Aspiração e apagamento de <S> em coda silábica no português quilombola de Alto Alegre-BA

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Transcrição:

PAPIA, São Paulo, 26(1), p. 101-112, Jan/Jun 2016. Aspiração e apagamento de <S> em coda silábica no português quilombola de Alto Alegre-BA Aspiration and deletion of <S> in syllabic coda in the Brazilian Portuguese spoken in Alto Alegre-BA Gredson dos Santos Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Amargosa, Brasil gredsons@bol.com.br Jailma da Guarda Almeida Universidade Federal do Recôncavo da Bahia/cnpq, Amargosa, Brasil jailmaalmeida2@hotmail.com Abstract: The study is based on the theoretical principles of Labovian Sociolinguistics (Labov, 2008 [1972]) and investigates the variation of <S> in a post-vowel position in the Portuguese spoken by the Quilombo community of Alto Alegre, which is located in the area of the municipality of Presidente Tancredo Neves, Bahia. The sample consisted of 600 occurrences of <S> in syllabic coda without a plural value collected from informal conversations between six men and six women without formal education born in community of Alto Alegre. They were randomly chosen and divided into three age groups: group I: 20-40 years; group II: 40-60 years; and group III: above 60 years. The results show that there is an ongoing change scenario in which the younger generation is abandoning typical popular Portuguese forms, such as the deletion of <S>. Keywords: Variationist sociolinguistic; African-Brazilian Portuguese; fricative consonants; syllabic coda. e-issn 2316-2767

102 Gredson dos Santos / Jailma da Guarda Almeida Resumo: O estudo pauta-se nos princípios teóricos da Sociolinguística Laboviana (Labov, 2008 [1972]) e busca investigar a variação de <S> em posição pós-vocálica no português falado pela comunidade quilombola de Alto Alegre, pertencente ao município de Presidente Tancredo Neves (BA). A amostra estudada foi constituída de 600 ocorrências de <S> em coda silábica, sem valor de plural, extraídas da fala informal de seis homens e seis mulheres sem escolarização, naturais de da comunidade de Alto Alegre, escolhidos aleatoriamente de acordo com três faixas etárias: faixa I, de 20 a 40 anos; faixa II, de 40 a 60 anos e faixa III, acima de 60. Os resultados mostram que na comunidade há um quadro de mudança em progresso no sentido que a faixa etária mais nova está abandonando formas típicas do português popular, como o apagamento de <S>. Palavras-chave: Português afro-brasileiro; consoantes fricativas; coda silábica. 1 Introdução O português atual falado no Brasil é um diassistema polarizado e plural, em que dois conjuntos de normas linguísticas as de prestígio e as populares possuem sistemas de regras variáveis e sistemas de avaliação distintos em muitos aspectos (Lucchesi 2002). As normas de prestígio têm sua origem no português das elites que colonizaram o Brasil e que hoje é falado por pessoas de alta escolarização com acesso amplo e consolidado a bens culturais valorizados pelos segmentos dominantes da população brasileira. As normas populares são oriundas das mais variadas situações de contato entre o português, as mais de 1.100 línguas indígenas e as mais de 300 línguas africanas faladas pelos escravos africanos, entre os séculos XVI e XIX, e que fincaram raízes em áreas rurais, incialmente nas grandes áreas agrícolas conhecidas como plantations (Cardoso, Mota & Mattos e Silva 2006). Os processos que determinaram o contato entre línguas, abundantes na história do Brasil, são, em boa medida, responsáveis pelo que o PB tem de específico em relação ao português europeu (PE) e também pelas características que as normas de prestígio e as normas populares do português do Brasil (PB) têm em comum. No contexto colonial brasileiro, o PE, língua minoritária nos dois primeiros séculos da colonização, sobretudo em função da concorrência com línguas indígenas, africanas e outras línguas europeias, só viria a difundir-se amplamente por meio da população afrodescendente, que foi o principal veículo de difusão do que Mattos e Silva (2004) chamou de português geral (ou popular) brasileiro, uma variedade fortemente marcada pela presença de elementos de línguas indígenas e, principalmente, africanas

