DOSSIÊ: ESTUDOS LINGUÍSTICOS

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Transcrição:

ISSN: 1517-7238 V. 11 nº 21 p. ISSN: 1517-7238 Vol. 12 nº 22 1º Sem. 2011 p. 181-194 DOSSIÊ: ESTUDOS LINGUÍSTICOS ANÁLISE ENTONACIONAL DA LEITURA DE JORNALISTAS CHILENOS E ESPANHÓIS: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS NO NÚCLEO PINHO, José Ricardo Dordron de 58 58 Doutorando em Língua Espanhola (UFRJ). Professor do Colégio Pedro II. E-mail: ricardodordron@bol.com.br. 181

ANÁLISE ENTONACIONAL DA LEITURA DE JORNALISTAS CHILENOS E ESPANHÓIS: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS NO NÚCLEO 182 RESUMO: Este trabalho propõe uma comparação entonacional dos núcleos encontrados na leitura de telejornais chilenos e espanhóis, realizando uma descrição fonética e uma análise fonológica. A análise se realiza a partir das frases entonativas, que são aquelas delimitadas pelas pausas existentes entre os enunciados completos. Considerando nosso critério de comparação, as frases entonativas se dividem em três grupos: frases entonativas continuativas, frases entonativas internas e frases entonativas terminativas, segundo a posição que ocupam no enunciado como um todo. O objetivo é encontrar os pontos convergentes e divergentes entre as duas variedades da língua espanhola. O corpus se constitui de 12 enunciados, que foram gravados dos canais internacionais TVN, do Chile, e TVE, da Espanha, em agosto de 2001. Analisam-se doze enunciados no total, seis de cada origem geográfica, que foram lidos pelos jornalistas quando apresentavam o telejornal. As análises se baseiam na teoria Métrica- Autossegmental (AM) de Pierrehumbert (1980), adaptada para o espanhol por Sosa (1999). Como resultado, encontramos a mesma atribuição tonal para todos os casos, mas diferenças significativas no comportamento da F 0. Ao considerar a duração, não encontramos muitas diferenças quanto à tendência predominante; porém, observam-se diferenças importantes quanto ao valor percentual. Como exemplo, citamos as frases entonativas terminativas, onde o padrão observado é L*L% no Chile e na Espanha, mas com casos de ensurdecimento na tônica e na pós-tônica espanhola, mas apenas na pós-tônica chilena. Quanto à duração, ocorre um aumento na passagem da pré-tônica para a tônica e da tônica para a pós-tônica nas duas variedades, mas em proporções desiguais: o aumento é mais percebido na tônica chilena e na pós-tônica espanhola. PALAVRAS-CHAVE: Entoação hispânica; Espanhol do Chile e espanhol da Espanha; Variação linguística. ABSTRACT: This paper proposes to make an intonational comparison of the tonemes found in the Chilean and Spanish news broadcast reading, making a phonetic description and a phonological analysis. The analysis is done from intonative phrases, which are limited by the complete sentence limited pauses. Acoording to our point of view, intonative phrases are divided into three groups: continuative intonative phrases, internal intonative phrases and terminative intonative phrases, according to their position in the complete sentence. Its objective is to find the convergent and divergent points between the two Spanish language varieties. Its corpus is constituted of 12 sentences, recorded from the Chilean international channel TVN and SpanishTVE, in 2001 August. Twelve sentences are analyzed in total, six for each geographical origin, which were read by TV presenters when they read the news on the news broadcast. The analysis are based on the Pierrehumbert s Autosegmental-Metric theory (AM) (1980), adapted to Spanish language by Sosa (1999). As a result, not only the same tonal

