Avaliação tecnológica de cerâmicas tradicionais incorporadas com rejeito do minério de manganês

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Transcrição:

Cerâmica (214) 5-55 5 Avaliação tecnológica de cerâmicas tradicionais incorporadas com rejeito do minério de manganês (Technological evaluation of traditional ceramics incorporated with manganese ore waste) L. dos S. Rodrigues 1, J. C. Silva 1, R. S. Angélica 2, A. A. Rabelo 1, R. L. R. Portugal Fagury 1, E. Fagury Neto 1 1 Faculdade de Engenharia de Materiais, Instituto de Geociências e Engenharias, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Marabá, PA, Brasil 2 Faculdade de Geologia, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil Resumo A indústria cerâmica tem grande papel ambiental quando o assunto é reciclagem de rejeitos. A grande produção industrial que vem se desenvolvendo na Região Norte do país abre espaço para utilização de rejeitos como substituto de matéria-prima na produção de cerâmicas. Esta substituição, além da vantagem ambiental, também confere vantagens às características físicas da cerâmica produzida. O presente trabalho visou estudar os efeitos causados pela incorporação de rejeito de minério de manganês em formulações de cerâmica argilosa, para avaliar até que ponto é possível incorporar o referido rejeito sem que haja prejuízo das propriedades dos produtos. Foram propostas algumas formulações contendo quantidades variadas de rejeito. Os corpos-de-prova obtidos por prensagem foram sinterizados de C a C por 2 h. Os resultados mostraram que o rejeito atua como fundente, melhorando propriedades do material, diminuindo a porosidade e absorção de água e aumentando a resistência mecânica das peças cerâmicas. Palavras chave: cerâmica argilosa, manganês, rejeito, reciclagem. Abstract The ceramic industry has a great environmental role when it comes to recycling waste. The industrial production that has been developed in the Northern Region of Brazil makes room for use of waste as a substitute raw material in the production of ceramics. This substitution in addition to the environmental advantage also provides interesting physical characteristics in the ceramics produced. This work aimed to study the effects caused by the incorporation of manganese ore tailings in formulations of ceramic clay, to examine the extent to which it is possible to incorporate this waste without prejudice to the product properties. It was proposed some formulations containing varying amounts of tailings. The ceramic bodies were shaped and sintered at C to C for 2 h. Results demonstrated that the material showed a decreasing in the porosity and water absorption, and an increasing in the bending strength as a result of the densification promoted by the tailing incorporation which acts as fluxing agent. Keywords: ceramics, manganese, waste, clay, recycling. INTRODUÇÃO A extração mineral está relacionada com o meio ambiente devido a grande quantidade de material extraído e pelo grande volume de resíduos produzidos. Fatos estes que geram impactos ambientais significativos. O manganês está entre os vinte elementos mais abundantes na crosta terrestre, sendo o Brasil um dos maiores produtores do minério deste elemento. A indústria de extração de minério de manganês no Brasil é a responsável pelo segundo maior fornecimento deste minério em termos mundiais. Em 2, o Brasil produziu mais de 2, milhões de toneladas deste minério. O Estado do Pará responde pela maior parte da produção nacional, com quase 4% da produção, seguido pelo Mato Grosso do Sul [1]. Este trabalho apresenta um estudo que tem como objetivo caracterizar o rejeito do minério de manganês das minas da Vale em Carajás, PA, e avaliar sua influência nas propriedades físicas e mecânicas de uma típica massa de cerâmica argilosa. A utilização de rejeitos industriais como matéria-prima tem sido investigada em todo mundo, com a finalidade de substituir insumos naturais por coprodutos industriais, com custos mais acessíveis, além de reduzir o impacto causado pela disposição de rejeitos no meio ambiente. A variabilidade natural das características das argilas e o emprego de técnicas de processamento relativamente simples para fabricação de cerâmicas vermelhas tais como tijolos e telhas, facilitam a incorporação de outros tipos de materiais. Alguns tipos de resíduos até facilitam o processamento e melhoram a qualidade do produto final [2]. Diversos trabalhos têm sido relatados na literatura a respeito da preocupação ambiental que a disposição de