Aspiração e apagamento de <S> em coda silábica... Aspiration and deletion of <S> in syllabic coda in... 103 características essas que ainda podem ser rastreadas no português de comunidades quilombolas (português afro-brasileiro), por conta de sua vinculação mais direta com antigos processos de contato forçado entre línguas (Lucchesi 2009). Do ponto de vista fonético-fonológico, as variedades afro-brasileiras do português popular do Brasil (PPB) tendem a exibir fenômenos em intensidade tal que se supõe estarem associados aos processos de Transmissão Linguística Irregular (TLI) que marcaram a história de constituição e difusão do português no Brasil, em que era comum que pais africanos, falantes do português como segundo língua, aprendido em situações muito precárias, fornecessem o modelo de aquisição de português L1 para seus descendentes (Santos 2012). O estudo que aqui se apresenta resulta do projeto de pesquisa A coda silábica no português da comunidade quilombola de Alto Alegre-BA: análise sociolinguística, apoiado pelo Programa de Iniciação Científica CNPQ (2013-2014)/UFRB, que teve como objetivo estudar a realização variável das consoantes que ocupam a coda silábica no português afro-brasileiro a partir da constituição de um banco de dados linguísticos contendo um corpus de fala de uma comunidade quilombola localizada no Território de Identidade do Baixo Sul da Bahia, às margens da BR 101 e muito próximo do Vale do Jiquiriçá, território onde se situa o Centro de Formação de Professores da UFRB. A comunidade foi escolhida por ter sido reconhecida como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares (FCP) no ano de 2008. O acesso a ela, que é muito difícil, se dá principalmente partindo-se do entroncamento do município de Laje, pela BR101. Alto Alegre integra um total de oito comunidades quilombolas mapeadas pela FCP, situadas nos municípios vizinhos de Presidente Tancredo Neves, Wenceslau Guimarães e Teolândia, todos às margens da referida rodovia e relativamente próximos ao Vale do Jiquiriçá. Alto Alegre é uma comunidade que se formou a partir da doação de terras altas, a partir da década de 30 do século XX a colonos descendentes de trabalhadores escravizados que atuaram nas plantações de cana e cravo do recôncavo da Bahia, sobretudo no município de Valença-BA. Nas áreas circunvizinhas, a comunidade era conhecida pejorativamente como Alto da Fome, nome que é rejeitado hoje por quem reside nela. Atualmente, a comunidade se compõe de cerca de duzentas famílias que vivem do cultivo do cravo e da venda de excedentes da agricultura familiar comercializados na feira livre da cidade de Presidentes Tancredo Neves, cujo centro fica a cerca de 20km. Assim, a questão central para a pesquisa diz respeito a até que ponto a qualidade da variação que afeta a variação da consoante /S/ em posição pós-vocálica (coda silábica) na comunidade em estudo pode ser associada a processos de crioulização que afetaram o PB. O principal objetivo do trabalho, que adota a perspectiva da Sociolinguística Laboviana, é apresentar o quadro de variação de <S> no que tange à aspiração e

