Lançado em 2012, o livro A política nos quartéis: revoltas e protestos

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RESENHA DA OBRA CHIRIO, Maud. A política nos quartéis: revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012, 264p. Camila Monção Miranda 1 Lançado em 2012, o livro A política nos quartéis: revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira é fruto da tese de doutorado de Maud Chirio, defendida em 2009, na Universidade de Paris 1. Dividido em introdução, seis capítulos e conclusão, a obra analisa as relações políticas, hierárquicas e ideológicas que ocorreram no seio da corporação militar durante a ditadura brasileira (1964-1985), buscando abranger a relação dentro e entre as três armas: Exército, Marinha e Aeronáutica. Pode-se dizer que, através desse trabalho, a autora tenta desmistificar a ideia de que as Forças Armadas tiveram sempre um caráter profissional e apolítico. Logo na introdução, Chirio aponta para a contradição existente na afirmação do profissionalismo e apolitismo militar frente às intervenções das Forças Armadas na política brasileira, especialmente no século XX. São citados como exemplos, a participação de militares na proclamação da República (ainda no século XIX); o levante do Forte de Copacabana (em 1922); o apoio à "Revolução de 1930, seguida da participação na queda do Estado Novo e na desestabilização do segundo governo de Vargas; a promoção da candidatura de Jânio Quadros, e a tentativa de impedir a posse de João Goulart, dentre outros. 1 Mestranda no PPGH da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Bolsista CAPES. Licenciada e Bacharel em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 78

Contudo, os grupos militares que participaram dessas ações são diversos, sendo alguns deles do alto escalão das Forças Armadas e outros jovens oficiais. A contradição, para além da afirmação do profissionalismo e do apolitismo militar, se dá também dentro dos próprios quartéis, uma vez que entre os militares são expressas ideologias políticas, econômicas e representativas distintas. Sobre isso, a autora aponta para a polarização e a mobilização política da sociedade brasileira após a queda do Estado Novo e sua repercussão no interior das Forças Armadas (CHIRIO, 2012, p.11). Nesse momento, é possível identificar a facção nacionalista, solidária ao campo getulista, e a direita liberal e anticomunista (CHIRIO, 2012, p.11). Durante o segundo governo de Vargas, esse conflito teria se intensificado, culminando numa guerra interna com a participação de oficiais de todas as patentes. Porém, essa efervescência política se mostrava antagônica a uma identidade militar contrária a posições partidárias e atos de indisciplina, além de ser avessa às regras hierárquicas da corporação. A preservação da hierarquia militar é algo que se afirmara após o golpe de 1964, pois a cúpula que liderou o golpe e tomou as decisões do governo ditatorial foi formada pelos representantes do alto escalão, enquanto que [...] o ativismo político de praças e graduandos, muito ligados ao campo nacionalista e ao pré-1964, parece ter se extinguido com o golpe (CHIRIO, 2012, p.13). O primeiro capítulo da obra Conspirações: 1961-1964 tece considerações sobre o que ocorreu entre os militares antes da efetivação do golpe: quais foram as motivações, a formação desses indivíduos e como foi a execução, em si, do golpe, que dependeu não só das Forças Armadas, mas de 79

todo um contexto político e social brasileiro. Dessa forma, Chirio esclarece como as análises deterministas, que buscam explicar a inevitabilidade do golpe e a entrada dos militares no poder como algo simples e fácil, são superficiais e insuficientes para compreender todo o processo histórico. A autora também coloca que análises tidas como conspiracionistas, como as narradas por René Dreifuss (1981), podem ser igualmente insuficientes, pois retiram dos militares o protagonismo do golpe, o que, para ela, tornaria essas representações incompletas. Maud Chirio, por sua vez, acredita que o anticomunismo e até mesmo o que podemos chamar de antijanguismo são elementos existentes no imaginário dos militares muito antes do golpe. O primeiro teria sua intensificação em 1930 e, posteriormente, em 1964; o segundo, estaria presente desde a entrada de João Goulart no Ministério do Trabalho do segundo governo de Getúlio Vargas. Visto isso, a doutrina da guerra revolucionária 2 foi posta como o guia fundamental para ação dos militares a partir de 1964. Trazida da França, a guerra revolucionária consistiria em uma análise do comportamento do inimigo ideal-típico, seja ele independentista, subversivo, terrorista ou comunista (CHIRIO, 2012, p.20). Uma questão a ser levantada nessa parte do livro é a forma como a autora aborda a vinda desse elemento doutrinário para o Brasil. Chirio coloca a utilização 2 Para Maud Chirio a doutrina da guerra revolucionária, não a Doutrina de Segurança Nacional, teria sido o principal guia formador dos militares que articularam o golpe em 1964. Ela teria sido introduzida e disseminada desde fim dos anos 1950 entre os militares. O que endossa, novamente, o ponto defendido por Chirio de que o anticomunismo e o estudo de formas para lidar com ele vêm de períodos anteriores à elaboração do golpe em si. 80

