Considerações sobre a tectônica brutalista

Documentos relacionados
O termo vem de béton brut (concreto bruto), usado por Le Corbusier para designar o material que usava.

ESTILO INTERNACIONAL LE CORBUSIER HCA 12MT 2017 ROSÁRIO ABREU

ESCOLA CARIOCA X ESCOLA PAULISTA: COMPARAÇÃO MORFOLÓGICA ENTRE O PALÁCIO GUSTAVO CAPANEMA E O MASP MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO.

Centro Universitário Estácio/FIC Curso de Arquitetura e Urbanismo Unidade Via Corpvs

AUT-274 LUZ, ARQUITETURA E URBANISMO PROJETOS EXERCÍCIO 4 CAIXA DE LUZ

A VIDA E A OBRA DE LUDWIG MIES VAN DER ROHE

panorama da arquitetura internacional Euler Sandeville Junior

INFLUÊNCIAS DA ESCOLA PAULISTA DE ARQUITETURA NA OBRA CONTEMPORÂNEA DE MARCIO KOGAN

AS INFLUÊNCIAS DA ARQUITETURA MODERNA EUROPEIA NA CONCEPÇÃO ESPACIAL DO CONJUNTO RESIDENCIAL PEDREGULHO

Profa. Dra. Deusa Maria R. Boaventura. Projeto 1 A FORMA DA CIDADE E OS SEUS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS.

A ARQUITETURA MODERNA NO BRASIL E SEUS PRINCIPAIS REPRESENTANTES

Modernismo. Rafaela Fiorini, Francisco Miguez e Tatiana Scholz 2ºA

Serviço Público Federal Universidade Federal da Bahia FACULDADE DE ARQUITETURA Coordenação Acadêmica

MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO MASP. Integrantes: Ingrid Salabia, Manuela Simões, Maritza Marmo, Sandra Mota e Thaís Teles

Unidades habitacionais de fachada única. Arq. Luiz Alberto Backheuser

ARTS AND CRAFTS. TH3 Teoria, História e Crítica da Arquitetura e Urbanismo III

EXECUÇÃO DE ESTRUTURAS EM AÇO

Conforto Ambiental 3 - Iluminação. Arquitetura é o jogo correto e magnífico das formas sob a luz»aar Le Corbusier (1940)

Centro Universitário Estácio/FIC Curso de Arquitetura e Urbanismo Unidade Via Corpvs

ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA

MODELAGEM DOS SISTEMAS ESTRUTURAIS Aula 07: Modelagem de Pilares

MODELAGEM DOS SISTEMAS ESTRUTURAIS Aula 07: Modelagem de Lajes

ARQUITETURA A PARTIR DOS ANOS DE 1950 AULA 04 - ARQUITETURA BRITÂNICA DO PÓS GUERRA new brutalism e urban structuring

DEFINIÇÃO HISTÓRIA HISTÓRIA 25/07/16. Universidade Federal do Paraná Departamento de Construção Civil Projetos de Arquitetura

MODELAGEM DOS SISTEMAS ESTRUTURAIS Aula 08: Modelagem de Lajes

MODELAGEM DOS SISTEMAS ESTRUTURAIS Aula 06: Modelagem de Vigas

MODELAGEM DOS SISTEMAS ESTRUTURAIS

Nome: João Lucas, Danilo, Bruno, Lucas e Paulo nº12, 6, 4, 18 e 23 9ºB PROFESSORA: Margarete. TEMA: Arquitetura e o mercado de trabalho

MODELAGEM DOS SISTEMAS ESTRUTURAIS Aula 06: Modelagem de Pilares

MODELAGEM DOS SISTEMAS ESTRUTURAIS Aula 08: Modelagem de Pilares

MODELAGEM DOS SISTEMAS ESTRUTURAIS Aula 08: Modelagem de Pilares

UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA. Programa da Unidade Curricular HISTÓRIA DA ARTE CONTEMPORÂNEA Ano Lectivo 2018/2019

DAU_1073_PRG_MORFOLOGIA_URBANA.pdf DAU_1074_PRG_TEORIA_E_CRITICA_1.pdf DAU_1087_PRG_PROJETO_DE_ARQUITETURA_E_URBANISMO_3.pdf

