II ENCONTRO SALMOS 148, 64, 8, 138 Deus Criador do mundo e do homem



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Transcrição:

1 II ENCONTRO SALMOS 148, 64, 8, 138 Deus Criador do mundo e do homem 1. Introdução Depois da pequena etapa de 2 semanas, vamos ser lançados para uma etapa maior. Mas o percurso de oração faz-se pela busca diária, pela fidelidade quotidiana, pela decisão renovada em cada dia. Para entrar dentro do programa de oração é bom começar por garantir os elementos mais materiais e objectivos da oração: o horário, o local, a duração, a recitação tranquila. A entrada no método de oração dos Salmos, tal como foi proposto, precisa de insistência e paciência. Aprender a oração simples e contemplativa da repetição, é um caminho muito progressivo que não pode estar dependente dos resultados imediatos ou da consolação afectiva. Para além de todos os esforços e métodos, não podemos esquecer que a oração é um dom de Deus, pela acção do Espírito Santo. É Ele que nos faz entrar na comunhão profunda com Deus e nos faz entender e saborear a sua Palavra como Palavra de Amor. É o Espírito Santo que gera a impressão da Palavra de Deus no nosso espírito e, através dela, nos transforma em sentimentos e atitudes de filhos de Deus. Por isso, precisamos de ser muito humildes diante desta oração. E ser humilde é ser persistente. Nesta etapa que hoje iniciamos, depois de termos rezado a sede de Deus e a necessidade de caminhar para Ele através da oração, vamos olhar para a Criação. Os salmos convidam-nos a um louvor pela criação do mundo, ao louvor pela criação do homem, à gratidão pela providência de Deus e a um olhar meditativo para o interior do homem. 2. SALMO 148 O salmo 148 é um salmo de profundo louvor a Deus pela sua criação. Por isso mesmo, é um salmo que arrasta no louvor de Deus todas as criaturas, convocando-as para este hino de tributo a Deus. Notamos pela própria cadência literária do texto: o seu ritmo, a insistência no aleluia, a invocação de cada ser para o louvor, pretende contagiar o orante na alegria do louvor. A palavra aleluia significa louvar o Senhor. Notamos em cada versículo a aplicação desta mesma palavra, o que acentua a cadência e o ritmo do louvor.

2 O salmo reconhece a criação por Deus e como Deus atribuiu a cada criatura uma função e um lugar. Neste coro de louvor, o salmista dá expressão a essa ordem, começando pelos céus e terminando no seu povo eleito. Na primeira parte do salmo, o louvor estende-se pelo universo estrelar: os céus, os anjos, os astros (exércitos celestes), sol, lua, águas superiores (na concepção cosmológica semita, o mundo está situado entre as águas superiores e as inferiores). O salmista impele ao louvor porque todos foram criados pela palavra de Deus. O louvor é devido a Deus porque Ele é o autor da criação. Mas esse louvor é a harmonia da realidade criada, é a lei que jamais passará. Quando tudo louva a Deus está instaurada a harmonia que Deus pretende para o mundo. Na segunda parte do salmo, o salmista olha para a realidade terrestre e convida-a ao louvor: monstros marinhos, abismos (águas inferiores), atmosfera meteorológica, montanhas, colinas, árvores, animais, pessoas e povos. Todos são chamados a louvar o nome e a majestade de Deus, que é Criador e Senhor de toda a realidade. O salmo termina com o convite ao louvor por parte do Povo de Israel. Este é o povo eleito, na expressão mais literal, o povo próximo, amigo ou íntimo. Na lógica do salmo, é este o povo que dá voz e expressão ao louvor de toda a criação. É este povo que põe em palavras e oração, o louvor que está inscrito em todas as criaturas, porque elas foram criadas por Deus e destinadas à sua glorificação. Nesta primeira semana, o salmo 148 convida-nos a entrar no louvor, na admiração de Deus, no reconhecimento da sua grandeza. Depois de nos termos posto a caminho, direccionamos o nosso olhar para Deus. O primeiro olhar para Deus há-de ser sempre de louvor, de bendizer. Por isso, este é um salmo para nos contagiar do louvor divino que é a cadeia entrelaçada de toda a criação. E a primeira realidade a emergir é precisamente a contemplação do poder criador de Deus. Olhar para todas as dimensões da natureza, olhar para a sua harmonia e bondade originais, contemplar a sua beleza, leva-nos a entrar no louvor que ela própria anuncia: Deus merece ser glorificado porque é o Criador de tudo. Por isso, este salmo convida-nos a purificar o nosso olhar sobre o mundo que nos envolve e a enchermos o nosso coração de alegria. Este mundo envolvenos com a presença de Deus e é um convite permanente a erguermo-nos para Deus. Mas este cântico das criaturas ajuda-nos a centrar o coração: o louvor indicanos que é Deus que está no centro de tudo. Por isso, reconhecemos o mundo criado como expressão do amor de Deus e não como mero acaso, ou simples

