DA DEFESA DA VIDA À LUTA PELO TERRITÓRIO TRADICIONAL: A GEOMETRIA DE PODER ENVOLVENDO O CONFLITO ENTRE FAZENDEIROS E GUARANIS-KAIOWÁS NA FRONTEIRA DO BRASIL COM O PARAGUAI Marcos Leandro Mondardo Professor do Curso de Graduação e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFGD/Pesquisador CNPq marcosmondardo@yahoo.com Introdução O confronto entre indígenas e fazendeiros ocorre na arena política com forças distintas. As relações de poder, tanto temporalmente quanto em relação às escalas espaciais não são iguais. As desigualdades de recursos político-jurídicos, de meios de comunicação/informação, dos mecanismos de pressão/resistência, de visibilidade/legitimidade dos discursos, das formas de organização social coletiva (seja ela de classe ou étnica) dentre outros elementos são expressos nos territórios e territorialidades construídas por esses sujeitos. Do mesmo modo que a luta pelo território se tornou uma estratégia de resistência das populações tradicionais, a defesa da vida, no sentido biopolítico adotado por Michel Foucault (2004), também se tornou uma questão emblemática no debate identitário. Se por um lado, a vida indígena é fundamental do ponto de vista da força de trabalho, por outro, ela acentua sua fragilidade na medida em que alguns grupos notadamente aqueles que se organizam e lutam pelo retorno aos territórios tradicionais são vistos como ameaça à propriedade privada da terra e a dita segurança jurídica. Para os povos indígenas a manutenção da espécie ou da etnia, é um ato de longa data e diz respeito à reprodução do grupo e consequentemente da luta pela defesa e retomada de seus territórios tradicionais.
Por isso, esta pesquisa tem por objetivo analisar os processos de desterritorialização no espaço sul-matogrossense, especialmente, na área de fronteira do Brasil com Paraguai. O enfoque priorizado será em torno de recentes reflexões e discursos sobre a sociedade de controle numa linguagem deleuze-foucaultiana, ou de Estado de exceção como denomina Giorgio Agamben, e o consequente papel das fronteiras e dos territórios nessa dinâmica, especialmente no sentido da crescente multi/transterritorialidade que acompanha a dinâmica que envolve, hoje, no Mato Grosso do Sul, a luta pela terra e território. O objetivo é problematizar as lógicas territoriais envolvidas no conflito entre fazendeiros (notadamente gaúchos ) e Guaranis-Kaiowás, e analisar as novas/velhas formas de apropriação da terra, a luta pelos direitos humanos e os discursos e práticas em torno da in-segurança, exceção e controle sociais. Focalizamos dois grupos sociais mais específicos em suas ações de base territorial: 1) fazendeiros, especialmente aqueles mais diretamente ligados ao mundo do agronegócio, das grandes corporações transnacionais/globais e de entidades (federações e sindicatos, por exemplo), em suas estratégias hegemônicas de controle dos territórios e imposição de fronteiras de exceção no Mato Grosso do Sul; 2) Guaranis- Kaiowás, principalmente, aqueles envolvidos na luta pela terra, em suas práticas alternativas de luta, resistência e reprodução multi/transterritorial em estratégicas que variam, por exemplo, do trânsito transfronteiriço entre Brasil e Paraguai até territorializações em movimento em acampamentos contingentes de retomadas de territórios tradicionais. O material empírico para a reflexão está sendo obtido, em relação aos dados primários, por meio de órgãos da impressa nacionais, estaduais e regionais, no sentido de sistematizar as informações referentes ao conflito territorial, além de entrevistas realizadas com sujeitos dos dois grupos sociais envolvidos e de pesquisas junto aos órgãos do Estado e entidades não governamentais. Para os dados secundários, serão levantados os estudos acadêmicos e não acadêmicos sobre a temática no sentimento de sistematizar a multiplicidade de posições sociais sobre o tema em questão.
