FEMICÍDIO NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES DE INTIMIDADE: TIPOLOGIA

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Transcrição:

FEMICÍDIO NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES DE INTIMIDADE: TIPOLOGIA DO COMPORTAMENTO CRIMINAL Iris Almeida Cristina Soeiro Maria Luísa Lima Seminário Morrer no Feminino: da Prevenção à Intervenção 25 de Setembro de 2012

INTRODUÇÃO A morte de mulheres vítimas de violência doméstica nas estatísticas mundiais apresenta valores alarmantes Cerca de 66.000 mulheres vítimas de violência doméstica, são mortas por ano, representando aproximadamente 17% do total de homicídios (Geneva Declaration Secretariat, 2011) Para identificar as características específicas deste fenómeno, tem sido utilizado o termo femicídio para designar quer o homicídio de mulheres (e.g. Caputi & Russell, 1992; Radford & Russell, 1992; Russell, 2001a,b,c) quer o homicídio de mulheres no contexto das relações íntimas (e.g. Campbell et al., 2003b; Dawson & Gartner, 1998; Ellis & DeKeseredy, 1997; Grana, 2001; Stout, 1992, 2001)

O CONCEITO DE FEMICÍDIO Foi utilizado pela primeira vez, em 1801, em Londres, para caracterizar o crime de homicídio de mulheres A partir dos anos 70, começaram a emergir algumas definições mais específicas (Stout, 2001) Em alguns países o conceito de femicídio ainda não é conhecido, mas noutros há uma vasta sensibilidade social, debates e reflexões sobre a tipificação penal do femicídio, como é o caso de Espanha e dos países da América Latina (e.g. México, a Nicarágua, a Argentina, El Salvador, Chile, Peru, Guatemala e Costa Rica) Mais recentemente, numa perspetiva mais política, Sanford (2008), defende a utilização do termo feminicídio Este conceito surgiu na América Latina, na década de 90, devido à atenção dada a nível internacional, ao homicídio de jovens mulheres na Cidade de Juarez (México) (CLADEM, 2012)

ESTATÍSTICAS INTERNACIONAIS FEMICÍDIO NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES ÍNTIMAS País Espanha Reino Unido 100 mortes por ano 120 mortes por ano Estatísticas França Itália EUA Brasil A cada 3 dias, 1 mulher é morta pelo seu parceiro Entre 2006 e 2009, ocorreram 439 mortes 1 em cada 3 femicídios tem uma natureza íntima - segunda causa de morte em mulheres com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos de idade Entre 2003 e 2007 foram registadas 19.440 mortes (M= 4.000 por ano) África do Sul A cada seis horas um homem mata uma mulher, sendo considerado o maior índice de mortalidade já registado devido à violência doméstica (REDE, 2008)

Relação inversa entre a taxa de mortes de mulheres e o seu contexto conjugal O padrão de vitimização das mulheres tende a acompanhar padrões de violência mais geral em países onde os níveis de mortes violentas são reduzidos Portugal - a grande maioria dos casos de mortes de mulheres verificase em contextos de relações íntimas (Declaração de Genebra sobre Violência Armada e Desenvolvimento, 2001) Em Ciprus, França e Portugal, o femicídio no contexto das relações íntimas representa cerca de 80% do total dos casos de mortes de mulheres (Nowak, 2012)

ESTATÍSTICAS EM PORTUGAL Dados do Eurostat - Prevalência dos homicídios e femicídios ocorridos em Portugal por cada 100.000 habitantes nos últimos 11 anos Em 1996-15% do homicídio geral Em 2006-16.4% Em 2009-13% Em cada 6 homicídios 1 ocorre no contexto das relações íntimas No total, entre 2006 e 2011 morreram em Portugal cerca de 250 mulheres no contexto das relações íntimas

