A PREVENÇÃO DO BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS E DO FINANCIAMENTO DO TERRORISMO

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Transcrição:

VI ENCONTRO UIF-BANCA A PREVENÇÃO DO BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS E DO FINANCIAMENTO DO TERRORISMO Lisboa 12 de Março de 2007 INTERVENÇÃO DO GOVERNADOR DO BANCO DE PORTUGAL Começo por felicitar os organizadores deste VI Encontro entre a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária e o Sector Bancário e por agradecer o honroso convite para o Banco de Portugal se associar ao acontecimento. Os temas a tratar reportam-se a ameaças graves à sociedade civilizada que devem por isso ser combatidas com determinação. A circunstância deste Encontro reunir entidades judiciais, policiais, supervisores e instituições financeiras é reveladora do duplo objectivo que preside à actividade contra os crimes de branqueamento de capitais. Por um lado, combater os delitos em que se origina o dinheiro ilícito que procura entrar no circuito legal e, por outro lado, defender a integridade do sistema financeiro. Essa integridade está associada à noção de confiança que é fundamental ao exercício da actividade financeira. Sem confiança não é possível imaginar o desenvolvimento de intermediários financeiros que recolham poupanças e as distribuam para as melhores utilizações económicas. A segurança nas transacções que é essencial ao bom funcionamento dos mercados financeiros implica mais do que a segurança jurídica. Como nos lembrava Durkheim «o essencial de um contrato não se encontra no contrato», ou seja, reside na confiança mútua que podem fundadamente presumir as partes que o celebram quanto ao seu cumprimento. É por isso que a criminalidade financeira mina os fundamentos da actividade dos mercados e é combatida por todos os responsáveis do sistema financeiro. Não esqueço, naturalmente, que um dos interesses específicos em impedir o branqueamento de capitais assenta na necessidade de combater os crimes que lhe estão associados. Inicialmente, a motivação partiu do combate ao tráfico de drogas,

mas o leque de crimes subjacentes foi-se progressivamente alargando até à inclusão do financiamento do terrorismo. É enorme o grau de sofisticação que a actividade criminosa atingiu na utilização dos modernos meios dos sistemas financeiros. A total liberdade de movimento de capitais que actualmente prevalece no mundo torna o sistema mais vulnerável ao seu uso ilícito. Apesar dos esforços das autoridades os montantes de capitais duvidosos que conseguem entrar no sistema legal são muito vultuosos e estima-se que possam chegar actualmente a valores anuais de quase mil milhões de euros. A melhor forma de evitar a indevida utilização do sistema financeiro consiste, assim, em impedir que o dinheiro criminoso entre no circuito legal. Daí que o maior desenvolvimento da actividade legislativa desde a criação do Grupo de Acção Financeira (GAFI) em 1989, no âmbito da OCDE, esteja relacionado com o pilar preventivo da actividade contra o branqueamento de capitais. A criminalização plena de todas as formas de branqueamento, as exigências de identificação de clientes, o desenvolvimento de sistemas de controle interno e a comunicação obrigatória de transacção potencialmente suspeitas, constituem aspectos fundamentais desse pilar preventivo. Portugal foi um país fundador do GAFI e desde 1993 que possuímos um sistema de prevenção do branqueamento de capitais que envolve todas as entidades do sector financeiro, que é monitorizado e acompanhado pelas entidades de supervisão das instituições de crédito e das sociedades financeiras, do sector segurador e do mercado de capitais e, finalmente, que concretiza a indispensável ligação das entidades financeiras às autoridades competentes para receber e analisar as comunicações suspeitas de branqueamento de capitais. Desde 2004 que uma nova lei veio unificar o regime jurídico de prevenção do branqueamento de capitais aplicável a todos os sectores da economia. No âmbito das nossas responsabilidades, diversas Instruções do Banco de Portugal regulamentam em maior detalhe os procedimentos que as Instituições de Crédito têm que cumprir, 2

