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CUERPO DIRECTIVO Director Carlos Túlio da Silva Medeiros Diálogos en Mercosur, Brasil Sub Director Francisco Giraldo Gutiérrez Instituto Tecnológico Metropolitano, Colombia Editores Isabela Frade Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Alcione Correa Alves Universidade Federal do Piauí, Brasil Juan Guillermo Estay Sepúlveda Universidad de Los Lagos, Chile COMITÉ EDITORIAL Andrés Lora Bombino Universidad Central Marta Abreu, Cuba Claudia Lorena Fonseca Universidade Federal de Pelotas, Brasil Carlos Túlio da Silva Medeiros Diálogos en Mercosur, Brasil Fernando Campos Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Portugal Francisco Giraldo Gutiérrez Instituto Tecnológico Metropolitano, Colombia COMITÉ CIENTÍFICO INTERNACIONAL Ana Mirka Seitz Universidad del Salvador, Argentina Eduardo Devés Universidad de Santiago / Instituto de Estudios Avanzados, Chile Eduardo Forero Universidad del Magdalena, Colombia Graciela Romero Silveira Universidad de la República, Uruguay Heloísa Buarque de Hollanda Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Juan Bello Domínguez Universidad Nacional Autónoma de México, México Lisandro Alvarado Universidad de Zulia / REO-ALCel, Venezuela María Alicia Baca Macazana Organización de Comunidades Aymaras, Quechuas y Amazónicas del Perú, Perú María Teresa Ferrer Madrazo Universidad de Ciencias Pedagógicas Enrique José Varona, Cuba Cuerpo Asistente Documentación Lic. Carolina Cabezas Cáceres 221 B Web Sciences, Chile Traductora: Inglés Lic. Pauline Corthon Escudero 221 B Web Sciences, Chile Traductora: Portugués Lic. Elaine Cristina Pereira Menegón 221 B Web Sciences, Chile Portada Felipe Maximiliano Estay Guerrero 221 B Web Sciences, Chile

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ISSN 0719-7705 Publicación Semestral / Número 4 / Julio Diciembre 2017 pp. 62-79 JOÃO SIMÕES LOPES NETO E A EDUCAÇÃO JOÃO SIMÕES LOPES NETO Y LA EDUCACIÓN Dr. Luís Artur Borges Pereira Instituto Federal Sul-rio-grandense, Brasil luisb@pelotas.ifsul.edu.br Fecha de Recepción: 17 de mayo de 2017 Fecha de Aceptación: 03 de junio de 2017 Resumo O objetivo da comunicação ;e descrever e analizar as vinculações do literário pelotense João Simões Lopes Neto com as questões relativas à educação. O primeiro estudo mas consistente sobre o assunto é o de Lígia Chiappini no qual a investigadora levanta a hipótese de que o escritor teve efetivamente um projeto cívicopedagógico. Posteriomente, a nova biografia de João Simões Lopes Neto, de Carlos Diniz (2003), confirmou a referida hipótese divilgando uma larga lista de manuscritos de textos didáticos inéditos dirigidos às criancas. A partir desse contexto, este texto pretende analizar os libros didáticos produzidos pelo autor de Contos Gauchescos (1912) e, particularmente, a Artinha de Leitura, descoberta em 2008. Palavras-Chave Educação Civismo João Simões Lopes Neto Resumen El objetivo de la comunicación es describir y analizar las vinculaciones del literario pelotense João Simões Lopes Neto com las cuestiones relativas a la educación. El primer estúdio más consistente sobre el assunto es el de Ligia Chiappini en lo cual la investigadora levanta la hipótesis de que el escritor tuvo efectivamente un proyecto cívico-pedagogico. Posteriormente, la nueva biografia de Jõao Simões Lopes Neto, de Carlos Diniz (2003), confirmó la referida hipótesis divulgando una larga lista de manuscritos de textos didácticos inéditos dirigidos a los niños. A partir de ese contexto, la comunicación pretende analizar los libros didacticos producidos por el autor de Cuentos Gauchescos (1912) y, particularmente, la Artinha de Lectura, descubierta en 2008. Palabras Claves Educación Civismo João Simões Lopes Neto

Introdução João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 63 No dia 23 de octubre de 2008 a conhecida profa. Helga Piccolo entregou uma preciosidade, por intermédio da dra. Loner, professora no Instituto de Ciências Humanas, ao Núcleo de Documentação Histórica da UFPEL, onde a obra foi digitalizada para facilitar o acesso. Beatriz Loner segurando Artinha de Leitura. Em 22 de noviembre de 2008 houve na sede do Instituto João Simões Lopes Neto, na mesma casa em que o escritor elaborou a Artinha de leitura, a cerimônia de doação do manuscrito. Da esquerda para a direita: Conselheiro Dr. Fausto Leitão Domingues, Jornalista Henrique Pires (Presidente do Instituto João Simões Lopes Neto) e Prof a. Helga Picollo Foi com verdadeira comoção que conheci a Artinha de leitura, mais um acalentado sonho do Velho Capitão que malogrou. 1 É sempre com espanto e júbilo que a cada dia vemos a descoberta de novos documentos que vem em auxilio da elucidação de aspectos importantes da vida e obra do criador de Blau Nunes. Enfim, conforme declaração do 1 Para mais detalhes vide a matéria Obra de Simões volta para casa, Diário Popular, Pelotas, 22 de noviembre de 2008.