da doutrina de guerra revolucionária apenas como uma importação e não como uma apropriação. Com isso, ela deixa uma lacuna interpretativa, já que não explica de maneira clara que essa doutrina foi recebida de uma forma diferente da que ela foi aplicada. Apesar disso, no desenrolar do texto é possível entender a forma particular de apropriação da guerra revolucionária. O segundo capítulo Continuar a revolução: 1964-65 dá prosseguimento à discussão acerca dos embates entre as facções divergentes dentro do regime militar já instalado. Nesse sentido, são colocados em cena os moderados ou sorbonistas, com formação intelectual e legalista, tendo como representante o general Castelo Branco. E, por outro lado, os autoproclamados linha-dura, que poderiam ter como expoente, em certa medida, o general Costa e Silva e também o coronel Boaventura. Maud Chirio tenta problematizar essa divisão entre moderados e linhadura, demonstrando que essa cisão não é tão simples como se tem avaliado em alguns trabalhos. As relações entre os indivíduos das Forças Armadas vão além dessa simples divergência e a discussão sobre o posicionamento político deles durante a ditadura deve considerar não só os anseios políticos para com o país, mas também um desejo de valorização e conquista de poder dentro do próprio ambiente militar. Ao longo desse segundo capítulo e dos capítulos 3 e 4 Endurecimento e divergências: 1966-1968 e O terremoto: 1969, respectivamente o texto transcorre de modo a explicitar os desacordos no âmbito dos setor governante do regime, ou seja, os militares, demonstrando que, enquanto Castelo Branco foi presidente, a "linha-dura" reivindicou maior ação do governo contra a ameaça 81

comunista, exigindo um posicionamento mais repressivo do presidente, que por sua vez não estava atendendo às expectativas pré-golpe de entrar em guerra contra o perigo vermelho. Contudo, com a chegada de Costa e Silva à presidência, esses indivíduos revolucionários acreditavam que teriam mais espaço no aparato político e, assim, conseguiriam implantar medidas mais repressivas. Mas, novamente, devido ao lugar na hierarquia militar, esses indivíduos não alcançaram seus objetivos, culminando em conflitos cada vez mais acentuados dentro das Forças Armadas. Imposto o AI-5, esses representantes da direita militar se viram contemplados e, por isso, durante os chamados anos de chumbo do governo Médici, a maioria desses elementos se concentrou na perseguição aos subversivos e, inicialmente, apenas alguns foram atingidos pelo referido ato de forma repressiva. Algo relevante que foi abordado em A política nos quartéis é o papel de Carlos Lacerda no posicionamento político de parte da linha-dura. Após ter seu mandato de governador da Guanabara cassado e ter sido posteriormente preso, Lacerda ainda contou com o apoio de alguns desses militares à direita que, inclusive, se tornaram dissidentes. A abordagem do papel dos civis na ditadura militar é pouco explorada na obra de Chirio, visto ser objetivo da autora destrinchar as relações dentro da Forças Armadas. Mas, ainda assim, Carlos Lacerda apareceu constantemente incluído nessas relações, o que torna perceptível sua participação fundamental em todo o processo, ainda que de forma oposta em alguns momentos. Importa lembrar que Lacerda rompeu com o regime militar em 1966-1967, formando a Frente Ampla com Juscelino Kubitschek e João Goulart e, ainda assim, sua figura 82