Da luta pela vida à defesa do território tradicionalmente apropriado É necessário, nos conflitos que envolvem a demarcação das terras indígenas, fazer uma diferenciação social. Dependendo do sujeito social em que se está analisando, a concretude, o simbolismo, intensidade e o alcance de suas ações são diferentes dependendo da escala temporal e espacial em que o mesmo está acionando/agindo e, por extensão, tencionando. As relações de poder entre os sujeitos envolvidos fazendeiros e Guaranis- Kaiowás (e aliados) são muito desiguais na luta pela demarcação das terras tradicionalmente apropriadas. As territorialidades que se reconstruíram e se organizaram coletivamente dos povos indígenas têm condições econômicas e políticas diferentes das territorialidades dos fazendeiros que se colocam em situação de oposição no conflito. Propomos, nesse sentido, pensar a geometria de poder dos sujeitos envolvidos no confronto para compreender a diferenciação social das escalas de ação das múltiplas organizações/entidades que agem e/ou constroem alianças de um ou de outro lado da questão. É fundamental, assim, analisar a organização/mobilização coletiva desses sujeitos em múltiplas escalas para que possamos deslindar as ações transescalares traçadas no jogo de escalas pelas estratégias políticas entre os diferentes segmentos envolvidos/interessados no conflito. Pode-se, com isso, identificar aqueles sujeitos que entram na questão da demarcação das terras indígenas, como organizações/entidades, para agir em determinado espaço específico devido os interesses em jogo que atravessam (atrapalham ou impedem, por um lado, ajudam ou mobilizam, por outro), determinadas ações de hegemonia ou de resistência. Para situar o confronto por uma geometria de poder, é necessário demonstrar a diferenciação social existente nas estratégias e ações políticas traçadas pelos Guarani- Kaiowá de resistência, de um lado, e de hegemonia dos fazendeiros, de outro. A ideia de geometria de poder foi elaborada por Massey (2000) para analisar, dentre outros elementos, como que o conceito de compressão espaço-temporal de Harvey (1994) precisa de diferenciação social. Para a autora, a geometria do poder ajuda a
problematizar como os diferentes sujeitos e grupos sociais se inserem de maneiras muito distintas em relação a esses fluxos e interconexões associados ao fenômeno da compressão tempo-espaço. Em trabalho mais recente, Massey (2008), a autora ressalta a necessidade de se pensar as relações entre os diferentes sujeitos sociais, pensando o espaço como uma multiplicidade de trajetórias para, daí, verificarmos a questão de uma política da conectividade, em que a conexão diz respeito à natureza do envolvimento pois, por exemplo, o significado político de local não pode ser determinado fora de uma referência contextual específica (p. 255) e, nesse sentido, as alianças entre determinados interesses comuns mudam as escalas de luta e, consequente de análise, da construção de movimentos de resistência ou de hegemonia. Assim, para ela, cada luta local já é uma conquista relacional, baseada tanto dentro quanto para além do local, e é internamente múltipla (p. 256). A geometria de poder das relações espaciais se torna fundamental para analisarmos a elaboração das identidades políticas de indígenas e fazendeiros, no processo de demarcação, e a política dos sujeitos em disputa que gera uma nova forma às identidades dependendo das escalas de ação e de relações, da construção de alianças. É fundamental, assim, situar o conflito em torno das demarcações das terras tradicionalmente apropriadas por uma constelação de conexões com ligações que variam desde uma escala de ação local até a escala internacional de relações, considerando, ainda, as múltiplas ações transescalares que brotam da mescla de posições e das alianças firmadas em torno de objetivos comuns. Ao longo pesquisa, pudemos identificar vários sujeitos (organizações/entidades) que se posicionam favoráveis ou contrários à demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul desde que as portarias foram publicadas. Alguns têm suas ações diretamente envolvidas com as forças de resistências ou de hegemonia. Outros fazem alianças e agem no sentido de defender certos interesses comuns, que passam, evidentemente, pela questão central que é a terra, seja enquanto propriedade privada, ou como um bem coletivo.
