CONTRIBUIÇÃO PARA A REUTILIZAÇÃO DE MATERIAL FRESADO EM CAMADAS ESTRUTURAIS DE PAVIMENTO

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Transcrição:

CONTRIBUIÇÃO PARA A REUTILIZAÇÃO DE MATERIAL FRESADO EM CAMADAS ESTRUTURAIS DE PAVIMENTO CONTRIBUTION FOR THE REUSE OF RAP MATERIAL IN PAVEMENTS STRUCTURAL LAYERS Moreira, J. Pedro Vieira, CGASC, V.N.Famalicão, Portugal, pedrovmoreira@gabrielcouto.pt Gomes Correia, António, Universidade do Minho, Guimarães, Portugal, agc@civil.uminho.pt Pereira, Paulo, Universidade do Minho, Guimarães, Portugal, ppereira@civil.uminho.pt RESUMO O objectivo principal deste artigo é promover a utilização de material fresado em camadas estruturais de pavimento, reutilizando materiais provenientes da reconstrução de camadas de pavimentos flexíveis. Os resultados laboratoriais realizados sobre misturas de material fresado, pó de pedra e cimento (FPC) permitem concluir que uma camada de sub-base de pavimento flexível realizada com esta mistura, pode resultar numa camada de elevada resistência. A técnica é económica e ambientalmente justificada, dado que constitui uma solução para a reutilização de um subproduto da construção, reduzindo a necessidade de utilizar novos agregados. Por outro lado, o aumento da capacidade resistente da camada de sub-base realizada com FPC, pode traduzir-se na possibilidade de diminuir a espessura das restantes camadas de pavimento, reduzindo o consumo de novos agregados e ligantes betuminosos. ABSTRACT The main purpose of this article is to promote the use of RAP (Reclaimed Asphalt Pavement) in pavement structural layers, reusing material produced by the reconstruction of flexible pavements layers. Laboratorial results made on mixtures of RAP material, stone powder and cement (FPC) allow concluding that a pavement sub-base layer made with this mixture can constitute a layer with an improved resistance. The technique is economic and environmentally justified, thus it represents a solution for the reuse of a construction by-product, reducing the use of new aggregates. By the other hand, the increase of resistance of the sub-base layer made with FPC, can allow reducing the thickness of other layers, reducing the consumption of new aggregates and bituminous binders. 1. INTRODUÇÃO Actualmente, a crescente preocupação com a protecção ambiental que se verifica em todas as áreas, leva a que, a nível da Engenharia Rodoviária, sejam já utilizadas técnicas de reciclagem de subprodutos resultantes de trabalhos de beneficiação e reforço de pavimentos flexíveis. Dentro destas, as técnicas de reciclagem a quente são as mais utilizadas. No entanto, estudos recentes têm vindo a demonstrar que as técnicas de reciclagem a frio parecem ser vantajosas em termos de poupança de energia e protecção ambiental. Destas, a técnica de reciclagem a frio in situ, com a adição de ligantes é a mais utilizada, actualmente, nos processos de reabilitação estrutural de pavimento. Em Portugal, apesar de já estarem previstas soluções de reciclagem em alguns projectos, verifica-se que a quantidade de material fresado sobrante ainda atinge valores apreciáveis.

