TRABALHOS TÉCNICOS Divisão Sindical OS DIREITOS DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL E O CONTRATO DE EMPREGO Lidiane Duarte Nogueira Advogada Guilherme Köpfer C. de Souza Advogado Direitos intelectuais ou direitos derivados da propriedade intelectual são os que se relacionam à autoria e utilização de obra decorrente da produção mental da pessoa. Tais direitos são, hoje, universalmente consagrados, como se vê do artigo 27.2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem: Art. 27.2. Todo homem tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 também incorporou tal consagração, estabelecendo diversas normas sobre o tema: Art. 5º (...) XXVII aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar. XXIX a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País. São duas, portanto, as formas de proteção da criação intelectual em nosso ordenamento jurídico: 1) Direito Autoral (Lei nº 9.610/98) e 2) Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96). No Direito Autoral são protegidas as obras de caráter puramente artístico, como, por exemplo, textos de obras literárias, pinturas, gravuras, esculturas, artesanato, etc. (art. 7º da Lei nº 9.610/98).
54 Merece proteção, também, no âmbito desse ramo do Direito, os direitos intelectuais relativos à criação e utilização de programa de computador (software) (art. 2º da Lei nº 9.609/98). A Propriedade Industrial, por sua vez, protege a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial; e o modelo de utilidade, definido pela Lei nº 9.279/96 como o objeto de uso prático, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação (art. 9º). No que toca às invenções do empregado, a Lei nº 9.279/96 dispõe que cabe ao contrato de trabalho definir a titularidade da patente (art. 6º, 2º). Assim, tanto empregador como empregado, verdadeiro autor da obra, podem ser proprietários da invenção ou modelo de utilidade, dependendo do que estabelecer o contrato de trabalho. Entretanto, apesar de deixar a matéria titularidade da patente ao livre regramento das partes, a Lei nº 9.279/96 prevê hipóteses em que a propriedade do invento pertencerá ao empregador, ao empregado ou a ambos hipóteses essas aplicáveis aos casos em que o contrato de trabalho for omisso. Vejamos: 1) Trabalho intelectual como objeto do contrato de trabalho Quando o contrato de trabalho tenha por objeto a pesquisa ou a atividade inventiva, a invenção ou o modelo de utilidade desenvolvido pelo empregado pertencerá exclusivamente ao empregador (art. 88, Lei nº 9.279/96). Nesse sentido, veja-se, a propósito, recente decisão proferida pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, noticiada no Suplemento LTr nº 32/2008 (fls. 254/255): TRABALHO INTELECTUAL: DESIGNER GRÁFICO E WEB DESIGNER: RE- SULTADO DO TRABALHO DIVERSO DA DEFINIÇÃO DE INVENÇÃO: ME- RO OBJETO DO CONTRATO DE TRABALHO: RETRIBUIÇÃO PELO SERVI- ÇO PRESTADO: NATUREZA CONTRAPRESTATIVA DO SALÁRIO: INTELI- GÊNCIA DA LEI Nº 9.279/1996. O trabalho intelectual exige cultura científica ou artística de quem os presta, mas é passível de contratação em relação empregatícia, que não acarreta em resultado, necessariamente, inventos ou modelos de utilidade, tampouco desenho industrial ou marcas ou qualquer outra forma de propriedade industrial protegida pela Lei nº 9.279/1996. A invenção exige a criação de objeto que observe os requisitos da novidade, para aplicação industrial, assim imprescindível produto novo ou resultado novo. Ademais, quando contratado o obreiro expressamente para a criação de modelo de utilidade ou invenção, o salário já remunera a Trabalhos Técnicos
55 criação e o produto novo se agrega ao patrimônio do empregador, exceto se houver expressa ressalva quanto à autoria ou quanto a resultados decorrentes do uso da idéia ou do produto novo, conforme decorre do art. 88 da Lei nº 9.276/1996. No caso, o empregado apenas dirigia sua criatividade dentro das técnicas já conhecidas e com resultados esperados como folders, convites, catálogos, informativos e cartazes ilustrados: inexistência de invenção ou marca criada: inaplicabilidade da Lei nº 9.279/1996: tarefas compreendidas no trabalho contratado e remuneradas pelo salário ajustado, inexistindo respaldo jurídico à imposição de obrigação de retribuição adicional pelo uso da obra após a rescisão contratual. Recurso obreiro parcialmente conhecido e desprovido (TRT 10ª Reg. RO 00056-2007-007-10-00.9 (Ac. 2ª Turma) Rel. Juiz Alexandre Nery de Oliveira DJU 23.05.08, p. 442) Vale destacar, neste ponto, que se consideram desenvolvidos na vigência do contrato de trabalho a invenção ou o modelo de utilidade cuja patente seja requerida pelo empregado até 1 (um) ano após o término do vínculo empregatício ( 2º do art. 88). Note-se, porém, que, afinado com o 4º do artigo 218 da Constituição Federal, o artigo 89 da Lei nº 9.279/96 faculta ao empregador (titular da patente) conceder ao empregado (autor do invento) participação nos ganhos econômicos resultantes da exploração da patente, sem que tal participação se incorpore ao salário do empregado: Constituição Federal Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas. (...) 4º - A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho. [Grifamos.] Lei nº 9.279/96 Art. 89. O empregador, titular da patente, poderá conceder ao empregado, autor de invento ou aperfeiçoamento, participação nos ganhos econômicos resultantes da exploração da patente, mediante negociação com o interessado ou conforme disposto em norma da empresa. Trabalhos Técnicos
