Registro faciológico e paleoambiental da transgressão que marca a passagem do Cenomaniano para o Turoniano na Bacia Potiguar, NE do Brasil



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AUTORES: TELES, Maria do Socorro Lopes (1); SOUSA, Claire Anne Viana (2)

Transcrição:

Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 415-420 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-issn: 1647-581X Registro faciológico e paleoambiental da transgressão que marca a passagem do Cenomaniano para o Turoniano na Bacia Potiguar, NE do Brasil Facies and paleoenvironmental record of the transgression occurred at the Cenomanian to Turonian transition in Potiguar Basin, NE Brazil A. B. C. Costa 1*, V. C. Córdoba 2, R. G. Netto 3, F. P. Lima Filho 4 2014 LNEG Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Artigo Curto Short Article Resumo: A passagem do Cenomaniano para o Turoniano é reconhecida globalmente como a maior transgressão marinha ocorrida nos últimos 250 milhões de anos. Na Bacia Potiguar, o intervalo estratigráfico que regista a ocorrência desta transgressão é representado pela transição entre os depósitos siliciclásticos e híbridos da porção superior da Formação Açu, designados operacionalmente por Açu-3 e Açu-4, para as rochas carbonáticas da Formação Jandaíra. Para a reconstrução paleoambiental deste intervalo, foi realizada uma análise faciológica baseada na descrição de quatro poços localizados na porção emersa da referida bacia. O estudo das fácies permitiu identificar, para a Unidade Açu-3, oito fácies que constituem quatro associações assim diferenciadas: (1) depósitos de barras cascalhosas/arenosas; (2) depósitos de barras atenuadas; (3) depósitos de planícies arenosas e, (4) depósitos de planície de inundação. A Unidade Açu-4 congrega dezesseis fácies, sendo quatorze siliciclásticas e duas híbridas. As fácies siliciclásticas foram agrupadas em nove associações, a saber: (1) depósitos residuais de fundo de canal; (2) depósitos de preenchimento de canal; (3) depósitos de lobos de extravassamento; (4) depósitos de planície de inundação; (5) depósitos de meandro abandonado; (6) depósitos de planície arenosa de regime de fluxo superior; (7) depósitos de planície arenosa de regime de fluxo inferior, (8) depósitos de planície arenosa/lamosa de ambiente restrito e, (9) depósitos de planície lamosa. As cinco primeiras associações de fácies constituem um sistema fluvial meandrante com influência de marés, e as restantes integram as porções mediana e distal de um complexo estuarino dominado por marés. As fácies híbridas depositaram-se na plataforma rasa adjacente ao estuário. Por fim, as rochas carbonáticas, pertencentes à Formação Jandaíra, foram individualizadas em treze fácies e agrupadas em três associações, que constituem: (1) depósitos de supramaré a intermaré; (2) depósitos de inframaré ou laguna, (3) depósitos de barras de maré carbonáticas. As duas primeiras associações integram um sistema de planície de maré carbonática ao passo que a restante constitui um sistema de barras de maré carbonáticas. A interpretação dos sistemas deposicionais permitiu compreender que o intervalo estratigráfico estudado representa a passagem gradual de um sistema fluvial entrelaçado (Unidade Açu-3) para um complexo estuarino dominado por marés (Unidade Açu-4), depositados no Cenomaniano terminal e, a partir daí, a transgressão continuou avançando para o Turoniano basal, onde foi implantada uma ampla rampa carbonática em ambiente marinho raso. Palavras-chave: Bacia Potiguar, Cenomaniamo, Turoniano, Transgressão. Abstract: The passage of the Cenomanian to Turonian is recognized globally as the largest marine transgression occurred in the last 250 million years. In Potiguar Basin, the stratigraphic interval that records the occurrence of this transgression is represented by the transition between siliciclastic and hybrid deposits of the upper part of Açu Formation, operationally designated by Açu-3 and Açu-4, for the Jandaíra Formation carbonate rocks. For the paleoenvironmental reconstruction of this interval, a facies analysis based on the description of four wells located in the onshore portion of the basin was performed. This facies analysis allowed the identification of eight facies for Unit Açu-3, which are organised as four different associations: (1) gravelly/sandy deposits bars, (2) alleviated bar deposits, (3) sandflat deposits and (4) floodplain deposits. The Acu-4 Unit brings together sixteen facies, fourteen being siliciclastic and two hybrid. The siliciclastic facies were grouped into nine associations, namely: (1) lag residual deposits, (2) channel fill deposits, (3) crevasse-splay deposits, (4) floodplain deposits, (5) abandoned channel deposits, (6) upper-flow regime sandflat deposits, (7) lower-flow regime sandflats, (8) sandflat/mudflat deposits of restricted environment, and (9) mudflats deposits. The first five facies associations represent a meandering fluvial system with tidal influence, and the remaining integrate the intermediate and distal sectors of an estuarine complex dominated by tides. The hybrid facies were deposited in shallow platform adjacent to estuary. Finally, the carbonate rocks belonging to Jandaíra Formation, were individualized into fourteen facies, grouped into three associations, which are: (1) supratidal and intertidal deposits, (2) subtidal or lagoon deposits, (3) carbonate tidal shoals deposits. The first two facies associations comprise a carbonate tidal flat system while the remainder record a carbonate system with tidal sand shoals. The interpretation of depositional systems allowed to understand that the studied stratigraphic interval represents the gradual passage of a braided river system (Unit Acu-3) to an estuarine complex dominated by tides (Unit Acu-4), deposited during the late Cenomanian, this transgressive trend at the Early Turonian, when a shallow marine environment with a broad carbonate ramp was installed. Keywords: Potiguar Basin, Cenomanian, Turonian, Transgression. 1 Programa de Pós-Graduação em Geodinâmica e Geofísica, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN Natal-RN, Brasil. 2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Exatas e da Terra, Departamento de Geologia, e Laboratório de Geologia e Geofísica do Petróleo, UFRN Natal-RN, Brasil. 3 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Área de Ciências Exatas e Tecnológicas, Programa de Pós Graduação em Geologia. 4 Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Exatas e da Terra, Departamento de Geologia, UFRN Natal-RN, Brasil. * Autor correspondente/corresponding author: anabarbarasampaio@gmail.com