incluindo a elaboração de um relatório anual sobre os sistemas internos destinados a prevenir o branqueamento de capitais. Estamos, assim, perante um enquadramento legal que se considera adaptado às exigências nacionais e às normas e padrões internacionais, quer do GAFI, do Banco de Pagamentos Internacionais ou da União Europeia. A legislação tem sido objecto de medidas de aperfeiçoamento constante encontra-se preparada para acompanhar os desafios impostos pelas novas tipologias e tendências do branqueamento de capitais e, actualmente, também do financiamento do terrorismo. Como referi anteriormente, o sistema alia a uma vertente repressiva clássica de perseguição e punição da grave criminalidade em geral, uma vertente de natureza preventiva que desemboca na actividade das autoridades competentes para receber as comunicações de operações suspeitas que, no caso Português, são a Procuradoria-Geral da República e a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária. Daqui decorre, desde logo, que a avaliação dos resultados da aplicação do sistema deverá ser feita considerando em separado os resultados da vertente preventiva e da vertente repressiva, só assim se podendo fazer uma apreciação completa da efectividade do sistema. Tal significa, por exemplo, que essa efectividade não se poderá medir apenas pelo número de condenações pela prática do crime de branqueamento e de financiamento do terrorismo, que é na realidade bastante baixo, mas deve ser apreciado pelos resultados que na vertente preventiva a regulamentação existente determina como meio de aprofundamento da integridade das instituições e do sistema financeiro. Nomeadamente as medidas destinadas a aprofundar o conhecimento dos clientes e a manter o registo das operações executadas e a comunicar as potencialmente suspeitas, tende a afastar a mais grave criminalidade das instituições, para além de facilitar qualquer investigação posterior de actividades criminosas. 3

Esta acção preventiva requer a plena colaboração das instituições financeiras que compreendem, naturalmente, que isso é também do seu próprio interesse. Esse facto é reconhecido nos normativos anti-branqueamento, como se confirma, por exemplo, na 3ª Directiva Comunitária sobre prevenção do branqueamento de capitais, de 26 de Outubro de 2005, que no seu 2º considerando refere o seguinte: A solidez, a integridade e a estabilidade das instituições de crédito e das instituições financeiras, bem como a confiança no sistema financeiro no seu conjunto, podem ser comprometidas pelos esforços dos criminosos e dos seus associados para dissimular a origem do produto das suas actividades. Creio que nunca se deverá perder de vista que o supremo propósito de um regime de prevenção do branqueamento de capitais consiste em evitar que os criminosos e os seus associados, muitas vezes de modo organizado, utilizem as entidades financeiras como instrumentos de dissimulação, transformação e conversão de fundos de origem criminosa de uma forma que pode contribuir para contaminar as instituições e os seus empregados, a clientela e a actividade económica em geral. Entendido deste modo, compreende-se que o regime preventivo do branqueamento tenha também como finalidade evitar riscos de natureza operacional, de reputação e de imagem das instituições e dos clientes, que possam, por exemplo, advir da utilização fraudulenta das suas identidades. Procuram-se também prevenir os perigos para a sociedade e para a economia em geral, uma vez que ambas dependem do bom funcionamento de um sistema financeiro que tenha a máxima integridade, seja gerido profissionalmente e de acordo com rigorosos padrões éticos. Deve ainda considerar-se que o reconhecimento da integridade de um sistema financeiro se apresenta como um activo estratégico, quer a nível interno, quer internacional, nomeadamente se considerarmos o panorama altamente competitivo das economias no sistema global em que nos inserimos. Esse reconhecimento dos benefícios dos sistemas de prevenção do branqueamento conduz as instituições a considerar os sistemas de prevenção do branqueamento, apesar dos custos financeiros que implicam, como instrumentos de 4

que podem resultar benefícios tangíveis ao protegê-las contra graves actuações criminosas. Na verdade, sistemas preventivos adequadamente desenhados, impulsionados pela intervenção normativa das entidades de supervisão em colaboração com as entidades supervisionadas, para além de constituírem uma protecção das instituições contra a criminalidade de natureza financeira associada ao branqueamento de capitais, também as defendem de um criminalidade financeira mais corrente, como a falsificação ou o roubo da identidade dos clientes, ou o uso de identidade falsa nas transacções à distância ou ainda a actuação de empregados desonestos em conluio com criminosos que procurem abusar das instituições. Uma outra característica fundamental de um sistema de prevenção do branqueamento consiste na confiança e no entendimento que se deve estabelecer e manter entre todas as autoridades que nele colaboram, as quais devem conhecer perfeitamente as atribuições e os propósitos de cada uma e ter presente que só actuando conjugadamente podem construir e fazer funcionar um sistema preventivo capaz de produzir resultados efectivos. Deve reconhecer-se que as instituições financeiras têm uma função importante no sistema uma vez que são os pontos de entrada no circuito financeiro e que lhes compete também o esforço de conhecer bem os seus clientes e, em consequência, são os primeiros agentes a poder aperceber-se de quem pretende abusar do sistema. Deste modo, para que o sistema possa funcionar com eficácia, torna-se necessário que as instituições financeiras confiem na actividade das autoridades competentes e compreendam o encaminhamento e a sequência que têm as suas comunicações. Para manter a confiança entre todos os intervenientes do sistema é relevante que todos actuem com discrição e profissionalismo e que se atinjam os resultados para que, em última análise, o sistema repressivo foi instituído. Nesta perspectiva, pode considerar-se que para reforçar as possibilidades de adequados resultados finais o 5