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 64 Secretário Municipal de Cultura, Mogar Pagana Xavier, a descoberta da Artinha de leitura põe fim a um dos grandes mistérios da vida e da obra do escritor que, em 1904, deixou clara a intenção de escrever a cartilha. É um achado maravilhoso, pois muitos achavam que esta obra estava no baú de algum colecionador ou completamente perdida 2. De fato. O biógrafo pioneiro do escritor em seu livro Um capitão da Guarda Nacional 3 afirma que a Artinha e a obra didática Eu, no colégio foram anunciadas e não publicadas, e, como não mais se ocupa delas, dá a entender que estivessem perdidas e não apenas inéditas. De uma certa maneira estavam mesmo perdidas. Lembremos do caso dos cadernos do Terra Gaúcha (não o livro homônimo publicado postumamente pela editora Sulina em 1955) estavam no célebre baú de Dona Velha, que os havia doado ao dr. Mozart Victor Russomano. Assim, Reverbel talvez não teve acesso a eles ou, quem sabe, não os julgou relevantes. Seja lá como for, o aparecimento dessa cartilha, com bem disse a prof a. Picollo, será de grande valia aos pesquisadores da área da Educação, pois mostra como um dos maiores escritores brasileiros pensou o processo de alfabetização e a educação na sala de aula. Antes mesmo do aparecimento da Artinha já tínhamos elementos para compreender o compromisso de Simões Lopes Neto com as questões educacionais. O seu repentino surgimento apenas veio corroborar as inferências e as conclusões mais firmes advindas de outros documentos. Nesse sentido, o aparecimento do manuscrito, em si mesmo, em nada altera as considerações que já se fazia sobre o projeto cívicoeducacional do escritor. Do mesmo modo, pouco se soma à glória do Autor, conquistada pela parte mais alta de sua literatura: Contos gauchescos e Lendas do Sul (1913). Afirma o escritor Aldyr Garcia Schlee: Não há relevância [da Artinha] com relação ao restante da obra, pois trata-se de um material didático e não espera-se que vá contradizer o que ele pensava ou era. Assim não terá maior importância sobre o que já se sabe sobre ele. 4 Embora este não seja o foco de nosso trabalho, alerto para o seguinte: a Artinha pode ser um instrumento para abrir mais um viés hermenêutico na análise crítica da alta literatura simoniana, uma vez que se pode perceber que o autor, em vários momentos, fez transmigrar o literário para o cívico-pedagógico e vice-versa. Concordamos com escritor Schlee quando diz: É importante por ser mais um documento recuperado da série de materiais que ele deixou se perder e isso gera expectativa, ainda mais pelo fato de que como ficcionista era um grande mentiroso e costumava divulgar coisas que não fez. 5 2 Guimarães, Diário Popular, Pelotas, 06 de noviembre de 2008. 3 Guimarães, Diário Popular, Pelotas, 06 de noviembre de 2008. 4 Guimarães, Diário Popular, Pelotas, 29 de noviembre de 2008. 5 Guimarães, Diário Popular, Pelotas, 29 de noviembre de 2008.

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 65 Não buscamos diminuir a importância do achamento da Artinha de leitura, que possui a intrínseca significação de ser um manuscrito pertencente a um dos maiores contistas brasileiros. Evidentemente, o seu aparecimento uma centúria depois de o autor tê-la concebido, nos enche de alegria, e fecha mais uma lacuna na bibliografia de Simões Lopes Neto. Nessa medida, sem subestimar nem supervalorizar o achado, basta dizer que a efetiva relevância do manuscrito é possibilitar o avanço da investigação sobre seus métodos de ensino, o que, por sua vez, auxiliar-nos-à na melhor compreensão de suas convicções sobre leitura, escrita e o manejo da língua, operação que abarca a ortografia, ponto que gerou a rejeição da referida Artinha pelo Conselho de Instrução Pública. A Artinha nos possibilita também avaliar o lugar dos métodos de ensino sugeridos por Simões Lopes Neto, considerados no contexto educacional da época. Fig. Uma página interna da Artinha, em que o autor fornece instruções ao professor, relativamente ao uso do material instrucional.. Segundo Eliane Peres, Simões ao defender o ensino concomitante da escrita e da leitura e apresentar um método que funde silabação e palavração, mostra estar em sintonia com autores didáticos de sua época como Hilário Ribeiro e, conseqüentemente um passo a frente do praticado na maior parte das escolas brasileiras e gaúchas 6. Reforçamos: o aparecimento da cartilha vem comprovar ainda mais seus objetivos de vulgarizador da educação, concomitantemente, constituindo-se em novo documento de sua atividade didática. Os documentos da atividade propriamente didática/docente de Simões Lopes Neto, alguns ainda inacessíveis em sua integralidade (livros inéditos quase completos e fragmentos de outros projetos, documentos de sua atividade docente, tal como professor na Escola de Comércio e de Geografia, no Colegio Pelotense), já nos deixam vislumbrar pontos bastante nítidos, os quais nos permitem descrever e, pelo menos, lançar alguma luz para a análise dos materiais instrucionais que o escritor concebeu. Nesse sentido, pode-se rastrear até que ponto é possível reconstruir a 6 Guimarães, Diário Popular, Pelotas, 29 de noviembre de 2008.