416 A. B. C. Costa et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 415-420 1. Introdução A passagem do Cenomaniano para o Turoniano é reconhecida mundialmente como a maior transgressão marinha ocorrida nos últimos 250 milhões de anos (Huber et al., 1995). A deposição da sequência transgressiva foi controlada pelas condições climáticas e pelas variações eustáticas de ocorrência global. As mudanças climáticas foram desencadeadas em virtude do aumento das concentrações de CO 2 na atmosfera, proveniente do intenso vulcanismo ao longo da Cadeia Meso Oceânica (Larson, 1991) e do vulcanismo presente nas grandes províncias ígneas ao longo do planeta. Associadas a estas condições ambientais ocorreu um evento anóxico oceânico caracterizado pela formação de extensos depósitos pelíticos ricos em matéria orgânica com importantes implicações econômicas na geração de hidrocarbonetos (Phelps et al., 2013). Na Bacia Potiguar, o intervalo estratigráfico que regista a ocorrência deste evento transgressivo é representado litostratigraficamente pelas rochas siliciclásticas e mistas da porção superior da Formação Açu, designadas operacionalmente por Açu-3 e Açu-4 (Vasconcelos et al., 1990) e pelos depósitos carbonáticos da porção inferior da Formação Jandaíra, os quais representam o final deste importante pulso transgressivo. A Bacia Potiguar localiza-se no extremo Leste da Margem Equatorial Brasileira, abrangendo os Estados do Rio Grande do Norte e Ceará (Fig. 1). Geologicamente, é limitada a oeste e noroeste, pelo Alto de Fortaleza, com a Bacia do Ceará (Souza, 1982; Araripe & Feijó, 1994; Pessoa Neto et al., 2007), a sul, leste e oeste, por rochas do embasamento cristalino, estendendo-se em direção à bacia marinha a norte até à isóbata de 2.000 m (Pessoa Neto et al., 2007). O Alto de Touros define o seu limite a leste com a Bacia Pernambuco-Paraíba (Araripe & Feijó, 1994). Perfaz uma área total de 48.000 km 2, dos quais 26.500 Km 2 correspondem à parte submersa e 21.500 km 2 encontram-se emersos (Bertani et al., 1990). Os principais objetivos desta pesquisa foram a identificação das fácies e das associações de fácies, apoiada na análise das icnofábricas, para, por fim, caracterizar os sistemas deposicionais da seção que regista a transgressão ocorrida na passagem do Cenomaniano para o Turoniano na Bacia Potiguar. Tais estudos basearam-se na análise e descrição de quatro poços que perfazem um total de 260 m, localizados na porção emersa da referida bacia, e posterior confecção das seções colunares. Esta pesquisa visou apresentar um cenário deposicional evolutivo deste intervalo de tempo na Bacia Potiguar, de forma a vir contribuir para o conhecimento da transgressão ocorrida de cunho mundial. Há que salientar a existência de um controle biostratigráfico preciso, através da datação de palinomorfos e foraminíferos planctônicos, contudo como se tratam de dados sigilosos da PETROBRAS não foi possível ter o acesso aos mesmos para poder neste momento atestar as idades citadas nesta pesquisa. Fig. 1. Mapa de localização da Bacia Potiguar ilustrando as unidades litoestratigráficas aflorantes (modificado de Fortes, 1986; Mont Alverne et al., 1998; Pessoa Neto, 2003; CPRM, 2003). Fig. 1. Location map of Potiguar Basin illustrating the outcropping lithostratigraphic units (modified from Fortes, 1986; Mont Alverne et al., 1998; Pessoa Neto, 2003; CPRM, 2003). 2. Geologia regional O arcabouço estrutural da Bacia Potiguar está diretamente ligado a esforços tectônicos, associados ao rifteamento que moldou a atual margem continental, em consequência da separação dos continentes Sul- Americano e Africano, durante o Eocretáceo. A configuração estrutural da bacia permitiu reconhecer a existência de grábens assimétricos, internamente separados por altos do embasamento cristalino e limitados por duas plataformas rasas, as plataformas de Touros e de Aracati, que acomodam sequências sedimentares neocomianas a terciárias (Bertani et al., 1990). Contribuições mais recentes de Pessoa Neto et al. (2007) permitiram enquadrar a coluna sedimentar da bacia em três supersequências: Rifte, Pós-Rifte e Drifte. A Supersequência Rifte foi depositada no Eocretáceo e engloba as formações Pendência e Pescada sendo representada pelos depósitos flúvio-deltaicos e lacustres das formações anteriormente mencionadas. A Supersequência Pós-Rifte engloba o final da deposição do Grupo Areia Branca e é caracterizada pela deposição de uma sequência flúvio-deltaica, com os primeiros registos de ingressão marinha (Formação Alagamar). Por fim, a Supersequência Drifte, depositada entre o Albiano e o Recente, congrega o Grupo Apodi, constituído por uma sequência flúvio-marinha transgressiva (formações Açu, Ponta do Mel, Quebradas, Jandaíra e Ubarana), recoberta por uma sequência clástica e carbonática regressiva (formações Ubarana, Tibau e Guamaré) que integra o Grupo Agulha.

