OS ZOOTOPÔNIMOS DE ORIGEM INDÍGENA DA MICRORREGIÃO DE DOURADOS-MS

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Transcrição:

OS ZOOTOPÔNIMOS DE ORIGEM INDÍGENA DA MICRORREGIÃO DE DOURADOS-MS 1 Letícia Moraes Lima¹; Carla Regina de Souza Figueiredo² ¹Estudante do Curso de Letras Português/Inglês da UEMS, Unidade Universitária de Cassilândia; E-mail: leticiaiurd@hotmail.com. Bolsista PIBIC/UEMS. ²Professora do Curso de Letras Português/Inglês da UEMS, Unidade Universitária de Cassilândia; E-mail: carladirlet@hotmail.com. Linguística (8.01.00.00-7) RESUMO Tendo em vista o desenvolvimento do Projeto ATEMS - Atlas Toponímico do Estado de Mato Grosso do Sul - buscou-se intensificar as pesquisas toponímicas em Mato Grosso do Sul por meio da análise dos zootopônimos de base indígena da microrregião de Dourados, catalogados no banco de dados informatizado do referido Projeto. Tal taxeonomia tem sido investigada por outros pesquisadores, no entanto, um estudo pormenorizado na microrregião selecionada ainda não havia sido executado. Os zootopônimos foram abordados sob o ponto de vista da estrutura morfológica, da etimologia, da língua de origem e da motivação. Assim, além de contribuir com alguns dos objetivos do ATEMS, que são o de divulgar a toponímia regional, favorecendo estudos contrastivos, objetivou-se ainda resgatar expectativas de vida e a realidade histórica e cultural dos grupos étnicos que por aqui passaram e/ou permaneceram, deixando seus rastros na toponímia local. Enfim, estudamos os zootopônimos de base indígena a partir da formação linguística e dos condicionantes ambientais que exerceram influência no ato de batismo dos nomes próprios. Palavras-chave: Toponímia. Projeto ATEMS. Zootopônimo. Micorregião de Dourados. INTRODUÇÃO A Onomástica é o ramo da ciência que estuda os nomes e seu processo de nomeação, dividese em: antroponímia e toponímia. A primeira se dedica ao estudo dos nomes próprios de pessoas, enquanto a segunda, aos nomes próprios de lugares. Neste trabalho, as circunstâncias de natureza histórica, social, físico-ambiental e cultural que possam ter influenciado a nomeação de acidentes físicos e humanos, serão o foco de investigação. Segundo Dick (199, p.119), a Toponímia trabalha simultaneamente com a História, a Geografia, a Linguística, a Antropologia, a Psicologia Social, a Zoologia, a Botânica e a Arqueologia. Depende de fatores linguísticos e extralinguísticos para sua compreensão e estudo, voltando-se não apenas para análises etimológicas, mas léxico-semânticas de seu objeto de estudo: o topônimo, revelando assim a história de um lugar, as influências linguísticas exercidas pelo contato com outros povos e pelas delimitações geográficas, as marcas que guardam aspectos de um evento (como a Guerra do Paraguai e o processo de colonização, por exemplo), as perspectivas eufóricas e disfóricas do nomeador diante do acidente nomeado, entre outros aspectos, resgatando assim um passado que dialoga com o presente (DICK, 007, p.463). Nesta perspectiva, o léxico da língua é o instrumento que mais nitidamente reflete o ambiente físico e social dos falantes, uma vez que a escolha, a criação e a utilização de determinadas unidades lexicais estão ligadas diretamente aos interesses de uma comunidade linguística. Assim, o estudo dos nomes de lugares, objeto de investigação da Toponímia, é capaz de identificar as possíveis incidências sociais sobre a estruturação do léxico, ou seja, os topônimos,