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 66 trajetória e a concretização de seus projetos cívico-pedagógicos. No que diz respeito a essa questão, buscou-se, menos que respostas, definir um enunciado problemático significativo quanto a toda produção simoniana, isto é, em que medida e de que maneira se relacionam a produção literária e a cívico-pedagógica de João Simões Lopes Neto. Entendo que a importância da Artinha vai além daquilo que a prof a. Picollo declarou. O surgimento dessa obra é significativo não somente para os estudiosos da área da Educação, mas também da Literatura. Uma de minhas hipóteses é que houve no projeto simoniano, tanto educacional quanto literário, uma profunda, talvez inextrincável intersecção, que uma análise mais detida da cartilha de 1907 venha confirmar. Folha de rosto da Artinha de leitura (1907).. A descoberta da Artinha vem auxiliar a esclarecer alguns aspectos da ideologia do autor. Desde a pequena biografia de Simões Lopes Neto, redigida por Antônio Hohlfeldt para a Coleção Esses Gaúchos, em 1985, já se havia intuído as estreitas ligações entre a prosa literária e os projetos cívico-pedagógicos do escritor. Lígia Chiappini 7 em No entretanto dos tempos (1988) foi quem enunciou que Simões Lopes Neto possuía um projeto educativo. Esse projeto está expresso desde as conferências Educação cívica (em suas duas versões) passando pela conferência realizada em Jaguarão, Educação e caridade, em 1906, para chegar transfigurado aos Contos gauchescos (1912). 7 Lígia Chiappini, No entretanto dos tempos. Literatura e história em João Simões Lopes Neto (São Paulo: Martins Fontes, 1988).

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 67 Conferência Educação e Caridade publicada na imprensa jaguarense (1906) A preocupação cívico-pedagógica de Simões Lopes Neto não estava disseminada apenas em diversos projetos de cunho, por assim dizer, cultural, mas também pelo efetivo exercício da profissão docente, embora sob o aspecto de voluntariado. O Velho Capitão foi professor no Clube Caixeiral de Pelotas. É de se lamentar não ter restado para nós o depoimento de um aluno seu ou anotações de aula. Entre os objetivos do Clube Caixeiral de Pelotas estava a resistência aos abusos e à exploração patronal, o mutualismo, atividades recreativas e socorro aos desempregados da categoria. Além desses fins destinados à assistência e à organização de classe, a reforma estatutária de julho de 1895, em seu artigo 3º parágrafo 8, previa estabelecer cursos de instrução. O Clube Caixeiral de Pelotas, do mesmo modo como o Asilo de Órfãs, também foi obra da Maçonaria, instituição a que Simões se ligaria em 1890. 8 Cumprindo rigorosamente a previsão estatutária, em 11-10-1898 é fundada a Academia de Comércio do Clube, sendo seus promotores Raimundo Pinto da Silva, Silvino Joaquim Lopes e José Borges de Eça de Queiroz. Formaram a primeira diretoria o Dr. Ulisses S. de Araújo Batinga, Manuel Luís Osório e Manoel Serafim Gomes de Freitas 9. 8 Para mais detalhes vide Luís Borges, Simões Lopes Neto e a maçonaria Diário Popular Pelotas, 01 septiembre de 2008. 9 Manoel Serafim Gomes de Freitas nasceu em Piratini aos 23-12-1880, falecendo em Pelotas em 06-06-1969. Agrônomo e bacharel em Direito foi um dos fundadores da Escola Agrícola Eliseu Maciel. Foi confrade de Simões Lopes Neto durante a 1ª fase da Academia de Letras do rio Grande do Sul, em 1910. Dedicou-se também à confecção de livros didáticos, publicando sob os auspícios as Intendência de Pelotas, pela editora Globo, sua obra 50 Lições Rurais - para a instrução primária municipal, em 1929.