3 ferramenta de utilidade na mão dos homens. Não é por acaso que este é o salmo que serve de oração diária da manhã aos judeus Louvar a Deus pelas criaturas é reconhecer as criaturas como dom de Deus. Louvar a Deus pelas criaturas sugere-nos que a relação com elas deve ser mediada pela vontade de Deus, pela sua lei, pelos critérios do Reino de Cristo. Este louvor é o louvor final que Cristo fará com todo o universo junto do trono de Deus, no fim dos tempos, quando tudo for consumado. Mas este louvor das criaturas é sinal do louvor permanente do Filho de Deus ao seu Pai. É Ele que encabeça a humanidade neste louvor permanente. 3. SALMO 64 O salmo 64 é um cântico de acção de graças a Deus, feito no Templo de Jerusalém. Trata-se de uma oração colectiva, elevada para Deus no contexto das celebrações litúrgicas do Templo, possivelmente numa das grandes festas e, mais certamente na Festa das Colheitas. Todo o ambiente de oração é o Templo, o que indica uma solene acção de graças a Deus. Aliás, a primeira parte do salmo destaca a habitação nos vossos átrios, o louvor em Sião, os bens da vossa casa e a santidade do vosso tabernáculo. São referências ao culto no Templo, onde o homem se dirige com os seus pecados e é regenerado pela bondade de Deus. A presença de Deus no santuário indica a realeza de Deus e o seu domínio que se expressa na criação e na redenção. Ora, é essa bondade de Deus celebrada no Templo que nos permite entender a segunda parte do salmo. Ela é uma extensa acção de graças pela forma bondosa como Deus fecunda e domina o mundo criado, em favor do homem e do povo escolhido. É uma acção de graças muito viva pela forma providente como Deus acalma o frémito dos mares e a fúria das ondas, e como os prodígios naturais de Deus servem para proteger o povo de todos os povos distantes. Mas esta acção de graças estende-se cheia de beleza quando se trata de olhar para a forma como Deus favorece a natureza criada para bem de Israel: as referências às águas (na concepção semita era Deus que abria ou fechava a descida das águas superiores para a terra), à abundância das colheitas e dos rebanhos no prado, à fertilidade, ao trigo e às pastagens. É uma descrição da Primavera em Israel, quando os campos estavam no seu auge. A fecundidade na natureza é um sinal da bondade de Deus pelo seu povo. O que indica que Deus criou e sustenta a natureza para bem do homem e para o progresso do homem.