104 Gredson dos Santos / Jailma da Guarda Almeida ao apagamento da variável <S> apenas nos contextos em que essas variantes são mais frequentes. Uma comparação com alguns dos resultados de Santos (2002) será feita com o fim de reforçar a interpretação apresentada pelo autor, que estudou a variação de <S> em coda na comunidade quilombola de Helvécia-BA. Seguindo o que propôs Santos (2012), considera-se que o exame de dados fonéticofonológicos do português falado por comunidades mais diretamente ligadas às populações negras que as constituíram no passado possibilita o rastreamento de fenômenos que podem ser creditados à influência africana no PB contribuindo para entender melhor se a intensidade da variação na coda silábica no português afrobrasileiro, em comparação com outras normas, pode ser creditada à história de contato linguístico do português quilombola. Nas duas seções que se seguem serão apresentados princípios metodológicos que guiaram a realização da pesquisa e os resultados referentes ao apagamento e à aspiração de <S> em coda silábica na comunidade. 2 Metodologia Os dados que serviram de base para esta pesquisa, foram coletados na comunidade quilombola de Alto Alegre, pertencente ao município de Presidente Tancredo Neves (a 263 km de Salvador). Para a escolha dos informantes na comunidade foram levados em conta os pressupostos teóricos da sociolinguística variacionista. Portanto, os falantes que forneceram as entrevistas foram estratificados quanto a sexo (feminino/masculino) e idade (faixa 1: 20 a 40 anos; faixa 2: 41 a 60 anos; na faixa 3: acima de 60 anos). O corpus que foi recolhido para análise foi composto por 12 entrevistas com falantes que são naturais da comunidade e sem escolarização. Esse informantes foram divididos em 6 homens e 6 mulheres, distribuídos em três faixas etárias como descrito acima. Para a constituição do corpus em estudo, foi selecionada uma quota 50 ocorrências da variável <S> em cada uma das 12 entrevistas, somando o total de 600 ocorrências, considerando algumas condições: a) foram excluídos os casos em que <S> tem valor de plural; b) foram excluídos os casos de <S> em fim de vocábulo seguido de vogal uma vez que nesse contexto geralmente acontece uma ressilabação, que é um fenômeno em que uma consoante deixa de ocupar a posição de coda e passa a ocupar a posição de ataque silábico; c) foram excluídas as ocorrências de <S> quando este se encontra antes de [s, z, S, Z, h, H]; d) foram excluídos os trechos que ficaram pouco claros na entrevista. As ocorrências de <S>, neste trabalho, foram estudadas com o auxílio de uma ferramenta para a análise sociolinguística, o GOLDVARB X 1. 1 Para maiores informações sobre os elementos envolvidos na análise estatística adotada pela sociolinguística laboviana, que é seguida de perto por este trabalho; consultar Guy e Zilles (2007).

3 Resultados e discussão Aspiração e apagamento de <S> em coda silábica... Aspiration and deletion of <S> in syllabic coda in... 105 O objetivo desta seção é verificar como as ocorrências de enfraquecimento (aspiração e apagamento) da variável estão encaixadas na estrutura linguística e no contexto social do português falado pela comunidade de Alto Alegre. A tabela 1 mostra a distribuição das variantes e as posições em que ocorrem no corpus. Tab. 1: Posição em que ocorrem as variantes de <S> em coda silábica. VARIANTES [s / z] [S / Z] [h / H] Ø Totais POSIÇÃO N % N % N % N % N Final absoluto de vocábulo 23 39 1 1, 7 0 0 35 59, 3 59 Final de vocábulo seguido de consoante 90 51, 7 1 0, 6 19 10, 9 64 36, 8 174 Interior de vocábulo 67 18, 3 185 50, 4 110 30 5 1, 4 367 Total 180 30 187 31, 1 129 21, 5 104 17, 3 600 A tabela 1 mostra alguns dados gerais acerca das ocorrências de <S> em interior de vocábulo, final de vocábulo seguido de consoante e em final absoluto de vocábulo. Os resultados mostram que a realização palatal (variante padrão) é um pouco maior em relação às outras variantes, com 187 das 600 ocorrências; no entanto, essas ocorrências concentram-se mais em interior de vocábulo. Configuração similar foi vista em Helvécia por Santos (2012). Esse resultado, pode-se dizer, deve-se à grande quantidade de vocábulos em que a consoante da sílaba posterior é uma oclusiva alveolar desvozeada (/t/), que influencia essas ocorrências. Por exemplo, houve uma grande quantidade de vocábulos como: gosto, festa, cesta, posto, estrada e estudar. Pode-se dizer que, em quase todos os contextos em que aconteceu a palatalização, a consoante precedente era uma oclusiva alveolar. A segunda variante mais usada é a alveolar (variante padrão), que contou com 180 das 600 ocorrências, distribuídas nas três posições. Embora a palatal tenha seis ocorrências a mais que alveolar, uma diferença relativamente pequena, os dados permitem dizer que a norma na comunidade seria a realização alveolar, pois essa apresenta uma distribuição equilibrada em todas as posições. A realização aspirada (variante não-padrão) é a terceira que mais ocorre no corpus estudado, com 21.5% das ocorrências. No entanto, essas ocorrências concentram-se

