Seio materno: espaço privilegiado para construção da vida e da paz Rosemary Francisca Neves Silva 1



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Transcrição:

Seio materno: espaço privilegiado para construção da vida e da paz Rosemary Francisca Neves Silva 1 Resumo: Deus, sendo Pai e Mãe, poderia ter gerado o seu filho sem, necessariamente, a presença de uma mulher, mas este mesmo Deus quis precisar de uma mulher para, no seu seio, gerar o seu escolhido. Portanto, antes mesmo de ser gerado, Deus já havia escolhido o seu vocacionado, que, ao longo da gestação, ainda no seio acolhedor de uma mulher, foi modelado para ser o profeta-servo. Palavras-chave: Seio materno; Vocação; Escolhido; Servo. O trabalho tem como objetivo apresentar o conceito que está subjacente ao termo profético: [...] do seio chamou-me, do ventre de minha mãe fez memória do meu nome (Is 49,1), na perspectiva de que no Segundo Canto do Servo de YHWH é o Servo quem anuncia sua vocação de forma profética. Nesse termo se manifesta a origem da vocação do Servo, bem como toda relação de maternidade que há implícita. No início da perícope de Is 49,1-6 há uma espécie de autobiografia, na qual o Servo narra como aconteceu sua vocação, por isso pede para ser escutado. Desde o seio ele foi chamado para realizar uma missão. Compreende-se que o Servo foi chamado por Deus ainda no seio, no momento em que estava sendo gerado. A confirmação desse chamado se repete no versículo 1d, quando aparece do ventre de minha mãe fez memória do meu nome, e no versículo 5b, me modelou do seio para ele, momento em que sua vocação iniciou ainda quando estava sendo formado, modelado. A origem de sua vocação coincide com a de sua formação biológica. 1 Doutoranda em Ciências da Religião, mestra em Ciências da Religião pela PUC-Goiás. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás. Atualmente, coordenada um Projeto Social e é professora de Teologia na PUC-Goiás. E-mail: rosemarynf@gmail.com. Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano VII, n. 35 126

Portanto, o seio, ventre da mãe, é também um lugar privilegiado para gerar não só a vida, mas também uma vocação, antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei (Jr 1,5). O Servo foi consagrado, predestinado e separado para um ministério profético (cf. nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém). Percebe-se que a vocação do Servo não aconteceu de um dia para o outro nem foi uma decisão dele, mas foi Deus quem o chamou ainda em sua formação e agora ele se autoproclama como escolhido, chamado para um ministério específico que não está relacionado com seu projeto pessoal, mas com o projeto salvífico de Deus para todo o povo de Israel. Nesse contexto, podemos afirmar que a figura materna tem um papel fundamental na formação da vocação do Servo, pois é o seio, o ventre da mãe, que abriga e gera o futuro profeta-servo que contribuirá no projeto de Deus. Isso porque a mãe é modelo de amor [...] que protege o indivíduo das ansiedades e dos medos mais primitivos de separação, abandono e perda (Lemos, 2007, p. 23-24). Compreendemos com isso que o escolhido de Deus precisava de uma mãe para cuidá-lo, protegê-lo no seu seio aconchegante, aquele que futuramente iria libertar e devolver a esperança ao povo sofrido. Não foi uma mulher qualquer, mas uma mulher que superou suas limitações, assim como Ana em 1Sm, que, mesmo amando seu filho, não o ama de forma egoísta e possessiva. Ela se dispõe a doá-lo para Deus, para que ele possa cumprir sua vocação e missão (cf. Ludovico apud Souza, 2007, p. 1). É no âmago de uma mulher que Deus vai preparando seu escolhido. Poderíamos dizer que esse seio acolhedor, no qual o Servo foi gerado e modelado, era o do próprio Deus, uma vez que muitos estudiosos afirmam que Deus é Pai-Mãe, isto é, masculino e feminino, expressão maior da plenitude de amor incondicional, como bem afirma Boff (1998, p. 94): Se admitirmos que o ser humano enquanto masculino e feminino é verdadeiramente semelhante a Deus, então somos induzidos, pela lógica da própria afirmação, a admitir que Deus mesmo é prototipicamente masculino e feminino. Contudo, ao descobrirmos o feminino em Deus e ao invocá-lo como Mãe, não estaríamos vinculados a dados sexuais, mas a qualidades femininas e maternas que se realizam absolutamente em Deus (Boff, 1998, p. 96). Nessa perspectiva, Bingemer (1990, p. 18) também afirma que a Bíblia fala sem constrangimento do seio materno de Deus e não omite imagens relacionadas com a sexualidade quando se trata de falar do Ser divino. Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano VII, n. 35 127