DESENHO DE ESTRUTURAS AULA 1. Profª. Angela A. de Souza

ARQUITETURA E URBANISMO

DEFINIÇÃO HISTÓRIA HISTÓRIA HISTÓRIA HISTÓRIA. Universidade Federal do Paraná Departamento de Construção Civil Projetos de Arquitetura

PRODUÇÃO DO ESPAÇO ARQUITETÔNICO Antonio Castelnou

Resolução da Questão 1 Texto Definitivo

Anais do 14º Encontro Científico Cultural Interinstitucional ISSN

CASA BIOVILLA PATIO. (b) (c)

Edifícios Altos. Edifícios de Andares múltiplos: Edifícios Altos. Divisão do Espaço do Edifício Residencial e Comercial

MODELAGEM DOS SISTEMAS ESTRUTURAIS Aula 06: Modelagem de Pilares

ARQUITETURA DO SÉC. XX: RELAÇÕES ENTRE A ARQUITETURA DE PAULO MENDES DA ROCHA E O MINIMALISMO

Inserir Foto da obra atualizada

Ecotech Architecture:

Preservação da Arquitetura dos Primeiros Modernos em Curitiba.

Estudo de Caso MASP Museu de Arte de São Paulo.

Introdução às Estruturas de Edificações de Concreto Armado

MODELAGEM DOS SISTEMAS ESTRUTURAIS Aula 09: Modelagem de Lajes

Plano de Ensino. Identificação. Câmpus de Bauru. Curso Arquitetura e Urbanismo. Ênfase

1 plantas. Figura _ Planta do edificio construido Fonte: Rino Levi 19_

Escola de Artes e Arquitetura Curso de Arquitetura e Urbanismo

AULA 1 FUNDAMENTOS DA ARQUITETURA. Prof João Santos

Inserção de sistemas de construção industrializados de ciclo aberto estruturados em aço no mercado da construção civil residencial brasileira

PROGRAMA CURSO MAK132 ARTE MODERNA E CONTEMPORÂNEA NO ACERVO DO MAC-USP

INGLATERRA SÉCULO XIX ARTS E CRAFTS

SINDUSCON PREMIUM 2016/2017 Etapa Litoral Norte CATEGORIA ESPECIAL: Edificação residencial unifamiliar

ARQUITETURA VERTICAL SEMESTRE. Estúdio Avançado ÊNFASES T.I. P A N. Obra civil Patrimônio. Planejamento urbano e regional Livre ARVE

Partido Arquitetônico. Projeto de Arquitetura e Urbanismo 3 PR Prof. Dra Adriana Mara Vaz de Oliveira Prof. Gustavo Garcia do Amaral

20 DE SETEMBRO DE 2017

ARQUITETURA MODERNA: a origem da arquitetura moderna no Brasil e suas obras

MODELAGEM DOS SISTEMAS ESTRUTURAIS Aula 5

JOÃO VILANOVA ARTIGAS: CENTENÁRIO UM EXPOENTE DA ARQUITETURA MODERNA NO PARANÁ

FUNCIONAL ENTORNO ELEMENTOS DE ENTORNO, CONSIDERANDO OS ATRIBUTOS DO LUGAR - MASSAS TOPOGRAFIA

Projeto Arquitetônico Conceitos e elementos. Curso técnico em Eletroeletrônica

Relatório Técnico. Analise de sistemas de lajes.

PLANO DE ENSINO I - EMENTA

AUT 0518 _ PROJETO DOS CUSTOS 1º SEMESTRE 2016 INDICADORES QUANTITATIVOS E IMPACTOS NOS CUSTOS: ESTUFAMENTO E AMPLIAÇÃO DE PROGRAMA

DESENVOLVIMENTO DO PROJETO DE UMA ESTRUTURA (ETAPA PRELIMINAR)

A CONSTRUÇÃO DA CIDADE

69,76% FUNCIONAL ENTORNO ELEMENTOS DE ENTORNO, CONSIDERANDO OS ATRIBUTOS DO LUGAR - MASSAS SOLAR/

ASPECTOS DA PESQUISA SOBRE FRANK LLOYD WRIGHT (22/08/06)