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 68 Manoel Serafim Gomes de Freitas (1880-1969) Em 10-04-1909, inaugurou-se, em beneficio da Academia de Comércio, uma Exposição-quermesse no Clube Caixeral, cujo orador oficial foi João Simões Lopes Neto. No ano seguinte o curso foi reduzido de seis para cinco anos, obedecendo ao que rezava a lei federal de 09-01-1905. Em 20-02-1913 a Academia de Comércio do Clube Caixeiral realizou a sua primeira colação de grau de bacharéis em ciências comerciais, sendo paraninfo o dr. Joaquim Luis Osório. Os formandos foram Ildefonso Alves de Carvalho e Nede Lande Xavier. O corpo docente era constituído por F. da Cunha Ramos, João Afonso Corrêa de Almeida, Gregório Romeu Iruzum, Hermenegildo Bicker, Manuel Luís Osório, Fernando Luís Osório, Joaquim Luís Osório, Luís Gomes de Freitas, Henrique Krentel, Rudi Schäfer, J.J. Albuquerque Barros, Frederico Torres, Alípio Telles, Frederico Trebi, Manoel Serafim Gomes de Freitas, Francisco Rodrigues de Araújo, Henrique d Ávila Gonçalves, Ulisses de Araújo Batinga. Augusto Simões Lopes e João Simões Lopes Neto. Primeira turma de bacharéis da Academia de Comércio do Clube Caixeiral (1913)

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 69 Suas ligações com a educação foram além do exercício do magistério, abarcando uma concepção mais ampla daquele processo. Dessa maneira, observamos seu intuito educacional em outras manifestações, como na Coleção Brasiliana de cartões postais, no painel Farroupilha, na Semana Centenária e nas já citadas conferências, na (inédita) publicação comemorativa à inauguração do monumento a Bento Gonçalves, manuscrito a que intitulou Glória Farroupilha, ao que se somam os livros didáticos, entre os quais a Artinha recém descoberta. Manuscrito Glória Farroupilha, de Simões Lopes Neto A hipótese de que Simões Lopes Neto possuía um projeto didático-pedagógico, movido por ideais patrióticos, esteve latente, uma vez que não haviam aparecido elementos mais objetivos que viessem em seu apoio. Em 2003, porém, quando da publicação da nova biografia de João Simões Lopes Neto, Carlos Sica Diniz, entre outras novidades, trouxe à tona os cadernos do que ele chamou de o verdadeiro Terra gaúcha. Eram os manuscritos de uma obra didática homônima à história do Rio Grande do Sul, cujo segundo volume se perdeu, e que foi publicada postumamente, em 1955, pela editora Sulina. Os textos do verdadeiro Terra gaúcha foram divulgados em pequenos fragmentos por Sica Diniz, pertenceram à coleção particular do Dr. Mozart Victor Russomano e atualmente pertencem outra coleção particular, a do biliófilo Dr. Fausto Leitão Domingues. Deles podemos ter uma idéia, dentro do contexto do projeto cívicopedagógico de Simões Lopes Neto, por sua extensão de quase 200 páginas. Desse

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 70 conjunto faz parte o manuscrito Recordações de infância, ao qual Chiappini atribui a data aproximada de 1910 10. Redomão, manuscrito integrante de Recordações de Infância A impossibilidade de acesso ou mesmo o desconhecimento dos textos do verdadeiro Terra Gaúcha, proporcionou distorções, inclusive sobre a natureza de Recordações de Infância, tendo sido interpretado como romance inacabado ou livro de memórias e não em sua condição de livro didático. Apesar de sabermos da existência de, pelo menos, metade do projeto da Série Brasiliana (de livros didáticos) só poderemos ter uma idéia mais conclusiva quando for possível verificar o conjunto. Simões Lopes Neto submeteu sua Artinha de Leitura, de 1907, no ano seguinte, ao Conselho de Instrução Pública, visando sua adoção nas escolas, sendo rejeitada sob alegação de estar em desconformidade com a ortografia vigente. 11 O prof. Paula Alves deu um interessante depoimento por ocasião do centenário de nascimento do escritor, em que comenta a questão ortográfica: A seção de Simões Neto intitulava-se Tema Gastos ; seu pseudônimo era João do Sul. Às vezes dizia Simões Neto: Estou 10 Lígia Chiappini, No entretanto dos tempos. Literatura e história em 27. 11 Uma observação curiosa é que em Terra Gaúcha (1955) a editora Sulina afirma que, a título de curiosidade, respeitou a ortografia utilizada pelo autor (p. 15).