attribution for all the cases was found, but important differences when it comes to F 0 behavior. When considering the duration, also many differences were not found according to the predominant tendency; nonetheless, important differences related to the percentual value were observed. As an example, we can consider terminative intonative phrases, where the observed pattern is L* L% both in Chile and Spain, but with soundless cases in the Spanish stressed vowel and post-stressed one, but just one case of a descendent movement in the Chilean stressed one. Considering the duration, there is an increase from the stressed from the pre-stressed and from the post-stressed to the stressed, butin different proportions: the increase is more perceived in the Chilean stressed vowel and in the Spanish poststressed one. KEYWORDS: Hispanic intonation; Spanish from Chile and Spanish from Spain; Linguistic variation. 1INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho é descrever as características entonacionais do núcleo presentes na leitura de falantes chilenos e espanhóis. Trabalhamos com a leitura profissional, realizada por jornalistas no exercício da sua profissão; no caso, na leitura de telejornais. Analisamos seis enunciados completos de cada um dos dois informantes, ambos do sexo masculino, sendo um de cada origem geográfica. O corpus está formado por dados obtidos da televisão, através da transmissão via satélite de telejornais dos canais internacionais TVN, do Chile, e TVE, da Espanha (agosto de 2001). Após a seleção dos enunciados, realizou-se a divisão destes em unidades menores a partir das pausas encontradas no seu interior. A análise aqui realizada se limita ao núcleo de cada frase entonativa. Baseamo-nos na teoria Métrica-Autossegmental (AM) de Pierrehumbert (1980), adaptada para o espanhol por Sosa (1990). Portanto, realizamos uma análise fonológica e uma descrição fonética, considerando o comportamento da F 0, a atribuição tonal e a duração vocálica. De modo geral, observamos um mesmo comportamento fonológico, mas características diferentes do ponto de vista fonético. PINHO, José Rocardo Dordron de 183

2 CONSIDERAÇÕES GERAIS ISSN: 1517-7238 V. 11 nº 21 p. 181-194 ANÁLISE ENTONACIONAL DA LEITURA DE JORNALISTAS CHILENOS E ESPANHÓIS: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS NO NÚCLEO 184 A interação de três parâmetros físicos, a saber, a frequência fundamental, a intensidade e a duração, tem como resultado a entoação de uma língua. Com essa afirmação, queremos dizer que ela se deve a uma vibração em certa frequência básica, a uma oscilação em movimentos de certa amplitude e a uma duração de um determinado período ou intervalo de tempo. Na nossa análise, consideramos apenas a frequência fundamental e a duração, uma vez que as variações da intensidade influenciam menos a percepção do som pelo ouvido humano em comparação com os outros parâmetros, além de algumas condições extralinguísticas, como o vento e a distância, afetarem tal percepção. Existe uma relação direta entre a entoação e a subjetividade do falante. Não restam dúvidas de que a entoação desempenha funções tanto linguísticas quanto identitárias em diversos aspectos do uso social da língua. As funções linguísticas relacionam-se às funções distintivas da língua, ou seja, àquelas que fazem com que identifiquemos os diversos tipos de oração; já as funções identitárias fazem com que percebamos as diversas emoções e os variados sentimentos do falante, como raiva, alegria ou medo, além das marcas que o caracterizam, sejam elas individuais (sexo, idade ou temperamento) ou sociais (grau de escolaridade ou origem geográfica). Neste trabalho, temos um interesse especial pelas funções de caráter discursivo e pelas de caráter sociolinguístico. As primeiras são importantes porque a entoação pode variar em função do tipo de discurso oral; nesta pesquisa, nosso corpus está formado por dados de leitura, que se opõem à fala espontânea. Ao lermos um texto, as marcas entonacionais da leitura mostram as relações de segmentação já identificadas pela pontuação. Quanto à questão sociolinguística, é possível dizer que a entoação carrega as marcas da identidade do falante, sejam de sua caracterização individual, sejam do grupo no qual se insere. Consideramos o modelo métrico-autossegmental (AM),

desenvolvido a partir de Pierrehumbert (1980), para a descrição da entoação. A autora desenvolveu, em sua tese de Doutorado, um modelo de análise entonacional que considera a movimentação tonal nas sílabas tônicas a partir das sílabas anteriores e posteriores. O modelo AM foi proposto, então, para descrever não apenas as línguas do mundo, mas também os seus diversos dialetos. Tal modelo vem sendo amplamente empregado em nível mundial, para inúmeras línguas. Para o espanhol, a primeira aplicação foi realizada por Sosa (1999), e diversos pesquisadores continuam as análises com o modelo em questão. O modelo AM propõe a representação dos contornos entonacionais por meio de dois níveis: H alto (de high) e L baixo (de low), que podem se combinar de diversas formas. Esse modelo afirma que as sílabas tônicas desempenham um papel fundamental na análise da entoação, uma vez que elas servem como pontos de ancoragem para os movimentos melódicos relevantes. Figura 1 Exemplo de frase entonacional PINHO, José Rocardo Dordron de Fonte: Sosa (1999, p. 137). A frase analizada é Usted nos quiere dejar de verdad?. Os níveis são representados pelos tons H e L. O asterisco marca as sílabas tônicas, onde se dão os movimentos melódicos relevantes. 185