Análise de fácies: Bacia Potiguar, NE Brasil 417 3. Fácies e associações de fácies 3.1 Unidade Açu 3 Sistema fluvial entrelaçado As fácies siliciclásticas identificadas nesta Unidade perfazem um total de oito e compreendem uma conglomerática, seis areníticas e uma pelítica (Fig. 2). O estudo vertical das fácies possibilitou englobá-las em quatro associações designadas de: (1) depósitos de barras cascalhosas/arenosas, (2) depósitos de barras atenuadas, (3) depósitos de planície arenosa e, (4) depósitos de planície de inundação. Estas associações representam diferentes elementos arquiteturais que juntos caracterizam um sistema fluvial entrelaçado. 3.2 Unidade Açu-4: Complexo estuarino dominado por marés A Unidade Açu-4 congrega fácies siliciclásticas e híbridas (Fig. 3). As fácies siliciclásticas identificadas nesta seção, perfazem um total de 14 e compreendem uma conglomerática, nove areníticas e quatro pelíticas. As fácies híbridas, que ocorrem na parte superior desta unidade, perfazem um total de duas e integram arenitos híbridos. O estudo das fácies siliciclásticas e híbridas da Unidade Açu-4 e de suas relações verticais possibilitou agrupá-las em dez associações de fácies, separadas em dois grandes grupos: 1) Associações que integram um sistema fluvial meandrante influenciado por marés, localizado na porção proximal de um sistema estuarino, o qual é representado pelos depósitos residuais de fundo de canal, depósitos de preenchimento de canal (barras em pontal), depósitos de lobos de extravassamento, depósitos de planície de inundação, e depósitos de meandro abandonado, e 2) Associações que caracterizam as porções mediana e distal deste mesmo sistema estuarino, além da porção marinha rasa adjacente, representadas pelos depósitos de planície arenosa de regime de fluxo superior, depósitos de planície arenosa de regime de fluxo inferior, depósitos de planície arenosa/lamosa de ambiente restrito, depósitos de planície lamosa e, por fim, depósitos marinhos rasos (fácies híbridas). 3.3 Formação Jandaíra: Complexo de rampa interna As fácies carbonáticas identificadas perfazem um total de treze fácies (Fig. 4). O estudo das relações verticais das fácies carbonáticas da Formação Jandaíra pemitiu inferir que as mesmas integram três associações de fácies que representam: depósitos de supramaré a intermaré, depósitos de inframaré ou laguna e, depósitos de barras de maré carbonáticas. Os depósitos de supramaré a intermaré e de inframaré/laguna constituem um sistema de planície de maré carbonática que se associa, em direção offshore, a um sistema de barras de maré carbonáticas, ambos sistemas integrando um amplo complexo de rampa interna. Fig. 2. Fácies siliciclásticas identificadas na Unidade Açu-3. Fig. 2. Siliciclastic facies identified in the Unidade Açu-3.