4 Este salmo começa por nos falar do templo onde fazemos a acção de graças: a Igreja que celebra a Eucaristia, é o novo templo onde damos graças a Deus. E a Eucaristia é a grande oração de gratidão pela primavera definitiva da humanidade: a Páscoa de Jesus. Aí está contida toda a fecundidade de Deus para os homens. Por isso, a Igreja na Eucaristia agradece a Deus toda a bondade manifestada na natureza e no mundo em favor dos homens. Este salmo convida-nos a olhar com gratidão para o mundo: Deus criou-o para nos fazer bem e para nos dar aquilo que precisamos. Deus continua a sustentar o mundo criado para que a vida da humanidade seja possível e boa. Por isso, este salmo convida-nos a agradecer o pouco ou muito que a natureza nos dá. Antes de exigir e avaliar (tal como sugere a nossa cultura materialista e consumista), é preciso ser grato pela beleza contagiante do mundo, pela vida que nos dá vida, e por todos os elementos naturais que podemos transformar para fazer progredir a história humana. Este salmo convida-nos a confiar na Providência Divina que se revela no mundo criado. Deus continua a providenciar sempre aquilo que realmente necessitamos e a agraciar-nos com a sua bondade. Por isso, este salmo é também uma forte interpelação à forma como providenciamos o bem para o mundo inteiro. Se reconhecemos que o mundo e a natureza são dom de Deus, se reconhecemos que são sinal da bondade de Deus para o progresso da humanidade, então somos responsáveis pelo justo ordenamento de tudo para todos. Reconhecer a centralidade de Deus é igualmente reconhecer o destino universal de toda a natureza criada. Cuidar dela e saber transformá-la para o bem de todos é acção de graças mais coerente a Deus. 4. SALMO 8 O salmo 8 é um cântico de louvor e contemplação. Dirige-se primariamente à majestade de Deus, à sua arte criadora e à grandeza do seu nome. Mas este movimento de louvor serve para destacar a imensa dignidade do homem, concedida pela bondade de Deus. Por isso, o salmo quer louvar a Deus pela criação do homem e, com isso, pretende meditar sobre a sua identidade e missão. Jesus citou este salmo em Jerusalém, antes da sua Páscoa, para destacar a sua entrada gloriosa como salvador. O papa Paulo VI entregou-o aos astronautas que partiram para a lua, de modo a fazerem-no ecoar pelos confins do universo. A primeira parte do salmo começa por destacar o nome de Deus e a sua majestade que se sobrepõe a todo o universo criado. Assim se compreende o louvor das crianças que é um louvor puro: elas são capazes de reconhecer a centralidade da presença e da acção de Deus porque são humildes de coração;

5 os soberbos, os que acham o homem acima de tudo até de Deus, não são capazes deste louvor. Mas a segunda parte, entra na reflexão sobre o homem, sugerindo um ambiente nocturno de contemplação dos espaços celestes: o olhar sobre os céus, obra dos vossos dedos (assim está no texto mais original), espantado pelo imenso poder criador de Deus, fica deslumbrado com a atenção que Deus dá ao homem. E esta parte descreve toda a dignidade e grandeza que Deus atribuiu ao homem quando o criou: fê-lo um pouco inferior a um deus, tornou-o uma espécie de lugar-tenente ou vice-rei porque tudo submetestes a seus pés. No salmo 8, esta imensa grandeza do homem que se sobrepõe a toda a realidade criada por Deus, não é conquista do homem, nem sequer sua autoria, mas antes dom de Deus, oferta do Criador, bondade partilhada por Deus. Este salmo, depois de olharmos para o mundo criado por Deus (Sl 148) e para a providência de Deus através desse mundo (Sl 64), convida-nos a rezar e a louvar a Deus pelo homem, e a louvar a Deus pela centralidade que Deus concedeu ao próprio homem. A tal ponto que Deus enviou o seu Filho para ser homem como nós. Nenhuma outra criatura mereceu tal manifestação amorosa: Deus tomar nossa condição e forma de ser para o ser connosco. Deus só se ocupou assim do homem, dando-lhe tamanha importância porque tem para Ele um desígnio: torná-lo filho de Deus, família do próprio Deus, íntimo de Deus. Por isso, Deus lhe confia toda a natureza criada e assim percebemos o desígnio da Criação: é apenas para o homem, para que este se sustente, se desenvolva e possa viver na íntima comunhão com Deus. Ora, com a revelação de Jesus Cristo, a nossa oração vai mais longe do que o salmo: o homem, criado à imagem e semelhança de Deus, feito um pouco inferior a um Deus, é chamado a ser habitação de Deus, portador do seu Espírito, vivente segundo o ADN de Jesus Cristo, Filho do próprio Deus. Por isso, este salmo convida-nos a acolher a imensa dignidade com que fomos criados e que nos habita. Ela é dom de Deus. Não somos, cada um de nós, partículas cinzentas e indiferenciadas do universo, mas acima de tudo, somos o topo da criação divina e portadores da maior dignidade que Deus atribuiu. Há, por isso, sobre nós, um extraordinário desígnio de grandeza e realização. Mas tudo isso é dom de Deus e é precisamente aí que se decide e sintetiza: só na comunhão viva com Deus, só no louvor próprio das crianças se realiza e desenvolve este desígnio do homem, porque ele é oferta de Deus.

