Dez poemas da obra. Entre Ausência e Esquecimento. João de Mancelos

Documentos relacionados
Respirar das Sombras. Xavier Zarco

POESIAS. Orientação: Professora Keila Cachioni Duarte Machado

I Olimpíadas da Economia

Amar Dói. Livro De Poesia

PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVA ESPERANÇA DO PIRIÁ CONCURSO PÚBLICO. PROVA OBJETIVA: 09 de março de 2014 NÍVEL ALFABETIZADO

Carlos de Assumpção. Textos selecionados MÃE

Agrupamento Vertical de Escolas do Viso. Escola E. B. 2.3 do Viso. A vida é uma folha de papel

UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA Faculdade de Ciências Médicas Conselho Executivo

E D I T A L XXIV CONCURSO LITERÁRIO DE POESIA E PROSA ACADEMIA DE LETRAS DE SÃO JOÃO DA BOA VISTA-SP PATRONA: MARIA CÉLIA DE CAMPOS MARCONDES

António Gedeão. Relógio D'Água. Notas Introdutórias de Natália Nunes. A Obra Completa

VIA SACRA MEDITADA PELAS FAMÍLIAS REFUGIADAS DA SÍRIA. D. Samir Nassar, Arcebispo de Damasco, Síria COMISSÃO EPISCOPAL PARA A FAMÍLIA NA SÍRIA

A & C. Agradecemos confirmação até ao dia de Maio de A & C. Foi num momento especial que nos cruzamos,

Feira Literária. Todo dia é dia de ser criança! Banca de trocas de livros e gibis. 12/10, 2ª feira Feriado da Padroeira do Brasil

Vou votar em Marina Silva porque uso creme anti-rugas

CURRÍCULO LITERÁRIO. NOME: Uili Bergamin. ENDEREÇO: Rua Bento Gonçalves, 1901 Apto. 81 Centro Caxias do Sul RS E- MAIL:

A escrita que faz a diferença

HORÁCIO DÍDIMO CADEIRA N!J 8 PATRONO: DOMINGOS OL ÍM PIO

Ensino Português no Estrangeiro Nível A1 Prova A (13A1AE) 60 minutos

Fonte:intervox.nce.ufrj.br/~diniz/d/direito/ ouapostila_portugues_varlinguistica_2.pdf

Ficha de Actividade. Conteúdos: Os diferentes processos e serviços do Arquivo Municipal.

Festa Sagrada Família

6º Ano do Ensino Fundamental

eunice arruda - poesias alguns (poemas selecionados de eunice arruda)

Carlos Neves. Antologia. Raízes. Da Poesia

COLÉGIO NOSSA SENHORA DE SION Troca do livro

PARTE I. Leia o tópico que lhe propomos e redija um texto coerente e coeso conforme solicitado.

POEMAS DE JOVITA NÓBREGA

LÍNGUA PORTUGUESA REDAÇÃO POEMA (7º ANO) Professora Jana Soggia

9º Plano de aula. 1-Citação as semana: Não aponte um defeito,aponte uma solução. 2-Meditação da semana:

JORNALINHO DO CAMPO. Madalena. Ana Miguel. Mariana. Cláudia. Ana Mafalda. Mafalda Inês

Telepresença substitui viagem profissional

TROVAS MAIS ALÉM... ESPÍRITOS DIVERSOS PSICOGRAFIA DE LEONARDO PAIXÃO

In Memorian: Geralda do Nascimento Cantos Eduardo Francisco de Oliveira

Guião da celebração. Festa do Pai-Nosso. Núcleo seminário passionistas. 2º Ano de catequese. 2 Junho de Saudação inicial: Catequista:

UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU ESCOLA TÉCNICA VALE DO ITAJAI TÍTULO NOME

ALICE DIZ ADEUS 4º TRATAMENTO* Escrito e dirigido por. Simone Teider

PET Humanidades Centro das Humanidades/UFOB Rua Prof. José Seabra, S/N, Centro, , Barreiras, Ba.