418 A. B. C. Costa et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 415-420 Fig. 3. Fácies siliciclásticas e híbridas identificadas da Unidade Açu-4. Fig. 3. Siliciclastic and hybrid facies identified in the Unidade Açu-4.

Análise de fácies: Bacia Potiguar, NE Brasil 419 Fig. 4. Fácies carbonáticas identificadas na Formação Jandaíra. Fig. 4. Carbonate facies identified in the Formação Jandaíra.

420 A. B. C. Costa et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 415-420 4. Conclusão Na Bacia Potiguar, o intervalo cronoestratigráfico que se estende do Cenomaniano ao Turoniano foi fortemente controlado pelas condições climáticas e eustáticas, de ocorrência global. Tais variações controlaram os processos deposicionais, a distribuição das áreas fonte, a taxa de aporte sedimentar, a variabilidade de fácies, a presença ou não de organismos endobentônicos colonizadores, entre outros aspectos. A seção siliciclástica depositada durante o Cenomaniano terminal representa a fase inicial de uma transgressão, reconhecida a nível mundial, marcada na Bacia Potiguar pela passagem de um sistema fluvial entrelaçado (Unidade Açu-3), para um complexo estuarino dominado por marés (Unidade Açu-4). Esta transgressão perdurou até ao Turoniano basal, onde este complexo estuarino cede lugar a implantação de uma rampa carbonática de águas rasas e restritas, que representa a fase final desta transgressão. A superfície de máxima inundação marinha, deste intervalo estudado, é caracterizada por rochas híbridas que representam a deposição mista nas porções adjacentes ao sistema estuarino, em porções de plataforma rasa (seção superior da Unidade Açu-4). Referências Araripe, P.T., Feijó, F., 1994. Bacia Potiguar. Boletim de Geociências da Petrobrás, 8, 27-141. Bertani, R.T., Costa, I.G., Matos, R.M.D., 1990. Evolução tectonosedimentar, estilo estrutural e habitat do petróleo na Bacia Potiguar. In: G.P.R. Gabaglia, E.J. Milani, (Eds). Origem e Evolução de Bacias Sedimentares, Petrobrás, 291-310. CPRM., 2003. Mapa Geológico do Estado do Ceará (escala 1:500 000). Fortaleza/CE. Fortes, F.P., 1986. A tectônica de teclas da Bacia Potiguar. SBG, Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Geologia, 3, 1145-1159. Huber, B.T., Hooell, D.A., Hamilton, C.P., 1995. Middle-Late Cretaceous climate of the Southern high latitudes: Stable isotopic evidence for minimal equator-to-pole thermal gradients. Geological Society of American Bulletin, 107, 1164-1191. Larson, R.L., 1991. Latest pulse of Earth: Evidence for a mid- Cretaceous superplume. Geology, 19, 547 550. Mont Alverne, A.A.F., Jardim de Sá, E.F., Derze, G.R., Dantas, J.R.F., Ventura, P.E.O., 1998. Mapa Geológico do Estado do Rio Grande do Norte (escala 1:500 000), Natal/RN. Pessoa Neto, O.C., 2003. Estratigrafia de seqüências da plataforma mista neogênica na Bacia Potiguar, margem equatorial brasileira. Revista Brasileira de Geociências, 33, 263-278. Pessoa Neto, O.C., Soares, U.M., Silva, J.G.F., Roesner, E.H., Florêncio, C.P., Souza, C.A.V., 2007. Bacia Potiguar. Boletim Geociências Petrobrás, 15, 357-369. Phelps, R.M., Kerans, C., Loucks, R.G., Gama, R.O.P., Jeremiah, J., Hull, D., 2013. Oceanographic and eustatic control of carbonate plataform evolution and sequence stratigraphy on Cretaceous (Valanginian-Campanian) passive margin, northern Gulf of Mexico. Sedimentology, 61(2), 461-496. Souza, S.M., 1982. Atualização da litoestratigrafia da Bacia Potiguar. SBG, Anais do XXXII Congresso Brasileiro de Geologia, 5, 2392-2406. Vasconcelos, E.P., Lima Neto, F.F., Ross, S., 1990. Unidades de correlação da Formação Açu. SBG, Anais do XXXVIII Congresso Brasileiro de Geologia, 227-440.