sistema ainda necessita de alguns aperfeiçoamentos para se tornar mais robusto e eficaz. Por outro lado, há que ter sempre presente que sendo o branqueamento de capitais um fenómeno de natureza claramente internacional, dada a total liberdade de circulação de capitais e a generalização das novas tecnologias de informação, a continuada internacionalização do nosso sector financeiro faz surgir novos desafios que requerem a actuação permanente de todos os envolvidos e a atenção vigilante das entidades financeiras. Convirá a este propósito salientar que as normas internacionais, designadamente as do GAFI, determinam que as instituições devam aplicar as normas preventivas mais exigentes também às suas filiais e sucursais no estrangeiro, nomeadamente situadas fora das Comunidades Europeias e em caso de não o conseguirem concretizar têm a obrigação de informar disso as autoridades de supervisão do País da respectiva sede. Para além de ser um sistema maduro, o sistema Português foi já testado por três rondas de avaliações internacionais, a última das quais realizada no ano de 2006, por uma equipa de avaliação constituída por peritos do GAFI que avaliaram não apenas o enquadramento legal e regulamentar que constitui o sistema, mas também o modo de funcionamento de todas as suas componentes. Nessa última avaliação internacional foram visitadas, só no sector financeiro, 33 autoridades, instituições e empresas privadas, tendo sido analisado, com rigor e detalhe, o nível de aplicação das normas e regulamentos em vigor, bem como os procedimentos utilizados na prática para os divulgar e fazer observar e ainda apreciadas as relações entre as instituições e as autoridades de supervisão do sector financeiro. O exame incluiu também, naturalmente, o cumprimento do dever de comunicação de operações suspeitas pelas entidades supervisionadas. Para além do Banco de Portugal, que coordenou os trabalhos, participaram desde o primeiro momento na preparação da posição portuguesa, a Procuradoria Geral da República, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, o Instituto de 6

Seguros de Portugal, a Direcção-Geral das Alfândegas e Impostos Especiais sobre o Consumo e a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária. Foram ainda chamados a colaborar activamente na preparação da avaliação, o Supremo Tribunal de Justiça, a Agencia Superior das Actividades Económicas, a Direcção Geral dos Registos e Notariado, o Gabinete de Política Legislativa do Ministério da Justiça, a Inspecção Geral de Jogos e as seguintes entidades privadas, Ordem dos Advogadas, Câmara dos Solicitadores, Câmara dos Revisores Oficiais de Contas e Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas. Como conclusão da avaliação, o Plenário do GAFI considerou no seu Relatório, aprovado em Outubro de 2006 e que se encontra publicado, que o sistema Português de prevenção do branqueamento de capitais é, em geral, completo e sólido em todos os sectores. No que respeita em particular ao sector financeiro, conclui que a estrutura da supervisão existente, que integra as três autoridades de supervisão e ainda o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, é sólida e possui a independência necessária bem como os recursos indispensáveis à prossecução das suas missões nesta área. Nenhuma crítica de fundo é formulada no Relatório do GAFI quanto à qualidade e ao nível da supervisão a que estão sujeitas as entidades integradas nos sectores bancário, segurador e do mercado de capitais, relativamente à prevenção do branqueamento de capitais. Considera igualmente o Relatório do GAFI que as medidas preventivas a que obedecem as entidades financeiras no que respeita à prevenção do branqueamento de capitais constituem um conjunto amplo e consistente de medidas de identificação dos clientes e de diligência devida, designadamente em relação às operações que podem apresentar maior risco, como acontece, por exemplo, com as operações à distância, e com as relações com correspondentes bancários. Concluiu ainda que as entidades financeiras aplicam, em geral, regimes de controlo interno sem deficiências significativas e que aos empregados é fornecida formação 7

