FITOPATOLOGIA A BACTÉRIA CANDIDATUS LIBERIBACTER EM PLANTAS COM HUANGLONGBING (EX-GREENING) NO ESTADO DE SÃO PAULO HELVÉCIO DELLA COLETTA FILHO 1,2, MARCO AURÉLIO TAKITA 1, MARIA LUISA PENTEADO NATIVIDADE TARGON 1,2, EDUARDO FERMINO CARLOS 1,2 e MARCOS ANTÔNIO MACHADO 1,2 RESUMO Huanglongbing (HLB) ou greening é uma das mais destrutivas doenças de citros. Em regiões onde ocorre, pode destruir completamente pomares se medidas de controle não forem adequadamente implementadas. É causada por uma bactéria que habita o floema da planta hospedeira, sendo propagada por enxertia ou insetos vetores. Duas variantes dessa bactéria são conhecidas: Candidatus Liberibacter asiaticus e Candidatus Liberibacter africanus as quais apresentam diferente comportamento em relação à temperatura e à patogenicidade. Ca. Liberibacter asiaticus foi recentemente identificada no Estado de São Paulo. Análises da seqüência da região 16S do DNA ribossomal de Ca. Liberibacter de plantas com sintomas de HLB revelou a ocorrência de outra variante de Ca. Liberibacter nos pomares paulistas, além da asiática. Neste trabalho, são apresentadas e discutidas as diferenças entre essas duas variantes de Ca. Liberibacter encontradas nas plantas com HLB no Estado de São Paulo. Termos de indexação: citros, HLB, agente causal, diversidade, diagnóstico. 1 Centro APTA Citros Sylvio Moreira IAC. Rodovia Anhanguera km 158, Caixa Postal 04, 13490-970 Cordeirópolis (SP). E-mail: helvecio@centrodecitricultura.br 2 Bolsista do CNPq. ARTIGO TÉCNICO
368 HELVÉCIO DELLA COLETTA FILHO et al. SUMMARY THE CANDIDATUS LIBERIBACTER BACTERIUM IN CITRUS PLANTS WHIT HUANGLONGBING (EX-GREENING) IN SÃO PAULO STATE, BRAZIL Huanglongbing (HLB) or greening is one of the most destructive citrus diseases. In regions where this disease occurs and control measures are not adequately adopted, it can completely destroy the citrus groves. It is caused by a bacterium that habitates the phloem of the host plant, being propagated through grafting or insect vectors. Two variants of this bacterium are known, Candidatus Liberibacter asiaticus and Candidatus Liberibacter africanus, which present different behavior in relation to pathogenicity. Ca. Liberibacter asiaticus was recently identified in the State of São Paulo, Brazil. Analysis of the 16S rdna region of Ca. Liberibacter from HLB diseased citrus plants from the State of São Paulo showed the occurrence of yet another genetically distinct variant of Ca. Liberibacter. In this paper the difference between both Liberibacter variants that occur in São Paulo are shown and discussed. Index terms: citrus, HLB, causal agent, diversity, diagnostic. 1. INTRODUÇÃO Huanglongbing (HLB), também conhecida como greening, é uma das mais destrutivas doenças que ocorre nos citros. Embora não se tenha dados consistentes de perda econômica, em alguns lugares onde esta doença ocorre, os danos podem variar de 30% a 70% ou mesmo inviabilizar a citricultura, caso medidas de controle não sejam tomadas (DA GRAÇA, 1991). O HLB é endêmico em diversos países produtores de citros nos continentes africano e asiático, e relatos de expansão da doença são freqüentes (SWAI et al., 1992) graças ao transporte de borbulhas contaminadas e por insetos vetores, os psilídeos (Hemíptera: Psylloidea) (McCLEAN & OBERHOLZER, 1965). Em meados de 2004, o HLB foi encontrado em pomares na região central do Estado de São Paulo (COLETTA-FILHO et al., 2004; TEIXEIRA et al., 2004).