FATORES DE RISCO CARACTERÍSTICAS DOS AGRESSORES Limitações ao nível social, geralmente são jovens, com estatuto socioeconómico baixo e problemas ao nível laboral (e.g. desemprego) (Campbell et al., 2003b; Dobash et al., 2004; Gartner et al., 2001) Histórico prévio de comportamento violento, quer no seio familiar, quer no contexto extrafamiliar (Gartner et al., 2001) Alguns apresentam antecedentes criminais: violência doméstica e tráfico de estupefacientes (Dobash et al., 2004; McFarlane et al.,1999) Alguns foram vítimas ou testemunharam violência na infância ou adolescência (Aldridge & Browne, 2003) Comummente apresentam problemas associados a abuso de substâncias Mais comum álcool (Dobash et al., 2004; Sharps et al., 2001, 2003) Alguns apresentam problemas de saúde mental (Dobash et al., 2004; McFarlane et al., 1999)

FATORES DE RISCO CARACTERÍSTICAS DAS VÍTIMAS Algumas foram vítimas ou testemunharam violência na infância ou adolescência (Baldry & Ferraro, 2008) - a violência e o abuso é parte normal do relacionamento - menor probabilidade de romperem o relacionamento Sinais de problemas de saúde mental resultantes da escalada de violência experienciada pela vítima, nomeadamente deterioração do funcionamento social (Baldry & Ferraro, 2008) Algumas vítimas apresentam problemas relacionados com o abuso de substâncias (Sharps et al., 2003)

FATORES DE RISCO RELAÇÃO VÍTIMA E AGRESSOR Violência nas Relações Íntimas - preditor mais forte - Matam após longos períodos de abusos coercivos 67% a 75% (e.g. Campbell, 1992; Campbell et al., 2003b, 2007; Hardesty et al., 2008) 70% a 90% (e.g. Taylor & Jasinski, 2011) Escala de violência antes do femicídio 1 em cada 5 mulheres, nunca foram vítimas de violência, o femicídio foi um ato isolado - Apresentam fatores de risco distintos (e.g. comportamentos de controlo ou ciúme, abuso de substâncias e comportamentos violentos fora do contexto familiar) Separação ou a ameaça de separação é um fator de risco proeminente de femicídio (Brownridge, 2006) Motivações - Ciúme e/ou medo de perda da companheira e o controlo O aumento do risco é imediato, a curto prazo e não a longo prazo - sendo o período de risco de dois meses (e.g. Ellis & DeKeseredy, 1997; Taylor & Jasinski, 2011) ou no primeiro ano após a separação (Campbell et al., 2007)

VÍTIMA E AGRESSOR Tipo de Relação - Maior risco em relações união de facto do que conjugais ou namoro - relações mais instáveis e ténues (e.g. desemprego, nível socioeconómico mais baixo, álcool, estrutura familiar deficitária e geralmente as vítimas possuem filhos de relacionamentos anteriores) Aumenta oito vezes mais se a vítima coabitar com o agressor (Wilson, et al., 1995) Filhos de Relações Anteriores aumenta o risco de sentimentos de ciúme e propriedade Stalking - Aumento da severidade de violência e/ou possível femicídio (Baldry & Ferraro, 2008; McFarlane, et al., 2002; McFarlane et al., 1999) Acesso a armas de fogo - fator situacional já que aumenta a probabilidade de disputas terminarem em morte (Brookman, 2005) Maior risco de femicídio seguido de suicídio (Barber et al., 2008) Ameaças de morte - elemento comum nas relações abusivas (Websdale, 2003) Relações Sexuais Forçadas e Gravidez - Homens violentos As mulheres agredidas durante a gravidez apresentam um risco três vezes maior de injúrias severas e femicídio do que aquelas que referem que a violência cessou durante a gravidez (McFarlane et al., 2002)