106 Gredson dos Santos / Jailma da Guarda Almeida em interior de vocábulo. Isso se deve à grande ocorrência do vocábulo mesmo, que, dentro do corpus analisado, apareceu 80 vezes. O apagamento (variante não-padrão) é a forma menos usada entre os entrevistados quando considerados todos os contextos juntos. Apesar de ocorrer em todas as posições, ele concentra-se mais em final absoluto de vocábulo, com 59.3% das ocorrências. Destaque-se que, embora em menor taxa, os índices de apagamento são bastantes altos se comparados a comunidades que não são remanescentes de quilombos, como demonstrou Santos (2012). Considerando o que fora proposto, a seguir serão apresentados resultados referentes ao apagamento e à aspiração de <S>. Para a aspiração, serão detalhados os resultados referentes à posição de interior de vocábulo, que é a que mais ocorre a variante aspirada. Para o apagamento, apenas os dados da posição de final absoluto de palavra serão evidenciados. 3.1 O apagamento de <S> em final absoluto de vocábulo A taxa de apagamento no corpus é de 17.3%, sendo que a maior parte das ocorrências foram encontradas em final absoluto de vocábulo. Note-se que os casos de apagamento que estão sendo estudados aqui não incluem <S> com valor de plural e nem os casos que <S> em fim de vocábulo vem seguido de vogal, uma vez que, nesse contexto, geralmente acontece uma ressilabação. Essa taxa de apagamento, que é bastante alta em comparação com o que mostram outros trabalhos sobre o PPB que não investigaram comunidades quilombolas, é similar ao que observou Santos (2012), que encontrou um total de 18%, também excluindo os casos em que <S> tem valor de plural; os casos que <S> em fim de vocábulo vem seguido de vogal; as ocorrências de <S> quando este se encontra antes de [s, z, S, Z, h, H]. Os dados de Alto Alegre, nesse sentido, reforçam a hipótese de que, em comunidades quilombolas, as taxas de enfraquecimento de <S> são bastante altas em função do histórico de contato com línguas africanas quando do período de formação dessas comunidades. O grupo de fatores selecionados pelo GOLDVARB X como o mais importante, do ponto de vista linguístico, para o apagamento, na posição aqui analisada foi a extensão do vocábulo. Do ponto de vista extralinguístico, o fator faixa etária é tido como o mais relevante, conforme evidenciam as tabelas 2 e 3. A tabela 2 mostra que existem mais chances de o apagamento ocorrer em vocábulo composto de duas sílabas. Os monossílabos apresentam peso que desfavorece ao apagamento (0.24). Entre os vocábulos que sofreram o apagamento estão dissílabos: somuø (somos), Tancredo Neveø (Neves), Jesuyø (Jesus), rapay (rapaz) e os monossílabos: Deu (Deus), seiø (seis), doiø (dois), dua (duas) e mai (mais/

Aspiração e apagamento de <S> em coda silábica... Aspiration and deletion of <S> in syllabic coda in... 107 Tab. 2: Influência da variável extensão do vocábulo para o apagamento em final absoluto na comunidade de Alto Alegre. Extensão do vocábulo Apl. / Total % P.R Dissílabo 24 / 29 82, 8 0, 75 Monossílabo 9 / 28 32, 1 0, 24 Total 33 / 57 42, 1 Input 0.617; Log likelihood = -29.368; significance = 0.024. Tab. 3: Influência da variável faixa etária para o apagamento em final absoluto na comunidade de Alto Alegre. Faixa etária Apl. / Total % P.R 3 20 / 27 74, 1 0, 66 1 6 / 18 33, 3 0, 26 Total 26 / 45 57, 8 (Input 0.617; Log likelihood = -29.368; significance = 0.024) mas). No trabalho de Santos (2012), os dissílabos, com peso relativo de 0,77, também são favorecedores ao apagamento. Quanto ao fator extralinguístico selecionado como favorecedor, a faixa etária se mostra importante. A tabela 3 mostra a influência do fator faixa etária para o apagamento em final absoluto de vocábulo. É possível observar, na tabela 3, que há na comunidade de Alto Alegre um quadro de mudança em progresso, uma vez que a faixa mais nova apresenta um peso relativo desfavorecedor ao apagamento (0.26), enquanto os falantes da faixa etária mais velha favorecem o apagamento, com peso relativo de 0,6. Ao que parece, esses jovens estão abandonando as formas mais marcadas da comunidade, ou seja, a fala deles está se distanciando da fala de seus pais e avós. Destaque-se que, uma vez que quase não ocorreram apagamentos de <S> entre os informantes da faixa etária 2, a comparação foi feita apenas com as duas outras faixas. O trabalho de Santos (2012) também mostra um quadro de mudança em progresso na comunidade de Helvécia, uma vez que, possui um peso favorecedor de 0,78 e faixa etária mais nova apresenta um peso desfavorecedor de 0,15. O que se pode perceber, com base nos dados que são aqui analisados e nos dados encontrados por Santos (2012), é que o fenômeno do apagamento de <S> em coda está ligando, principalmente, ao fator faixa etária.

