RUBÉRI A. Uma Obra de Carlos José Soares. Uma mulher com a

Transcrição

1 Uma mulher com a CADOC história trágica busca a felicidade no casamento ssociação de Cultura e Arte Dorival Caymmi e no amor... Mas, infelizmente só encontra o vazio, a traição e a mentira. Nas mãos do motorista pensa encontrar um sentido RUBÉRI A Uma Obra de Carlos José Soares Casé

2 RUBÉRIA Uma Obra de Carlos José Soares Revisão Literária Nonata Soares - Sim eu me recuso a obedecer. É apenas um capricho seu. E eu não estou aqui para ceder. Não me importo nem mesmo se não me quiser mais... Se isso acontecer, eu certamente vou sofrer. Mas, não vou ficar a mercê de suas loucuras. - Mas, não é uma questão de loucura, Rubéria. Eu estou apenas zelando pela sua vida... Pelo seu bem estar. - Minha vida? Como assim, Marcelo? O que está querendo dizer? Eu não sou nenhuma mulher indefesa... Eu vim... Você sabe! Eu vim da vida. Eu acho que até era mais feliz. Eu tinha o meu Cabaré. Eu me divertia. Eu tinha noites gloriosas. E eu não estou falando de homens não! Eu estou falando de liberdade. E alegria de viver! Desde que me juntei a você, eu não tenho outra vida senão obedecer... Obedecer! E ainda ter medo o tempo inteiro. Eu não quero mais isso para mim. Rubéria, de Carlos José Soares. Página 1

3 - Você agora é uma mulher de família. Não pode absolutamente ser livre... Não como era antes. Isso é um absurdo. - Você me jurou amor... Você prometeu que eu seria uma mulher feliz. E eu lamento... Mas, eu não me sinto feliz. - Que ar é esse, Rubéria? Está me afrontando? - Eu nunca pensei em ser tão feliz... Ter um marido, uma casa... Uma família! Francamente! O que quer que eu faça. Eu vivo agora entre festas sérias. Mas, eu não tenho amigos... Amigas! Nada! Eu me sinto uma selvagem... - Uma selvagem? Como assim? - Pensando bem, Marcelo... Eu queria respirar puro... Mas, eu sinto o ar poluído! - Eu não entendo. - Talvez seja esse o problema. Você não entender! Eu não sei mais o que é viver feliz. Antes eu me achava a mais infeliz das mulheres, por conta da falta de um verdadeiro Rubéria, de Carlos José Soares. Página 2

4 amor... Agora, eu me sinto a mais sufocada... A mais amarga das mulheres. - Você sempre sai. Você vai sempre fazer compras... Vai sempre à confeitaria. Ao Cinema também, eu sei que tem ido. E muitas vezes sozinha. O que é totalmente indevido. Principalmente para uma mulher Pode falar. Principalmente para uma mulher da vida! - Não foi isso que eu quis dizer. - Foi sim, querido! Foi sim! Bom, mas isso não importa. Vamos deixar tudo isso para lá. Eu vou sair. Eu vou pedir ao motorista para tirar o carro. Quero ver o mar. - Quer ver o mar? - Sim, claro! Eu quero ver o mar. Quero escrever algumas linhas... Que possam expressar a minha paixão pela natureza. E esquecer por algumas horas tudo isso que eu tenho vivido nos últimos anos. E também, a minha frustração por não poder ter um filho... Eu queria muito ter um filho! Mas, eu nunca poderei. Rubéria, de Carlos José Soares. Página 3

5 - Vamos adotar uma criança. Já que você tem algum problema e não pode engravidar... Vamos adotar uma criança! Assim, poderá realizar o seu sonho de ser mãe. - Não! Eu nunca poderei realizar esse sonho. Nunca! Eu lamento. Bom, eu sou sair. RUBÉRIA SE RETIRA. MARCELO FAZ O MONÓLOGO: - Eu vivo tão triste. Eu gostaria de vender a minha alma ao Diabo para ter todas as condições de fazer essa mulher feliz. Mas, o que fazer? Eu sou apenas um homem. Enfim, me é muito confortável imaginar que o problema de não podermos ter um filho seja dela... Mas, quem sabe? Serei eu o culpado? Serei eu o culpado por não poder realizar a minha mulher completamente? Ah, eu nem quero pensar nisso... De qualquer forma, os anos estão se passando. E eu que a tirei de um Cabaré, não posso sequer realiza-la. Vivo acuado pelos meus pensamentos. E vago entre opções, que só fazem me agoniar ainda mais! Contudo, eu vou esperar. Eu ainda vou aguardar alguma coisa que me surja e eu possa fazer. Antes, claro, de me entregar à morte! RUBÉRIA CHEGA AO MAR, JUNTAMENTE COM O MOTORISTA (Pedro): Rubéria, de Carlos José Soares. Página 4