MOTIVAÇÕES: CRIMES PASSIONAIS VS. FEMICÍDIO O femicídio não é um crime de amor, paixão A paixão pode ter sido o seu estímulo e a razão reprimida e injustificada da sua conduta, uma reação extrema de exercer o seu poder sobre a mulher Parece que o amor/paixão pode justificar a conduta criminal, escondendo e despenalizando situações de extrema violência (Borges, 2011) Não importa a paixão, importa sim o elemento essencial que está presente e constitui a causa principal do seu comportamento criminal o motivo Para alguns investigadores (e.g. Wilson & Daly, 1992b) o que motiva os homens a matar as suas parceiras íntimas é ciúme, o medo de perder o acesso exclusivo à mulher, é a rutura, a separação, a preservação do domínio sobre as mulheres (Cisneros, 2005), outros matam por problemas psicopatológicos ou problemas relacionados com o abuso de substâncias

INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA OBJETIVO Contribuir para o conhecimento do crime de femicídio em Portugal, caracterizando este tipo de criminalidade, a partir da identificação de uma tipologia constituída por distintos perfis criminais e os respetivos fatores de risco

AMOSTRA 125 casos de femicídio investigados pela Secção de Homicídios da Polícia Judiciária (2000-2010) Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo 58.4% Diretoria do Norte 24% Diretoria do Centro 17.6% 66.4% casos de femicídio 18.4% femicídio seguido de suicídio 15.2% femicídio seguido de tentativa de suicídio

17-80 anos de idade (M=43.90; DP=15.28) Raça caucasiana (84%) e nacionalidade portuguesa (79.2%) Profissão 14.4% domésticas ou desempregadas, 10.4% trabalhadoras da área dos serviços (e.g. empregada de balcão/mesa, comerciante, empregada de supermercado), 8.8% reformadas, 8% empregadas de limpeza, 8% profissões especializadas (e.g. advogada, professora, enfermeira), 4.8% estudantes, 4% cabeleireira, CARACTERÍSTICAS DAS VÍTIMAS 5.6% outras profissões (e.g. agricultora, operária fabril, modelo).

CARACTERÍSTICAS DOS AGRESSORES 20-80 anos de idade (M=48.05; DP=14.97) Raça caucasiana (85.6%) e nacionalidade portuguesa (82.4%) Profissão 24% construção civil, 12.8% área dos serviços (e.g. cozinheiro, comerciante), 11.2% reformados, 10.4% profissões especializadas (e.g. engenheiro, operador de sistemas informáticos), 9.6% motoristas, 6.4% agentes de autoridade, 6.4% desempregados, 4% estudantes, 3.2% agricultores, 5.6% outras profissões (e.g. pescador, pastor) Pena: Entre 5 a 25 anos (M=15.85; DP=4.35)

52.8% relação conjugal, 15.2% união de facto, 10.4% ex-companheiros, 6.4% amantes, 5.6% ex-cônjuges, 5.6% ex-namorados e 4% namorados Separação Violência nas Relações Íntimas Ameaças de Morte Filhos de Relacionamentos Anteriores Problemas Saúde Mental 48.8% em processo de separação; 42.4% não 49.6% já tinham exercido algum tipo de violência sobre a vítima; 34.4% não 49.6% já tinham sido ameaçadas de morte; 32.8% não 38.4% filhos do relacionamento com o agressor, 19.2% não tem filhos e 16% filhos de relacionamentos anteriores 64.8% não tinham problemas conhecidos 20% apresentavam algum tipo de psicopatologia (e.g. depressão, esquizofrenia) Abuso de Substâncias 59.2% sóbrios, 18.4% alcoolizados e 7.2% sob o efeito de drogas e/ou medicação Antecedentes Criminais 59.2% sem antecedentes; 17.6% violência doméstica e/ou ofensas à integridade física, 17.6% outros delitos (e.g. furto, tráfico de estupefacientes, abuso sexual de menores) e 1.6% pelo mesmo delito