108 Gredson dos Santos / Jailma da Guarda Almeida Tab. 4: Influência da variável característica da vogal antecedente à variável a realização aspirada de <S> em interior de vocábulo na comunidade de Alto Alegre. Tipo de vogal Apl. / Total % P.R /i/ 4 / 16 25 0, 95 /O/ 7 / 56 12, 5 0, 92 /o/ 2 / 19 10, 5 0, 81 /a/ 8 / 18 44, 4 0, 74 /E/ 3 / 37 8, 1 0, 66 /e/ 86 / 108 79, 6 0, 08 Total 110/254 43, 3 (Input 0.199; Log likelihood = -74.316; significance = 0.012). 3.2 Realização aspirada de <S> em interior de vocábulo A realização aspirada foi a terceira variante mais usada pelos falantes, atingindo um total de 129 vocábulos, o que representa 21.5% do total de ocorrências. Esse resultado é bastante semelhante ao que foi encontrado por Santos (2012) e Lucchesi (2009). Santos (2012) encontrou uma taxa de 22.4% de aspiração em Helvécia. Lucchesi (2009), na pesquisa em que desenvolveu em Salvador-BA, encontrou uma taxa de aspiração de 21%. Quanto ao fenômeno de aspiração, neste corpus, o GOLDVARB X selecionou como fatores linguísticos importantes o tipo de vogal precedente, a característica da consoante que inicia a sílaba, a sonoridade da consoante seguinte e a classe morfológica do vocábulo. No contexto extralinguístico, foram selecionados os fatores faixa etária. Em finais absolutos não houve realizações aspiradas. No corpus estudado, o programa, selecionou como fatores linguísticos importantes para a aspiração o tipo de vogal precedente, característica da consoante que inicia a sílaba, a sonoridade da consoante seguinte e classe morfológica do vocábulo. No contexto extralinguístico foi selecionado o fator faixa etária e sexo. A variante aspirada ocorre 110 vezes, em interior de vocábulo, o que corresponde a 30% do total de ocorrências. Os fatores linguísticos que o GOLDVARB x selecionou como importantes foram: o tipo de vogal precedente, característica da consoante subsequente e a sonoridade da consoante seguinte. No contexto extralinguístico o programa selecionou com fator importante para a aspiração apenas a faixa etária. As tabelas 4-7 apresentarão desses dados. Como mostra a tabela 4, o Programa selecionou como importantes os contextos em que as vogais são: posterior alta, posterior media-aberta, posterior media-fechada,

