Sobre a Imaterialidade do Intelecto no Comentário ao De Anima de Tomás de Aquino

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Transcrição:

Sobre a Imaterialidade do Intelecto no Comentário ao De Anima de Tomás de Aquino Márcio Augusto Damin Custódio Departamento de Filosofia (Unicamp) msdamin@unicamp.br Resumo O propósito do minicurso é investigar a prova da imaterialidade do intelecto que Tomás de Aquino atribui a Aristóteles. Klima (2001: 19) sugeriu que o argumento principal de Tomás, exposto no Comentário às Sentenças (2SN, d. 19, q. 1, a. 1), pode ser explicitado do seguinte modo: O que opera independente da matéria tem um ato do ente independente da matéria; O intelecto opera independente da matéria; Portanto, o intelecto tem um ato do ente independente da matéria. Para Tomás, a dificuldade reside em sustentar a premissa menor, o que é parcialmente feito pela defesa da universalidade das operações ou afecções do intelecto (In De anima 3, lc. 7, n. 10), bem como pela defesa da universalidade dos objetos imediatos do intelecto, obtidos, por abstração, do que se encontra individuado (Q. Disp. De Anima, a. 2, obj. 20). Para cumprir o objetivo do curso, será analisado, com especial ênfase a passagens do De anima, como Tomás de Aquino sustenta, por analogia, que o intelecto deve ser imaterial e separado para poder receber as formas, por intermédio da abstração. Para concluir o curso, será investigado, seguindo Pasnau (2001: 29-36), em que medida Tomás de Aquino satisfaz adequadamente a imaterialidade do intelecto com o auxílio da distinção entre esse intentionale e esse reale, por meio do que se distingue entre as formas representadas no intelecto e a natureza material, individuada das coisas (ST 1a, q. 84). Palavras-Chave: esse intentionale, esse reale, analogia, abstração, intelecto 1

Handout 1 - (2SN, d. 19, q. 1. a. 1-co) Ademais, Aristóteles defende essa opinião, adequadamente verificada, que o intelecto possui ente absoluto, independente do corpo. E, por essa razão, segundo é dito por Avicena, não é forma submersa na matéria, e segundo dito no Liber de causis, não é dependente do corpo. Porém, o meio para se provar isso é tomado de sua operação, pois como não pode haver operação senão de uma coisa existente, é preciso que aquilo que tem por si operação absoluta, também tenha por si ser absoluto. Agora, a operação do intelecto é, ela mesma, absoluta, sem que, quanto a esta operação, comunique-se com algum órgão do corpo, como é evidente por três motivos. Primeiro, porque esta operação cabe a todas as formas corpóreas enquanto objetos e, portanto, é preciso que os princípios dessa operação sejam separados de todas as formas corpóreas. Segundo, que o inteligir é universal, muito embora os órgãos corpóreos não possam receber senão intenções individuais. Terceiro, que o intelecto intelige a si mesmo, o que não pode ocorrer em outro poder, cuja operação se realiza por meio do órgão corpóreo. (2SN, d. 19, q. 1. a. 1-co) Hanc autem opinionem Aristoteles, sufficienter infringit, ostendens intellectum habere esse absolutum, non dependens a corpore; propter quod dicitur non esse actus corporis; et ab avicenna dicitur non esse forma submersa in materia; et in libro de causis dicitur non esse super corpus delata. Hujus autem probationis medium sumitur ex parte operationis ejus. Cum enim operatio non possit esse nisi rei per se existentis, oportet illud quod per se habet operationem absolutam, etiam esse absolutum per se habere. Operatio autem intellectus est ipsius absolute, sine hoc quod in hac operatione aliquod organum corporale communicet; quod patet praecipue ex tribus. Primo, quia haec operatio est omnium formarum corporalium sicut objectorum; unde oportet illud principium cujus est haec operatio, ab omni forma corporali absolutum esse. Secundo, quia intelligere est universalium; in organo autem corporali recipi non possunt nisi intentiones individuatae. Tertio, quia intellectus intelligit se; quod non contingit in aliqua virtute cujus operatio sit per organum corporale 2

