de 2009 e 2010 Fonte: Trabalho de campo DEAM/ILHÉUS No ano de 2010 observa-se que o número de denúncias referentes à violência psicológica foi maior que a soma do das denúncias de violência física, moral e sexual, como mostra o gráfico 2.
Gráfico 2- Violência psicológica em 2010 Fonte: Trabalho de campo DEAM/ILHÉUS Esta realidade é resultado da cultura de empoderamento feminino, na qual as atitudes configuradas como violência psicológica são consideradas para o agressor como comportamentos normais e aceitáveis, visto que as características inerentes ao sistema patriarcal, mediante pensamento de SAFFIOTIO apud CHERON e SEVERO (2010), que ainda podem ser observadas na região. O número de violências ocorridas durante os anos analisados, embora não corresponda a realidade concreta, tendo em vista as dificuldades anteriormente analisadas para que as mulheres se disponham a denunciar seus agressores, é grande, e muito maior que o número total de inquéritos instaurados no mesmo período, como mostra o gráfico 3. As causas são as mesmas que levam as mulheres a não registrarem ocorrências na DEAM. Gráfico 2- Ocorrências X Inquéritos Fonte: Trabalho de campo DEAM/ILHÉUS O medo de que o agressor não seja punido, e volte a praticar atos de violência, é a maior justificativa para a grande diferença numérica entre as ocorrências delituosas registradas na
DEAM e a quantidade de inquéritos instaurados. Observa-se ainda a dependência econômica e a cultura de dominação feminina a partir de uma concepção falsa de natureza da mulher, segundo termos utilizados por BOURDIEU (2007). AZEVEDO (2009) assevera que: Uma das dificuldades das mulheres em denunciar a violência sofrida consiste em ser ela vitima dentro de um espaço, o lar, do qual elas são consideradas guardiãs, lares que são verdadeiras catedrais do silencio, pois escondem a face poder de uma instituição que a sociedade entende ser importante preservar. p. 96 Assim, não se deve olvidar de que sendo muitas condutas criminosas tipificadas na lei 11.340 consideradas para grande parte da sociedade como normais, faz-se necessário uma efetiva realização de programas de informação e conscientização popular das atitudes aceitas verdadeiramente como de respeito de gênero e aos direitos humanos. CONSIDERAÇÕES FINAIS As mulheres conquistaram muitos benefícios inclusive dentro do universo jurídico. Um exemplo é a proteção fornecida pela lei 11.340, lei Maria da Penha, que visa coibir e prevenir a violência domestica e familiar contra a mulher. A referida lei conceitua as formas de violência como física, sexual, psicológica, patrimonial e moral. A partir de uma análise das ocorrências delituosas contidas nos dados estatísticos obtidos junto ao DEAM da cidade de Ilhéus, observa-se que a violência psicológica é a que ocorre com maior freqüência devido à ainda constante ideologia de empoderamento feminino, e, além disso, que a violência patrimonial não consta nos dados analisados. A comparação entre a quantidade de violências registradas nos anos analisados, 2009 e 2010, e a quantidade de inquéritos instaurados no mesmo período, revela uma diferença muito grande, fruto da subjugação feminina, herança do sistema patriarcal. Esta realidade somente será superada com a efetivação de atividades socioeducativas de conscientização de igualdade de gênero e direitos humanos.
REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 5.ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2007. Tradução:Maria Helena Kühner. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Edição de Lívia Céspedes. 44. Ed. São Paulo: Saraiva 2010. BRASIL. LEI 11.340, de 06 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência domestica e familiar contra a mulher. VADE MECUM SARAIVA.São Paulo: Saraiva, 2011. CABRAL, Karina Melissa. Manual de Direitos da Mulher. São Paulo: Mundi, 2008. CHERON Cibele, SEVERO Elena Erling. Apanhar Ou Passar Fome? A Difícil Relação Entre Dependência Financeira E Violência Em Porto Alegre, RS <www.fazendogenero.ufsc.br/.../1278279902 _ARQUIVO_Cheron_.pdf> Acesso em: 17/05/11 CORTEZ, Mirian Béccheri; SOUZA, Lídio de. Mulheres (in)subordinadas: o Empoderamento Feminino e suas Repercussões nas Ocorrências de Violência Conjugal. Espírito Santo: Psicologia: Teoria e Pesquisa:Vol. 24 n. 2, pp. 171-180,2008 AZEVEDO, Carla Aparecida de. Mulher gosta de apanhar?: Violência contra a mulher e condicionantes jurídicos. O caso do juizado especial criminal em Campos dos Goytacazes. In SILVA, Marinete dos Santos. Gênero, Poder e Tradição na terra do Coronel e do lobisomem. Rio de janeiro: Quartet: FAPERJ, 2009. P PALAVRAS CHAVES: Violência Doméstica; gênero; empoderamento feminino. Contato: paula.karines@gmail.com ariene.bomfim@gmail.com profguilhardes@hotmail.com