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Transcrição:

A Transparência Brasil é uma organização brasileira, independente e autônoma. e-mail: tbrasil@transparencia.org.br www.transparencia.org.br Grande doador ignora candidatos negros e mulheres Natália Paiva 1 Setembro de 2014 Apesar de representarem 44% dos candidatos a deputado federal, estadual ou distrital, pretos e pardos receberam apenas 17% do total doado até agora por grandes empresas aos políticos que disputam uma vaga na Câmara dos Deputados ou nas Assembleias Legislativas. Consideram-se as 15 maiores doadoras, conforme dados extraídos das prestações de contas que candidatos e entes partidários apresentaram à Justiça Eleitoral até 18 de setembro (excluem-se candidatos a cargos majoritários, pois suas arrecadações são muito maiores e distorceriam a estatística). 2 O Gráfico 1 mostra que candidatos brancos receberam proporcionalmente muito mais dinheiro: eles são 55% dos candidatos ao legislativo (exceto o Senado), mas já receberam 82% dos recursos injetados pelas grandes empresas. Candidatos pardos receberam 14%, mas são 35% do total; candidatos pretos angariaram 3%, apesar de representarem 9% do total de postulantes. Gráfico 1 - Proporção de candidatos e fatia de financiamento por raça/cor, em % 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Brancos Pardos Pretos % de candidatos % de financiamento Campeã de financiamento em 2014, a JBS (Grupo Friboi) direcionou 88% das doações ao legislativo a candidatos autodeclarados brancos. Outras grandes, como o banco de investimentos BTG Pactual e a empreiteira Grupo Carioca, foram além: direcionaram, respectivamente, 95% e 93% de suas doações ao legislativo a postulantes brancos. 1 Coordenadora-geral. 2 Ver o relatório As rotas das doações eleitorais, em www.excelencias.org.br/docs/rotas.pdf.

O Gráfico 2 mostra a desproporção na distribuição de recursos entre candidatos brancos, pretos, pardos, amarelos e indígenas, 3 considerando as contribuições das 15 maiores doadoras. A baixa arrecadação de candidatos negros pelo menos no que se refere às grandes doadoras, escopo desta análise deve gerar, nas eleições de 2014, dois fenômenos que se repetem: a baixa efetividade das candidaturas negras e, consequentemente, a continuidade da sub-representação desse estrato populacional nos parlamentos brasileiros. Grandes doadoras sempre direcionam seus financiamentos visando a obtenção de vantagens futuras (contratos, projetos de lei, regulações favoráveis, empréstimos de bancos estatais etc.); e a ausência de negros nas estruturas de poder do estado desfavorecem esses candidatos, que têm poder de barganha menor. O racismo estrutural que faz com que negros permanençam alijados não apenas das estruturas de poder político, mas também da imprensa e do setor privado em geral, provoca um círculo vicioso. Ou seja: candidatos negros, que têm poder de barganha reduzido por estarem em menos espaços de mando, arrecadam menos e, consequentemente, têm menos chances de promover uma campanha competitiva. O Gráfico 3 mostra, por um lado, a dramática subrepresentação negra na Câmara hoje que consiste na diferença entre a população preta e parda (barra azul) e a quantidade de deputados 3 De acordo com o IBGE, negros são a soma de pretos e pardos; esta é a definição usada neste relatório.

negros (barra laranja) 4. Por outro, o gráfico também aponta para o fato de que há uma quantidade expressiva de candidatos pretos e pardos nas eleições deste ano, quando se compara esse percentual ao peso de pretos e pardos na população em geral (barras cinza e azul, respectivamente). Mais de um terço dos candidatos negros têm ensino superior completo (35%, enquanto a média geral é de 44%). Ou seja, não faltam candidatos negros, e com qualificação educacional alta, à disposição do eleitorado; mas eles simplesmente não recebem dinheiro suficiente para promoverem campanhas adequadas. Gráfico 3 - Subrepresentação negra na Câmara dos Deputados e entre os candidatos, em % 80 70 60 50 40 30 20 10 - Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste IBGE Deputados negros na Câmara Candidatos negros à Câmara Outro ponto que ajuda a entender a baixa efetividade de candidatos negros reside no fato de eles serem pouco presentes nos quadros dos principais partidos. O PT, sigla que mais arrecadou até agora (29% do total), tem 42% de candidatos negros é o 23º, entre 32 partidos, como mostra a Tabela 1. Mas a situação é pior nos quadros do PMDB e do PSDB, segundo e terceiro colocados em arrecadação entre as principais doadoras: negros correspondem a apenas 27% e 33%, respectivamente. Tabela 1 Candidatos negros à Câmara e às Assembleias por partido Partidos Negros Todos % PCO 14 22 64% PCB 58 97 60% PC do B 485 834 58% 4 Os dados de deputados negros em exercício são de novembro de 2013 e foram retirados do relatório da Transparência Brasil Pretos e pardos, metade da população brasileira, são menos de 10% do Congresso. Disponível em: http://www.excelencias.org.br/docs/negros_no_congresso.pdf

Partidos Negros Todos % PTN 366 647 57% PMN 296 545 54% PPL 237 444 53% PSDC 411 780 53% PTC 438 834 53% PSOL 591 1132 52% PSL 424 826 51% PDT 521 1028 51% PT do B 398 814 49% PEN 479 993 48% PPS 301 637 47% PHS 476 1012 47% PRTB 338 723 47% PSTU 102 220 46% PRB 347 752 46% PRP 445 966 46% PROS 213 465 46% DEM 287 649 44% SD 236 539 44% PT 553 1302 42% PSC 407 972 42% PR 333 800 42% PV 430 1107 39% PSB 495 1291 38% PP 273 776 35% PSD 236 671 35% PSDB 356 1063 33% PTB 287 928 31% PMDB 341 1252 27% Total 11174 25121 44%

Mulheres Entre os candidatos a deputados federais, estaduais e distritais, 29% são mulheres. O número relativamente alto alto apenas quando se considera a quantidade de mulheres que hoje exercem mandatos legislativos 5 se deve à força da lei. A legislação eleitoral brasileira (art. 10, parágrafo 3º da Lei 9.504/97) estabelece a obrigatoriedade de que ao menos 30% das candidaturas de partidos e coligações em eleições proporcionais correspondam a mulheres. No entanto, apenas 13% do montante injetado pelas grandes doadoras foram, até agora, para elas. O fato reforça uma suspeita: muitas mulheres se candidatam, sob pressão de lideranças partidárias, apenas para cumprir a cota obrigatória, mas não têm capital político para angariar os recursos financeiros necessários. O resultado é uma baixa efetividade dessas candidaturas (proporção de mulheres efetivamente eleitas em relação às que se candidatam). O fato mostra a ironia das eleições deste ano: as megadoadoras que despejam dinheiro para financiar a campanha de duas mulheres que disputam, com favoritismo, a Presidência da República, seguem ignorando a maioria das demais candidatas. Ou seja: a dominância masculina na política brasileira deve seguir inalterada na Câmara e nas Assembleias, a despeito de quem ocupará o Palácio do Planalto a partir de 2015. 5 De acordo com o relatório "A presença das mulheres no parlamento brasileiro", da Transparência Brasil, elas são 9% na Câmara dos Deputados, 13% no Senado Federal e, em média, 13% nas Assembleias Legislativas, considerando as eleitas em 2010. Disponível em: www.excelencias.org.br/docs/mulheres.pdf