51 L. dos S. Rodrigues et al. / Cerâmica (214) 5-55 rejeitos de mineração, especificamente os provenientes de minas de ferro e manganês, tem causado devido ao grande volume desses [3-5]. Por exemplo, foi empregado um rejeito de Mn e Fe para produção de cerâmicas estruturais com bons resultados, quando foi adicionado até 7,5% de rejeito na massa cerâmica [4]. Portanto, o presente trabalho tem como principal objetivo avaliar a possibilidade de aproveitamento do rejeito do minério de manganês como matéria-prima para fabricação de cerâmicas tradicionais, com bom desempenho tecnológico. MATERIAIS E MÉTODOS Três materiais de partida foram utilizados neste trabalho: (1) argila comum da região de Marabá, PA, (2) caulim in natura da região do Capim, PA (Imerys S.A.) e (3) rejeito de minério de manganês da região de Carajás, PA (Vale S.A.), descrito neste trabalho como RMM. As formulações foram desenvolvidas paralelamente e os produtos foram caracterizados segundo os métodos descritos a seguir. A amostra de argila foi processada manualmente (moída e peneirada) de forma a apresentar a granulometria adequada de 2 mesh tyler. O rejeito de minério de manganês (RMM) foi seco, moído e peneirado em malha de 2 mesh. Em seguida, a argila e o RMM foram separados em quantidades pré-estabelecidas para as formulações I, II, III, de acordo com a Tabela I. Tabela I - Formulações (F) propostas neste trabalho. [Table I - Formulations (F) proposed in this work.] Argila (%) Caulim (%) RMM (%) F I 5 3 F II 52 3 F III 4 34 1 RMM O caulim foi utilizado in natura, pois como se trata de um produto comercial, o mesmo já foi processado, envolvendo etapas de desareamento (separação do quartzo) e delaminação, de modo que mais de 9% encontra-se na fração < 2 mm. Corpos-de-prova contendo apenas o RMM foram prensados com objetivo de avaliar o comportamento deste material quando empregado sozinho. Os corpos-deprova foram prensados em uma matriz de aço de dimensões cm x 2 cm. A sinterização ocorreu nas temperaturas de ºC, 1 ºC e ºC, sendo processados 15 corpos de provas de cada formulação, para cada uma das três temperaturas. As matérias-primas foram caracterizadas por difração de raios X (DRX), espectrometria de fluorescência de raios X (FRX) e análise térmica diferencial/termogravimétrica (ATD/TG). Os corpos-de-prova foram caracterizados através dos seguintes ensaios: densidade aparente, absorção de água, resistência à flexão, porosidade aparente, retração linear e caracterização microestrutural. RESULTADOS E DISCUSSÃO Primeiramente são apresentados os resultados da caracterização das matérias-primas. Counts 25 Figura 1: Difratograma de raios X do RMM. [Figure 1: X-ray diffraction pattern of RMM.] 2 3 4 5 2q (grau) O difratograma da Fig. 1 destaca os picos principais de cada fase do RMM. Pelo difratograma, tem-se que o rejeito é bastante complexo em sua composição mineralógica com grande variedade de minerais, dificultando a interpretação devido à sobreposição de picos. A presença da caulinita em grande proporção justifica a presença de altos teores de sílica, alumina e perda ao fogo, determinados na análise da composição química deste rejeito. Contudo, o alto teor de minerais de manganês presente pode ter influenciado os picos de caulinita pela presença de outros minerais com estruturas cristalinas similares, tais como a birnessita [(Na,3 Ca,1 K,1 ) (Mn 4+, Mn 3+ ) 2 O 4 1.5H 2 O], que é um filomanganato com estrutura muito parecida com a da caulinita, e que pode estar presente na amostra. Minerais de manganês, em geral, são difíceis de identificar, em parte, devido serem de granulação fina e de intercrescimento complexo []. Outros minerais Tabela II - Composição química das matérias-primas. [Table II - Chemical compositions of the raw materials.] Conc. (%) Al 2 O 3 Fe 3 O 2 K 2 O MgO MnO Na 2 O P 2 O 5 SiO 2 TiO 2 ZrO 2 P.F.* Argila 2,17 5,9 1,2,53 -,34,13 1,4,4,4,73 Caulim 34,92,54, - - - - 51,54,37 -,7 RMM 2,72,97,47,1 1, -,11 3,4 1, - 13,91 *P.F. - perda ao fogo