2 - (In De Anima lb. 3, lc. 7, n.10) Tal argumento é evidente. De fato, tudo que está em potência para algo e é receptivo dele, carece daquilo para o que está em potência e do qual é receptivo, do mesmo modo que a pupila, que está em potência para as cores, e é receptiva delas, carece de todas as cores. Ora, nosso intelecto intelige do mesmo modo os inteligíveis, porque está em potência para eles e é receptivo deles, assim como os sentidos para os sensíveis. Logo, ele carece de todas aquelas coisas [que cabe a ele] naturalmente inteligir. Uma vez que cabe a nosso intelecto naturalmente inteligir todas as coisas sensíveis e corporais, é necessário que careça de toda natureza corporal, assim como o sentido da visão carece de todas as cores, motivo pelo qual é apto a conhecer as cores. Se possuísse alguma cor, esta cor o impediria de ver as outras cores. Do mesmo modo a língua febril, envolta em algum líquido amargo, não pode receber o sabor doce. Do mesmo modo, se o intelecto possuísse alguma natureza determinada, tal natureza conatural impediria o conhecimento de outras naturezas. E é por isso que [Aristóteles] diz: o que é manifesto no interior [intus apparens], impedirá o conhecimento do que está fora e o obstruirá ; deste modo impedirá o intelecto, de certo modo o velará e restringirá a consideração de outros. E [Aristóteles] chama de manifesto no interior [intus apparens] algum outro conatural intrínseco do intelecto, e que enquanto manifesto, sempre impede o intelecto de conhecer outra [coisa], de modo que dizemos que um líquido amargo era um manifesto no interior [intus apparens] da língua febril. (In De Anima lb. 3, lc. 7, n.10) Quod quidem tali ratione apparet. Omne enim, quod est in potentia ad aliquid et receptivum eius, caret eo ad quod est in potentia, et cuius est receptivum; sicut pupilla, quae est in potentia ad colores, et est receptiva ipsorum, est carens omni colore: sed intellectus noster sic intelligit intelligibilia, quod est in potentia ad ea et susceptivus eorum, sicut sensus sensibilium: ergo caret omnibus illis rebus quas natus est intelligere. Cum igitur intellectus noster natus sit intelligere omnes res sensibiles et corporales, necesse est quod careat omni natura corporali, sicut sensus visus caret omni colore, propter hoc quod est cognoscitivus coloris. Si enim haberet aliquem colorem, ille color prohiberet videre alios colores. Sicut lingua febricitantis, quae habet 3

aliquem humorem amarum, non potest recipere dulcem saporem. Sic etiam intellectus si haberet aliquam naturam determinatam, illa natura connaturalis sibi prohiberet eum a cognitione aliarum naturarum. Et hoc est quod dicit: intus apparens enim prohibebit cognoscere extraneum et obstruet, idest impediet intellectum, et quodammodo velabit et concludet ab inspectione aliorum. Et appellat intus apparens aliquid intrinsecum connaturale intellectui, quod dum ei apparet, semper impeditur intellectus ab intelligendo alia: sicut si diceremus quod humor amarus esset intus apparens linguae febricitantis. 3 - (Qu. Disp. De Anima, a.2, obj. 20 ) Ademais, se a alma está unida a matéria corpórea, é preciso que seja receptiva nela. Mas, o que quer que seja recebido por aquilo que foi recebido na matéria, é recebido na matéria. Portanto, se a alma está unida à matéria, o que quer que seja recebido na alma também o será na matéria. Porém, as formas do intelecto não podem ser recebidas pela matéria prima, ao contrário, se tornaram inteligíveis pela abstração da matéria. Portanto, a alma, que está unida à matéria corpórea, não é receptiva das formas inteligíveis. E desse modo, o intelecto, que é receptivo das formas inteligíveis, não estará unido à matéria corpórea. (Qu. Disp. De Anima, a.2, obj. 20) Praeterea, si anima unitur materiae corporali, oportet quod recipiatur in ea. Sed quidquid recipitur ab eo quod est esse a materia receptum, est in materia receptum. Ergo si anima est unita materiae, quidquid recipitur in anima recipitur in materia. Sed formae intellectus non possunt recipi a materia prima; quinimmo per abstractionem a materia intelligibiles fiunt. Ergo anima quae est unita materiae corporali non est receptiva formarum intelligibilium; et ita intellectus, qui est receptivus formarum intelligibilium, non erit unitus materiae corporali. 4 - (In De Anima lb. 2, lc. 12, n.-5) Sobre o que é dito aqui, examina-se porque os sentidos tratam do singular e a ciência do universal, e de que modo o universal está na alma. Sobre o primeiro é conhecido que o sentido é poder no órgão corpóreo e o intelecto é poder imaterial, motivo pelo qual não é ato de algum órgão corpóreo. Agora, o que é recebido, o é em algo, ao modo deste [algo]. Toda 4