A BACTÉRIA CANDIDATUS LIBERIBACTER EM PLANTAS... 369 O HLB é causado por uma bactéria que habita o floema da planta hospedeira sendo conhecida como Candidatus Liberibacter sp. O prefixo Candidatus é dado pelo fato da bactéria não poder ser cultivada em meio de cultura, um dos requisitos necessários para a classificação taxonômica definitiva de um microrganismo. A bactéria Ca. Liberibacter apresenta suficiente variabilidade genética, o que permite classificá-la em grupos ou variantes geneticamente distintos. A variante africana (Ca.Liberibacter africanus) e a asiática (Ca. Liberibacter asiaticus) apresentam, além de diferenças genéticas, diferenças biológicas significativas (JAGOUEIX et al., 1997; DA GRA- ÇA, 1991). Além disso, agrupamentos adicionais em subespécies também já foram reportados em GARNIER et al. (2000). A variante africana e seu vetor Triosa eritrea não suportam temperaturas acima de 28ºC, enquanto a variante asiática e seu vetor Diaphorina citri podem desenvolver-se em temperaturas acima de 28ºC (BOVÉ et al., 1974). Na forma asiática de Ca. Liberibacter, podem-se constatar variações entre as bactérias de origem do Pacífico (Japão, Filipinas, Indonésia, Tailândia e Nepal) e as de origem chinesa e indiana (SUBANDIYAH et al., 2000). No Brasil (São Paulo) constatou-se a asiática (COLETTA-FILHO et al., 2004) e uma terceira variante até então não descrita em nenhum outro país, a Ca. Liberibacter americanus (TEIXEIRA et al., 2004). Árvores afetadas apresentam queda acentuada de frutos e produção de frutos imprestáveis para o comércio. No campo, a identificação de sintomas é um importante meio de diagnosticar HLB nas regiões afetadas. ROISTACHER (1991) descreve os freqüentes sintomas observados em plantas atacadas pela variante asiática, como a ocorrência de seca de ponteiros, copas com folhagem esparsa, falta de vigor acentuado, brotações amareladas, clareamento de nervuras e manchas no limbo foliar, formação de frutos assimétricos e morte de plantas em alguns casos. Os sintomas encontrados em plantas afetadas em São Paulo são similares, caracterizando-se pela presença de um ramo ou galho com folhas amareladas, que se destacavam da coloração verde do restante da planta. Nas folhas com sintomas, observam- -se manchas verde-claras ou amareladas mescladas com o verde normal, dando um aspecto de mosqueamento no limbo foliar. Também nas folhas, em alguns casos, sucede o clareamento das nervuras. Sintomas semelhantes à deficiência de zinco também podem ocorrer. Com a evolução da doença, há
370 HELVÉCIO DELLA COLETTA FILHO et al. desfolha dos ramos afetados e os sintomas começam a surgir em outros ramos. Os frutos em árvores doentes ficam menores, deformados e assimétricos. Neste trabalho, apresentam-se os resultados de investigações desenvolvidas no Laboratório de Biotecnologia do Centro APTA Citros Sylvio Moreira IAC visando à caracterização e ao diagnóstico dessas variantes de Ca. Liberibacter presentes nos pomares paulistas. 2. MATERIAL E MÉTODO Material vegetal e extração do DNA As amostras de folhas com sintomas de HLB analisadas neste trabalho foram retiradas de plantas de laranja-doce oriundas de diversas regiões do Estado de São Paulo. O DNA das amostras foi obtido pelo método CTAB, descrito em COLETTA-FILHO et al. (2000). Amplificação da região 16 S de Ca. Liberibacter, clonagem e seqüenciamento Fragmentos da região 16S do rdna de Ca. Liberibacter foram gerados de plantas com HLB a partir dos primers OI1 (GCGCGTATGCAATA CGAGCGGCA) e OI2c (GCCTCGCGACTTCGCAACCCAT), segundo as condições descritas por JAGOUEIX et al. (1996). Os fragmentos de 1.200 pares de base (pb) gerados foram clonados no vetor pgem-t (Promega), os quais se utilizaram para transformar a linhagem DH5α de Escherichia coli. Os plasmídeos das colônias transformantes (que contêm o inserto 16S do rdna de Ca. Liberibacter) foram purificados e, o seqüenciamento, realizado, usando o BigDye Sequencing kit (PE Applied Biosystems). Determinaram-se as seqüências no seqüenciador automático ABI 3730 (Applied Biosystems) e analisaram-nas mediante os programas Seqman (LaserGene package, DNASTAR) e Clustal W. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Por meio de comparação de seqüências de nucleotídeos da região 16S do rdna de Ca. Liberibacter, obtidas de plantas com HLB, encontrou-se,