CURRÍCULO ACADÊMICO. _ Arquitetura & Urbanismo BACHARELADO

Seminário Ecocasa, QUERCUS - FLAD Novembro 05 arquitectura e energia

aula inaugural CFA2_fau. ufrj alexandre pessoa andrea borde ana amora flávia de faria mara eskinazi pedro engel

UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA. Programa da Unidade Curricular HISTÓRIA DA ARTE CONTEMPORÂNEA Ano Lectivo 2011/2012

Banham apresenta em uma nota o significado, em arquitetura, do termo formal e seus dois antônimos: 1

ARQUITECTURA EXERCÍCIO 2. Uma Forma Um Contexto: Construir um Mapa de Análise Arquitectónica

ESTRUTURA LAGE VIGA PAREDE COLUNA DEVEM ESTAR DEVIDAMENTE CONECTADOS TRANSMITIR CARGAS NÃO ESTRUTURAL

FICHA 06. Tir o de Gu e r r a Foto _TIro de Guerra em dia de formatura. Fonte: Acervo MUSA

110 o uso do aço na arquitetura

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS PUC-GOIÁS ESCOLA DE ARTES E ARQUITETURA

MODELAGEM DOS SISTEMAS ESTRUTURAIS Aula 09: Modelagem de Lajes

Serviço Público Federal Universidade Federal da Bahia FACULDADE DE ARQUITETURA Coordenação Acadêmica

Ferro. G03 David Felício Tiago Maciel José João Ventura

A Arquitetura Moderna de Campinas no período de 1930 a 1970

PRJ GALPÃO - otavio curtiss silviano brandão CLASSIFICAÇÃO: OPTATIVA DO TIPO 2 TERÇAS E SEXTAS 9:30 ÀS 12:50

Escolha da estrutura do pavimento-tipo do projeto- piloto

FUNCIONAL ENTORNO ELEMENTOS DE ENTORNO, CONSIDERANDO OS ATRIBUTOS DO LUGAR - MASSAS TOPOGRAFIA

MODELAGEM DOS SISTEMAS ESTRUTURAIS Aula 06: Modelagem de Vigas

REABILITAÇÃO E RECONSTRUÇÃO DE UM

Sumário. NESTE DOCUMENTO: Introdução. Metodologia. Vantagens & Benefícios. Dúvidas Frequentes dos Clientes. Bem-vindo ao Informativo da Empresa!

AULA 1 INTRODUÇÃO FUNDAMENTOS DA ARQUITETURA EDI 64 ARQUITETURA E U. Profa. Dra. Giovanna M. Ronzani Borille

PARÂMETRO DESCRIÇÃO IMAGEM SÍNTESE FUNCIONAL IMPLANTAÇÃO TOPOGRAFIA CIRCULAÇÃO E ACESSOS

Modernismo século XX BAUHAUS

Transcrição:

X SEMINÁRIO DOCOMOMO BRASIL ARQUITETURA MODERNA E INTERNACIONAL: conexões brutalistas 1955-75 Curitiba. 15-18.out.2013 - PUCPR Considerações sobre a tectônica brutalista Luís Salvador Gnoato Arquiteto e Urbanista UFPR Doutor em Arquitetura FAU-USP Professor Titular PUCPR Filiado Docomomo Internacional Alameda Cabral, 591, conj. 301 Centro, Curitiba, PR CEP: 80.410-210 Fone/Fax (41) 3779 7093 e-mail: salvadorgnoato@yahoo.com.br

Resumo A ênfase na estrutura do edifício, predominantemente em concreto armado, colocado à mostra e sem revestimento, é uma das características tectônicas da arquitetura brutalista. Esta postura utilizada em alguns projetos de Frank Lloyd Wright, Mies van der Rohe e Le Corbusier foi adotada com mais expressividade na geração seguinte de arquitetos. Na década de 1950 o Brutalismo teve diversas manifestações na Inglaterra dentre outros países, incluindo o Brasil. Este ensaio apresenta as origens e as diversas expressões da tectônica brutalista ocorridas entre os anos 1950 e 1970. Palavras chave: Brutalismo, estrutura aparente, Arquitetura Brasileira Abstract To emphasize the building's structure, mostly in shown armed concrete without coating, is one of the tectonic characteristics of brutalist Architecture. This posture, viewed in some of Frank Lloyd Wright's, Mies van der Rohe's and Le Corbusier's projects, was adopted more expressively by the following generation of architects. In the 1950's, Brutalism has had many manifestations in England and other countries, including Brazil. This essay introduces the origins and the various expressions of the brutalist tectonic that occurred between the 1950's and the 1970's. Keywords: Brutalism, naked structure, Brazilian Architecture