L. dos S. Rodrigues et al. / Cerâmica (214) 5-55 52 presentes em menor quantidade são: quartzo todorokita, mica, gibbsita, goethita, hematita e anatásio. Na Tabela II são apresentados os valores da composição química da argila, do caulim e do RMM. DTA (µv) - -2-3 -4-5 - 2 4 DTG (mg) Figura 2: Curvas de análise térmica diferencial/termogravimétrica do RMM. [Figure 2: Differential thermal analysis/thermogravimetry curves of the RMM.] Observa-se no caulim, um alto teor de sílica e alumina, característicos do mineral caulinita, que é o mineral dominante na análise por DRX. O restante da sílica está relacionado ao quartzo e os demais elementos são impurezas. A argila apresenta maior teor de SiO 2 que o caulim devido ao alto teor de quartzo livre, além de ferro e alumínio em suas formas de óxidos. O rejeito apresenta altos teores de sílica, que é característico dos rejeitos minerais, além de quantidades expressivas de alumina, hematita e óxido de manganês. Na Fig. 2 é mostrada a análise térmica do rejeito de minério de manganês. Há uma perda de massa de 11% na faixa até 54 C, Densidade aparente (g/cm 3 ) 2, 2,5 2,4 2,3 2,2 2,1 2, 1,9 1, 1,7 Figura 3: Densidade aparente das cerâmicas sinterizadas entre C e C por 2 h. [Figure 3: Apparent density of the ceramics sintered between C and C for 2 h.] 2 1 1 5 1 115 associada a dois picos endotérmicos a 51 C e 27 C (pontos 1 e 2). Tais eventos representam a perda de água de umidade e decomposição de aglutinantes orgânicos usados nas etapas de processamento do minério. Uma segunda etapa de perda de massa (,5%) é observada após 54 C (ponto 3), associada com a decomposição da caulinita e conseqüente formação da metacaulinita, além da decomposição dos minerais de ferro e manganês presentes no rejeito, como confirmado pelos resultados de DRX e análise química. Conforme se observa na Fig. 3, a densidade aparente aumentou em todas as formulações quase que uniformemente, com destaque para formulação RMM. Este fato pode ser explicado pelo efeito fundente do rejeito, que preenche a porosidade aberta no interior da peça. Acima de 9 C, a fase líquida ocorre devido às transformações de partículas finas de quartzo e a presença de silicatos alcalinos [7]. A existência de fase líquida melhora a cinética de reação e aumenta o intercâmbio químico entre as fases reagentes [, 9]. A absorção de água tende a diminuir quando a densificação de um material aumenta. Isto ocorre porque a absorção de água está diretamente ligada à porosidade aparente: quanto maior a quantidade de poros no material, maior será a capacidade do mesmo de absorver água []. Este comportamento foi observado na Fig. 4. Nas temperaturas de C e 1 C, todas as formulações estão dentro da faixa estabelecida pela norma NBR 1527-2 (25) [11], que estabelece que a AA de blocos estruturais cerâmicos deva variar entre e 22%. As amostras sinterizadas contendo apenas RMM apresentaram um valor um pouco abaixo de % na temperatura de 1 C. Absorção de água (%) 2 1 1 14 4 2 5 1 115 Figura 4: Absorção de água das cerâmicas sinterizadas entre ºC e ºC por 2 h. [Figure 4: Water absorption of the ceramics sintered between ºC and ºC for 2 h.] A Fig. 5 mostra uma queda na porosidade aparente das amostras com o aumento de temperatura de sinterização. Este efeito ocorre devido à eliminação da porosidade, pela ação fundente do rejeito à medida que a temperatura aumenta.