A BACTÉRIA CANDIDATUS LIBERIBACTER EM PLANTAS... 371 além da asiática, outra variante, denominada LSg2, que difere das já conhecidas (asiática e africana). Comparação de parte das seqüências do 16S rdna dessa variante com a asiática revelou uma região de deleção presente somente na LSg2 (Figura 1). Os primers desenhados tendo como base as seqüências de DNA desta terceira variante são capazes de amplificar, especificamente, seqüências de DNA dessa bactéria em plantas com sintomas de HLB, e não amplificar a variante asiática ou africana (Figura 2). Ca L. asiaticus - AB008366 Ca L. asiaticus São Paulo Ca L. variante LSg2 101 150 AAAGTACCCAACATCTAGGTAAAAACCTAAACTTGATGGCAACTAGAGGC AAAGTACCCAACATCTAGGTAAAAACCTAAACTTGATGGCAACTAGAGGC AAAGTTCCCAAC--------------TTAA---TGATGGCAAATATAGGC ***** ****** *** ********* ** **** Figura 1. Seqüência parcial de nucleotídeos da região 16S rdna de Ca. Liberibacter de São Paulo (Ca. L. asiaticus São Paulo e Ca. L. variante LSg2) e Ca. L. asiaticus acesso AB008366 do GenBank. Os traços denotam deleção e, os asteriscos, os nucleotídeos conservados. Figura 2. Gel de agarose mostrando produtos de amplificação do DNA 16S rdna de Ca. Liberibacter. A. Primers OI1/OI2c para a variante asiática de Ca. Liberibacter. B. Primers específicos para a variante LSg2 de Ca. Liberibacter. M. Marcador molecular - 1 Kb Ladder (Invitrogen); Amostra 1. Controle positivo da variante asiática; Amostra 2. Controle positivo da variante africana; Amostra 3. Controle positivo da variante LSg2 (provável variante americana descrita em TEIXEIRA et al., 2004). Amostra 4. Controle negativo (planta sem sintomas de HLB). Amostras 5 a 7. Plantas com sintomas de greening. As amostras 5 e 6 foram amplificadas através dos primers OI1 e OI2c (variante asiática de Ca. Liberibacter) e, a amostra 7, amplificada somente através dos primers específicos para a variante LSg2 de Ca. Liberibacter. As setas indicam o tamanho do produto de amplificação.
372 HELVÉCIO DELLA COLETTA FILHO et al. Essa nova Ca. Liberibacter encontrada nas plantas com HLB tem grande possibilidade de ser a variante detectada por TEIXEIRA et al. (2004), que a descreveram como Ca. Liberibacter americanus. Também, a comparação de 1.200 nucleotídeos da região 16S rdna da variante asiática encontrada nas plantas cítricas com sintomas de HLB no Estado de São Paulo, com as seqüências de duas variantes asiáticas (acessos AB008366 e AB038369) depositadas no banco de dados GenBank (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/) mostrou 100% de homologia (dados não mostrados). Segundo informações de literatura, as duas variantes asiáticas foram amplificadas de plantas originárias da região do Pacífico (provavelmente Japão), o que sugere que a forma asiática detectada nas amostras de São Paulo possa ter sido introduzida através de material vegetal infectado vindo daquela região. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados apresentados confirmam a existência de duas formas ou variantes de Ca.Liberibacter causando sintomas de HLB nas plantas cítricas paulistas. A origem de ambas as formas de Ca. Liberibacter em São Paulo é incerta. A variante LSg2 deca.liberibacter, provável variante americana, não foi detectada, até o presente, em nenhuma outra região do mundo onde o HLB ocorre. Detectou-se, porém, no Brasil em outra espécie de planta (Murraya paniculata), conhecida como murta (FUNDECITRUS, 2004). Essa espécie de planta também foi introduzida no Brasil a partir da Ásia, revelando a possibilidade da introdução de material contaminado. Outra possibilidade é que essa variante também tenha sido introduzida com material cítrico, porém, em vista da variação na seqüência, não tenha sido detectada na região de origem (Ásia e África). Finalmente, não se pode descartar a hipótese de tal variante ter sido originada de plantas nativas, sendo introduzida nos citros através do provável vetor, a Diaphorina citri. Com base nas seqüências de DNA, a hipótese mais provável é que a variante asiática de Ca. Liberibacter encontrada nas plantas com HLB em São Paulo tenha sido introduzida, involuntariamente, através de material vegetal infectado oriundo da região