6 - Eu preciso mesmo respirar... Pode parar o carro. Eu vou até àquelas pedras. Vou escrever um pouco. - Fique à vontade senhora. Eu ficarei à sua espera. - Eu vou demorar um pouco. Portanto, se quiser passear... Dar uma volta. Fique à vontade. - Não! Eu fico mesmo por aqui. Talvez eu caminhe um pouco. Eu gosto de caminhar. E sou fanático pelo mar. RUBÉRIA SIMPLESMENTE SE AFASTA. VAI ATÉ AS PEDRAS. SENTA-SE. E COMEÇA A ESCREVER COM TRANQUILIDADE E UM AR DE POESIA. O BARULHO DO MAR... AS AVES... TUDO FAZ COM QUE RUBÉRIA SE SINTA CADA VEZ MAIS SOLITÁRIA, TENDO VONTADE DE SE TORNAR UMA AVE E VOAR SEM DIREÇÃO... RUMO AO INFINITO DE SI MESMA. O VENTO FICA MAIS FORTE... E AS ONDAS TORNAM-SE EXPLOSIVAS. HÁ CERTO AR DE PÂNICO E SOLIDÃO... A MESMA NATUREZA QUE FASCINA RUBÉRIA CHEGA A ASSUSTÁ-LA. ELA DIANTE DAQUELE MAR BRAVIO E ENTRE OS VENTOS PASSA A RECORDAR DA SUA AMARGA INFÂNCIA... MAIS PRECISAMENTE DO DIA EM QUE SUA MÃE FALOU QUE ERA IRIA PARA OUTRA FAMÍLIA, QUE PASSARIA A CUIDAR DELA... E QUE ELA FOSSE BASTANTE OBEDIENTE. ATÉ PARA QUE PUDESSE SOBREVIVER... ELA SE RECORDA DA MÃE (EUFRÁSIA), QUE DISSE: Rubéria, de Carlos José Soares. Página 5

7 - Minha filha! A partir de hoje não haverá mais tempo para choros... Levante a sua cabeça. Eu sei que você tem apenas dez anos. Mas, eu também era muito nova quando os meus pais me venderam para sobreviverem. Eu não a vendi... Não! Eu não seria capaz... Mas, eu quero que vá com aquela senhora que veio aqui ontem à tarde. Portanto, fique calada. Comportada. Não fale nada. Não chore... Se precisar chorar, chore na cama... À noite... E não faça barulho. Não permita que ouçam o seu choro. Caso contrário, poderão se irritar. Para tudo peça, por favor... E com licença. Não abuse. E nunca espere que seja tratada da mesma forma que os filhos dela. Saiba que lá será apenas uma empregada. Nada além, disso! E depois, quando estiver um pouco maior... Certamente o marido dela vai leva-la para cama. Se isso acontecer... Nem pense em reclamar. Não se atreva. O importante é sobreviver. Eu não quero que fique mais comigo, porque não terei como sustenta-la. E depois, eu estou muito doente. Estou com caroços pelo corpo... Todo o meu corpo parece contaminado. É como se minha alma estivesse deixando o meu corpo. É como se o silêncio da morte estivesse calando o meu grito de dor. Mas, que seja tudo pela graça de Deus! Que você minha filha... Não sofra! Mas, se for da vontade de Deus, que pague por todos os nossos pecados, suporte com resignação. Eu tenho fé que um dia todas as lágrimas irão secar... E que você, minha filha será... Feliz! Eu não sei como isso vai acontecer. Mas, que creio que vá conseguir. EUFRÁSIA FAZ O SINAL DA CRUZ NA TESTA DE RUBÉRIA. UMA FORTE TEMPESTADE SE ANUNCIA... RAIOS, Rubéria, de Carlos José Soares. Página 6