Considerando que, aquando da construção dos pavimentos, se utilizam materiais com elevados padrões de qualidade, a não utilização do material fresado e o seu armazenamento, além de constituírem um problema ambiental, favorece o desperdício de materiais com potencialidade para constituir parte de um pavimento. O processo de reutilização de materiais recorrendo à mistura de material fresado com pó de pedra e cimento pode constituir uma alternativa à reutilização destes materiais em substituição de camadas granulares de pavimento. 2. OBJECTIVOS E MÉTODO Uma das formas de reutilizar o material fresado excedente de obras de beneficiação e reforço de pavimento, é aplicar os materiais em diferentes zonas da estrutura de pavimento. Uma camada executada com uma mistura de material fresado estabilizado com pó de pedra e cimento (FPC), pretende constituir uma camada granular de pavimento aglutinada com um ligante hidráulico que confira algum incremento de resistência à globalidade da estrutura de pavimento. O aumento da capacidade resistente da estrutura de pavimento pode permitir que seja reduzida a quantidade de materiais nas restantes camadas. Os objectivos a atingir com a aplicação desta técnica são: Reutilizar materiais de valor económico residual baixo; Aumentar a capacidade de carga do pavimento; Reduzir gastos de agregados britados e betumes; Proteger o ambiente. O estudo que se apresenta baseia-se em resultados obtidos em ensaios laboratoriais, realizados durante a elaboração de uma tese de Mestrado, que permitiram conhecer as características dos materiais utilizados e das misturas de material estudadas, de modo a ser possível tirar conclusões acerca das leis de comportamento pelas quais as misturas de materiais tendencialmente se regem. 3. ESTUDOS DESENVOLVIDOS E RESULTADOS OBTIDOS 3.1. Caracterização dos materiais 3.1.1. Agregados e ligantes do material fresado O material fresado obtém-se a partir de operações de desagregação de pavimentos flexíveis, normalmente designadas de fresagem de pavimentos. Os principais constituintes são os agregados e o betume utilizado aquando da construção inicial das camadas de misturas betuminosas. De acordo com a classificação unificada para solos (ASTM D2487-85) o material fresado pode ser caracterizado como um cascalho bem graduado com areia (GW). A análise granulométrica realizada às amostras de material fresado baseou-se na especificação LNEC E 233, realizada a três amostras distintas de modo a obter uma curva média representativa do material a estudar, conforme se ilustra na Figura 1.

100 90 80 70 Material passado(%) 60 50 40 30 20 10 0 0.01 0.1 1 10 100 Abertura das malhas dos peneiros (mm) Figura 1 Curva granulométrica do material fresado A caracterização do ligante permitiu concluir que o betume presente na mistura era do tipo 10/20 conforme se indica no Quadro 1. Quadro 1 - Características do betume extraído do material fresado Penetração a 25 ºC, pen25 (0,1mm) Temperatura de Anel e Bola, T AB (ºC) 18 64,3 3.1.2. Agregados novos e ligantes A introdução de um agregado britado de granulometria fina tem como objectivo principal colmatar os vazios do material fresado. Além de funcionar como corrector granulométrico, o pó de pedra constituirá grande parte da estrutura de ligação com o cimento a incorporar na mistura. O pó de pedra utilizado foi obtido por processos convencionais de crivagem de rocha granítica. A classificação comercial é do tipo 0/5. À semelhança dos ligantes hidráulicos utilizados nos casos de estabilização de solos com cimento ou nos casos de reciclagem de pavimentos flexíveis in-situ a frio, o cimento utilizado foi um cimento Portland da classe CEMII/B-L 32,5 N, pouco reactivo, que não favorece o aparecimento de fissuras devido ao fenómeno de retracção térmica, promovendo o desenvolvimento lento e controlado do processo de cura. 3.1.3. Mistura de materiais O estudo da mistura de material fresado com pó de pedra iniciou-se com a definição da curva granulométrica. As hipóteses de mistura abordadas foram 100/0, 95/5, 90/10, 85/15, 80/20 e 70/30 por cento de material fresado e pó de pedra respectivamente. No Quadro 2 são enumeradas algumas das características dos materiais utilizados na mistura.

Quadro 2 - Propriedades do material fresado e do pó de pedra Propriedades Material Fresado Pó de Pedra Peso específico 2,57 g/cm 3 2,6 g/cm 3 Absorção de água 1% 0,76% Equivalente de areia 91% 74 % Desgaste de Los Angeles 20% 30% Valor do azul de metileno N/D 0,51 Para todas as hipóteses de mistura de materiais, foram executados ensaios de Proctor Modificado segundo a norma LNEC E 197 de modo a ser possível avaliar e comparar o teor em água de cada mistura, a baridade máxima obtida e comparar os comportamentos de todas as misturas, conforme se demonstra na Figura 2. Figura 2 Curvas de compactação para diferentes misturas de material fresado e pó de pedra 3.2. Ensaios O método escolhido para avaliar as características mecânicas do material foi a realização de ensaios de compressão axial simples e ensaios de compressão diametral, à semelhança dos ensaios realizados para misturas de solo com cimento e de material reciclado in situ com cimento. Os provetes moldados para o efeito eram cilíndricos, com 0,178 m de altura e 0,152 m de diâmetro, de acordo com o especificado na norma espanhola NLT 310/90 Compactación con martillo vibrante de materiales granulares. A compactação foi executada com recurso a um martelo vibrador do tipo Kango (810W). Os ensaios de compressão axial simples sem confinamento lateral foram realizados de modo a avaliar as quantidades correctas de pó de pedra e cimento a adicionar à mistura para que fossem atingidos os valores de resistência à compressão simples exigidos para solos tratados com cimento. Foram moldados, numa primeira fase, vários provetes para ensaio à compressão simples usando 100/0, 95/5, 90/10, 85/15, 80/20 e 70/30 % de material fresado e pó de pedra respectivamente, com uma variação da percentagem de cimento de 2, 3, 4, 5 e 6 %.