VOCÊ PENSA QUE SEU HOGAR É UM LUGAR SEGURO E QUE DENTRO DELE VOCÊ E A SUA FAMILIA ESTÃO A SALVO?

Entrevistada por Maria Augusta Silva [EM 1999, NA OCASIÃO DO LANÇAMENTO DO LIVRO ROSAS DA CHINA ]

REGULAMENTO DO CONCURSO DE FOTOGRAFIA

MANUAL e-sic GUIA DO SERVIDOR. Governo do Estado do Piauí

Catequese da Adolescência 7º Catecismo Documentos de Apoio CATEQUESE 1 - SOMOS UM GRUPO COM JESUS. Documento I

CENTRO EDUCACIONAL SIGMA

1º Concurso - Universidades Jornalismo e Publicidade - Maio Amarelo 2016

TALVEZ TE ENCONTRE AO ENCONTRAR-TE

Titulo - VENENO. Ext Capital de São Paulo Noite (Avista-se a cidade de cima, forrada de prédios, algumas luzes ainda acesas).

O Pequeno Mundo de Maria Lúcia

Pedido de Licenciamento Atualizado em:

A Caridade. A caridade é dócil, é benévola, Nunca foi invejosa, Nunca procede temerariamente, Nunca se ensoberbece!

SÃO PAULO, 6 DE MAIO DE 2014;

PERTO DE TI AUTOR: SILAS SOUZA MAGALHÃES. Tu és meu salvador. Minha rocha eterna. Tu és minha justiça, ó Deus. Tu és Jesus, amado da Minh alma.

CONCORDÂNCIA NOMINAL. Página 172

SUSANA TELES MARGARIDO, ESCRITORA AÇORIANA CONVIDADA, AÇORES,

CANDIDATURA A BOLSA DE MÉ RITO PARA ESTUDOS PÓ S-GRADUADOS DO ANO ACADÉ MICO DE

Tratamento e Análise de Dados e Informações (TADI)

Consternação. Beija-me mais uma vez. Tudo e nada Eu quero Um dilema Em que vivo!

COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA. PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO N o 1.380, DE 2009 I - RELATÓRIO

NACIONALIDADE 1. Acerca dos princípios fundamentais e direitos individuais, julgue o item a seguir.

sabe o que é a DPOC?

Fala sem Voz. Vinícius Arena Cupolillo

PLANEJANDO UMA VIAGEM DE SUCESSO SABRINA MAHLER

José da Fonte Santa. Magia Alentejana. Poesia e desenhos. Pesquisa e recolha de Isabel Fonte Santa. Edições Colibri

CALSAN COMPRIMIDO MASTIGÁVEL

Especulações sobre o amor

Glaucus Saraiva - poeta gaúcho

HOTEIS HERITAGE LISBOA

1. Porque eu te amo nunca será suficiente 2. Porque a cada dia você me conquista mais e de um jeito novo 3. Porque a ciência não tem como explicar

GESTÃO E SEGURANÇA DE OBRAS E ESTALEIROS

OBJETIVO REGULAMENTO. 1. Da Participação

Concurso Literário do Ensino Fundamental II

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DEFICIENTES PRÉMIO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DIGNITAS REGULAMENTO

RESOLUÇÃO Nº 1113/ CONSU, de 06 de outubro de 2014.

Memórias de um Vendaval

Salmo 23:! Viva uma vida com tranquilidade

João Eduardo Lohse Corrêa. Personagens: Homem. Mulher. Menina. Senhor. Senhora

REGULAMENTO 3ª EDIÇÃO DO CONCURSO EDP LIVE BANDS 16

Concurso Literário. O amor

TempoLivre. Estreia no Trindade Rogério Samora regressa ao teatro. Lugares Mouraria Paixões José Ruy Viagens Jordãnia Memória António Silva

Prova de Língua Portuguesa (Acesso aos mestrados profissionalizantes) 3ª Fase de Candidatura