56 Parágrafo único. A participação referida neste artigo não se incorpora, a qualquer título, ao salário do empregado. (Grifamos.) Apesar de a Lei nº 9.279/96 utilizar o termo poderá, o que nos remete, mediante interpretação literal, a uma faculdade conferida ao empregador, entende João de Lima Teixeira Filho, com base no 4º do artigo 218 da Constituição Federal. ser indispensável que o empregador assegure ao autor da inovação uma participação a ser avençada, que tome por base o ganho que o empregador passou a ter com o produto da criatividade do seu trabalhador. (Instituições de Direito do Trabalho, 18ª ed., São Paulo: LTr, 1999, p. 265.) O mais apropriado seria que a lei, nos termos do que estabelece o dispositivo constitucional, apoiasse, por meio de benefícios fiscais, por exemplo, as empresas que investissem permanentemente em pesquisa científica e que garantissem aos seus empregados participações pelas invenções ou aperfeiçoamentos produzidos. 2) Trabalho intelectual sem relação com o contrato de trabalho Desde que a invenção não esteja diretamente relacionada com o contrato de trabalho e que não sejam utilizados quaisquer recursos fornecidos pelo empregador, a titularidade da patente pertencerá exclusivamente ao empregado (art. 6º, caput, c/c art. 90, Lei nº 9.279/96). Nesse caso, o empregado é o autor do invento e o titular da patente, podendo comercializar livremente sua propriedade industrial, inclusive com o seu próprio empregador. 3) Trabalho intelectual favorecido por circunstâncias contratuais. Por fim, na hipótese de a invenção ou o modelo de utilidade resultar de contribuição pessoal do empregado e de recursos fornecidos pelo empregador, a titularidade da patente pertencerá tanto ao empregado quanto ao empregador, em partes iguais (art. 91, Lei nº 9.279/96). Nesse caso, a propriedade é comum, sendo que, no silêncio contratual, ao empregador cabe a exclusividade na exploração e licença do modelo, reservando-se ao empregado a justa remuneração ( 2º do art. 91, Lei nº 9.279/96). Sobre o assunto, vale, aqui, a transcrição de acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, destacando que, na hipótese dos inventos ou modelos de utili- Trabalhos Técnicos
57 dade não decorrerem do objeto do contrato de trabalho, será devida indenização ao trabalhador: Inventos do empregado Aperfeiçoamento de máquinas da reclamada, com evidente ganho de produção e redução de custos Hipótese que se enquadra como modelo de utilidade, desenvolvido à míngua de previsão do contrato de trabalho, mas com recursos da empregadora Direito do empregado a uma parte nos ganhos da reclamada, na espécie, representados pela economia que obteve como maquinário desenvolvido por aquele Admissibilidade Aplicação do art. 218, 4º, da CF/88, e da Lei nº 9.279/96, art. 91, 2º, afora do contrato Indenização arbitrada com base na economia que a empresa desfrutou, em tese, com a dispensa de empregados, desde a implantação dos modelos e até a rescisão do reclamante Recurso provido para ampliar o valor indenizatório (TRT 2ª Reg. RO 03250200138202005 (Ac. 6ª Turma nº 20071045710) Relª Ivani Contini Bramente DOE/TRT 2ª Reg. 14.12.07, p. 232). CONCLUSÃO Em face do exposto, no que toca aos direitos da propriedade industrial, notadamente das invenções do empregado, com base no disposto na Lei nº 9.279/96, pode-se concluir que: 1) Na hipótese de o objeto do contrato de emprego consistir em trabalho intelectual (pesquisa ou atividade inventiva), a invenção desenvolvida pelo empregado pertencerá exclusivamente ao empregador, ressalvado o prazo para requerimento de patente pelo empregado até um ano após o fim do contrato de trabalho (art. 88); 2) Se o trabalho intelectual não constituir objeto do contrato de emprego e o empregado não utilizar quaisquer dos recursos oferecidos pelo empregador em sua invenção, a ele caberá exclusivamente a titularidade da patente (art. 6º, caput, c/c 90); e 3) Por fim, caso o trabalho intelectual não constitua objeto do contrato de emprego e a invenção resultar do favorecimento das circunstâncias contratuais, inclusive pela utilização de recursos fornecidos pelo empregador, a sua propriedade é comum, salientando que, no caso de silêncio contratual, ao empregador caberá a exclusividade na exploração e licença do modelo, reservada ao empregado a justa remuneração (art. 91). Trabalhos Técnicos