ANÁLISE ENTONACIONAL DA LEITURA DE JORNALISTAS CHILENOS E ESPANHÓIS: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS NO NÚCLEO 186 O modelo AM considera a existência de acentos tonais, capazes de descrever o contorno produzido por cada unidade. Segundo essa proposta, não é fundamental saber que nível cada sílaba recebe isoladamente, mas sim de que maneira as quedas e as subidas se alinham com a sílaba acentuada, pois é isso que pode produzir contrastes fonológicos. Partindo da proposta AM, Sosa (1999) realiza inúmeros trabalhos sobre a entoação da língua espanhola e seus diversos dialetos. Para o referido autor, o elemento que caracteriza a entoação é o núcleo (inflexão melódica final, observada a partir da última sílaba tônica do enunciado), ainda que o pré-núcleo (conjunto das inflexões melódicas anteriores ao núcleo) não deva ser descartado (na figura 1, o pré-núcleo seria Usted nos quiere dejar de ver- e o núcleo, -dad? ). Isso se deve ao fato de Sosa haver encontrado certa neutralização no pré-núcleo entre as variantes estudadas e por as diferenças de modalidade no pré-núcleo não desempenharem um papel relevante. Neste trabalho, comparamos apenas os dados relativos ao núcleo, ou seja, à parte final da curva melódica, observada a partir da última sílaba tônica (em cada figura apresentada na análise, indicamos o enunciado completado e o núcleo). 3 CORPUS E METODOLOGIA Obtivemos o corpus aqui analisado em gravações realizadas diretamente da televisão, em programas transmitidos via satélite. Os telejornais foram transmitidos pelos canais TVN (Chile) e TVE (Espanha), todos em agosto de 2001. A seleção dos enunciados para análise baseou-se na escolha dos itens considerados: deveriam cobrir as variantes estudadas (6 enunciados completos de leitura, do Chile e da Espanha, com um homem como apresentador do telejornal). Assim, nossos dados de leitura correspondem a um total de 12 enunciados completos (seis de cada falante). Os dados a serem analisados somam 146090 milissegundos, sendo 55501ms para o informante chileno e 90589 ms para o informante espanhol.

Posteriormente à seleção dos enunciados analisados, realizou-se uma divisão em unidades menores, já que se considera conveniente estruturar a análise das sequências fônicas não como um todo, mas sim se considerando as unidades sequenciais a partir das pausas que as limitam (DELGADO- MARTINS; FREITAS, 1993, p. 197 apud CASTRO, 2008). Para Toledo (2003, p. 146), as pausas delimitam uma frase entonativa. Para o estabelecimento do limite das frases entonativas, portanto, consideram-se as pausas que as limitam. Porém, nem toda pausa será percebida pelo ouvido humano. Ainda não existe uma conformidade sobre o tempo mínimo a ser observado; nesta pesquisa, baseamo-nos em Howell e Kadi-Hanifi (1991 apud CASTRO, 2008), para quem a pausa deve ser considerada quando a sua duração corresponder a todo e qualquer silêncio igual ou superior a 100 ms, desde que tal silêncio não corresponda a uma oclusão consonântica. Considerando a posição das frases entonativas, realizamos uma divisão destas em três grupos: as frases entonativas continuativas, as frases entonativas internas e as frases entonativas terminativas. Para a explicação, tomemos o seguinte exemplo, formado por três frases entonativas, limitadas pela barra: Só vou viajar / na semana que vem / vou para a Itália ortograficamente: Só vou viajar na semana que vem. Vou para a Itália. Só vou viajar representa uma frase entonativa continuativa, uma vez que a pausa que a segue marca que se encontra no interior de uma frase; na semana que vem representa uma frase entonativa interna, uma vez que a pausa que a segue marca o fim de uma frase que não é a última do enunciado completo; e vou para a Itália representa uma frase entonativa terminativa, uma vez que a pausa que a segue marca o fim do enunciado como um todo. Como já apresentado, nossa análise se baseia no sistema de notação Métrico Autossegmental (AM). Portanto, realizamos uma análise fonológica da entoação ao lado de uma descrição fonética. PINHO, José Rocardo Dordron de 187