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 71 sem assunto. Saia para dar uma volta. Daí a pouco entrava na redação, sentava a sua mesa de trabalho e zás! Redigia a sua crônica. Caçara o assunto na rua, num acidente, numa palestra, numa observação psicológica. Usava a ortografia da Academia Sul- Riograndense de Letras e, então escrevia coza, roza, com z, lonje, vijilante, com j. Escrita a crônica nessa ortografia, entregava seu trabalho ao Casinha (Carlos Casanovas) para o por na ortografia do Paula Alves, segundo sua expressão. É que nesse tempo, 1916, eu mantinha na A opinião Pública, uma crônica intitulada seção Gramatical, com o pseudômino de Paulo Afonso, na qual defendia a correção gramatical nos seus vários aspectos. 12 Reproduzo a seguir trechos das atas das sessões do Conselho de Instrução Pública: 5ª Reunião Aos vinte e um dias do mês de julho de 1908 [...] Passou-se à ordem dos trabalhos. Foram apresentados ao Conselho para julgamento os livros: Histórias de Nossa Terra de Júlia Lopes de Almeida e a Cartilha de leitura de J. Simões Lopes Netto. Em tempo declaro que este último foi apresentado em manuscrito e com o ofício do mesmo n. 2028, desta data. Resolveu o Conselho adiar para outra sessão o julgamento dessas obras. [...] Protásio Alves, Álvaro Batista, Manuel Pacheco Prates 13. 6ª Sessão Aos 25.07.1908 [...] Sobre a Cartilha primária Série Brasiliana, em manuscrito, de J. Simões Lopes Netto,entende o Conselho que, não podendo o Estado impor a ortografia seguida pelo autor, deve ser reparado o trabalho por estar em desacordo com o regulamento e não obedecer o critério do ensino. [...] Protásio Alves, Álvaro Batista, Manuel Pacheco Prates 14. 12 Ângelo Pires Moreira, A outra face de J. Simões Lopes Neto. Vol. 1 (Porto Alegre: Martins Livreiro, 1983), 58-59. 13 Actas das Sessões do Conselho de Instrução Pública Arquivo Histórico de Porto Alegre, lata 42, maço 07, 12. 14 Actas das Sessões do Conselho de Instrução Pública Arquivo Histórico de Porto Alegre, lata 42, maço 07, 13.

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 72 Uma página da ata da reunião do Conselho de Instrução Pública (1908) Na Pequena contradita (1908) dirigida ao Conselho de Instrução Pública, Simões Lopes Neto descreve em que consistia todo plano de sua Série Brasiliana, do que a Artinha de leitura era o primeiro número, sendo o restante Eu, na escola; Terra gaúcha e Hinos e glórias do Brasil. Deste último nada sabemos a respeito de seu paradeiro, nem mesmo se chegou a existir. 15 Busca argumentar a validade de sua cartilha com base no Regulamento de Instrução Pública, decreto nº. 894, de 28-02-1906, publicado no jornal A Federação, em nove de março. A certa altura se desculpa, pois não quer parecer pretensioso questionando a decisão do Conselho, mas afirma: [...] entretanto, não posso deixar de consignar que o plano de minha Artinha de leitura exibe cousa de novo e prática sobre os livrinhos [...] adotados nas aulas públicas do Estado [...] creio que isso [...] [é] o ponto de apoio que tenho para pretender que meu livrinho possa ser julgado prestável 16. 15 O manuscrito Glória Farroupilha (1909) parece descrever algo semelhante ao que o autor pretendia no quarto volume dos livros didáticos de sua Série Brasiliana, anunciada na Artinha de leitura e na Pequena Contradita. Aliás, a Artinha de leitura traz um modelo didático muito semelhante. Encontramos nela figurinhas, reprodução de documentos, o tema recorrente da Terra Gaúcha, a intenção da educação patriótica, os Hinos da República Rio-Grandense, etc. 16 A Federação, de 9 de março de 1906.

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 73 E segue: ponto importante e que me fez demorar a apresentação deste 1º volume de série, foi o aspecto ortográfico, partindo da reforma para a simplificação e uniformização da grafia de nossa língua. Sua preocupação, conforme expõe na Pequena contradita, é levar o benefício da educação às massas populares, aproveitando, segundo sua expressão, o escudo que lhe dava a orientação ortográfica da Casa de Machado de Assis. Assinala ainda que transformara todo o primitivo manuscrito, transportando-o para a ortografia reformada. E completa a idéia: é dispensável reproduzir a copiosa argumentação pró e contra, provocada pela Academia e este douto Conselho Escolar seguramente que está dela inteirado. Argumenta ainda a favor de sua cartilha dizendo que se repete no Brasil o fenômeno acontecido na Espanha, Itália e França, onde foi iniciado o movimento de uniformização e simplificação da grafia da língua, o qual prevaleceu e perdura 17. Uma página do manuscrito Pequena contradita Vale lembrar uma história narrada por Ivete Massot em seu livro Simões Lopes Neto na intimidade (1974). Em 1908, Simões Lopes Neto, desconsolado, entrega a ela, sua sobrinha de tenra idade, cópia do exemplar rejeitado pelas autoridades educacionais para que recortasse as figurinhas, acrescentando: Graças a Deus, Velha, este livro teve poder de dar alegria a uma criança. Alguns anos depois, ele ainda publicará uma folha avulsa em que divulga a reforma ortográfica no Brasil, segundo as regras sugeridas pela Academia Brasileira de Letras. 17 A Federação, de 9 de março de 1906.