Motivação 38.4% sentimentos de poder e/ou controlo (e.g. não és minha, não és de mais ninguém ); 33.6% ciúme (este tipo de sentimento, umas vezes era real, outras vezes era imaginário; 16% agressão precedida de uma discussão entre a vítima e o agressor (situações de violência); 9.6% abuso de substâncias ou problemas de saúde mental 2.4% outras motivações (e.g. sem motivação aparente, económica) Premeditação 57.6% premeditados; 36% não

A TIPOLOGIA PORTUGUESA: Os quatro perfis criminais

FEMICÍDIO NO CONTEXTO FAMILIAR 31.2% Femicídio seguido de suicídio Domicílio vítima/agressor; noite Arma de fogo Motivação: Problemas de saúde mental ou abuso de substâncias Cônjuge Vítima: 61-82 anos de idade; Profissões especializadas, reformadas Agressor: 61-82 anos de idade; Agentes de autoridade, reformados Não estavam em processo de separação Filhos da relação Sem história de violência Sem ameaças de morte Sob o efeito de drogas ou medicamentos Com antecedentes psiquiátricos (e.g. depressão) Sem antecedentes criminais Nº Vítimas: 2 Vítimas (e.g. filho, sogra) ou 3 Vítimas (e.g. filha e cunhada) Confirma-se a existência de antecedentes psiquiátricos (depressão) Vítima e/ou testemunha de violência na infância Acesso fácil a armas de fogo

FEMICÍDIO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA NAS RELAÇÕES ÍNTIMAS 25.6% Arma branca ou outras armas (e.g. taco); não utiliza arma de fogo Motivação: Agressão/Discussão Sem premeditação Vítima: 50-60 anos de idade; profissões não qualificadas Agressor: 50-60 anos de idade; profissões não qualificadas Antecedentes criminais: Violência doméstica; ofensas à integridade física Nº Vítimas: 1 vítimas (mulher) História prévia de violência nas relações íntimas; História criminal; Ameaças de morte prévias; Perturbação de personalidade caracterizada pela psicopatia e a esquizofrenia em comorbidade com a psicopatia; Vítima e/ou testemunha de violência na infância

FEMICÍDIO NO CONTEXTO DA SEPARAÇÃO 22.4% Relação: Namorado; amante Força física estrangulamento Motivação: Ciúme/medo de perda Vítima: 17-27 anos de idade; desempregada, empregada limpeza, doméstica Agressor: 17-27 anos de idade; desempregado, estudante, construção civil Antecedentes criminais: Por outros delitos (e.g. furto, tráfico) Filhos de relações anteriores ou sem filhos Em processo de separação Nº Vítimas: 2 vítimas (atual companheiro, colegas de trabalho, pais) Jovens, empregos instáveis e precários, relações menos duradouras Problemas de saúde mental: Psicopatia e depressão

FEMICÍDIO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA LETAL 20.8% Relação: Ex-companheiro Com premeditação Arma de fogo (caçadeira e pistola) Motivação: Poder/controlo Vítima: 28-49 anos de idade; serviços, cabeleireira Agressor: 28-49 anos de idade; profissões especializadas, serviços, motorista, outras História de violência nas relações íntimas Ameaças de morte Antecedentes criminais: Pelo mesmo delito ou similar Nº Vítimas: 2 vítimas (irmão); 3 vítimas (sogros, agentes de autoridade) Alguns dos agressores que constituem este perfil apresentam comportamentos de stalking Filhos de relações anteriores; abuso de substâncias; problemas de saúde mental (e.g. psicopatia, anomalia psíquica permanente, perturbação de personalidade do tipo compulsiva com ideação paranoide intensa e persistente)

CONCLUSÃO Numa análise global aos perfis criminais, verifica-se que cada um deles identifica fatores de risco específicos suscetíveis de prevenção Estes perfis permitem auxiliar os profissionais e as instituições que trabalham nesta área, a fazer uma leitura dos indicadores de risco de violência letal A prevenção do femicídio deve centrar-se na intervenção nos casos de violência nas relações íntimas onde os sinais de risco de morte existem, mas não são identificados nem pelas vítimas nem pelos profissionais do sistema de justiça Alguns desses indicadores são, muitas vezes, negligenciados Casos em que as vítimas frequentemente denunciavam os seus agressores por maus-tratos, mas nenhuma medida era tomada