e suas colocações continuaram dentro dos embates políticos da chamada linhadura. Ademais, a obra tem um lugar relevante nos debates historiográficos sobre o entendimento da ditadura de 1964-1985 como militar ou civil-militar. A última tese historiográfica tem como principal defensor o historiador Daniel Aarão Reis (2002), na qual credita a duração do regime e a ocorrência do golpe não só à cúpula militar, mas também à população civil. Segundo essa tese, os civis não podem ser vistos apenas como vítimas ou parte resistente, visto que, em muitos momentos, eles foram coniventes com o golpe e à ditadura. Porém, a principal crítica à esta tese é a inexistência de um consenso entre os civis sobre a ditadura, o que torna delicado a equivalência destes como protagonistas da mesma forma que os militares ao longo do processo. A tese de Chirio aparece como um expoente contrário à ideia de que a ditadura foi civil-militar. Ao evidenciar as intenções das Forças Armadas de interferir na política desde o início da República brasileira, a autora afirma o protagonismo dos militares no golpe de 1964 e ao longo de todo o regime. Durante o governo de Médici, a chamada primeira linha dura se desfaz e somente com o governo Geisel, discutido nos capítulos 5 e 6 Contra a distensão: 1974-1977 e A última campanha: 1977-1978, respectivamente é que ela retornou com um discurso antiditatorial na esperança de, enfim, chegar ao poder na última campanha presidencial. Entretanto, também no governo Geisel, houve o surgimento da chamada segunda linha dura, ou direita radical, formada por oficiais 83

[...] eles são os "combatentes da revolução", que exigem a eterna perpetuação dos anos de chumbo sob o argumento de que a ameaça subversiva é imortal (CHIRIO, 2012, p.204). A obra de Maud Chirio é essencial para a compreensão do golpe de 1964 e do regime militar pelo ângulo da parcela social governante, os militares. Ela mostra a ausência de homogeneidade dentro dos governos dos oficiais, explicitando as diferenças ideológicas e políticas dentro das Forças Armadas. Ademais, a tese se torna de grande importância para compreender a atuação militar no campo político não só durante a ditadura brasileira de 1964-1985, mas também, a sua presença constante no desenvolvimento da República, desde sua proclamação, em 1889, até o retorno da democracia em 1985. E, quem sabe, até os dias atuais, levando em consideração o difícil relacionamento das Forças Armadas com a política e com a sociedade desde a redemocratização. Também podemos compreender, em parte, alguns pronunciamentos de oficiais que, durante a efeméride dos 50 anos do golpe, ainda exaltaram a ditadura e reafirmaram o papel das Forças Armadas como defensora da integridade nacional. Por fim, é possível perceber uma aproximação da tese de Maud Chirio à vertente historiográfica sobre a ditadura militar brasileira que se inspira no imaginário anticomunista como elemento essencial para a compreensão da ocorrência do golpe de 1964. Por conseguinte, talvez possamos aproximá-la de historiadores como Caio Navarro de Toledo (2004) e Rodrigo Patto Sá Motta (2002) que apostam no caráter preventivo do golpe. Toledo e Chirio partem da ideia de que os militares não tinham um projeto pronto ao chegar ao poder, eles 84

seriam apenas contra : contra o comunismo 3, contra as reformas de base 4, contra João Goulart. Além disso, parte-se da concepção de que o anticomunismo não é algo que surge pela presença de Jango na presidência ou mesmo pelo clima proporcionado pela Guerra Fria. O anticomunismo é algo anterior, vindo desde o primeiro governo de Getúlio Vargas. Portanto, A política nos quartéis pode ser avaliada como uma obra de história política que resgata os debates acadêmicos acerca da classificação do golpe e da ditadura como militar ou civil-militar, propondo uma afirmação sobre a centralidade e a maior responsabilidade dos militares de alta patente nos acontecimentos de 1964 e sua extensão até 1985. Ademais, o trabalho fomenta de forma admirável os debates sobre o período ditatorial brasileiro, trazendo à tona questões ligadas ao funcionamento interno das Forças Armadas, tema ainda pouco explorado pela historiografia, demonstrando que novos olhares descortinam inquietações até então obscurecidas pela memória. Referências CHIRIO, Maud. A política nos quartéis: revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012. DREIFUSS, René A. 1964: a conquista do Estado. Rio de Janeiro: Vozes: 1981. MOTTA, Rodrigo P. Sá. Em guarda contra o "perigo vermelho" - o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Editora Perspectiva, 2002. REIS FILHO, Daniel A. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. 3 O anticomunismo como fator determinante no golpe é mais presente nos trabalhos de Maud Chirio e Rodrigo P. S. Motta do que nos trabalhos de Toledo. 4 O caráter antidemocrático e contra as reformas de base são mais presentes no trabalho de Toledo. 85

TOLEDO, Caio N. de. 1964: O golpe contra as reformas e a democracia. In: REIS FILHO, Daniel A.; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo P. Sá (org.). O golpe e a ditadura militar, 40 anos depois (1964-2004). Bauru: Edusc, 2004. REVIEW OF THE BOOK CHIRIO, Maud. A política nos quartéis: revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012, 264p. Recebido em: 20/11/2016. Aprovado em: 16/12/2016. 86