regular e actualizada nesta área, sendo igualmente difundida informação sobre as novas tipologias e tendências das práticas de branqueamento mais comuns. Por outro lado, considerou ainda que o sistema português possui um enquadramento legal completo e claro que permite fornecer a indispensável cooperação internacional, fundamental nesta área. No entanto, são apresentadas algumas críticas relacionadas com a efectividade do sistema, na medida em que se considera ainda baixo o número de operações suspeitas de branqueamento comunicadas pela generalidade das entidades financeiras às autoridades competentes, embora se verifique um aumento gradual desses números nos últimos anos. Os resultados globais da avaliação internacional, que vieram a ser incluídos no Financial Sector Assessment Program do Fundo Monetário Internacional, também divulgado em finais do ano passado, podem assim ser considerados como altamente positivos para Portugal, na medida em que dos 12 Sistemas avaliados pelo GAFI e relativos a países desenvolvidos da OCDE, o sistema português foi, a seguir ao sistema Belga, aquele que na Europa apresentou um maior grau de conformidade com os padrões internacionais, apresentando um maior grau de conformidade do que sistemas como o Espanhol, o Suíço, o Italiano, o Irlandês, o Norueguês, o Dinamarquês ou o Sueco. Em consequência dessa apreciação, dos 13 Países da OCDE já avaliados só a Bélgica e Portugal não ficaram sujeitos pelo GAFI, a um processo de followup, tendente a monitorizar o aperfeiçoamento da aplicação de certas Recomendações do GAFI, como as nºs 1, 5, 10, 13, e Especiais II e IV. Recomendações que no conjunto das 49 Recomendações Gerais e Especiais, são consideradas traves mestras na construção de um sistema efectivo de prevenção do branqueamento e de financiamento do terrorismo. Especialmente deverá salientar-se que só a Bélgica e Portugal foram considerados em largo cumprimento da Recomendação Geral nº 5, essencial à prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo no sector financeiro 8

e relativa ao regime de identificação, de verificação da identidade e de diligência devida a aplicar à clientela. Convém frisar assim que, após a análise exaustiva e extremamente rigorosa, a que o sistema esteve submetido, quer a nível interno quer externo, nos anos de 2005 e 2006, se deve considerar que embora necessite de aperfeiçoamentos destinados a contribuir para o aumento da sua efectividade não apresenta, nomeadamente na área financeira, deficiências de natureza estrutural ou funcional que imponham a alteração dos seus componentes fundamentais e do modo como se relacionam entre si. Certas lacunas ainda existentes irão ser colmatadas com a aprovação de legislação de natureza comunitária, ainda em discussão, nos casos em que se considera apropriado dever existir um level playing field, a nível Comunitário, como acontece, por exemplo, com a regulamentação da identidade do ordenante nas transacções à distância. Quanto a outras lacunas existentes, nomeadamente no que respeita à prevenção do financiamento do terrorismo, à noção e regime das pessoas politicamente expostas, bem como à consideração mais detalhada da noção de risco derivado das operações e do perfil dos clientes, para modular as medidas a instituir para prevenir o branqueamento e o financiamento do terrorismo, serão matérias a considerar no diploma de transposição da 3ª Directiva de prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo no sector financeiro, que está em curso de preparação e deverá estar publicado até ao final deste ano. Nesse diploma deverão ser ainda consagrados outros aperfeiçoamentos e soluções, de molde a actualizar o regime jurídico da prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo, colocando-o em plena consonância com as Directivas Comunitárias nesta matéria e com as Recomendações Gerais e Especiais do GAFI, que como é sabido têm influenciado de modo determinante a legislação comunitária e vêm consagrando as soluções tecnicamente mais exigentes nesta matéria. 9

O diploma de transposição da 3ª Directiva, que se encontra em preparação e as soluções que nele se consagrarem serão posteriormente complementadas nos regulamentos das autoridades de supervisão, não se prevendo, todavia, mudanças radicais de que, aliás, o sistema não parece necessitar, como referi. No sector financeiro serão realizados aperfeiçoamentos, com o propósito de aumentar a eficácia do sistema, de o orientar ainda mais claramente para a modulação de soluções consoante o risco oferecido pelos clientes e operações, de acordo com os novos preceitos da 3ª Directiva e de modo adaptado ao nosso sistema financeiro, que se apresenta como um sistema aberto, competitivo, dotado de soluções flexíveis mas que tem de continuar a proteger a sua integridade e a aplicação de elevados padrões de natureza ética. Lisboa, 12 de Março de 2007 Vítor Constâncio 10