8 TROVÕES. VENTOS DE TODAS AS PARTES... ATÉ QUE A VOZ DA SENHORA (AURORA), QUE LEVARÁ RUBÉRIA PARA A SUA NOVA VIDA... SURGE COMO UM ANJO DEMONÍACO, DIZENDO: - Vamos. Nós não temos tempo a perder. A menina já está pronta, senhora? Eufrásia: - Sim senhora. Ela está. Por favor, cuide bem dela! Aurora: - Nós cuidaremos bem dela. Aqui está uma boa quantia em dinheiro. Sabemos que está doente. E que precisará de remédios e boa comida. Não se preocupe. Não encare isso como uma espécie de pagamento. Estamos dando porque estamos querendo dar... Não se trata de pagamento. Mas, talvez de uma compensação... Ou melhor, um presente. Isso! Encare como um presente. Eufrásia: - Obrigada Senhora! É muito generosa! Aurora: - Vamos, menina! Seu nome é Rubéria, não é? Vamos! AURORA PEGA RUBÉRIA PELA MÃO. RUBÉRIA COMEÇA A CHORAR E A GRITAR QUE NÃO QUER IR... Rubéria (Criança): Rubéria, de Carlos José Soares. Página 7

9 - Não! Não! Eu não quero ir... Eu não quero ir! Mamãe! Mamãe! Pelo amor de Deus mamãe... Não! Não! EUDRÁSIA CHORA DESESPERADAMENTE, DIZENDO: - Vai minha filha! Vai! Vai com tranquilidade... AURORA LEVA A MENINA A FORÇA, SEM QUALQUER PIEDADE: - Vamos! Vamos! Pare de chorar menina mimada! Pare de chorar! A TEMPESTADE E OS VENTOS CONTINUAM. RUBÉRIA DESPERTA DE SEUS PENSAMENTOS. PERCEBE REPENTINAMENTE QUE PEDRO ESTÁ AO SEU LADO: - A senhora está bem? - Nossa! Eu estava distraída! Sim, eu estou bem. Acho que viajei muito ao passado. - Quer alguma coisa. Eu posso ir com o carro buscar o que precisar no comércio mais próximo! - Sabe? Há cem anos, eu era outra pessoa! Passou-se tanto tempo! Eu não sei quem eu sou... Eu não sei para onde vou. Talvez eu tenha que falar outra língua... Renascer. Brotar de outro ventre. Fazer soar algum grito Rubéria, de Carlos José Soares. Página 8

10 que se cala em mim. Eu gostaria de saber onde foi que eu me perdi. - A senhora precisa de algo? - Desculpa! Eu acho que estou falando demais... E tudo isso para você, certamente tem som de outra língua. Mas, de fato é... De uma terra bem distante. Eu queria voar. Eu queria me transformar em uma ave... Ou talvez ainda, em algo inanimado. Eu tenho todo o direito de saber de Deus, porque eu vim. Porque eu estou aqui. Porque eu tive que passar por tudo o que passei. Caminhar tanto, para não chegar a lugar algum. Eu queria saber mais de mim... Dos meus versos e das minhas agonias. Dos meus encantos e desencantos. - Eu sou um homem simples, senhora! Talvez eu não tenha mesmo como lhe compreender. Mas, de qualquer forma, eu quero dizer que muitas vezes nos perdemos. Mas, Deus pode nos ajudar... Sempre ajuda! - Você acredita em Deus? - Sim, eu acredito! Rubéria, de Carlos José Soares. Página 9

11 - Eu tenho medo de Deus! Rubéria - Medo? Por quê? A senhora é uma alma generosa. Tem piedade das pessoas. Eu mesmo já levei tantos alimentos e roupas para pessoas pobres... A senhora sempre fez questão... E faz! De ajudar as pessoas! - Não sei se for boa é o bastante para que Deus me perdoe! Eu tenho tantas agonias, Pedro, Que nunca poderei me bastar. Eu espero mesmo que esse Deus que você acredita seja bastante misericordioso. Quem sabe assim, eu tenha uma oportunidade de reconstruir a minha alma. - Procure orar! Eu tenho certeza... Que a senhora vai vencer essa agonia. Mas, eu tenho apenas que cumprir com o meu trabalho. Eu não posso me intrometer. Peço que me perdoe. - Não seja precipitado, Pedro! Você é um homem gentil. Na verdade, você teve bastante sensibilidade. Apenas isso! Eu gostei de ter conversado com você. Vamos para casa. Vamos embora! Eu preciso voltar para a minha casa... Para a minha vida! Rubéria, de Carlos José Soares. Página 10