4 ANÁLISE DOS DADOS ISSN: 1517-7238 V. 11 nº 21 p. 181-194 ANÁLISE ENTONACIONAL DA LEITURA DE JORNALISTAS CHILENOS E ESPANHÓIS: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS NO NÚCLEO Apresentaremos os comentários sobre cada um dos três tipos de frases entonativas e, em seguida, mostraremos um exemplo significativo de cada tipo, com base no programa PRAAT 59. Começaremos pelas frases entonativas continuativas, passaremos para as frases entonativas internas e concluiremos com as frases entonativas terminativas. * FRASES ENTONATIVAS CONTINUATIVAS Observemos os exemplos de frases entonacionais continuativas do Chile e da Espanha: Figura 2 Exemplo de frase entonacional continuativa do falante chileno: en la acción, la policía incautó cerca de cuatrocientos kilos de marihuana. Núcleo: -huana Pitch (Hz) 5.58372018 300 250 200 150 100 75 CHL1 0enla ac ción lapo li cía incau tó cer cadecua tro cien tos ki losdemari hua na 0 0enla ac c ió nlapol i cía incau t ó c e rc adecuat r o c ie nt os k i l osdemari h ua n a 0 5.584 8.674 Time (s) 188 59 O PRAAT é um programa computacional de análise acústica criado por Paul Boersma e David Weenink, ambos da Universidade de Amsterdam, que permite obter os valores de F 0 e de duração após a realização da segmentação manual de cada enunciado. A realização dessa segmentação conta com o apoio visual dos espectrogramas e do apoio auditivo das gravações dos enunciados.

Figura 3 Exemplo de frase entonacional continuativa do falante espanhol: llega hoy a Macedonia para comprobar sobre el terreno. Núcleo: -rreno EHL2 4.73511074 7.29666076 300 250 200 Pitch (Hz) 150 100 75 0 lle ga hoy a Ma ce do nia pa ra com pro bar so bre el te rre no 0 0ll e g a hoy a M a c ed o n ia p a r a c o mpr o b a r s obr e e l t err e n o 0 4.735 7.297 Time (s) A atribuição tonal para as frases continuativas é a mesma para os falantes chileno e espanhol: L* H%. Porém, no comportamento da F 0, observa-se, na vogal tônica, um movimento exclusivamente ascendente no falante chileno, ao passo que, no falante espanhol, pode-se falar de um caso de neutralização; apesar de predominar o movimento ascendente, a diferença é muito pequena: são 52% de movimento ascendente contra 48% de movimento descendente. Já na vogal pós-tônica, as frases entonacionais continuativas tendem a apresentar um aumento inicial de F 0 no informante chileno e inverter o curso (80%), mas manter-se ascendentes no informante espanhol (86%). Sobre a duração, observa-se, nas duas variedades, um aumento da duração vocálica na passagem da vogal pré-tônica para a vogal tônica, porém, mais frequentemente no Chile (100%) do que na Espanha (86%). Na passagem da vogal tônica para a vogal pós-tônica, é unânime a diminuição no Chile e é observada uma neutralização na Espanha: 50% de casos de aumento e 50% de casos de diminuição. PINHO, José Rocardo Dordron de 189

* FRASES ENTONACIONAIS INTERNAS Observemos os exemplos de frases entonacionais internas do Chile e da Espanha: ANÁLISE ENTONACIONAL DA LEITURA DE JORNALISTAS CHILENOS E ESPANHÓIS: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS NO NÚCLEO Figura 4 Exemplo de frase entonacional interna do falante chileno: con un delincuente muerto y doce detenidos culminó un operativo antinarcóticos de investigaciones en la capital. Núcleo: -tal Pitch (Hz) 0 300 250 200 150 100 75 CHL1 conun delincuentemuertoydocedetenidosculminóunoperativoan tinarcó ticosdeinvestigacionesenlacapi tal 0 0conundelincuentemuertoydo cedetenidosculminóunoperat ivoant inarcó t icosdeinvestigacionesenlacapit a l0 0 5.219 Time (s) Figura 5 Exemplo de frase entonacional interna do falante espanhol: de Colombia. Núcleo: -lombia Pitch (Hz) EHL3 9.12171459 9.65938955 300 250 200 150 100 75 0 de Co lom bia 0 0 d e C o l o m b ia 0 190 9.122 9.659 Time (s)