Aspiração e apagamento de <S> em coda silábica... Aspiration and deletion of <S> in syllabic coda in... 109 central baixa, anterior media-aberta e anterior media-fechada. As palavras em que esses contextos ocorreram são estas: gohta (gosta), mehmu (mesmo), cohta (costa), bahtante (bastante), agohto (agosto), gohtava (gostava), pehcar (pescar), inguhts iada (angustiada), jahmim (jasmim), suhto (susto), pehcava (pescava), mehma (mesma), acuhtumo (acostumo), cahcalho (cascalho). Vale destacar que em interior de palavra, o vocábulo mesmo ocorreu 80 vezes. Nos dados de Santos (2012) as vogais são destacadas como relevantes para o apagamento, no entanto, as vogais selecionadas como mais importantes são: semivogal anterior, posterior alta, posterior médiaaberta e a central baixa. Tab. 5: Influência da variável consoante subsequente para a realização aspirada em interior de vocábulo na comunidade de Alto Alegre. Tipo de consoante Apl. / Total % P.R Nasal labial 89 / 98 90, 8 0, 93 Oclusivas velares 4 / 33 12, 1 0, 69 Oclusivas alveolares 16 / 194 8, 2 0, 18 Total 109/367 33, 5 (Input 0.199; Log likelihood = -74.316; significance = 0.012). Conforme mostra a tabela 5, a consoante nasal labial e as oclusivas velares são as consoantes que contribuem para a aspiração enquanto a oclusiva alveolar desfavorece a aspiração de <S>. O resultado indica a nasal labial como a maior favorecedora a aspiração, com peso relativo 0,93. Esse resultado pode ser atribuído à repetição do vocábulo mesmo, que foi pronunciado 85 vezes e do vocábulo jasmim, que foi pronunciado 4 vezes. No trabalho de Santos (2012), as consoante que influenciam o apagamento são: as africadas (P.R 0,85), nasal labial (P.R 0,76) e as oclusivas velares (P.R 0,25). Santos (2012) destaca ainda que, entre os casos de aspiração antecedendo uma consoante nasal labial, encontradas no seu corpus, estão muitas ocorrências do vocábulo mesmo, o que contribuiu para o peso da nasal. A seguir é apresentada a influência da sonoridade da consoante seguinte para a aspiração de <S>. Pode-se observar, na tabela 6, que, em interior de vocábulo, as consoantes sonoras, com 88.2% e com peso relativo de 0,82, são as que favorecem a aspiração <S> em interior de vocábulo. Resultado parecido foi encontrado por Santos (2012) e Lucchesi (2009). Santos (2012) encontrou peso relativo de 0,91 para as consoantes sonoras e de 0,25 para as consoantes não sonoras e Lucchesi (2009) encontrou peso relativo de 0,78 favorecedor para a aspiração diante de consoantes sonoras. Esse resultado mostra que consoantes com traços mais sonoros tendem a influenciar a aspiração. No que tange ao encaixamento social da variante, o Programa selecionou a faixa etária como o grupo de fator mais importante, como mostra a Tabela 7.

110 Gredson dos Santos / Jailma da Guarda Almeida Tab. 6: Influência da variável sonoridade da consoante seguinte para a realização aspirada em interior de vocábulo na comunidade de Alto Alegre. Sonoridade da consoante Apl. / Total % P.R Sonora 90 / 102 88, 2 0, 82 Não-sonora 20 / 265 7, 5 0, 35 Total 110 /367 30 (Input 0.199; Log likelihood = -74.316; significance = 0.012). Tab. 7: Influência da variável faixa etária para a realização aspirada em interior de vocábulo na comunidade de Alto Alegre. Faixa etária Apl. / Total % P.R 3 44 / 117 37, 6 0, 73 2 43 / 131 35 0, 49 1 23 / 127 18, 1 0, 28 Total 110/ 367 30 (Input 0.199; Log likelihood = -74.316; significance = 0.012). Os dados da tabela mostram que os falantes da faixa etária 3, com peso relativo de 0,73, tendem a favorecer as realizações aspiradas enquanto os falantes da faixa etária 1 desfavorecem as realizações aspiradas com peso relativo de 0,28. Observando os dados da tabela, é possível dizer que há, na comunidade de Alto Alegre, um quadro de mudança em progresso, uma vez que, a faixa mais nova apresenta um peso desfavorecedor para a aspiração. No Trabalho de Santos (2012), diferentemente do resultado que foi encontrado aqui, são os falantes da faixa etária 1 que favorecem a aspiração com peso relativo de 0,73. Segundo o autor, esse resultado deve-se a grande quantidade de vocábulo mesmo que foi pronunciado pelos falantes da faixa etária 1. 4 Considerações finais Este trabalho buscou investigar o enfraquecimento da variável <S> em posição pós-vocálica no português falado pela comunidade de Alto Alegre-BA, procurando interpretar o fenômeno considerando influências linguísticas e sociais. Em termos gerais, viu-se que as taxas de aspiração (21.5%) e de apagamento (17.3%) somam um percentual 38.8%. Esses resultados são parecidos com os que