12 - Não deve ficar assim. A nossa casa é sempre o melhor lugar. - O meu lugar é o mar. - O mar? - Eu confesso que o mar me fascina! Ao mesmo tempo em que me atormenta. Eu temo o mar. Eu temo as águas que me embriagam de prazer. Aqui eu me encontro. Eu converso com a minha alma. Eu repouso o meu espírito. - É uma controvérsia no que diz. - Eu sem qualquer sombra de dúvida sou uma controvérsia. - Eu não entendo muito. Afinal, a senhora é uma mulher rica. Feliz! Tem um marido bom. Um homem que arca com as suas responsabilidades. E também... Zela pela sua paz... A senhora o ama? - Como ousa me perguntar isso? Rubéria, de Carlos José Soares. Página 11

13 - Perdoe senhora... Eu não tive a intenção Não se preocupe. Desculpa o mau jeito. Eu apenas me assustei. A sua pergunta me assustou. Eu acho que eu não estava preparada. Eu não sei se o amo ou me deixei vender... - Como assim, senhora? - Eu não sei... - Eu estou lhe vendo tão tensa! - A minha vida, possui uma história muito triste... Profunda... Intensa. Eu nem sei... Eu não posso lhe contar. Eu não devo entrar em detalhes. Mas, saiba que a sua pergunta tem um sentido muito especial para mim. Eu acho que sou muito grata ao meu marido. Eu tenho medo de apenas ser grata. - Eu entendo. Embora, eu não conheça essa história tão séria... Eu sei que a gratidão, é uma arma muito Rubéria, de Carlos José Soares. Página 12

14 poderosa... Hora se vira contra a quem somos gratos... Ora se vira contra nós. E nos tornamos seus escravos, à medida que não conseguimos nos libertar das corrente que ela nos oferta, justamente com a sua bênção! - Nossa! Pedro! Como você é inteligente! - Eu também tenho as minhas vírgulas, senhora! Ao seu marido mesmo, eu sou muito grato. Eu devo a ele a minha própria vida! E se estou trabalhando... - Eu sei que Marcelo é um homem carinhoso. Intenso. Profundo... Mas, eu não sei se é amor. Eu devo muito a ele. Principalmente a minha dignidade! - Senhora, por favor, me perdoe por me intrometer... Aliás, perguntar tanto. Mas, as suas vindas aqui são constantes. Fica claro que parece estar buscando uma resposta entre esses ventos... Entre essas ondas, que desvirtuam a serenidade das águas. Eu não sei a razão... Mas, eu tenho observado há muito tempo o seu comportamento. E o quanto tudo parece lhe atingir... Intensamente! Rubéria, de Carlos José Soares. Página 13

15 - É verdade. Você é muito observador. Eu passo muitos dias... Literalmente enterrada em mim... Eu às vezes fico imaginando se eu fosse casada com um simples operário como seria a minha vida. Com quais olhos eu iria ver ou sentir o amor. Mas, diante de tanta riqueza, eu me perco de forma ampla... Eu não tenho como voltar atrás... Eu queria deixar o meu marido em paz e ir embora. - Não é uma questão de dinheiro. Eu creio que seja uma questão bem mais complexa. Eu sei que a sua sensação pode ser como a de alguém que precisa correr para o hospital. É preciso acordar. Lembre-se que não está em estado de coma. Deponha a si mesma... Dê o seu próprio laudo. Olhe-se no espelho. E considere a sua beleza... A beleza da alma. - Vamos embora para casa, por favor! - Vamos! PEDRO E RUBÉRIA CAMINHAM ATÉ O CARRO. O VENTO CONTINUA, PORÉM MAIS LEVE... A TARDE COMEÇA A CAIR. HÁ UM AMBIENTE POÉTICO E TRISTE. PEDRO ABRE A PORTA TRASEIRA DO CARRO PARA QUE RUBÉRIA ENTRE. ELES SEGUEM VIAGEM EM TOTAL SILÊNCIO. TROCAM OLHARES PELO RETROVISOR. MAS, O SILÊNCIO PERMANECE. CHEGAM A CASA... RUBÉRIA ENTRA NA Rubéria, de Carlos José Soares. Página 14