signos dotados de motivação semântica que justificam sua própria existência, refletem circunstâncias de natureza histórica, social, físico-ambiental e cultural que possam ter influenciado o (s) enunciador (es) no ato do batismo dos acidentes físicos e humanos de uma determinada localidade, região. Portanto, ao se investigar os topônimos de uma determinada região, as expectativas dos grupos sócio-linguístico-culturais pesquisados, sedimentadas nos nomes de lugares, foram resgatadas. MATERIAL E MÉTODOS Primeiro levantou-se os topônimos de origem indígena da microrregião de Dourados, mesorregião de Mato Grosso do Sul, cadastrados no banco de dados do Projeto ATEMS. Em seguida, utilizou-se de quatro dicionários de línguas indígenas para a revisão e confirmação dos dados morfo-semânticos dos topônimos selecionados: O Tupi na Geografia Nacional (SAMPAIO, 010), o Dicionário Histórico das Palavras Portuguesas de Origem Tupi (CUNHA, 194), o Dicionário de Topônimos Brasileiros de Origem Tupi (TIBIRIÇÁ, 1985) e o Vocabulário Guarani-Português (SAMPAIO, 1986). Por ultimo, foi feita uma análise mofosemântica, etimológica, da língua de origem e da motivação dos topônimos, a partir das contribuições fornecidas por DICK (1990 e 199). RESULTADOS E DISCUSSÕES O léxico representa todas as palavras de uma língua natural e é o nosso patrimônio vocabular sendo, desta forma, a somatória de experiências vividas por um grupo sócio-linguísticocultural ( DARGEL, 003, p.77). As unidades lexicais revelam muito da nossa experiência de vida, da nossa cultura e da nossa história. O léxico reflete de muito perto o nosso ambiente, sendo por isso seu estudo primordial para as pesquisas toponímicas, porque é a partir da palavra que as entidades da realidade podem ser nomeadas e identificadas (BIDERMAN, 1998, p.88). Para nomear algo, a categorização que se faz previamente é imprescindível. Isto acontece através da distinção, da oposição e da semelhança dos traços de um referente. Os critérios para categorizar a realidade são os mais variáveis possíveis. O ato de nomear é fundamental, porque quando se atribuí um nome a uma realidade está-se criando um universo significativo e quando surge uma nova realidade, adequamos os critérios de classificação diante desse novo referente garantindo a renovação lexical (BIDERMAN, 1998, p.88-90). Os topônimos refletem circunstâncias de natureza histórica, social, físico-ambiental e cultural que possam ter influenciado o (s) enunciador (es) no ato do batismo dos acidentes físicos e humanos de uma determinada localidade, região. Segundo Dick (1990,p.), a maior pesquisadora da área, os topônimos são verdadeiros testemunhos históricos de fatos e ocorrências registrados nos mais diversos momentos da vida de uma população encerram em si, um valor que transcende ao próprio ato de nomeação: se a Toponímia situa-se como a crônica de um povo, gravando o presente para o conhecimento das gerações futuras, o topônimo é o instrumento dessa projeção temporal. Em Mato Grosso do Sul, um grupo de pesquisadores vinculados às Instituições de nível superior Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Universidade Federal de Mato Grosso do

Sul (UFMS), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e Universidade de São Paulo (USP), têm desenvolvido o projeto Atlas Toponímico do Estado de Mato Grosso do Sul (ATEMS), financiado pela FUNDECT. Neste plano de trabalho, optou-se pela investigação dos topônimos catalogados e classificados no banco de dados do Projeto ATEMS como zootopônimos, ou seja, àqueles de índole animal, representados por indivíduos domésticos (boi: rio do Boi) e não domésticos (onça: lagoa da Onça) e da mesma espécie em grupos (boiada: ribeirão da Boiada) (DICK,199, p.3). O elevado índice de zootopônimos na toponímia indígena do estado de Mato Grosso do Sul deve-se ao fato de ser a fauna brasileira fundamental a sobrevivência dos primitivos. Carlos Drummond, ao estudar os bororos da região centro-oeste do Brasil, pontua que Através do exame dos nomes dados pelos Bororos aos morros, rios, ancoradouros, etc., inferimos de imediato, e no caso tem valor corrobativo, a característica fundamental do gênero de vida destes índios: uma sociedade de caçadores. O mundo animal, intimamente ligado à sociedade humana através dos ergológicos e animológicos que compõem o patrimônio cultural deste grupo, está presente na maioria dos topônimos (apud DICK, 199, p.37) Uma outra explicação para tantos zootopônimos pode ser a admiração dos indígenas pelas belezas e exuberância da fauna da região. Uma terceira hipótese a ser considerada é a do colonizador que ao observar a grande incidência de determinados animais próximos ao acidente viesse a nomear os locais com nomes que lembrassem e exaltassem a fauna local. Alguns zootopônimos de base indígena elencados nesta investigação já são comuns aos falantes da língua portuguesa e muitos deles já foram incorporados a nossa língua, resultado do contato do colonizador com os índios na colonização do estado. Constatou-se ainda que algumas línguas sobressaiam às outras na toponímia indígena da microrregião de Dourados, são elas a tupi e a guarani, supremacia estabelecida desde o período da colonização. Os zootopônimos já incorporados à língua portuguesa fazem parte do cotidiano linguístico de cada falante, são exemplos: Arroio Sucuri (Caarapó), Córrego do Jacaré (Dourados), Rio Guará (Dourados), Córrego das Araras (Maracajú), Córrego Cupim (Maracajú), Córrego Cateto (Nova Alvorada do Sul), Córrego Lambari I (Nova Alvorada do Sul), Córrego Cotia (Nova Alvorada do Sul) e Arroio Mutuns (Ponta Porã). No banco de dados do Projeto ATEMS há o registro de mais de 7.500 topônimos, dentre os quais aproximadamente 1.500 são de origem indígena de estrutura morfológica simples ou formado por pelo menos um elemento da língua indígena. Deste total, foram levantados do corpus 81 zootopônimos, de origem indígena Tupi e/ou Guarani, sendo que 95% nomeiam acidentes físicos, principalmente rios, córregos e arroios. Tal número pode ser explicado se considerado que os índios que primeiramente habitavam o local nomearam os acidentes físicos e quando os outros povos chegaram esses topônimos permaneceram. Levantou-se a hipótese de que a recorrência de topônimos de origem indígena pode ser explicada pela grande incidência de índios nos municípios pesquisados como em Dourados, por exemplo, ou pelo fato de algumas regiões serem próximas ou fazerem fronteira com o Paraguai, que tem como línguas oficiais o espanhol e o guarani, como Amambai, Aral Moreira e Ponta Porã. Os gráficos a seguir dão vistas quantitativas dos zootopônimos encontrados na microrregião de Dourados. 3