Afirma, ainda, que a simbólica bíblica de Deus, seja ela masculina ou feminina, nunca é tomada apenas a partir da corporeidade (Bingemer, 1990, p. 19). Essas afirmações podem ser justificadas com as características que a tradição sempre apresentou de Deus, tais como ternura e aconchego, todas na linguagem feminina, bem como as passagens bíblicas, as quais afirmam que Deus é comparado com a mãe que consola um filho (Is 66,13), a mulher que não esquece o filho que foi gerado em suas entranhas (Is 49,15; Sl 25[24],6; 116,5) (cf. Boff, 1998, p. 89). Concordamos com as afirmações dos teólogos, mas acreditamos que Deus precisou de uma mulher para acolher, modelar, aconchegar e preparar, em seu ventre materno, o seu vocacionado. É também nesse seio materno que se inicia a construção de um homem de paz. Deus, ao precisar da mulher para cuidar em seu âmago daquele que iria libertar seu povo de toda escravidão, de ser protagonista de paz, o faz porque reconhece as qualidades da mulher, não a coloca aqui no sentido de superioridade, mas de igualdade, de um ser capaz de gerar em seu seio o seu escolhido. A figura materna da mulher na formação de um escolhido parece confirmar que o Servo tem uma missão profética a ser desenvolvida, portanto é um profeta-servo. Com isso, podemos afirmar que a missão da mulher não se limita apenas a ser mãe, mas muito mais do que isso, ela contribui no projeto de libertação que o próprio Deus tem para toda a humanidade. Portanto, a origem da vocação do profeta-servo tem seu início no seio, no ventre de minha mãe (Is 49,1), é lá no aconchego do âmago de uma mulher e mãe que Deus chama e modela o seu profeta-servo. Alguns casos de vocação no Antigo Testamento Há na Bíblia vários relatos de vocação, em que Deus escolhe alguém e envia para realizar um projeto, não um projeto pessoal, mas um projeto de salvação para toda a humanidade. Deus chama, para enviar, Abraão (Gn 12,1), Moisés (Ex 3,10.16), Amós (Am 7,15), Isaías (Is 6,9), Jeremias (Jr 1,7) Ezequiel (Ez 3,1.4). Ele remete a mesma ordem: Vai (Brandão, 1985, p. 14). Abraão era nômade e pastor de rebanhos. Ao ser chamado por Deus, começa a viver de uma esperança nova que agora está relacionada com o destino de toda a humanidade (Gn 12,3). Sempre que Deus chama, chama pelo nome, por isso Abraão escuta o chamado de Deus e sabe que é ele que está sendo chamado, porque Deus o chamou pelo nome (Gn 22,1; Jr 1,11; Am 7,8). Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano VII, n. 35 128

Muitas vezes Deus muda o nome do chamado para dizer que a partir daquele momento o escolhido é um novo homem que nasceu do chamado (Gn 17,1-2; 32,29; Is 62,2). É comum o chamado sentir medo da nova vida que assumirá a partir do chamamento, isso porque a missão que ele tem para desenvolver é árdua (Idígoras, 1983, p. 557). O mesmo acontece com Moisés, que ouviu o chamado de Deus e colocou-se à disposição desse Deus para libertar o povo. Moisés é escolhido para representar todo o povo sofrido e através dele Deus liberta o povo. Portanto, Deus fala com o povo por meio de Moisés. Nesses diálogos Deus faz uma aliança com tal povo (Ex 24,1-8). Outros homens em Israel também ouviram o chamado de Deus para libertar o seu povo do sofrimento, como, por exemplo, Amós, Isaías, Jeremias e Ezequiel. Amós foi um profeta chamado para ser porta-voz de Deus na denúncia do pecado e da injustiça que permeava toda a história do povo de Israel. Assim, também Amós, Isaías, Jeremias e Ezequiel são chamados para ser portavozes de Deus na denúncia da injustiça, do pecado e no anúncio da esperança e libertação da opressão que o povo estava vivendo. Desses profetas, deter-nos-emos no profeta Isaías, mais especificamente no Dêutero-Isaías, que relata os quatro Cantos do Servo de YHWH. No Primeiro Canto, alguém é chamado para desenvolver uma missão, mas parece não haver uma clareza dessa vocação e muito menos uma aceitação desse chamado. No Segundo Canto, alguém pede para ser ouvido, porque vai narrar sua eleição divina, significando com isso que ouviu o chamado e respondeu a esse chamado, assumindo, assim, todas as consequências que virão na realização do encargo que recebeu. No Terceiro Canto, esse Servo resiste em assumir sua vocação e missão. No Quarto Canto, o Servo vai ao martírio pelo projeto de Deus, em prol da libertação da humanidade. Vocação: chamado de Deus Vocação é um convite, um apelo, o qual deriva do verbo latino vocare, que significa chamar. Portanto, vocação significa chamamento ou chamado (cf. Oliveira, 1999, p. 19). Nesse sentido, vocação é um chamado que Deus faz a alguém para realizar um determinado projeto. O chamado sempre está relacionado com uma missão que o vocacionado deverá desenvolver, por isso vocação não é uma aptidão, mas um serviço, uma doação de seus dons em prol de um projeto maior. Entretanto, vocação é um ato de Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano VII, n. 35 129