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 74 Folha avulsa A reforma ortográfica no Brasil Seguindo o plano da série Brasiliana, descrito na Pequena contradita, Simões Lopes Neto produziu o livro Terra Gaúcha. Não nos referimos ao livro de igual título, publicado postumamente em 1955 pela editora Sulina, prefaciado por Manoelito de Ornellas e anotado por Walter Spalding, mas outro, resgatado pelo biógrafo Sica Diniz, ao qual ele denomina de o verdadeiro Terra Gaúcha Madrugada, manuscrito do verdadeiro Terra Gaúcha

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 75 Abrimos aqui um parêntese para sucintamente relatarmos essa história longa e complicadíssima, para utilizarmos uma expressão de Antônio Hohlfeldt 18. Em 1904, a obra apresentada na primeira versão da conferência Educação cívica era de perfil didático e seu autor tinha por objetivo vê-la adotada nas escolas primárias, a fim de incutir nas crianças o conhecimento e a noticia dos homens e atos do Brasil, tão arredados do diário convívio da juventude escolar 19. Diz o próprio Simões sobre o seu intento: Fazer um livro simples, saudável, cantante, de alegria e caricioso, que os homens rindo da sua singeleza o estimassem; que fosse amado pelas as crianças, que nele,com sua ingênua avidez, fossem bebendo as gotas que se trans formassem mais tarde em torrente alterosa de civismo; [...] 20 A confusão deu-se em torno dos títulos homônimos. O problema, porém, segundo o biógrafo Diniz, poderia ter sido resolvido com simplicidade, bastando atentar para o que deixou escrito nas linhas e entrelinhas o próprio Simões Lopes Neto. Um anúncio colocado no Correio Mercantil, de Pelotas, em 24-11-1904, solicitava o envio de gravuras, fotografias, estampas ou reproduções de quadros que retratassem episódios históricos, monumentos e placas para ilustrar seu livro escolar Terra Gaúcha, já em preparo final. Simões Lopes Neto lançou circulares na imprensa procurando financiar sua obra através de subscrições. Informa também a remessa da obra ao Conselho de Instrução Pública, a fim de que fosse aprovada sua adoção nas escolas. O biógrafo Diniz teve acesso ao célebre baú de dona Velha, que lhe foi franqueado por Mozart Victor Russomano. Diniz examinou os manuscritos de Recordação de infância (as famosas 27 páginas) 21 e outros mais cujo conteúdo era muito mais vasto e harmonioso do que se julgava 22. Segundo Diniz 23 Manoelito de Ornellas, uma das poucas pessoas que examinou esses originais, disse que não conhecia painel mais exato da vida campeira e que não teria encontrado maior contingente de poesia em ficção infantil. O mesmo biógrafo afirma não estar muito certo da utilidade desse material para os nossos dias e se caberia a publicação desses cadernos na íntegra. Entendo que o foco deve ser outro. Não cabe perguntar a respeito desses inéditos se eles podem ainda servir como material instrucional. A distância tanto temporal quanto pedagógica talvez os tenha inutilizado para isso. De qualquer maneira, valem como documento de uma época, valem como documento de um autor importante, valem como amostras de como Simões Lopes Neto efetivamente utilizava textos literários com vistas a objetivos cívico-pedagógicos. Afirma o biógrafo Diniz: Lidos no seu conjunto, fica-se coma impressão de que essas narrativas são parte de um livro maior. E mesmo que tal livro, completo, jamais fosse encontrado, não descartaríamos a 18 Carlos Reverbel, Um capitão da Guarda Nacional. Vida e obra de J. Simões Lopes Neto (Porto Alegre: Martins Livreiro, 1981), 231-237 y Carlos Francisco Sica Diniz, João Simões Lopes Neto, uma biografia (Porto Alegre: AGE, 2003), 123-137. 19 Carlos Francisco Sica Diniz, João Simões Lopes Neto 124-125. 20 Carlos Francisco Sica Diniz, João Simões Lopes Neto 123. 21 Antônio Hohlfeldt faz interessantes observações sobre as Recordações de infancia. Antônio Hohlfeldt, Simões Lopes Neto (Porto Alegre: Tchê / RBS, 1985), 60-61. 22 Carlos Francisco Sica Diniz, João Simões Lopes Neto 128. A lista está in Carlos Francisco Sica Diniz, João Simões Lopes Neto 134-165. 23 Carlos Francisco Sica Diniz, João Simões Lopes Neto 135.