A BACTÉRIA CANDIDATUS LIBERIBACTER EM PLANTAS... 373 do Pacífico. Dessa forma, cabe lembrar, mais uma vez, o perigo da introdução não controlada de material vegetal exógeno, potencial carreador de patógenos. Até o presente, os trabalhos foram desenvolvidos visando à confirmação da presença do agente causal do HLB nas plantas, cujos sintomas se assemelham aos descritos para a doença. A detecção desse patógeno em plantas sem sintomas, essencial para um rigoroso controle sanitário de material, ainda carece de aprimoramento das técnicas, sendo este o próximo objetivo dos trabalhos de detecção. Finalizando, independentemente da origem geográfica, é fato que, no parque citrícola do Estado de São Paulo, estão presentes duas variantes genéticas de Ca. Liberibacter. Ambas parecem ser extremamente agressivas. Nos pomares, são, provavelmente, transmitidas planta a planta pelo psilídeo Diaphorina citri, que está presente nas nossas condições há pelo menos 45 anos, atingindo altas populações em determinadas épocas do ano (PAIVA, 1996). Medidas de controle, portanto, como a erradicação de plantas doentes, devem ser tomadas urgentemente para evitar que a doença se torne endêmica em nossas condições. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOVÉ, J.M.; CALAVAN, E.C.; CAPPOR, S.P.; CORTEZ, R.E. & SCHWARZ, R.E. Influence of temperature on symptoms of California stubborn, South Africa greening, India citrus decline, and Philippines leaf mottling diseases. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL ORGANIZATION OF CITRUS VIROLOGISTS, 6., 1974. Berkeley. Proceedings Berkeley: IOCV, 1974. p.12-15. COLETTA-FILHO, H.D.; BORGES K.M. & MACHADO, M.A. Ocorrência de Xylella fastidiosa em plantas canditatas a matrizes de laranja-doce, e transmissão por borbulhas contaminadas. Laranja, v. 21, p. 327-334, 2000. COLETTA-FILHO, H.D.; TARGON, M.L.P.N.; TAKITA, M.A.; DE NEGRI, J.D.; POMPEU JR., J.; DO AMARAL, A.M.; MULLER, G.W. & MACHADO, M.A. First report of the causal agent of huanglongbing ( Candidatus Liberibacter asiaticus ) in Brazil. Plant Disease, v. 88, p.1382, 2004.
374 HELVÉCIO DELLA COLETTA FILHO et al. DA GRAÇA, J. V. Citrus greening disease. Annual Review of Phytopathology, v. 29, p. 109-136, 1991. FUNDO DE DEFESA DA CITRICULTURA (FUNDECITRUS). Manual de Greening, p. 11, 2004. GARNIER, M.; JAGOUEIX-EVEILLARD, S.; CRONJE, P. R.; LE ROUX, H. F. & BOVE, J. M. Genomic characterization of a liberibacter present in an ornamental rutaceous tree, Calodendrum capense, in the Western Cape Province of South Africa. Proposal of Candidatus Liberibacter africanus subsp. capensis. Int. J. Syst. Evol. Microbiol., v.50 n.6, p.2119-2125, 2000. JAGOUEIX, S.; BOVÉ, J.M. & GARNIER, M. Comparison of the 16S/23S ribosomal intergenic regions of Candidatus Liberobacter asiaticum and Candidatus Liberobacter africanum the two species associated with citrus Huanglongbing (greening) disease. International Journal of Systematic and Bacteriology, v. 47, p. 224-227, 1997. JAGOUEIX, S.; BOVÉ, J.M. & GARNIER, M. PCR detection of the two Candidatus liberobacter species associated with greening disease of citrus. Molecular and Cellular Probes, v. 10, p. 43-50, 1996. McCLEAN, A.P.D. & OBERHOLZER, P.C.J. Citrus psylla, a vector of the greening disease of sweet orange. S. Afr. J. Agric. Sci., v.8, p.297-298, 1965. PAIVA, P.E.B. Flutuação populacional da Diaphorina citri (Hemiptera: Psyllidae) em citros no Estado de São Paulo. Laranja, v.1, p.229-295, 1996. ROISTACHER, C.N. Graft-transmissible diseases of citrus: handbook for detection and diagnosis. Roma: International Organization of Citrus Virologists/ FAO, 1991. 286p. SUBANDIYAH, S.; IWANAMI, T.; TSUYUMU, S. & IEKI, H. Comparison of 16S rdna and 16S/23S intergenic region sequences among citrus greening organisms in Asia. Plant Disease, v. 84, n.1, p.15-18, 2000. SWAI, I. S.; EVERS, G.; GUMPF, D. J. & LANA, A. F. Occurrence of Citrus Greening Disease in Tanzania. Plant Disease, v.76, n.11, p.1185, 1992. TEIXEIRA D.C.; DANET, J.L.; JAGOUEIX-EVEILLARD, S.; SAILLARD, C.; AYRES, A.J. & BOVÉ, J.M. A new Liberibacter species, Candidatus Liberibacter americanus, is associated with Huanglongbing in Sao Paulo. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL ORGANIZATION OF CITRUS VIROLOGISTS, 16, 2004, Monterrey. Program & Abstracts Monterrey: IOCV, 2004. p.81.