Adicionando-se 30% de pó de pedra a mistura tinha um comportamento próximo ao de um solo, à semelhança do verificado no comportamento da curva Proctor. Na fase seguinte estudaram-se mais aprofundadamente duas soluções, em que foi avaliada a acção conjunta do cimento e do pó de pedra: 100% material fresado, sem adição de pó de pedra e considerando somente a acção do cimento; 70% de material fresado com 30% de pó de pedra, considerando a acção do cimento e do pó de pedra. Realizaram-se ensaios de compressão simples e compressão diametral, seguindo as normas espanholas NLT 305/90 e NLT 304/90 respectivamente, aos 7, 28 e 90 dias de cura, para o teor óptimo de humidade (ω opm =5,5% no caso de 100/0; ω opm =7% no caso de 70/30). Os resultados obtidos demonstram que existe uma influência clara do pó de pedra no comportamento de ambas as misturas. Na Figura 3 ilustra-se a acção do cimento na resistência à compressão simples efectuada em provetes de misturas de materiais sem a adição de pó de pedra. 1,60 1,40 1,20 c (MPa) 1,00 0,80 0,60 0,40 0,20 0,00 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 Tempo (dias) 2% cimento 3% cimento 4% cimento 5% cimento 6% cimento Figura 3 Variação da tensão de compressão ao longo do tempo para a mistura 100/0 No caso da mistura de material fresado sem a adição de pó de pedra, verifica-se alguma variabilidade comportamento da mistura que pode ser explicada por três motivos: i) os vazios do material fresado não foram totalmente preenchidos pela parte fina da mistura de pó e cimento, reduzindo desta forma a superfície de contacto dos agregados de maiores dimensões; ii) a superfície de contacto com betume, não permite uma adequada aderência da parte ligada com cimento; iii) a falta de material fino na mistura poderá favorecer o desenvolvimento de microfissuras e a consequente redução da resistência da mistura. Conclui-se nesta fase que, para cumprir os requisitos exigidos pelo Macopav (Manual de Concepção de Pavimento para a Rede Rodoviária Nacional) (σ c 2,5 MPa e σ d 0,3 MPa), teria de ser utilizada a mistura 70/30 com 6 % de cimento, com o teor em água óptimo de 7% calculado no ensaio de Proctor Modificado. As curvas ilustradas nas Figura 4 a 6, demonstram que os valores mínimos são atingidos na mistura analisada.

3,50 3,00 2,50 σc (MPa) 2,00 1,50 1,00 0,50 0,00 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Tempo (dias) 2% cimento 3% cimento 4% cimento 5% cimento 6% cimento Figura 4 Variação da tensão de compressão ao longo do tempo para a mistura 70/30 3.50 0.50 3.00 0.45 0.40 2.50 0.35 σc(mpa) 2.00 1.50 1.00 0.50 7 dias 28 dias 90 dias Linear (28 dias) Linear (7 dias) σ t(mpa) 0.30 0.25 0.20 0.15 0.10 0.05 7 dias 28 dias 90 dias Linear (28 dias) Linear (7 dias) Linear (90 dias) Linear (90 dias) 0.00 1% 2% 3% 4% 5% 6% 7% Quantidade de cimento 0.00 1% 2% 3% 4% 5% 6% 7% Quantidade de cimento Figura 5 Variação da tensão de compressão com a % de cimento (mistura 70/30) Figura 6 Variação da tensão de tracção indirecta com a % de cimento (mistura 70/30) A acção do cimento nos dois tipos de mistura segue leis de comportamento quase coincidentes e bem definidas, conforme se demonstra nas Figuras 7 e 8, onde é comparada a variação da relação entre a tensão de tracção e a tensão de compressão para as diferentes hipóteses de adição de cimento a ambas as misturas. σc(mpa) 3.0 2.5 28 dias σ c = 0,5088e 5,5592σt R 2 = 0,9952 2.0 1.5 1.0 70/30 100/0 Exponencial (100/0) Exponencial (70/30) 0.5 σ c = 0,4089e 6,5055σt R 2 = 0,9355 0.0 0.00 0.10 0.20 0.30 0.40 0.50 σt (MPa) Figura 7 Relação entre a tensão de compressão e a tensão de tracção aos 28 dias