cognição, portanto, é feita dessa forma, na qual o cognoscível está de algum modo no cognoscente, a saber, por semelhança. De fato, o cognoscente em ato é o próprio cognoscível em ato. Pois necessariamente o sentido corpóreo e material recebe a semelhança da coisa que é sentida. Do mesmo modo, o intelecto recebe a semelhança incorpórea e imaterial daquilo que intelige. Agora, a individuação de uma natureza comum nas coisas corpóreas e materiais se dá pela matéria corpórea, contida sob dimensões determinadas; contrariamente, o universal é por abstração de tal matéria e das condições materiais de individuação. Portanto, é manifesto que a semelhança da coisa recebida pelo sentido representa a coisa quanto ao que é singular. Por seu turno, a recepção no intelecto representa a coisa quanto a sua natureza universal. E este é o motivo pelo qual os sentidos conhecem os singulares, ao passo que o intelecto conhece os universais, por meio dos quais têm-se as ciências. (In De Anima lb. 2, lc. 12, n.-5) Circa ea vero quae hic dicuntur, considerandum est, quare sensus sit singularium, scientia vero universalium; et quomodo universalia sint in anima. Sciendum est igitur circa primum, quod sensus est virtus in organo corporali; intellectus vero est virtus immaterialis, quae non est actus alicuius organi corporalis. Unumquodque autem recipitur in aliquo per modum sui. Cognitio autem omnis fit per hoc, quod cognitum est aliquo modo in cognoscente, scilicet secundum similitudinem. Nam cognoscens in actu, est ipsum cognitum in actu. Oportet igitur quod sensus corporaliter et materialiter recipiat similitudinem rei quae sentitur. Intellectus autem recipit similitudinem eius quod intelligitur, incorporaliter et immaterialiter. Individuatio autem naturae communis in rebus corporalibus et materialibus, est ex materia corporali, sub determinatis dimensionibus contenta: universale autem est per abstractionem ab huiusmodi materia, et materialibus conditionibus individuantibus. Manifestum est igitur, quod similitudo rei recepta in sensu repraesentat rem secundum quod est singularis; recepta autem in intellectu, repraesentat rem secundum rationem universalis naturae: et inde est, quod sensus cognoscit singularia, intellectus vero universalia, et horum sunt scientiae. 5

5 - (In De Anima lb. 2, lc. 13, n. 12) Agora, a diferença sobre a alteração dos sentidos pode ser feita de dois modos. De um modo, quanto a espécie mesma do agente. E, desse modo, os sensíveis por si fazem a diferença quanto a alteração dos sentidos, segundo o modo como isto tem uma cor, aquilo outro tem um som, o outro é branco e um outro é preto. Pois as espécies mesmas, que agem nos sentidos, estão ativas nos próprios sensíveis, aos quais a potência sensitiva tem aptidão natural. E em vista disso, estes sensíveis diferenciam os sentidos. Por outro lado, alguns outros produzem diferença na transmutação dos sentidos não quanto a espécie do agente, mas quanto ao modo da ação. Pois as qualidades sensíveis movem os sentidos corpórea e situacionalmente. E os movimentos o fazem conforme são corpos maiores ou menores, e conforme estão situados diversamente, próximos ou distantes, ou o mesmo ou diverso. E é desse modo que os sensíveis comuns fazem diferença quanto a alteração dos sentidos. Pois é manifesto que é devido a todos os cinco que a magnitude e a posição se diferenciam. E como não se relacionam com os sentidos tal qual as espécies ativas, não se diferenciam propriamente nas potências sensitivas, mas permanecem comuns a diversos sentidos. (In De Anima lb. 2, lc. 13, n. 12) Differentiam autem circa immutationem sensus potest aliquid facere dupliciter. Uno modo quantum ad ipsam speciem agentem; et sic faciunt differentiam circa immutationem sensus sensibilia per se, secundum quod hoc est color, illud autem est sonus, hoc autem est album, illud vero nigrum. Ipsae enim species activorum in sensu, actu sunt sensibilia propria, ad quae habet naturalem aptitudinem potentia sensitiva; et propter hoc secundum aliquam differentiam horum sensibilium diversificantur sensus. Quaedam vero alia faciunt differentiam in transmutatione sensuum, non quantum ad speciem agentis, sed quantum ad modum actionis. Qualitates enim sensibiles movent sensum corporaliter et situaliter. Unde aliter movent secundum quod sunt in maiori vel minori corpore, et secundum quod sunt in diverso situ, scilicet vel propinquo, vel remoto, vel eodem, vel diverso. Et hoc modo faciunt circa immutationem sensuum differentiam sensibilia communia. Manifestum est enim quod secundum omnia haec quinque diversificatur magnitudo vel situs. Et quia non habent habitudinem ad sensum, ut species 6