liberdade, pois aquele que chama deixa sempre um espaço para que o vocacionado ou a vocacionada possa fazer ou não sua adesão ao projeto proposto por quem chama. Vocação, em sua origem, significa uma eleição divina, uma vontade divina a ser cumprida. A vocação, porém, acrescenta alguma coisa à eleição e à missão: uma chamada pessoal dirigida à consciência mais profunda do indivíduo, o que o perturba, desinstala a sua existência, não somente nas suas condições externas, mas também no coração, fazendo dele um outro homem. (Brandão, 1985, p. 15) A definição de vocação apresentada por Brandão nos leva a concluir que vocação é um chamado que Deus faz a um escolhido, e tal chamado tem como proposta uma missão a ser desenvolvida. Isso é o que se apresenta também em todos os relatos de vocação no Antigo Testamento, em que Deus chamava alguém para enviar a uma missão. Conclui-se, então, que Deus precisou de uma mulher para, no seu âmago, gerar o Servo. Essa mulher, esse seio aconchegante contribuiu com Deus na realização de seu projeto, sendo aquela que gera não só a vida, mas um escolhido de Deus para ser seu Servo. O Servo ou o profeta-servo é sem dúvida um vocacionado que ouviu o chamado de Deus. É alguém que fez a experiência do Deus Pai-Mãe no meio do povo sofrido, foi um dos exilados na Babilônia e como tal experienciou a dor, a humilhação de viver em terras estrangeiras e anunciou um novo tempo de esperança e libertação para todo o povo de Israel. Referências BEOZZO, José Oscar. Visão indígena da conquista e da evangelização. In: BRANDÃO, Carlos et al. (orgs.). Inculturação e libertação. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1985. BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2001. BÍBLIA DO PEREGRINO. Trad. de Luís Alonso Schökel. São Paulo: Paulus, 2002. BÍBLIA SAGRADA. Edição Pastoral. Trad. dos profetas de José Luiz Gonzaga do Prado. São Paulo: Paulus, 1990. BÍBLIA SAGRADA (A). Revista e atualizada no Brasil. Trad. de João Ferreira de Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. BÍBLIA SAGRADA. Trad. de Is 40-66 de João Balduíno Kipper. Petrópolis: Vozes, 2001. BÍBLIA TRADUÇÃO ECUMÊNICA. São Paulo: Loyola, 1994. BINGEMER, Maria Clara Lucchetti (org.). O lugar da mulher. São Paulo: Loyola, 1990. Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano VII, n. 35 130

; YUNES, Eliana (orgs.). Profetas e profecias numa visão interdisciplinar e contemporânea. São Paulo/Rio de Janeiro: Loyola/PUC-Rio, 2002. BOFF, Leonardo. O rosto materno de Deus; ensaio interdisciplinar sobre o feminino e suas formas religiosas. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1998. BOSCH, David J. Missão transformadora; mudanças de paradigma na teologia da missão. Trad. de Geraldo Korndorfer e Luís Marcos Sander. São Leopoldo: Sinodal, 2002. BRANDÃO, Marilene. Psicologia e formação religiosa. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1985. IDÍGORAS, J. L. Vocabulário teológico para a América Latina. Trad. de Álvaro Cunha. São Paulo: Paulus, 1983. LEMOS, Carolina Teles. Maternidade e religião: o caso das devoções marianas. In: OLIVEIRA, Irene Dias de (org.). Religião no Centro-Oeste; impacto sociocultural. Goiânia: Editora UCG, 2007. OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da vocação; temas fundamentais. São Paulo: Loyola, 1999. SOUZA, Omar. Um ministério chamado maternidade. Disponível em: <http://www.ippinhiros.org.br/navega.php?secao_id=1&materia_id=384>. Acesso em: segundafeira, 9 jul. 2007. Recebido: dezembro 2010 Aprovado: fevereiro 2011 Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano VII, n. 35 131