É fundamental, hoje, uma política de escala que compreenda nos processos de emancipação e empoderamento as estratégias política de ação transescalares como dos sujeitos políticos, povos Guarani-Kaiowá, que luta por território e direitos humanos no Mato Grosso do Sul. Do outro lado, no continuo movimento de controle e debilitação é importante analisar como que os sujeitos hegemônicos se reorganizam politicamente em essa política hegemônica se re-espacializa. Em nosso caso, identificamos, pelos menos, dois grupos de sujeitos, organizações/entidades envolvidos diretamente na questão da demarcação das terras indígenas que traçam e colocam em prática suas ações na escala local. Nessa escala de luta, esses sujeitos se dividem em dois lados: 1) uma parcela dos Guarani-Kaiowá e suas alianças construídas com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e o Ministério Público Federal; 2) os fazendeiros e suas coalizões e alianças múltiplas com os governos e sindicatos rurais municipais, com o Centro de Tradições Gaúchas, Associações do Comércio e da Indústria, além de vereadores. Além destes, assumem posições ambíguas Igrejas Católica e algumas evangélicas e jornais locais como Diário MS, O Progresso e Dourados News que, muitas vezes parecem se posicionar de uma forma que não demonstre publicamente as articulações contra às demarcações mas que, no fundo, esses sujeitos estão amarrados a um conjunto de interesses da ordem social hegemônica que os leve a desejar o controle e contenção territorial das territorialidades subversivas dos Guaranis-Kaiowá. No entanto, essas ações na escala local se entrecruzam e se sobrepõem com escalas mais amplas de luta, o que demonstra uma realidade complexa e múltipla de articulações políticas nas estratégias desiguais de ação ou, na geometria de poder empreendidas pelos povos indígenas e dos fazendeiros. Além das mobiliza-ações no espaço público das cidades, em avenidas e praças, realizadas por fazendeiros e indígenas como demonstramos anteriormente, as estratégias políticas de luta em defesa da terra enquanto propriedade privada na forma de latifúndio, de um lado, ou na luta por terra, território coletivo e direitos humanos de outro, na escala local se constroem outras estratégias de ação por um conjunto de redes
de alianças e coalizações políticas que articulam, em escalas mais amplas, as lutas, disputas e confrontos um campo de ação sempre coletivo. Na escala local, uma parcela de Guaranis-Kaiowá traçam suas estratégias políticas de ação coletiva para, de um lado, fugir das condições precárias, da violência e insegurança que vivem nas reversas indígenas e, de outro, como mecanismo de pressão a morosidade do Estado e resistência classe econômico-política sul-matogrossense (os fazendeiros) para que ocorram as demarcações das terras tradicionalmente apropriadas por meio de territorializações alternativas como em acampamentos aleatórios que, segundo a FUNAI, seriam mais de 40 e que brotam às margens de rodovias (normalmente, em frente de áreas consideradas tradicionais de apropriação), pela ocupação de áreas de fundo de fazendas, com a ocupação de fazendas em áreas reivindicadas (as chamadas retomadas de território), o bloqueio temporário de rodovias e a ocupação temporária de órgãos públicos em Dourados, por exemplo, como a FUNAI e FUNASA. Na maioria dessas ações contam com as alianças construídas o CIMI, além das mediações feitas pela FUNAI e o Ministério Público Federal de Dourados no sentido de garantirem a sobrevivência do grupo com a ajuda dispendida desde a alimentação (sextas básicas) e roupas, até o apoio político de articulação entre lideranças de tekohas distantes, além das inúmeras companhas guaranis produzidas como forma de pressionar o governo federal a favor das demarcações, de mobilização a população em escalas mais amplas ou para pedir doações. Um elemento fundamental dessas articulações é a circulação das informações. Representante públicos da FUNAI, do Ministério Público Federal de Dourados, além de membros do CIMI e professores que apoiam a causa, servem, em muitos casos, para levar informações até esses grupos, ou fazer com ela circule entre os grupos, além de, no caso do Conselho Indigenista Missionário, esse tipo de relação ajudar na articulação das próprias lideranças políticas-religiosas dos acampamentos o que, via de regra, acaba criando uma diferenciação social interna, na medida em que empodera internamente no movimento de resistência alguns sujeitos (lideranças), com maior vínculo com essa
entidade (ou com agentes de saúde, por exemplo), em detrimento de outros, que passam a ficar mais isolados das decisões políticas tomadas. Os acampamentos de retomadas de territórios as territorialidades alternativas construídas pelos Guarani-Kaiowá embora, com uma base material pouco estável e segura, podem, assim, proporcionar para alguns grupos novas possibilidades de alianças políticas, seja com outras lideranças indígenas em luta ou até mesmo com outros segmentos de acampados do Movimento de Trabalhadores Sem Terra (MST), da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Mato Grosso do Sul (FETAGRI), de acampamentos de comunidades quilombolas, além de construírem novos territórios mesmo que embrionários de exclusividade familiar com mais afinidade coletiva entre os membros de um tekoha, e sempre