53 L. dos S. Rodrigues et al. / Cerâmica (214) 5-55 Porosidade aparente (%) 4 35 3 25 2 15 5 5 1 115 Figura 5: Porosidade aparente das formulações cerâmicas sinterizadas entre o C e o C por 2 h. [Figure 5: Apparent porosity of the ceramics sintered between o C and o C for 2 h.] A retração linear aumentou linearmente com a temperatura em todas as formulações. Estes resultados podem ser explicados pela diminuição da porosidade e conseqüente aumento da densidade com o aumento da temperatura de sinterização. A retração linear é observada na Fig.. Observase que o rejeito tem um nível de retração linear bem alto, indicando seu excelente efeito fundente. Contudo, em se tratando de materiais cerâmicos tais como blocos estruturais e telhas, a retração linear de queima deve ser rigorosamente controlada para que o produto esteja dentro das especificações técnicas de dimensões. A Fig. 7 mostra que o módulo de ruptura a flexão apresentou um comportamento coerente com as outras propriedades físicas já discutidas neste trabalho. A resistência mecânica das peças sinterizadas aumentou com o aumento da temperatura de sinterização, em todas as formulações Retração linear (%) 11 9 7 5 4 3 2 5 1 115 Figura : Retração linear das formulações cerâmicas sinterizadas entre o C e o C por 2 h. [Figure : Linear shrinkage of the ceramics sintered between o C e o C for 2 h.] Módulo de ruptura a flexão (MPa) 3 25 2 15 5 5 1 115 Figura 7: Módulo de ruptura a flexão das formulações cerâmicas sinterizadas entre o C e o C por 2 h. [Figure 7: Bending strength modulus of the ceramics sintered between o C e o C for 2 h.] estudadas, inclusive aquela composta apenas de RMM. Vale ressaltar que resistências mecânicas deste nível de grandeza, mesmo aquelas obtidas na menor temperatura de sinterização, viabilizam a utilização destes materiais para fabricação de diversos produtos de cerâmica argilosa, tais como blocos estruturais, telhas e pisos [11, ]. A Fig. mostra as curvas de gresificação para as formulações propostas. A curva de gresificação é traçada a partir de dados de absorção de água e retração linear de queima, após o processo de sinterização, simultaneamente em um mesmo gráfico. Pode-se usar a curva de gresificação para determinar a tolerância da massa cerâmica a variações de temperaturas e condições de processamento e neste sentido pode servir como instrumento de controle de qualidade, pois uma vez que se sabe a faixa ideal de AA ou RLq, pode-se determinar qual a temperatura ideal de queima do material, sem que haja gasto desnecessário de energia no processo [7, Retração linear (%) 14 2 1 1 14 4 4 2 2 5 1 115 Figura : Curvas de gresificação em função da temperatura de queima das formulações. [Figure : Gresification curves as a function of firing temperatures of formulations.] Absorção de água (%)

L. dos S. Rodrigues et al. / Cerâmica (214) 5-55 54 13]. Observa-se que, com a adição de rejeito, a absorção de água tende a cair em baixas temperaturas e a retração linear atinge valores mais altos, evidenciando assim que o RMM é um excelente fundente e o mesmo pode ser usado como bloco estrutural a temperatura de sinterização baixa ( C). Para a análise da microestrutura por microscopia eletrônica de varredura (MEV), foram selecionadas amostras sinterizadas a 1 o C de todas as formulações, inclusiva do RMM. Essas amostras foram selecionadas por estarem na temperatura intermediária dentre aquelas estudas e por estarem dentro ou próximo dos valores estabelecidos pelas normas técnicas para fabricação de blocos estruturais em termos de absorção de água e retração linear de queima. A Fig. 9 se refere à FI, a 1 o C. da microanálise por EDS, foi possível concluir que a matriz apresenta os grãos de quartzo, matriz sílico-aluminosa e a presença de fases com Mn e Fe (parte mais clara) oriundas do rejeito de minério de manganês. Na Fig. 11, relativa à FIII a 1 C, observa-se que os grãos têm uma distribuição granulométrica mais uniforme do que nas demais formulações, além de mostrarem uma superfície menos rugosa, indicando melhor coalescência durante a sinterização. Observa-se também, melhor homogeneização do rejeito com a matriz, apesar do mesmo também formar pontos de concentração. Com maior concentração de rejeito, foi possível detectar a presença de titânio (referente ao TiO 2 ) pelo EDS. Figura 9: Micrografia obtida em microscópio eletrônico de varredura e espectros de EDS da FI, sinterizada a 1 C. [Figure 9: SEM micrograph and EDS spectra of