4 Língua de Origem Estrutura Morfológica % 84% 14% % Tupi Guarani Tupi + Guarani Tupi + Portuguesa 75% 4% % Simples Composto Simples Híbrido Composto Híbrido Área 5% Rural Urbano 95% Distribuição dos Zootopônimos 1 5% 6% 0% 7% 10% 6% 9% 5% 9% 10% Amambaí Aral Moreira Caarapó Douradina Dourados Itaporã Juti Laguna Caarapã Maracaju Nova Alvorada do Sul Ponta Porã Rio Brilhante Vicentina Zootopônimos mais recorrentes 3 3 4 7 4 3 3 Arara (s) Borevi Cateto Guará Guatapará Jaguaretê Jaguari Mutum (s) Lambari Panambi Sucuri Saijú Tatuí Taturace (e variante)

Para exemplificar qualitativamente os resultados encontrados, foram selecionados três topônimos entre os Zootopônimos mais recorrentes ilustrados no gráfico anterior. São eles: ARARA (s), PANAMBI e SUCURI. 1. ARARA Do Tupi, faz referencia a uma ave muito conhecida na região. As araras possuem pés curtos, cabeça larga e robusta e um bico curvo e resistente. Houve recorrência no estado de Mato Grosso do Sul desse zootopônimos em Maracaju (Araras, das), Ponta Porã (Araras, das) e Rio Brilhante (Araras). Segue abaixo uma compilação das definições dos dicionários históricos e de origem tupi sobre o topônimo pesquisado: 1. Voz onomatopeica com que se designam os grandes papagaios (SAMPAIO, 010, p.199);. Sede municipal do E. da Paraíba; de arara, conhecida ave brasileira (TIBIRIÇÁ, 1985, p.4); 3. Nome comum a diversas aves de grande porte da família dos psitacídeos (CUNHA, 194, p.61). Segundo Cunha (194), Arara e o aumentativo de Ara, periquito. Os indígenas quando queriam marcar o aumentativo costumavam repetir a ultima silaba ou toda a palavra, desta forma para chamar a ave que se parecia com o periquito (ara), do mesmo gênero, no entanto a maior de todos, dobrou-se a ultima silaba e ara passou a ser arara e denominar a ave que conhecemos hoje.. PANAMBI Foram encontradas quatro entradas desse zootopônimo no banco de dados informatizado do Projeto ATEMS. Na cidade de Dourados há dois acidentes nomeados Panambi, um físico e outro humano. Já em Itaporã, o topônimo e um acidente do tipo físico. Por ultimo, menciona-se Douradina por ter apresentado apenas um único topônimo de índole animal de origem indígena no banco de dados e por ser este zootopônimo Panambi. Como se sabe, e difícil, para não dizer quase impossível, buscar a origem de uma palavra indígena devido as mudanças ocorridas no decorrer do tempo, os contatos linguísticos que esses povos tiveram, entre outros fatores. Há muitas discussões a cerca da etimologia das palavras e da classificação linguística entre os pesquisadores da área. Um exemplo disso e o zootopônimos Panambi que foi considerado pelos linguistas do ATEMS como um topos de origem Guarani, no entanto nenhum pesquisador havia ainda apontado no banco de dados a definição do termo ate a presente data. Segundo Mario Arnaud Sampaio em o Vocabulário Guarani-Português, Panambi seria um nome equivalente à borboleta, o mesmo que panã e panamá (1986, p.13). A titulo de curiosidade, foram levantadas ainda duas definições do mesmo termo em dicionários da língua Tupi, são eles: 1. Panamby: a mariposa (SAMPAIO, 010, p.93);. Panama: panã, panãpanã, panamá são os diferentes nomes tupis de borboletas (TIBIRIÇÁ 1985, p.18). Observa-se que todas as definições reforçam o primeiro significado de panambi. Embora fossem encontradas definições das variantes de panambi em dicionários de tupi, optou-se por classificar o zootopônimo como de base guarani, por ter a região de Dourados a constante presença das etnias que falavam a língua guarani. 3. SUCURI Sucuri e o topônimo mais recorrente (sete vezes) do levantamento feito no banco de dados do Projeto ATEMS, sendo encontrado nas cidades de Caarapó, Dourados, Juti e Rio Brilhante. 5