σc(mpa) 3.0 2.5 90 dias σ c = 0,6701e 3,3149σt R 2 = 0,9658 2.0 1.5 1.0 0.5 σ c = 0,2636e 8,9367σt R 2 = 0,8136 70/30 100/0 Exponencial (100/0) Exponencial (70/30) 0.0 0.00 0.10 0.20 0.30 0.40 0.50 σt (MPa) Figura 8 Relação entre a tensão de compressão e a tensão de tracção aos 90 dias Verifica-se que há um incremento de resistência da mistura 70/30 comparativamente com a mistura em que não se adiciona pó de pedra, que poderá ser explicado pela acção combinada entre o pó de pedra e o cimento na mistura de materiais. A lei de comportamento que relaciona a tensão de compressão simples (σ c ) e de tracção indirecta (σ t ), aos 28 dias para a mistura 70/30 pode ser dada pela expressão (1): σ c =0,5088 e 5,5592σt (1) A relação entre a tensão de compressão simples e a de tracção, aos 90 dias pode ser dada pela equação (2): σ c =0,60701 e 3,3149σt (2) 3.3. Estudo comparativo Para ser avaliada a viabilidade técnica da solução em termos práticos, foi dimensionada uma estrutura de pavimento utilizando FPC em substituição de camadas granulares de pavimento. Assim realizou-se o dimensionamento de uma estrutura de pavimento de referência utilizando materiais tradicionais, para três níveis de tráfego distintos (baixo, médio e elevado) O dimensionamento teve como princípio o método proposto pela Shell, utilizando um programa de cálculo automático ELSYM5 para avaliação do estado de deformação e tensão das camadas. Considerou-se no dimensionamento um solo de fundação da classe F2, com o módulo de deformabilidade, segundo as recomendações do MACOPAV (Manual de Concepção de Pavimentos para a Rede Rodoviária Nacional), com um valor do módulo de elasticidade de E = 60 MPa. Ainda segundo o mesmo manual, o coeficiente de Poisson é de υ = 0,40. Quadro 3 Constituição de pavimento utilizando materiais tradicionais Tráfego baixo (T5) 80 6 ( N = 2 10 ) dim Tráfego médio (T3) 80 6 ( N = 40 10 ) dim Tráfego elevado (T1) 80 6 ( N = 100 10 ) dim e (cm) E (MPa) e (cm) E (MPa) e (cm) E (MPa) Betão Betuminoso Desgaste 4 3834 5 3834 6 3834 Macadame Betuminoso 7 4518 16 4518 19 4518 Base em ABGE 15 248 20 312 20 312 Sub-base em ABGE 20 130 20 130 20 130 Leito de pavimento 60 60 60