Considerações sobre a tectônica brutalista Origens da tectônica brutalista Para ser moderno simplesmente significa que todos os materiais são usados honestamente graças suas próprias qualidades, e que o material modifica o desenho do edifício. Frank Lloyd Wright 1 As raízes do Brutalismo estão presentes em algumas obras canônicas do Movimento Moderno. Os discípulos destes arquitetos se inspiraram nestas obras através da abundante bibliografia disponível naquele momento. Estrutura independente e fachada livre, dois paradigmas da arquitetura do Movimento Moderno, diferenciam estes edifícios da arquitetura clássica com suas paredes auto-portantes. Estas características, que correspondem às tecnologias da era industrial de estruturas de aço e de concreto armado, possibilitaram novas formas de expressão tectônicas para os edifícios. A disposição da estrutura externamente ao edifício aconteceu em algumas obras dos principais protagonistas do Movimento Moderno. Obras em que a trilogia vitruviana apresenta ênfases diferentes em relação à tradição clássica. O programa determina uma forma e o resultado plástico resulta desta relação. Em muitos momentos, os arquitetos negam qualquer intenção plástica em seus edifícios, mas esta atitude de anti-arte não deixa de ser uma postura estética. No Brutalismo os paradigmas a forma segue a função, ornamento é crime e honestidade dos materiais se expressam com eloquência. Os brutalistas mantêm o racionalismo no dimensionamento dos espaços, mas superdimensionam a estrutura. O concreto armado é o material que melhor proporciona a modelagem da forma e a expressividade na textura. A estrutura que abriga o programa passa a ter um desempenho atlético, conforme assinala Ruth Verde Zein. Uma das principais propostas do Movimento Moderno era realizar uma arquitetura a ser produzida industrialmente em larga escala, para o atendimento do maior número de usuários. Ao projetar edifícios com desenho individualizado e com formas complexas, os brutalistas se afastaram destas premissas. A expressividade da marca da madeira das formas executadas artesanalmente contraria o racionalismo de uma obra industrializada abstrata e sem autor. Estas obras constituem patrimônio de espacial interesse em função da impossibilidade de serem refeitas. Tal qual um afresco de uma igreja renascentista, uma obra brutalista é única e datada. Como em um quadro expressionista abstrato, estas obras permanecem com as marcas de quem as executou, nestes casos, operários anônimos. O despojamento executivo está de acordo com as premissas de redução de custos e facilidade de execução. A recusa de um maior refinamento construtivo era também um princípio ético do projeto de arquitetura. O Brutalismo é a expressão mais distante da estética das Escolas de Belas Artes, característica da sociedade burguesa do século XIX. Nas duas décadas em que trabalhou no subúrbio de Oak Park, próximo a Chicago, Frank Lloyd Wright desenvolveu projetos de residências conhecidas como prarie houses, com ênfase no emprego de materiais naturais como pedra, tijolo e madeira. Sua arquitetura buscava uma identidade americana, distante da tradição europeia, cujos conceitos foram expressos em inúmeros textos de Wright. 1 Wright, Frank Lloyd. The nature of materials in An American Architecture - Frank Lloyd Wright, Kaufmann, Edgard (Edit.). New York: Horizon Press, 1955, p. 99-100. (tradução do autor)