Regulamento Interno do Departamento de Sistemas de Informação. Escola Superior de Ciências Empresariais Instituto Politécnico de Setúbal

REGULAMENTO Artigo 1.º Criação do curso Artigo 2.º Objectivos Artigo 3.º Condições de acesso Artigo 4.º Critérios de selecção

CURSO DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS NÚCLEO DOCENTE ESTRUTURANTE -NDE. Procedimentos para o Trabalho de Conclusão de Curso

SLOTS NA PORTELA Rui Rodrigues Site Público

CMY. Calçada de SantʼAna, Lisboa tel fax:

Magistério profético na construção da Igreja do Porto

Despacho n.º 18419/2010, de 2 de Dezembro (DR, 2.ª série, n.º 239, de 13 de Dezembro de 2011)

O Convite. Roteiro de Glausirée Dettman de Araujo e. Gisele Christine Cassini Silva

JOAO MELO CANTICO DA TERRA E DOS HOMENS. poesia. Posfácio de Inocencio Mata. outras margens

Manual de Utilização. Ao acessar o endereço chegaremos a seguinte página de entrada: Tela de Abertura do Sistema


RUBÉRI A. Uma Obra de Carlos José Soares. Uma mulher com a

PARECER Nº, DE RELATORA: Senadora ADA MELLO I RELATÓRIO

2 O primeiro ano de atribuição do PRÉMIO foi o ano de 2007 (dois mil e sete).

Plano de Ação Onde quero estar daqui a um ano?

Perguntas frequentes sobre o Acordo Ortográfico:

Jornal O País Concurso Repórter por 1 dia. Regulamento

Músicas Para Casamento

40 Anos da Independência de Cabo Verde- O Olhar da Diáspora

Arte dos poemas em Sol-te, seção de Caprichos e relaxos retamozo, mirandinha, solda, swain, bellenda, fui vai, tiko

Transcrição:

1 Dez poemas da obra Entre Ausência e Esquecimento de João de Mancelos Estante Editora Aveiro 1991

2 Ficha Técnica Título: Entre Ausência e Esquecimento Género: Poesia Autor: João de Mancelos Colecção: Autores Portugueses de Hoje Capa e fotografias: Carlos Duarte Data de Edição (em papel): Dezembro de 1991 Edição: Estante Editora Avenida 5 de Outubro, 47-49 3800 Aveiro, Portugal Telefone: 234.25794 Impressão (em papel): Artipol, Artes Gráficas Barrosinhas, Mourisca do Vouga Águeda, Portugal Telefone: 234.644435 Depósito Legal n.º 51857/91 Impressão Online: João de Mancelos mancelos@gmail.com http://mancelos.googlepages.com/home

3 Sobre o autor João de Mancelos, nome literário de Joaquim João Cunha Braamcamp de Mancelos, nasceu em Coimbra, Portugal, em 1968, mas divide o seu tempo entre as cidades de Aveiro e Viseu. Iniciou o seu percurso literário bastante cedo e obteve diversos prémios em concursos regionais e nacionais. É autor de várias obras em prosa e poesia, das quais se destacam: As Fadas Não Usam Batom (contos). 1ª ed. Coimbra: A Mar Arte Editora, 1998; 2ª edição, revista e com seis novos contos, Lisboa: Nova Vega, 2004; Foi Amanhã (contos). Lisboa: Nova Vega, 1999; Línguas de Fogo (poesia). Coimbra: Minerva-Coimbra, 2001; O Que Sentes Quando a Chuva Cai? (contos). Lisboa: Nova Vega, 2006. Estes livros podem ser adquiridos junto das respectivas editoras. Algum do trabalho literário de Mancelos surgiu em antologias bilingues e foi publicado no estrangeiro. O autor participa regularmente em encontros de escritores. Tem desenvolvido actividade como autor, crítico literário e declamador. Mancelos é licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Universidade de Aveiro), mestre em Estudos Anglo-Americanos (Universidade de Coimbra), doutorado em Literatura e Cultura Norte-Americanas (Universidade Católica Portuguesa). Tem duas especializações, em Escrita Criativa e em Cinema (Universidade de Luton, Inglaterra). Na actualidade (2006), é docente no pólo de Viseu da Universidade Católica Portuguesa, onde lecciona Literatura Norte-Americana e Escrita Criativa.