activorum, ideo secundum ea non diversificantur potentiae sensitivae, sed remanent communia pluribus sensibus. 6 - (Quaestiones Quodlibetales, 9, 2, 2 in corp.)...ser [esse] é dito ato do ente [ens] em quanto é ente [ens], ou seja, na medida em que algo é denominado ente em ato na natureza da coisa. E esse ser [esse] não é atribuído senão às coisas mesmas, segundo estão contidas nos dez gêneros [de predicamento, i.e, nas dez categorias]; desse modo, o ente é dito ser [esse, i.e, ato do ser] segundo a divisão por dez categorias. Porém, esse ser [esse, ato do ser] é atribuído a algo de dois modos. De um modo, na medida em que própria e verdadeiramente tem o ser [esse, ato de ser]. E desse modo é atribuído somente a substância que subsiste por si. Assim, o que é dito ser verdadeiramente é dito 'substância' em Física I. Mas nem tudo [que é dito] verdadeiramente subsiste por si, mas [subsiste] no outro e com o outro, sejam os acidentes, sejam as substâncias formais ou quaisquer partes, não tendo ser [esse, ato de ser] de modo que existam verdadeiramente, mas o ser lhes é atribuído de outro modo, por meio do que alguma outra coisa é. Assim a brancura é dita ser não na medida em que é subsistente por si, mas na medida em que algo outro tem o ser branco. O ser, portanto, é própria e verdadeiramente atribuido somente às coisas que são por si subsistentes. Para isso, contudo, o atributo é dito de dois modos. Primeiro é resultante daqueles cuja unidade é integrada, o que é próprio do ser substancial do suposto. Outro ser é atribuído ao suposto para além daquele que é integrado, e que é um ser adicionado, ou seja, acidental. Assim ocorre com o ser branco atribuído a Sócrates quando se diz: Sócrates é branco. (Quaestiones Quodlibetales 9, 2, 2, in corp)...esse dicitur actus entis in quantum est ens, idest quo denominatur aliquid ens actu in rerum natura. Et sic esse non attribuitur nisi rebus ipsis quae in decem generibus continentur; unde ens a tali esse dictum per decem genera dividitur. Sed hoc esse attribuitur alicui dupliciter. Uno modo ut sicut ei quod proprie et vere habet esse vel est. Et sic attribuitur soli substantiae per se subsistenti: unde quod vere est, dicitur substantia in i Physic. Omnia vero quae non per se subsistunt, sed in alio et cum alio, sive sint accidentia sive formae substantiales aut quaelibet partes, non habent esse ita ut 7

ipsa vere sint, sed attribuitur eis esse alio modo, idest ut quo aliquid est; sicut albedo dicitur esse, non quia ipsa in se subsistat, sed quia ea aliquid habet esse album. Esse ergo proprie et vere non attribuitur nisi rei per se subsistenti. Huic autem attribuitur esse duplex. Unum scilicet esse resultans ex his ex quibus eius unitas integratur, quod proprium est esse suppositi substantiale.aliud esse est supposito attributum praeter ea quae integrant ipsum, quod est esse superadditum, scilicet accidentale; ut esse album attribuitur Socrati cum dicitur: Socrates est albus. 8