Fig. 01 - Talesin West, Frank Lloyd Wright, Arizona, Estados Unidos, 1938. (Pfeiffer, p.75) A obra Talesin West, executada a partir de 1938, no deserto do Arizona, despertou grande fascínio para os arquitetos em todo o mundo. A possibilidade de aprender e trabalhar diretamente com o mestre que já contava com grande prestígio era uma forma diferente do ensino convencional em salas de aula de universidades. Sem muitos recursos para executar a obra do Talesin, Frank Lloyd Wright se utilizou de materiais pobres, naturais e não industrializados. A expressividade foi obtida com grandes vigas de madeira pregada expostas ao tempo, apoiadas em grossas paredes de concreto ciclópico, dispostas moduladamente para abrigar a grande cobertura do atelier. A criatividade desta inversão estrutural abriu caminho para inúmeras propostas de arquitetura. O contato com a natureza e a proposta de viver fora dos grandes centros urbanos, distante de tecnologias industrializadas, princípios fundamentais do mestre norte-americano, foram algumas das fontes de inspiração da geração contracultura dos anos 1960. Ao deixar a direção da Bauhaus, Mies van der Rohe emigrou para Chicago, onde desenvolveu o classicismo de sua arquitetura em aço que se difundiu no International Style, exposição no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque MoMA, organizada por Philip Johnson e Henry Russell Hitchcock, em 1932, e designação que os norte-americanos adotaram para o Movimento Moderno. Em 1942 Mies van der Rohe iniciou os projetos dos edifícios do campus do Illinois Institute of Technology IIT, em Chicago. Entre suas características tectônicas, observa-se a estrutura em aço aparente que se confunde com amplas esquadrias metálicas e vedações externas em alvenaria em tijolos aparente enfatizados com detalhes executados com grande rigor. O Crown Hall, executado em 1950 no mesmo campus, é uma versão em aço e vidro do século XX de um palácio renascentista: um amplo salão colocado em um piano nobile construído sobre um pavimento semi-enterrado. O aspecto construtivo mais relevante é a solução adotada para os pórticos em aço externos e aparentes.

Fig. 02 - Crown Hall, Mies van der Rohe, campus IIT Chicago, Estados Unidos, 1950. (foto do autor) A estrutura de aço como principal elemento formal da obra aparece de forma mais eloquente em dois projetos não executados. Para o Teatro Nacional de Mannheim, na Alemanha, de 1952, Mies previu a execução de uma sequência de pórticos em aço, com expressivas treliças aparentes da estrutura do edifício. No Convention Hall de Chicago, de 1953, os cantos do edifício possuem apoios em balanço, solução adotada mais tarde por Vilanova Artigas para a estrutura de concreto da FAU USP. A didática de Mies influenciou mais de uma geração de projetistas, foi ponto de partida para o desenvolvimento da arquitetura high-tech de Richard Rogers, Renzo Piano e Norman Foster e também fonte de inspiração para o Brutalismo brasileiro, caracterizado por mega-estruturas em concreto armado elaboradas principalmente pelos paulistas. Mas coube a Le Corbusier a influência mais marcante junto aos arquitetos do pós-guerra. Em 1928, o arquiteto fez sua primeira vista a Rússia, quando manteve contacto com os irmãos Vesnin. As exuberantes propostas abstratas dos construtivistas russos fascinavam os europeus e inspiraram Le Corbusier para seu projeto do Palácio dos Soviéticos, de 1931. Para o grande auditório foi projetada uma grande parábola com cabos de aço para suportar a cobertura do palco e uma sequência de pórticos metálicos aparentes foi proposta para suportar a cobertura da plateia. O uso do esqueleto em aço de origem industrial imprimiu monumentalidade para o projeto do teatro, quando a estética predominante era neo-clássica. Mas foi o uso extensivo do concreto armado aparente que serviu de suporte para as concepções brutalistas dos edifícios a partir de meados da década de 1950. No projeto para a Unité d'habitation, em Marselha, de 1947, Le Corbusier modelou a estrutura de concreto aparente, as escadas de emergência externas foram dramatizadas como anexos do volume do edifício. No brutalismo, as colunas de cada edifício precisavam ter um desenho característico, parecia que colunas circulares ou quadradas eram vulgares ou superadas.