4 Op. III: No Céu do Mundo Todas as mãos São mais seguras pela noite: Ternas, posam para o silêncio. E amam-se, destroçadas, E fazem sonhos gigantes que são moinhos, E cedo riem, sem dar por nada. Só na madrugada exausta, adormecem. Colhida a chama nua, Celebrado o fruto acidulado, Todas as mãos são mais ternura, Pela noite.

5 É esta a Noite Esta noite há talvez luar, cometas e gafanhotos de asas de prata preenchendo todo o céu. Esta noite, provaremos desse fruto estranho às aves, apenas consentido à mordedura dos poetas, no ardor de um qualquer Maio. Esta noite, todos os relógios do mundo serão nossos: esta noite provaremos do amor.

6 Neblina de Londres Ela descia a vida Como quem dança pela chuva, À flor da pele. Ia, tão antiga como o vento, Por entre a folhagem do sol. Ia, tão breve e leve Como o fumo das chaminés Ou palavras enrodilhadas nos lábios. Era rente a Outubro, E a neblina descia a rua Pelas sete paredes do silêncio.

7 Cântico de Amargos Lábios Abençoado o maníaco esquecido Que colhe as aves despenhadas E te observa, noite após noite. Os seus amargos lábios Só buscam dois segundos Para poisar nos teus. E porém Deus Precisa de toda a eternidade Para ser Deus.

8 Venenos do Paraíso Sós, Condenadas entre as veias, Trocando asas Por um vento um fogo um esquecimento, As minhas adolescentes incuráveis Injectam venenos do paraíso. Anjos feridos, elas sabem: Ainda não é hoje Que o super-homem vai ser herói, E esta noite nenhum Deus Chegará a tempo de nos salvar.

9 Verão Descendo uma Laranja Os rostos dos frutos do Verão, A sua baba salivante e doce, Descendo como uma cadente lágrima, Rente à polpa: Tanto é o desejo que se vê, Quando assim o Estio acaricia O hemisfério De uma laranja.

10 Rendez-Vous Nunca acreditei no amor: O amor é um coração de dois gumes, Só mata quem lhe sobrevive. Não me gritem o amor. Só acredito e rezo Nesse homem que ontem saltou da ponte, Saiba ele agora voar ao paraíso. E acredito na dor branca das camas de hospital, Para anjos em queda livre, E em seringas que injectam Os mais doces venenos. E acredito e respiro em ti, Porque tu desenhaste um poema nos pulsos, Mas em toda a tua coragem de alumínio, Nunca acreditaste que se pudesse Morrer assim.

11 Mundo das Mãos Minhas mãos são sempre iguais: Não há esquerda nem direita. Mas sendo como as demais, Se uma recusa, outra aceita. E o que uma tem a mais, Torna a outra insatisfeita: Ninguém diria jamais Que uma esquerda; outra, direita. Mas o maior mistério, Deste caso tão profundo, É que cada é um hemisfério, E juntas fazem o mundo.

12 Glasgow by Noght: Onde a noite Se entrega pelos telhados, Há sempre ternura: Ou são os gatos enrodilhados Nas chaminés que os consentem, Ou é a maçã da lua Na garganta do rio, Chama amadurecida. Onde a noite se espreguiça à lua, Cada gomo é já um fruto, E o horizonte posa o corpo luminoso À madrugada.

13 13 Jamais morei tão perto da noite: Hoje, até uma ave gritante Me secou na voz. Lembro-me de seres O olhar mais magoado no dia de chuva. Quase sempre um ardor De esquecimento e lâminas sujas. Menina, Que terna ave de Maio Te pôde beber assim a água Mais pura Dos teus pulsos?

14