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 76 hipótese, para nós quase uma certeza, de que fariam parte do livre escolar outrora denominado Terra Gaúcha, depois resumido e transformado talvez unicamente com os textos de Recordações Infância, ou com estes ou mais alguns dos quais nada se sabia em Artinha de Leitura, ou Eu no colégio, parente próximo do Cuore, de Edmondo de Amicis 24, enviado somente em 1908 ao Conselho de instrução pública. 25 Sem entrarmos em minudências, o importante das revelações de Sica Diniz é que trazem luz a alguns elementos que podem nos auxiliar a esclarecer a natureza e a origem do projeto lítero-pedagógico do grande escritor pelotense. Diniz foi muito perspicaz ao assinalar a pista deixada por uma observação de Manoelito de Ornellas (1903 1969), em seu prefácio ao Terra Gaúcha, na edição de 1955, da Sulina, em que o autor diz: João Simões Lopes Neto sacrificou um longo período de sua vida à feitura deste livro. Terra Gaúcha constituía, para ele, assim como um complemento da obra também inédita que dedicara à juventude riograndense, com o título de Eu, no Colégio, e que fora, na época, recusada pela Direção do Ensino Público do Estado, sob alegação de desconformidade ortográfica... 26 Esclarece Diniz, depois de várias considerações, que Simões antes de se dedicar à obra sobre história do Rio Grande do Sul, elaborou outra de feição didática, destinada à instrução infantil, referindo-se implicitamente à Artinha e explicitamente ao Verdadeiro Terra Gaúcha. Outro livro de feição didática foi Terra Gaúcha, publicado postumamente pela editora Sulina, de Porto Alegra, em 1955. Capa do Terra Gaúcha (1955) 24 A obra de Amicis foi publicada pela Editora Universal Echenique em 1907. 25 Carlos Francisco Sica Diniz, João Simões Lopes Neto 129 130. 26 Manoelito de Ornellas, Lopes Neto, João Simões. Terra gaúcha (Porto Alegre: Sulina, 1955), 7.

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 77 Essa obra, depois de diversas peripécias, 27 foi publicada em 1955, porém, só chegou até nós o 1 volume. Tendo entregado Dona Velha os originais do livro à Editora Globo e esta demorasse em sua publicação, a viúva do escritor dirigiu-se a Henrique Bertaso, em carta de 01-01-1954, pedindo-lhe a anulação do contrato e a devolução dos originais. Dizia-se Dona Velha esperançosa de encontrar editor para Terra Gaúcha no Rio ou em São Paulo. Não encontrou. Tentou novamente a Editora Globo, mas a resposta foi negativa. Afirma Reverbel 28 que, seguindo os conselhos dos assessores literários da Casa, a Globo ao negar a publicação talvez tivesse pretendido preservar o nome do escritor. Fora procurado Augusto Meyer, na ocasião diretor do Instituto Nacional do Livro, para a publicação de Terra Gaúcha através daquele órgão. No entanto, o parecer de Meyer não foi favorável 29. Com quase todas as portas fechadas, ainda assim Manoelito de Ornellas e Mozart Victor Russomano, ambos muito empenhados em auxiliar a viúva de Simões Lopes Neto, que vivia em precárias condições, foram solicitar ao editor Leopoldo Boeck, proprietário da Sulina, que editasse a obra, a qual sairia com prefácio de Ornellas e notas do historiador Walter Spalding. Simões atribuía grande importância ao Terra Gaúcha. É o primeiro crítico manifesto de João Simões Lopes Neto, Januário Coelho da Costa (1886 1949), em artigo denominado Contos Gauchescos, publicado no Diário Popular, de Pelotas, em 02-11-1912, que comenta o Terra Gaúcha (não o verdadeiro, segundo a expressão de Diniz, mas aquele publicado postumamente em 1955): João Simões já tem pronto no prelo um livro intitulado Terra Gaúcha que é, modestamente, ele o diz, uma história elementar do Rio Grande do Sul. Por volta de junho de 1914, Simões ficou sabendo que o jovem escritor Roque Callage (1988-1931) pretendia publicar um livro de contos com o mesmo título Terra Gaúcha. Em artigo publicado em 02-07-1914, no Correio Mercantil, de Pelotas, Simões Lopes Neto faz registrar a diferença entre as duas obras: uma era um estudo de cunho e fundo histórico rio-grandense, em que ele trabalhava havia mais de oito anos, e a outra era um exercício ficcional 30. Roque Callage, no entanto, não tomou conhecimento da reação do Capitão e, de fato, nesse mesmo ano publicou seu livro de contos, enquanto Simões esperneava publicando por diversas vezes o anúncio de sua Terra Gaúcha como obra em preparo. Reverbel 31 dá a entender que tal publicação foi um equívoco, um desserviço à memória do escritor: Se a produção jornalística de J. Simões Lopes Neto raras vezes deixa vislumbrar-se algo do seu gênio literário, as suas incursões nos domínios da história também se situam muito abaixo de seu pedestal de escritor, mas com uma vantagem; são em número bem reduzido. Este trecho nos dá uma clara notícia do quanto a parte didática da obra de Simões Lopes Neto, indevidamente comparada a sua obra literária, é ainda incompreendida tanto do ponto de vista histórico quanto do ideológico. Assim, cabe 27 Carlos Reverbel, Um capitão da Guarda Nacional 268-271. 28 Carlos Reverbel, Um capitão da Guarda Nacional 270. 29 O parecer de Augusto Meyer na integra, datado de 14 de abril de 1954 está reproduzido in Carlos Reverbel, Um capitão da Guarda Nacional 270. 30 Agemir Bavaresco y Luís Borges (org)., História, resistência e projeto em Simões Lopes Neto (Porto Alegre: WS Editor, 2001), 88. 31 Carlos Reverbel, Um capitão da Guarda Nacional 270-271.