Aspiração e apagamento de <S> em coda silábica... Aspiration and deletion of <S> in syllabic coda in... 111 foram encontrados por Santos (2012) na comunidade de Helvécia, que observou, para a variante aspirada, um total de 23,37% e, para o apagamento, um total 18%. Juntas, essas variates somam um total 40,47%. Em Alto Alegre, esses percentuais somam 38,8%. A principal interpretação que se propõe para os números aqui apresentados é a de que comunidades com história quilombola exibem taxas de enfraquecimento de <S> muito mais intensas que outras comunidades do Português Popular Brasileiro, o que dá espaço para a hipótese de que esse pode ser um efeito do contato linguístico entre línguas africanas e o português brasileiro que marcou a constituição dessas comunidades. Além do mais, como tem sido típico em comunidades com essa caraterística, hoje, em Alto Alegre, pode-se dizer que existe na comunidade um quadro de mudança em progresso, uma vez que, são falantes da faixa etária mais velha os que mais utilizam a variante aspirada e o apagamento, enquanto os falantes da faixa etária mais jovem estão avançando para as formas menos desprestigiadas. Esse resultado é semelhante ao encontrado por Santos (2012), que também observou que as faixas mais jovens são as que mais empregam a variante alveolar e rejeitam fortemente as variantes não-padrão. Lucchesi (2009), no estudo que realizou em Salvador, relata também que a faixa mais jovem lidera o processo de implementação da forma padrão. Considerando essas altas taxas de enfraquecimento de <S>, sobretudo na faixa mais velha, pode-se associar esse resultado a uma transmissão geracional do tipo leve, como observa Santos (2012), uma vez que, comunidades quilombolas como Alto Alegre que devem ter passado por processo de contato entre línguas onde os falantes que deram origem à comunidade devem ter adquirido a língua portuguesa dentro do quadro de aquisição que se propõe para comunidades escravizadas que passaram por intensos processos de contato entre línguas. Referências Cardoso, Suzana Alice Marcelino; Mota, Jacyra Andrade; Mattos e Silva, Rosa Virgínia (Orgs.). 2006. Quinhentos anos de história lingüística do Brasil. Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da Bahia. Guy, Gregory Riordan. 2005. A questão da crioulização no português do Brasil. In: Zilles, Ana Maria Stahl (Org.). Estudos de variação linguística no Brasil e no cone Sul, 15-38. Porto Alegre: EDUFRGS. Guy, Gregory R.; Zilles, Ana. 2007. Sociolingüística quantitativa: instrumental de análise. São Paulo: Parábola. Labov, Willian. 2008[1972]. Padrões Sociolinguísticos. São Paulo: Parábola. Lucchesi, Dante. 2004. Sistema, mudança e linguagem: um percurso na história da linguística moderna. São Paulo: Parábola.

112 Gredson dos Santos / Jailma da Guarda Almeida Lucchesi, Dante. 2009. A realização do /S/ implosivo no português popular de Salvador. In: Ribeiro, Silvana Soares; Costa, Sônia Bastos Borba; Cardoso, Suzana Alice Marcelino (Orgs.). Dos sons às palavras: nas trilhas da língua portuguesa; homenagem a Jacyra Andrade Mota pela contribuição aos estudos dialetais brasileiros, 83-110. Salvador: EDUFBA. Lucchesi, Dante. 2003. O conceito de transmissão linguística e o processo de formação do português do Brasil. In: Rocanti, Cláudia; Abraçado, Jussara. Português brasileiro: contato linguístico, heterogeneidade e história, 272-284. Rio de Janeiro: 7Letras. Mattos e Silva, Rosa Virgínia. 2004. Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro. São Paulo: Parábola. Mollica, Maria Cecilia; Braga, Maria Luiza. 2012. Introdução a sociolinguística: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto. Naro, Anthony Julius; Scherre, Maria Marta Pereira. 2003. O conceito de transmissão linguística irregular e as origens estruturais do Português brasileiro: um tema em debate. In: Rocanti, Cláudia; Abraçado, Jussara. Português brasileiro: contato linguístico, heterogeneidade e história. Rio de Janeiro: 7Letras. Santos, Gredson. 2012. O português afro-brasileiro Helvécia-BA: análise da variável <S> em coda silábica. 272 f. il. 2012. Tese (Doutorado em Letras e linguística) Instituto de Letras Universidade Federal da Bahia, Salvador. Recebido: 31/07/2015 Aprovado: 13/11/2015