A atribuição tonal para as frases continuativas é a mesma para os falantes chileno e espanhol: H*L%. No comportamento da F 0, observa-se, unanimemente, um movimento descendente nos dois informantes na vogal tônica. Na vogal póstônica, contamos apenas com exemplos do falante espanhol; também predomina um movimento descendente. Quanto à duração, observa-se, nas duas variedades, um aumento da duração vocálica na passagem da vogal pré-tônica para a vogal tônica, porém, mais frequentemente no Chile (100%) do que na Espanha (80%). Na passagem da vogal tônica para a vogal pós-tônica, onde não temos exemplos chilenos, predomina um aumento no falante espanhol (67%). * FRASES ENTONACIONAIS TERMINATIVAS Observemos os exemplos de frases entonacionais terminativas do Chile e da Espanha: Figura 6 Exemplo de frase entonacional terminativa do falante chileno: del dos mil uno. Núcleo: uno 8.49851337 300 CHL6 Pitch (Hz) 250 200 150 100 75 0 del dos mil u no 0 0 d e l d o s m i l u n o 0 8.499 9.149 Time (s) PINHO, José Rocardo Dordron de 191

Figura 7 Exemplo de frase entonacional terminativa do falante espanhol: exigido a la guerrilla albanesa. Núcleo: -nesa EHL2 18.0657575 19.7314471 300 250 ANÁLISE ENTONACIONAL DA LEITURA DE JORNALISTAS CHILENOS E ESPANHÓIS: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS NO NÚCLEO 192 Pitch (Hz) 200 150 100 75 0e xi gi do 0 a la gue rri lla al ba ne sa 0 0e c s i g i d o 0 a l a gu e rr i ll a a l b a n e s a 0 18.07 19.73 Time (s) A atribuição tonal para as frases continuativas é a mesma para os falantes chileno e espanhol: L*L%. Porém, o comportamento da F 0 não é o mesmo nas duas regiões: na vogal tônica, observa-se que predomina um movimento descendente no Chile (83%) e o ensurdecimento na Espanha (83%). Na vogal pós-tônica, há um ensurdecimento em todos os dados chilenos e espanhóis. É importante salientar que o ensurdecimento só afeta, no Chile, a pós-tônica, apesar da unanimidade (100%), mas, na Espanha, além da pós-tônica (100%) e da tônica (83%), afeta também a pré-tônica (67%), que se encontra fora do núcleo. Quanto à duração, observa-se, nas duas variedades, um aumento da vogal na passagem da pré-tônica à tônica, porém, mais frequentemente no Chile (83%) do que na Espanha (67%). Na passagem da tônica para a pós-tônica, também predomina o aumento nos dois informantes (83% no chileno e 100% no espanhol), porém, é mais percebido na tônica chilena (um aumento médio de 46%, contra 10% na pós-tônica) e na póstônica espanhola (um aumento médio de 83%, contra 25% na tônica).

5 CONCLUSÃO Pudemos perceber que, apesar de ser possível identificar claramente que os falantes chilenos e espanhóis pertencem a comunidades de fala diferentes simplesmente ao ouvi-los, existem pontos em comum em suas falas quanto à entoação. A atribuição tonal é a mesma nas duas variantes, ainda que haja diversas especificidades do ponto de vista fonético. Tais especificidades não se limitam apenas a tendências; é possível que a tendência seja a mesma, mas com frequências diferentes. Esta é a função sociolinguística da entoação: ela é capaz de indicar-nos o grupo (no caso, de origem geográfica) ao qual o falante pertence. A F 0 tende a aumentar nas vogais tônicas chilenas em frases entonativas continuativas; nas espanholas, ocorre uma neutralização. Nos demais tipos de frase, predomina a diminuição. Nas vogais pós-tônicas, as tendências chilenas e espanholas são diferentes nas frases entonativas continuativas, mas é igual nas frases entonativas terminativas (ensurdecimento). Sobre a duração, a tendência é de aumento, tanto no Chile quanto na Espanha, nas frases entonativas continuativas e nas terminativas. Pretendemos dar continuidade a esta investigação, comparando os resultados aqui obtidos com dados de informantes mulheres e também de fala espontânea. Ao analisar este último tipo de discurso oral, pretendemos encontrar as especificidades devidas ao caráter discursivo da entoação, que opõe leitura e fala espontânea. Além disso, é importante que se façam outras pesquisas do mesmo tipo, com o objetivo de ratificar os atuais resultados. REFERÊNCIAS CASTRO, L. O comportamento dos parâmetros duração e freqüência fundamental nos fonoestilos político, sermonário e telejornalístico. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008. Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. PINHO, José Rocardo Dordron de 193

SOSA, J. M. La entonación del español. Su estructura fónica, variabilidad y dialectología. Madrid: Cátedra, 1999. TOLEDO, G. A. Modelo autosegmental y entonación: los corpus DIES- RTVP, 2003. ANÁLISE ENTONACIONAL DA LEITURA DE JORNALISTAS CHILENOS E ESPANHÓIS: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS NO NÚCLEO 194