FI, sintered at 1 C.] Esta composição apresenta pouca incorporação do rejeito, apresentando grãos pequenos e com distribuição irregular ao longo da estrutura. É possível observar também, a presença de minerais de manganês e ferro (parte clara), em pequenas concentrações, de acordo com a análise química por energia dispersiva de raios X (EDS). Observa-se que a influência do rejeito é pouca na matriz, ficando os componentes deste caracterizados pelos pontos claros na microestrutura. Os espectros de EDS mostram o panorama em dois pontos na microestrutura: o ponto 1 é referente à composição em uma região com maior presença de Mn e Fe; o ponto 2 caracteriza uma região da matriz sílico-aluminosa. A Fig. corresponde aos resultados da microestrutura da FII a 1 C. Através destas imagens e dos resultados Figura 11: Micrografia obtida em microscópio eletrônico de varredura e espectros de EDS da FIII, sinterizada a 1 C. [Figure 11: SEM micrograph and EDS spectra of FIII, sintered at 1 C.] A Fig. apresenta os resultados da formulação RMM sinterizada a 1 C. Estas estruturas evidenciam a grande presença de ferro e manganês no rejeito devido às abundantes áreas claras que estão mais distribuídas ao longo do material. Nota-se também que esta formulação tem uma distribuição praticamente uniforme dos grãos, que são bem maiores, com boa coalescência devido ao seu alto nível de densificação e retração linear, além de possuir poros maiores e mais concentrados, diferente das formulações onde estes apareciam menores, porém em maior quantidade. Figura : Micrografia obtida em microscópio eletrônico de varredura e espectros de EDS do RMM, sinterizado a 1 C. [Figure : SEM micrograph and EDS spectra of RMM, sintered at 1 o C.] Figura : Micrografia obtida em microscópio eletrônico de varredura e espectros de EDS da FII, sinterizada a 1 C. [Figure : SEM micrograph and EDS spectra of FII, sintered at 1 C.] CONCLUSÕES A adição do rejeito de minério de manganês em cerâmicas tradicionais mostrou-se uma alternativa interessante para

55 L. dos S. Rodrigues et al. / Cerâmica (214) 5-55 a utilização deste rejeito industrial. Os testes realizados mostraram que todos os teores propostos de incorporação de rejeito, em associação à massa argilosa para fabricação de cerâmica vermelha, melhoraram as propriedades físicas das amostras. A densificação aumentou na medida em que a temperatura de sinterização foi aumentada, devido ao efeito fundente do rejeito, que forma fase líquida a qual preenche a porosidade do material, aumentando sua densidade e diminuindo sua porosidade aparente. Estes fatos foram acentuados devido à grande retração observada em altas temperaturas. Os resultados de resistência à flexão demonstraram a possibilidade de emprego deste rejeito em formulações cerâmicas. As cerâmicas produzidas neste trabalho, mesmo aquelas sinterizadas na temperatura mais baixa ( C), podem ser empregadas para fabricação de blocos estruturais e até mesmo telhas, pois apresentam valores de AA abaixo de 2%. Tal resultado evidencia a eficiência da adição do RMM em formulações de cerâmicas tradicionais. Vale ressaltar, também, que o rejeito sozinho pode ser utilizado como matéria-prima para fabricação de cerâmicas em temperaturas baixas. AGRADECIMENTOS Ao Instituto de Geociências (IG) da UFPA e à Profa. S. P. A. Paz (FEMAT/UNIFESSPA) pela disponibilidade dos equipamentos de caracterização química e mineralógica. REFERÊNCIAS [1] Departamento Nacional de Produção Mineral, Anuário Mineral Brasileiro, Brasília, DF, 211, disponível em <http:// www.dnpm.gov.br>, acesso em 2/1/213. [2] M. Dondi, M. Marsigli, B. Fabbri, Tile & Brick Int. 13 (1997) 32. [3] S. K. Das, S. Kumar, P. Ramachandrarao, Waste Menag. 2 (2) 725. [4] C. Sikalidis, V. Zaspalis, Const. Building Mater. 21 (27) 1. [5] M. Yellishetty,V. Karpe, E. H. Reddy, K. N. Subhash, P. G. Ranjith, Conserv. Rec. 52 (2) 3. [] J. Ostwald, Ore Geol. Rev. 4 (19) 3. [7] S. N. Monteiro, C. M. F. Vieira, Ceram. Int. 3 (24) 31. [] M. P. Riccardi, B. Messiga, P. Duminuco, Appl. Clay Sci. 15 (1999) 393. [9] W. D. Kingery, M. Berg, J. Appl. Phys. 2, (1955) 5. [] M. Romero, A. Andrés, R. Alonso, J. Viguri, J. Ma. Rincon, Ceram. Int. 34 (2) 1917. [11] Associação Brasileira de Normas Técnicas, NBR 1527-2, ABNT, Rio de Janeiro, RJ (25). [] Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 91, ABNT, Rio de Janeiro, RJ (19). [13] F. G. Melchiades, E. Quinteiro, A. O. Boschi, Ceram. Ind. 1 (199) 4-5. (Rec. 21/9/213, Ac. 21/9/214)