na esperança de se construir um lugar melhor, com alguma autonomia para se viver do que a condição de reserva a que foram submetidos. Daí que os povos indígenas constroem suas territorialidades na arte da resistência em formas alternativas de territorialização como na luta de retorno aos territórios tradicionalmente apropriados. Como afirmou um Kaiowá-Guarani em documento final da Aty Guasu realizada 28 de julho de 2012, na Terra Indígena Rancho Jacaré, no município de Laguna Carapã e divulgada pelo Conselho indigenista Missionário a precária situação dos povos indígenas situados em territórios confinados as reservas ou em acampamentos à beira de estradas, faz com que muitos indígenas lutem no processo de ocupação de fazendas, em movimento de reapropriação de territórios, em áreas consideradas por eles de apropriação tradicional, como forma de re-existência, pressão política e, fundamentalmente, de acesso ao território e direitos humanos. Uma estratégia de organização/mobilização coletiva dos Guaranis-Kaiowá ocorre, na escala regional, nas reuniões conhecidas como Aty Guasu (ou Grande Assembleia). O Guarani-Kaiowá e antropólogo Tonico Benites (2010), afirma que desde a década a 1980, as mobilizações das lideranças/representantes indígenas conquistaram um espaço de diálogo e organização coletiva chamada de Aty Guasu. O movimento político emergiu, segundo ele, como reação a esses atos truculentos dos fazendeiros e seus capangas tendo como objetivo fazer frente ao processo sistemático
de etnocídio, a expulsão e dispersão forçada das famílias extensas indígenas do seu território tradicional (p. 10). Os Guarani-Kaiowá também articulam suas ações na escala regional em frentes de luta em acampamentos da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do MS (FETAGRI), onde alguns indígenas se encontram acampados, e articulam ações de mobilização conjuntas com a Central Única dos Trabalhadores do Mato Grosso do Sul (CUT/MS), e da Pastoral da Terra (CPT/MS), em redes de relações sociais construídas com outros movimentos sociais como os sem-terra, quilombolas, camponeses. Estas alianças canalizam conjuntamente, em determinadas ações como em atos de mobilização pública, em eventos de debate político suas forças de resistência em torno da questão da luta pelo acesso à terra e da reinvindicação de direitos em torno da educação, saúde, moradia dentre outros. Entretanto, é importante demonstrar que as alianças políticas não ocorrem de forma homogênea, muito menos se dilui, com isso, as heterogeneidades. O que existe são múltiplos sujeitos que convergem, em determinados momentos e situações, suas lutas em torno de um objetivo comum, sendo que o mais relevante é o direito ao território. Existem, assim, posições bastante diferentes em relação à questões centrais que fazem parte da dinâmica do movimento de resistência dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul, especialmente, no que diz respeito à demarcação das terras indígenas. Algumas ações de controle e contenção territorial na escala local, além das mobiliza-ações em espaços públicos das cidades, em atos como passeatas e panfletagens (como demonstramos no item anterior), das reuniões com políticos e representantes de setores do comércio, da indústria e de certos segmentos profissionais, os fazendeiros recorreram ao que chamam de seguranças para defender as propriedades (e que os povos indígenas denominam de pistoleiros ), que agem no sentido de controlar toda e qualquer ação de retomadas de territórios ( (re)ocupações, principalmente) controlando a entrada nas fazendas pelo bloqueio das estradas vicinais. Além disso, são responsabilizados pelos povos Guarani-Kaiowá de fazer perseguições, ameaças, intimidações, ateiam fogo em barracos de lonas de acampamentos às margens de
rodovias ou em fundos de fazendas, e a maioria é acusada também por grande parte dos assassinatos genocídios das lideranças indígenas e dos atropelamentos ocorridos. Na disputa na esfera jurídica os fazendeiros contratam os melhores advogados para conseguir ordens de despejo na Justiça Federal. Na briga judicial com a FUNAI, os fazendeiros entram com inúmeras ações contra as portarias publicadas, outras para barrar/impedir que os estudos de identificação dos tekohas sejam suspensos, além de entrar com ações de reintegração de posse para que seja feito o despejo dos Guarani- Kaiowá em áreas de fazendas em situações de conflito (ou nas retomadas de territórios tradicionais por parte dos indígenas), quando entra em cena do Estado de Exceção que busca controlar certas situações de confronto, acionando a na figura da polícia federal como demonstramos anteriormente na figura 25 para cumprir à ordem de desejo e restabelecer a norma, a ordem social. Do outro lado, em outras escalas, nacionais e até internacionais, os povos indígenas estabelecem conexões e articulações com inúmeros outros sujeitos sociais (organizações/entidades), buscando construir redes que fortalecer suas lutas como, por exemplo, a já referida mediação nem sempre alinhada, e muitas vezes tensa com a FUNAI no processo de demarcação das terras indígenas e na luta por direitos humanos. Além dessas redes, os Guarani-Kaiowá buscam construir outros fóruns de âmbito nacional para o debate político como na Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e na União