Fig. 03 - Convento de La Tourette, Le Corbusier, Lyon, França, em 1957. (Kahn, p.168) Quando Le Corbusier projetou o Convento de La Tourette, em 1957, a gramática brutalista já estava sendo empregada por diversos arquitetos acompanhando as experiências arquitetônicas do mestre. A obra é uma grande escultura de concreto armado, de modo que, com a inclusão de alguns complementos de alvenaria e a colocação de esquadrias, tem-se o artefato pronto. Esta tectônica foi amplamente desenvolvida por Oscar Niemeyer e pelos arquitetos paulistas Estes projetos de Frank Lloyd Wright, Mies van der Rohe e Le Corbusier estavam nos livros e revistas dispostos nas prateleiras dos escritórios dos arquitetos que iniciavam suas carreiras no início da década de 1950. Difusão do Brutalismo O movimento Dada ocorreu depois do primeiro conflito mundial, como uma postura de impossibilidade de expressão estética, como uma anti-arte. Depois da Segunda Guerra, outras manifestações de contestação também apareceram na art brut de Jean Dubuffet, nas obras de Antoni Tàpies e na arte povera italiana. Este despojamento estético nas artes plásticas também rebate na arquitetura. Os conceitos elaborados pelas vanguardas do Movimento Moderno foram amplamente utilizados na reconstrução europeia no pós-guerra. Na Inglaterra, onde a introdução do modernismo era incipiente, o casal Alison e Peter Smithson, integrantes do Team X, grupo de discussão do X Congresso Internacional de Arquitetura Moderna X CIAM, tiveram marcante presença intelectual.

Fig. 04 - Escola Secundária, Peter e Alison Smithson, Hustanton, Inglaterra, 1950. (Kahn, 162) O projeto para Escola Secundária em Hustanton, Inglaterra, de 1950, de Peter e Alison Smithson, assinalado por Reyner Banham como pioneiro do Brutalismo, tem como principal referência os projetos para o campus do IIT, em Chicago, de Mies van der Rohe, que estavam sendo elaborados naqueles anos. Estrutura de aço aparente, com paramentos em alvenaria e instalações elétricas e hidráulicas também aparentes, está entre as características que se apresentam nas futuras obras brutalistas. Para uma edificação destinada ao ensino, o despojamento construtivo de uma instalação industrial contrastava com o acabamento dos severos edifícios destinados para educação. Pode-se também estabelecer comparações com outro projeto de escola referência para os modernistas, a Bauhaus Dassau, de 1926, de Walter Gropius. Neste edifício também foram empregados os recursos de tubulações aparentes herdados de pavilhões industriais, experiências que Gropius obteve em diversos projetos anteriores. Coube a Reyner Banham, em New Brutalism - Ethic or Aesthetic?, a primeira conceituação sobre o Brutalismo, apresentando a produção europeia, norte-americana e japonesa, mas nenhum exemplo brasileiro. Alexander Clement 2 apresenta as manifestações do Brutalismo na Inglaterra, com inúmeros exemplos de conjuntos habitacionais e com destaque para a obra de Denys Lasdun. 2 Clement, Alexander. Brutalism Post-War British Architecture, Londres, The Crowood Press, 2011.

Fig. 05 - Escola de Arte e Arquitetura, Yale University, Paul Rudolph, New Haven, Estados Unidos, 1958. (Kahn, p. 176) Nos Estados Unidos, a principal referência do Brutalismo é Paul Rudolph, que estudou em Harvard com Walter Gropius. Seu projeto para a Escola de Arte e Arquitetura da Yale University, em New Haven, de 1958, apresenta grande virtuosismo na distribuição volumétrica dos elementos construtivos do edifício. No Brasil, o Brutalismo possui personalidade própria e aconteceu concomitantemente com a Inglaterra e outros países. O Brutalismo também fez parte do processo de afirmação cultural do Brasil, com a intenção se afastar de influências colonizadoras estrangeiras. Com o advento da Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo, o Movimento Moderno se consolidou e se difundiu na década de 1950 em diversas capitais brasileiras. Fig. 06 Colégio Brasil-Paraguai, Assunção, Affonso Eduardo Reidy, 1952. (Bonduki, p.157)