CONCLUSÃO Porque é que se continua a desculpabilizar as situações de violência? Porque vivemos numa sociedade patriarcal, onde é legítimo um homem exercer violência sobre a sua parceira íntima? Porque é que há uma espécie de impunidade neste tipo de comportamento criminal? É necessário sensibilizar os atores do sistema de justiça acerca da importância da avaliação de risco de femicídio em relações mais violentas O crime de femicídio deve ser encarado como um problema social que merece atenção e ação

CONCLUSÃO A intervenção deve ser feita precocemente, particularmente em casas onde a violência é observada desde a infância As mulheres que são repetidamente vitimizadas têm risco de se tornar vítimas do crime de femicídio Deveria ser disponibilizada assistência e intervenção nestas mulheres, principalmente se elas decidirem terminar a relação, deveriam ser tratadas como vulneráveis durante o período da separação e pós separação Um outro contributo deste trabalho é a evidência clara da necessidade de se implementar instrumentos de avaliação de risco de violência nas relações íntimas e de femicídio a nível nacional Para que todas as organizações e profissionais do sistema de justiça possam falar a mesma linguagem, sem se cair em ceticismos e em intuições sem qualquer fundamento teórico e empírico

CONCLUSÃO Há uma necessidade proeminente de se conceberem critérios objetivos que auxiliem a tomada de decisão dos técnicos que trabalham nesta área O aumento das situações de violência e de femicídio, as falhas nas políticas legislativas da violência doméstica e a inexistência de políticas públicas de prevenção do femicídio, são um desafio que requer reflexão e medidas urgentes no nosso país É necessário mudar o paradigma, rompendo a dicotomia público/privado, Inclusivamente devemos questionar e superar o caráter passional do femicídio, muitas vezes descrito como resultante de ações impensadas e descontroladas

IMPLICAÇÕES Os estudos nacionais sobre esta realidade criminal são cruciais; Intervir junto de vítimas de violência nas relações íntimas e de tentativa de femicídio é imperativo; Agilizar o sistema de justiça que muitas vezes fecha os olhos em casos de risco iminente e investir na formação de todos os atores do sistema de justiça é fundamental; Apostar na formação dos profissionais que trabalham diariamente com vítimas de violência, já que eles próprios, muitas das vezes, banalizam a violência e têm dificuldade em fazer uma leitura adequada dos indicadores de risco; Promover a educação para a igualdade e para a não-violência é crucial; Também intervir junto de agressores é um elemento central para a redução deste tipo de criminalidade, nomeadamente o conhecimento dos diferentes perfis criminais e de quais os fatores de risco inerentes a cada um dos perfis, permite uma intervenção mais adequada a este tipo de agressores; Elaboração de campanhas de sensibilização e educação pública, destacando os custos humanos e sociais do femicídio, enfatizando o risco de morte das mulheres

Projetos alternativos de responsabilização e reeducação dos agressores Aumento das sanções penais dos agressores IMPLICAÇÕES Planos de identificação e intervenção em crianças que são afetadas pelo femicídio Articulação entre as instituições e os profissionais; Sensibilização dos operadores do sistema de justiça sobre a necessidade de não aceitar a impunidade de condutas violentas; Formação sistemática a profissionais do sistema de justiça sobre avaliação de risco de femicídio; Implementação de instrumentos de avaliação de risco concebidos especificamente para uso das forças policiais e dos atores do sistema de justiça..

PARA FINALIZAR, ESPERAMOS QUE ESTE NOVO OLHAR SOBRE O FEMICÍDIO POSSA CONTRIBUIR PARA UM CONHECIMENTO MAIS RIGOROSO E PREVENTIVO DESTE FLAGELO SOCIAL