Já presente no nosso cotidiano linguístico, sucuri denomina uma conhecida cobra da nossa fauna (TIBIRIÇÁ 1985, p.105), seu nome refere-se a sua agilidade. De acordo com Sampaio (010), vem das palavras Çuú-curí, morde rápido, atira o bote. Neste mesmo sentido Cunha (194), aponta o vocábulo como uma variante de suku`ri, cação, peixe do mar. Assim, o topos Sucuri refere-se a uma serpente aquática muito popular no estado de Mato Grosso do Sul e sendo possivelmente este o motivo pelo qual tantos acidentes geográficos do tipo físico foram nomeados na região de Dourados com esse nome. CONCLUSÕES O topônimo enquanto um fóssil linguístico guarda marcas de um passado histórico, revelando muito de uma determinada população e/ou área geográfica. É de se esperar que a toponímia de base indígena, mais do que qualquer outra, seja motivada pela a flora, a fauna, a hidrografia e a geologia do local que a circunscreve. Os povos indígenas ou povos que utilizaram os nomes de origem indígena no ato de nomear deram preferência às palavras que significassem algo para sua vida, como o nome de animais (zootopônimos), os quais foram objeto de investigação neste trabalho e demonstrados nos dados qualitativos. Os dados quantitativos ilustrarm a grande incidência de topônimos de índole animal de base indígena na região pesquisada, além de ratificar a supremacia das línguas indígenas Tupi e Guarani na toponímia da região de Dourados. Observa-se ainda que a toponímia indígena está muito relacionada (95% dos casos levantados) com os acidentes geográficos do tipo físico, demonstrando a estreita ligação entre a língua, a cultura e a sociedade 6 AGRADECIMENTOS Agradecemos à Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul- UEMS/PIBIC que viabilizou recursos financeiros a fim de que o desenvolvimento desta pesquisa fosse possível. REFERÊNCIAS Artigos BIDERMAN, M. T. C. Dimensões da palavra. In:Filologia e Lingüística, n., p. 81-118, 1998. DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. A Terminologia nas ciências onomásticas. Estudo de caso: o Projeto ATESP (Atlas Toponímico do Estado de São Paulo). In: ISQUERDO, Aparecida Negri; ALVES, Ieda Maria, (Orgs.) As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. Volume III. Campo Grande: Editora da UFMS; São Paulo: Humanitas, 007, p. 459-471. Livros CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem tupi. São Paulo: Melhoramentos, 1978. DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. Toponímia e Antroponímia no Brasil. Coletânea de Estudos. São Paulo: Serviço de Artes Gráficas/FFLCH/USP, 199.. A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo: Edições Arquivo do Estado, 1990.

7 SAMPAIO, Mário Arnaud (Org.). Vocabulário Guarani-Português. Porto Alegre: Editora L&PM, 1986. SAMPAIO, Teodoro. O tupi na geografia nacional. 6.ed. Salvador: Gráfica Falcão, 010. TIBIRIÇÁ, Luiz Caldas. Dicionário de topônimos brasileiros de origem tupi. São Paulo: Traço editora. 1985. Teses e Dissertações DARGEL, Ana Paula Tribesse Patrício. Entre buritis e veredas: o desvendar da toponímia do Bolsão sul-mato-grossense. Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagens). Três Lagoas: UFMS, 003.