A introdução de uma camada ligada aglutinada com ligante hidráulico modifica a análise estrutural do pavimento, dado que o critério de ruína se resume, na generalidade dos casos, ao controlo da tensão de tracção (σ t ) instalada na base da camada ligada. A lei de fadiga do material que controla o estado de tensão na base da camada ligada pode ser dado pela expressão: σ t = 1 0,08 log N adm (3) 0,45 Seguindo as recomendações do MACOPAV para a camada ligada com cimento, foi adoptado um módulo de elasticidade de E=2000 MPa e um coeficiente de Poisson de υ=0,20. No Quadro 4 indica-se o resultado do dimensionamento efectuado. Quadro 4 - Dimensionamento com incorporação de FPC - espessura das camadas (cm) Tráfego Baixo Médio Elevado Betão betuminoso de desgaste 6 5,5 6 Macadame betuminoso 8 10 11 Base em ABGE - 15 15 Sub-base em FPC 25 20 20 Dos resultados obtidos, poderemos concluir que comparativamente com uma estrutura de pavimento convencional, as diferenças de espessuras das camadas são significativas, por força da adopção de uma camada na sub-base de pavimento com rigidez superior à de uma camada de sub base em agregado britado de granulometria extensa. Na Figura 9 ilustra-se a diferença do dimensionamento. Tráfego baixo Tráfego médio Tráfego elevado Tradicional FPC Tradicional FPC Tradicional FPC Misturas betuminosas ABGE (Tout-Venant) FPC (Material Fresado com Pó e Cimento) Figura 9 Diferença do dimensionamento da solução tradicional e a solução com FPC na camada de sub base 3.4. Estudo Económico O aumento da capacidade de carga traduz-se numa diminuição do consumo de misturas betuminosas e agregado britado de granulometria extensa. Tal redução pode trazer consigo vantagens económicas. No Quadro 5 resumem-se os custos calculados com base no dimensionamento efectuado considerando a estrutura de pavimento realizada com materiais tradicionais e a estrutura de pavimento com incorporação de FPC.

Quadro 5 - Custo apurado de três estruturas de pavimento Custo ( /m2) Tráfego baixo Tráfego médio Tráfego elevado Designação Tradicional FPC Tradicional FPC Tradicional FPC BB de desgaste 2,8 4,1 3,4 3,7 4,1 4,1 Macadame 3,9 4,4 8,8 5,5 10,5 6,1 ABGE de Base 3,3 4,1 3,3 4,1 3,3 ABGE de Sub base 4,1 4,1 4,1 FPC 4,41 3,66 3,66 Custo Total 14,1 12,91 20,4 16,16 22,8 17,16 Dos resultados obtidos conclui-se que, em todos os casos, a escolha de uma solução de estrutura de pavimento em que haja incorporação de FPC, permite benefícios económicos, na ordem de: 1,2 /m 2, no caso de tráfego baixo que corresponde a 9% da redução do preço; 4,2 /m 2 para tráfego médio que corresponde a uma redução de 20%; 5,6 /m 2 no caso de uma estrutura de tráfego elevado a que corresponde uma redução de 25% do preço da estrutura de pavimento. Além dos custos directos, decorrentes da diferença de espessura de pavimento calculada no dimensionamento, que contabiliza a diminuição de materiais novos necessários (agregado britado de granulometria extensa e misturas betuminosas), poder-se-á contabilizar a diminuição de custos decorrente da não circulação desses produtos aquando da execução da obra. Estima-se que, pelo facto de se transportarem menos inertes e ligantes betuminosos para o local da empreitada, haverá uma diminuição do volume de tráfego nas vias adjacentes à obra. A diminuição do tráfego traduz-se numa diminuição dos prejuízos para o utente e para a administração rodoviária que verá o pavimento menos solicitado por veículos pesados. Considere-se a empreitada de construção de uma estrada de 2 vias com 2 sentidos com perfil transversal de 3+2*3,75+3 (berma+2vias+berma), com 10 km de extensão. Para realizar essa empreitada é instalado um estaleiro de apoio à obra, num terreno adjacente. A pedreira que fornecerá os inertes situa-se a 20 km de distância do estaleiro e a estrada tem o mesmo volume de tráfego da estrada a construir. Para os três níveis de tráfego considerados anteriormente, calculam-se as quantidades de materiais que se deixam de transportar no trecho entre a pedreira e o estaleiro de obra. No Quadro 6 apresentam-se os valores calculados das quantidades que se deixam de transportar no trecho de estrada entre a pedreira e o estaleiro de obra, quando se adopta um pavimento produzido com uma camada em mistura de material fresado com pó de pedra e cimento. Quadro 6 Cálculo de quantidades de agregados que deixam de se transportar Tráf. baixo (T5) TMDA p = 225 Tráf. médio (T3) TMDA p = 650 Tráf. elevado (T1) TMDA p = 1600 Misturas Betuminosas + ABGE -21 330 Ton -33 345 Ton -41 445 Ton Verifica-se que há uma quantidade significativa de materiais que deixam de circular no trecho adjacente à obra, permitindo que o pavimento dessa via seja menos solicitado por tráfego pesado. Se, por outro lado se considerar que nesse trecho de estrada, haverá uma redução da velocidade média de 50 km/h para 40 km/h, por força da movimentação dos meios de transporte de apoio à obra, conclui-se que um utente que se desloque, em cada sentido, terá um atraso, de cerca de 6 minutos, isto é, contabilizando os dois sentidos demora-se mais 12 minutos (0,20 horas). Para avaliar os custos considera-se que cada utente custa 10 /h, obtendo-se um sobre custo diário de 2,0 /dia. Considerando ainda que o tráfego pesado representa cerca de 10% do volume tráfego total da estrada,