Affonso Eduardo Reidy participou da equipe de Lucio Costa no projeto para o Ministério da Educação e Saúde MES (1936), no Rio de Janeiro. Neste mesmo ano, com a mesma equipe e também com consultoria de Le Corbusier, Reidy participou do anteprojeto para a Cidade Universitária em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. O auditório apresenta, em menor escala, soluções estruturais semelhantes às utilizadas por Le Corbusier no Palácio dos Soviéticos, em Moscou. Em 1952, Reidy construiu o Colégio Brasil-Paraguai em Assunção, onde deu maior ênfase para a estrutura do bloco principal, comparando-se com as soluções adotadas para o Conjunto Residencial do Pedregulho, executado no Rio de Janeiro em 1946. Neste projeto, as empenas dos extremos do bloco de sala de aulas foram executados em concreto aparente. As colunas passam a ter um desenho específico e os pórticos da estrutura definem a construção. Fig. 07 Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro MAN, Affonso Eduardo Reidy, 1953. (Bonduki, p.164) Mas o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro MAN, de 1953, apresenta maior ousadia estrutural. Grandes pórticos de concreto armado com apoios inclinados sustentam o último pavimento. Esta obra define uma postura brasileira de interpretar o Brutalismo realizada antes que europeus, norte-americanos e japoneses. Em São Paulo, o Brutalismo vai se definir como didática projetual para uma geração de arquitetos, influenciando também outras cidades brasileiras, tendo Vilanova Artigas como liderança deste processo. Em sua viagem de estudos nos Estados Unidos, entre outras obras, Artigas também visitou o Talesin West. A influência de Wright esteve presente desde suas primeiras obras de Artigas, e manteve no respeito pelo uso honesto de materiais e na ousadia das soluções estruturais. Em 1953 Artigas fez uma viagem a Russia, ano em que faleceu Stalin e de grande debate para o comunismo. Segundo depoimento de sua filha Rosa 3, nesta viagem Artigas não tomou conhecimento da arquitetura construtivista. Em plena guerra fria, soviéticos e ocidentais tinham pouco conhecimento da produção russa das primeiras décadas do século XX. Somente em 3 Depoimento ao autor na Casa Vilanova Artigas em Curitiba, junho de 2012.

meados dos anos 1970 Artigas conheceu o construtivismo russo através do trabalho de Vittorio de Fusco. A casa Olga Baeta foi um de seus primeiros projetos realizados depois desta viagem e marca um ponto de inflexão em sua carreira. Na empena cega de concreto da fachada frontal, as marcas das formas dispostas verticalmente foram inspiradas nas casas de madeira de Curitiba, sua cidade natal. Esta casa, muito cultuada pelos jovens arquitetos, seus discípulos na FAU USP, contem apenas seis apoios. Em 1959, projetou o Ginásio de Itanhaém, em São Paulo, a primeira de uma série de escolas em que adota pórticos de concreto com pilares desenhados. No ano seguinte projetou o Ginásio de Guarulhos, obra de maior porte com mais de um pavimento. Destes projetos desenvolve-se o Brutalismo paulista tendo na estrutura de concreto aparente uma das principais características tectônicas da arquitetura das décadas de 1950 a 1970. Fig. 08 - Ginásio de Itanhaém, São Paulo, Vilanova Artigas, 1959. (Kamita, p. 27) Bibliografia Consultada Banham, Reyner. The New Brutalism, Londres, The Architectural Press, 1966. Bastos, Maria Alice Junqueira; Zein, Ruth Verde. Brasil: arquiteturas após 1950, São Paulo Perspectiva, 2010. Bonduki, Nabil (edit.). Affonso Eduardo Reidy, São Paulo, Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 2000. Clement, Alexander. Brutalismo Post-War British Architecture, Londres, The Crowood Press, 2011. Ferraz, Marcelo (edit.). Vilanova Artigas, São Paulo, Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1997. Frampton, Kenneth. Le Corbusier, Nova Iorque, Thames & Hudson, 2001. Kamita, João Masao. Vilanova Artigas, São Paulo, CosacNaify, 2000. Kaufmann, Edgard (edit.). An American Architecture - Frank Lloyd Wright, Nova Iorque, Horizon Press, 1955. Khan, Hasan-Uddin. Estilo Internacional Arquitetura Moderna de 1925 a 1965, Colonia, Taschen, 1999. Pfeiffer, Bruce Brooks (text.). Talesin West, Tokio, ADA Edita, 1989.