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 78 reavaliar essa idéia, uma vez que se pode ver o quanto a educação pode ser uma nova e mais profunda chave de leitura para a obra simoniana. Referências Corpus simoniano Lopes Neto, João Simões. Terra gaúcha. Apresentação de Manoelito de Ornellas e introdução e notas de Walter Spalding. Porto Alegre: Sulina, 1955. Lopes Neto, João Simões. Contos gauchescos. Introdução e notas de Luís Augusto Fischer. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1998. Lopes Neto, João Simões. Lendas do sul. Apresentação de Mário Mattos. Porto Alegre: Editora Meridional, 2005. Novos textos simonianos. Contos urbanos e poemas de J. Simões Lopes Neto. Organizada por A.F. Monquelat; Carlos Diniz; Mário Osório Magalhães. Pelotas: Confraria Cultural e Científica Prometheu, 1991. A outra face de J. Simões Lopes Neto. Vol. 1. Organizada por Ângelo Pires Moreira. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1983. Lopes Neto, João Simões. Educação cívica - Terra Gaúcha (apresentação de um livro). Anais da Biblioteca Pública Pelotense, ano I (1904), v. I, pp. 47-59, Pelotas: Livraria Comercial, 1905. Lopes Neto, João Simões. Educação cívica. Pelotas: União Gaúcha, Grêmio Gaúcho de Bagé, Grêmio Gaúcho de Porto Alegre, 1906. Manuscritos de João Simões Lopes Neto e outros Pequena contradita apresentada ao Conselho de Instrução Pública (1907) Artinha de leitura (1907). Glória Farroupilha (1909). Recordações de infância (1907-1910). Atas da Reunião do Conselho de Instrução Pública (1908). Referências Bavaresco, Agemir y Borges, Luís (org). História, resistência e projeto em Simões Lopes Neto. Porto Alegre: WS Editor. 2001. Borges, Luís. O projeto cívico-pedagógico de João Simões Lopes Neto. Pelotas: Editora Universitária UFPEL. 2010.

João Simões Lopes Neto e a Educação pág. 79 Borges, Luís. Simões Lopes Neto e a maçonaria. Diário Popular. Pelotas. 01 de septiembre de 2008. Chiappini, Lígia. No entretanto dos tempos. Literatura e história em João Simões Lopes Neto. São Paulo: Martins Fontes. 1988. Costa, Januário Coelho da. Contos gauchescos. Diário Popular. Pelotas. 02 de noviembre de 1912. Diniz, Carlos Francisco Sica. João Simões Lopes Neto, uma biografia. Porto Alegre: AGE. 2003. Guimarães, Álvaro. Simões Lopes Neto e os segredos das primeiras letras. Zero Hora. Porto Alegre. 29 de noviembre de 2008. Guimarães, Álvaro. Tesouro perdido de Simões Lopes Neto encontrado. Zero Hora. Porto Alegre. 06 de noviembre de 2008. Hohlfeldt, Antônio. Simões Lopes Neto. Porto Alegre: Tchê / RBS. 1985. Massot, Ivete. Simões Lopes Neto na intimidade. Porto Alegre: Sec-Bels. 1974. Monquelat, Adão Fernando. Capitão João Simões e sua Cia. de Joões. Diário da Manhã, Suplemento DM Cultura. Pelotas. 30 de junio de 1991. Reverbel, Carlos. Um capitão da Guarda Nacional. Vida e obra de J. Simões Lopes Neto. Porto Alegre: Martins Livreiro. 1981. Para Citar este Artículo: Pereira, Luís Artur Borges. João Simões Lopes Neto e a Educação. Rev. Dialogos Mercosur. Num. 4. Julio-Diciembre (2017), ISSN 0719-7705 pp. 62-79. Las opiniones, análisis y conclusiones del autor son de su responsabilidad y no necesariamente reflejan el pensamiento de la Revista Diálogos en Mercosur. La reproducción parcial y/o total de este artículo debe hacerse con permiso de Revista Diálogos en Mercosur.