então poder-se-á calcular o custo final dos utentes do trecho de estrada, nos dois sentidos, por força da diminuição da velocidade. Então o custo apurado para os utentes da via será de: Para o tráfego baixo o custo C ut(t5) = 4500 /dia Para o tráfego médio o custo C ut(t3) = 13000 /dia Para o tráfego elevado o custo C ut(t1) = 32000 /dia Do ponto de vista económico a adopção de uma camada executada com uma mistura de material fresado, pó de pedra e cimento é justificada, permitindo que seja utilizado um material com valor residual diminuto, utilizando processos de estabilização de solos correntes que, no final, conferem à estrutura de pavimento características que lhe permitem ter resistências semelhantes a estruturas de pavimento executadas com recurso a materiais convencionais. 4. CONCLUSÕES O objectivo principal deste artigo é demonstrar a possibilidade de reutilização de materiais fresados em camadas granulares de pavimento, contribuindo para o estudo de processos alternativos aos métodos de reciclagem a frio. O estudo realizado baseou-se na execução de ensaios de caracterização mecânica das misturas de materiais realizadas, de um dimensionamento comparativo com as soluções tradicionalmente adoptadas para pavimentos e num estudo económico. As principais conclusões alcançadas são: A adição de cimento a materiais provenientes de fresagem de pavimentos confere um incremento de resistência à compressão simples e diametral; A mistura de pó de pedra promove o aumento da capacidade resistente do material. Adicionando 30% de pó de pedra obtém-se uma mistura de materiais com um comportamento próximo ao de um solo; Para serem cumpridos os valores mínimos impostos pelos manuais de dimensionamento, para solos estabilizados com cimento, ter-se-á que adoptar uma mistura com 70% de material fresado, com 30% de pó de pedra e 6% de cimento Portland do tipo CEMII/B-L 32,5 N; A adopção de uma camada constituída pela mistura de material fresado com pó de pedra e cimento, sendo uma camada de rigidez superior, favorece a resistência global da estrutura de pavimento, permitindo que se utilizem quantidades inferiores de agregados britados de granulometria extensa e misturas betuminosas; A solução é economicamente viável para os níveis de tráfego estudados, permitindo que sejam reduzidos os custos entre 9 e 25 %, em relação à adopção de uma estrutura tradicional de pavimento em que se utiliza agregado britado de granulometria extensa e misturas betuminosas; A técnica é ambientalmente justificável já que permite que sejam utilizados volumes inferiores de materiais novos e porque utiliza subprodutos da construção. 5. BIBLIOGRAFIA Freire, A. Cristina Rosado, 1994, Estudos Relativos a camadas de pavimentos constituídas por materiais granulares, Dissertação apresentada à Universidade Nova de Lisboa para obtenção do grau de Mestre em Mecânica dos Solos, Lisboa JAE, 1995. Manual de Concepção de Pavimentos para a Rede Rodoviária Nacional. JAE (actual EP), Almada. Moreira, J. Pedro, 2005, Contribuição para a Reutilização de Material Fresado em Camadas Estruturais de Pavimento, Dissertação apresentada à Universidade do Minho para obtenção do grau de Mestre em Engenharia Rodoviária, Guimarães Quaresma, L., 1992. Estudos Relativos a Pavimentos Semi-Rígidos Dimensionamento e Observação, Dissertação apresentada a concurso para a obtenção do grau de Especialista, Lisboa