das Nações Indígenas (UNI). Essas organizações indígenas conseguem mobilizar e organizar contingentes mais amplos de ações políticas contra à precarização, violência e genocídio sofridos e, também, juntar forças no sentido de pressionar o governo para que ocorram as demarcações dos territórios tradicionalmente apropriados. É necessário mencionar também, a nível nacional, a participação de parcela de Guaranis-Kaiowá no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que articulam suas ações e direcionam as suas forças de luta e resistência em certos atos com o objetivo comum do acesso à terra e da garantia dos direitos humanos. As articulações, nesse sentido, desdobram estratégias de mobilização e pressão em múltiplas escalas chegando até a internacional. Diante da violência contra as lideranças e as comunidades que estão sofrendo o genocídio e a lentidão no processo de
demarcação das terras tradicionais, os povos Guarani-Kaiowá se preparam para denunciar, como registrado em documento da I Jornada de Lutas das Mulheres Camponesas e Indígenas do Mato Grosso do Sul, o Estado brasileiro na corte interamericana de Direitos Humanos na Organização dos Estados Americano OEA, e na Organização Nacional das Nações Unidas: A urgente identificação e demarcação de nossas terras, como condição para diminuir a fome, a dependência e violência em nossas aldeias e acampamentos. Caso isso não aconteça vamos ajudar nossos guerreiros nas retomadas de nossos tekoha. Se o governo não cumprir os prazos vamos levar às instâncias internacionais como OEA e ONU (Documento da I Jornada de Lutas das Mulheres Camponesas e Indígenas do Mato Grosso do Sul, disponível em CIMI, 08/03/2012). Os Guarani-Kaiowá questionam que o prazo acabou, afirmam que as terras já foram identificadas pelos grupos de trabalho nos estudos antropológicos e criticam a morosidade do Estado, e denunciam a violência e genocídio cometidos contra as lideranças, à comunidade e a precarização/pobreza em que estão submetidos sem a garantia dos seus direitos. O prazo estabelecido pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) definia a data de 30 de julho de 2009 para que os relatórios antropológicos de identificação das terras tradicionalmente apropriadas fossem concluídos e publicados, sob pena de multa diária. Os indígenas, assim, fazem pressão utilizando-se de várias estratégias políticas no sentido de pressionar para destravar o processo de reconhecimento e demarcação das terras tradicionais. Atuam em múltiplas escalas para produzir efeitos de pressão em várias frentes como condição necessária para ações concreta de resistência. Considerações finais O conflito territorial entre fazendeiros e Guaranis-Kaiowás na fronteira do Brasil com o Paraguai revela, assim, uma complexa e múltipla geometria de poder. Desde as ações locais, como demonstramos, que articulam as mobilizações nas avenidas e praças
públicas das cidades, das ocupações em órgãos públicos, bloqueios temporários de BR s, aos acampamentos aleatórios às margens de rodovias e os movimentos de retomadas de territórios tradicionais em ações de (re)ocupação em áreas de fazendas, à transmissão de saber e as estratégias discutidas/traçadas nas Aty Guasi, até o acionamento de entidades/organizações como CIMI, FUNAI, Ministério Público Federal de Dourados, MST, FETAGRI, CUT/MS passando por fóruns mais amplos de discussão da política indígena nacionais como a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e União das Nações Indígenas (UNI), até as denúncias junto à ONGs internacionais como a Survival Internacional, a Anistia Internacional e a Organização das Nações Unidades (ONU) e Organização dos Estados Americanos (OEA) os povos Guarani-Kaiowá constroem suas territorialidades pelas alianças e coalizões políticas arregimentadas para conseguir ganhar visibilidade, legitimidade e empoderamento para sua luta histórica por território e direitos humanos. Se de um lado, os povos indígenas se articulam formando suas redes com antropólogos, Conselho Indigenista Missionário, Ministério Público Federal, FUNAI, dentre outros, por outro, os fazendeiros se reorganizam para conter e desarticular o movimento de luta e resistência Guarani-Kaiowá com entidades aliadas como os Centros de Tradições Gaúchas, associações, sindicatos patronais, políticos e igrejas. Além disso, estão envolvidas também organizações internacionais, empresas e/ou grupos multinacionais, usinas sucroalcooleiras e a Organização das Nações Unidas. Por isso, a mobilização política desses povos tem por objetivo, hoje, a reconstrução das identidades coletivas como estratégia biopolítica de resistência e de luta por território e direitos humanos. Bibliografia CIMI. Mulheres Indígenas e Camponesas unidas na luta publicado em 08/03/2012. Disponível em http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=6360 - acesso em 28/0/2012. FOUCAULT, M. Naissance de la Biopolitique. Paris: Gallimard-Seuil, 2004.
HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola, 1994. MASSEY, D. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.. Um sentido global de lugar. In: ARANTES, Antonio A. (Org.). O espaço da diferença. SP: Papirus, 2000, pp. 176-185. BENITES, Tonico. Guarani-Kaiowá resiste! In: Revista Caros Amigos. Genocídio e resistência dos índios do Brasil. Ano XIV, número 31, out, 2010.