6 Fora desta relação mais profunda, vivendo uma auto-suficiência que idolatra o homem e o seu poder, desfigura-se o rosto do homem e torna-se frágil o seu destino. Por isso, Jesus é o homem perfeito e acabado: Ele vive a relação plena de amor e confiança com o seu pai, buscando n Ele e na sua vontade, toda a sua realização. 5. SALMO 138 Depois de na 3ª semana termos rezado o salmo 8 e termos louvado a criação do homem e a sua dignidade concedida por Deus, mergulhamos nesta semana num salmo maravilhoso: o salmo 138 trata da sabedoria de Deus que penetra o homem e o conhece na totalidade. Deus sabe tudo e conhece tudo de cada homem. Aliás, esta é a descrição mais impressionante do salmo: ele desenvolve todas as dimensões do homem conhecidas por Deus. Não há nada dentro do homem ( íntimo, pensamento, palavra ), não há nada nas acções do homem ( quando me sento e quando me levanto, quando caminho e quando descanso ), não há lugar nenhum ( céu, abismos, asas da aurora, confins do oceano, trevas ), nem etapa nenhuma da vida do homem ( ainda em embrião, meus dias marcados no vosso livro ), que não sejam conhecidos de Deus e pelo seu olhar. Mas a admiração e contemplação desta proximidade de Deus ao homem e desta penetração de Deus ao homem, vai até à sua concepção: Deus modelou o homem e conhece-o deste o momento em que germina na terra-mãe. O salmo aplica uma linguagem muito intensa para definir o conhecimento de Deus e a criação do homem: formastes as entranhas, me criastes no seio de minha mãe, modelado nas profundidades da terra, ainda em embrião se viam minhas obras. Mas o salmo conclui-se com uma mensagem de imensa confiança em Deus e neste conhecimento de Deus: Deus conhece o homem, Deus penetra o seu coração, porque Deus quer conduzir o homem pelo caminho da eternidade. Este olhar profundo de Deus sobre o homem não é para o apanhar em falso, nem sequer para o atemorizar, mas antes para o amar e salvar. Este maravilhoso salmo 138 fala-nos em primeiro lugar da imensa transparência com que o Pai conhece o Filho e vice-versa. Só em Deus, este conhecimento interno é tão límpido e, ao mesmo tempo, tão pacífico, confiante e cheio de comunhão. Podemos imaginar, com inteira probabilidade, Jesus a rezar este salmo nas suas vigílias nocturnas de oração. Podemos vê-lo a rezar grande parte deste salmo, de forma gozosa, cheio daquele amor confiado e transparente que tinha pelo Pai e pela sua vontade.

7 Mas este salmo põe-nos diante do olhar de Deus. Convida-nos a aceitar o olhar penetrante, total e minucioso de Deus sobre nós. De alguma forma, este salmo é um convite a que Deus nos conduza no nosso percurso de conhecimento interno. O olhar de Deus é a forma mais radical de nos conhecermos a nós próprios. Por isso mesmo, este salmo é um desafio à transparência na oração e à transparência absoluta diante de Jesus. É um convite a desnudarmo-nos inteiramente e a despirmos as imagens que temos de nós e que os outros têm de nós. Essas imagens tornam-se máscaras, onde nos escondemos por fragilidade e medo. Este salmo pede uma oração que exponha o que realmente sentimos, pensamos e desejamos. Tantas vezes estamos na oração com palavras bonitas mas ocas, sentimentos induzidos pela atmosfera psicológica, com desejos que são artificiais Deus quer a verdade para nos revelar também a sua verdade Mas este salmo sugere um salto de confiança: tudo aquilo que Deus nos mostra, tudo aquilo que Deus vê em nós e tudo aquilo que Deus exige de nós, é apenas porque nos ama e nos quer realmente salvar. Deus não se regozija com o nosso mal, mas enfrenta-o e mostra-no-lo para que, com Ele, o possamos transformar e converter. O único interesse de Deus quando penetra todo o nosso interior, é amar-nos com um amor que cura, limpa e salva. Quanto mais nos penetrar e quanto mais nos deixarmos penetrar, mais Ele nos conduzirá pelo caminho da eternidade