A Oftalmologia e seu mercado de trabalho (*) Harley E. A. Bicas (*) Nelson Terra Louzada A Oftalmologia e sua área de atuação Entre as especialidades médicas, a Oftalmologia, a mais antiga (o primeiro Congresso de uma especialização médica foi o de Oftalmologia, em 1857), ocupa hoje, no Brasil, o décimo lugar em número dos que a ela se dedicam. À sua frente, estão os especialistas em ginecologia-obstetrícia, pediatria, cardiologia, clínica médica, cirurgia geral, anestesiologia, ortopedia, dermatologia e urologia. É pelo olho que se iniciam os processos provedores da visão, com os quais se adquire a quase totalidade das informações exteriores ao corpo (estima-se que cerca de 90% da consciência que se faz do mundo nos chega por percepções visuais). Acresça-se que esses processos atingem suas plenitudes mediante seus adequados funcionamentos desde as menores idades, ficando permanentemente danificados se as condições de seus desenvolvimentos oportunos então não se realizarem. Daí a importância de medidas preventivas que atendam a esses possíveis problemas, antes que as queixas deles decorrentes se manifestem e, ou tornem irreversíveis. Mas além dos aspectos sanitários e educacionais relacionados à visão e aos seus aspectos psicobiológicos (visão monocular e binocular, central e periférica, fotópica, mesópica e escotópica, cromática, etc.), ao olho que a assegura, aos seus apêncides e anexos (complementares ou protetores), o campo de abrangência profissional da Oftalmologia é um dos mais amplos. Seus atendimentos são inerentes, indistintamente, a ambos os sexos, todas as raças e condições sociais, todas as idades (desde o prematuro de baixo peso, sujeito à retinopatia da prematuridade e outras intercorrências, ao idoso e até ao falecido, do qual se retiram a córnea e outras estruturas oculares para aproveitamento em transplantes). Os métodos e técnicas da Oftalmologia vão desde exames clínicos observacionais, aos que requerem equipamentos próprios, tanto os mais simples quanto os mais complexos, completando-se, quando necessário, com procedimentos cirúrgicos. A delicadeza e precisão de seus exames complementares (atualmente relacionados 30) e procedimentos, operatórios, ou não (relacionados 158), têm exigido e obtido um continuado aperfeiçoamento tecnológico que, se por um lado garante maiores margens de segurança, rapidez e adequação nos atendimentos, por outro depende de instrumentações caras e cuja obsolescência tem sido muito rápida. As três cirurgias mais realizadas no mundo são oftalmológicas: a de catarata (facectomia), as refrativas (para correção de miopia, hipermetropia, astigmatismo) e as de remoção de opacificação da cápsula cristaliniana (capsulotomia). Assim, tanto para órgãos governamentais voltados para o planejamento, organização, execução e supervisão de políticas sanitárias, quanto para agências operadoras de planos de saúde, seguradoras e demais sistemas pelos quais a Medicina é diretamente disponibilizada e aplicada, é inequívoca a relevância da Oftalmologia e o alto respeito do qual ela deve ser revestida. A Medicina no Brasil Pelas informações mais recentes, o Brasil dispõe de 165 escolas de Medicina, número muito superior ao de países mais populosos, ou desenvolvidos, como a China, a Índia, os Estados Unidos, o Japão, a Rússia. E mais 18 autorizações para novas estão, praticamente, concedidas. Estamos precisando? O Conselho Federal de Medicina (CFM) revelou que, em 15 de maio de 2007, existiam 319.990 médicos ativos no Brasil e que 55,53% deles (177.716) estavam concentrados nos Estados de São Paulo (92.845), Rio de Janeiro (52.297) e Minas Gerais (32.574). (Tabela I). Segundo estimativa do IBGE, em 2006, a população brasileira era de 186.770.562 habitantes o que indica uma relação de um médico para 583 habitantes, enquanto a Organização Mundial de Saúde preconiza um médico para 1.000 habitantes. Poucos Estados brasileiros ainda não atingiram esta relação: Maranhão (1/1.589), Piauí (1/1.155), Pará (1/1.152), Rondônia (1/1.123) e Acre (1/1.013). Na outra ponta, com excesso de médicos, encontramos o Distrito Federal (1/247), Rio de Janeiro (1/275), São Paulo (1/398), Rio Grande do Sul (1/451), Espírito Santo (1/505), Minas Gerais (1/549), Santa Catarina (1/556) e Paraná (1/588). Considerando a proporcionalidade preconizada pela OMS, a região Norte (1/1.024) teria uma relação com pequena carência de médicos, a região Nordeste (1/910) já estaria bem servida, enquanto as regiões Sudeste (1/393), Centro-Oeste (1/512) e Sul (1/518) já se acham saturadas. (figuras 1 a 6). 56
TABELA I: Total de Médicos Inscritos e ativos no Brasil em 15/05/ 07, Fonte: C.F.M. FIGURA 2: Relação entre habitantes e médicos nos Estados da Região Norte do Brasil. Fonte: C.F.M. FIGURA 3: Relação entre habitantes e médicos nos Estados da Região Nordeste do Brasil. Fonte: C.F.M. FIGURA 1: Relação entre habitantes e médicos nas regiões do Brasil. Fonte: C.F.M. FIGURA 4: Relação entre habitantes e médicos nos Estados da Região Centro-Oeste do Brasil. Fonte: C.F.M. 57
FIGURA 5: Relação entre habitantes e médicos nos Estados da Região Sudeste do Brasil. Fonte: C.F.M. Quanto à Oftalmologia, a OMS preconiza um oftalmologista para 20.000 habitantes. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) estima aproximadamente 12.000 oftalmologistas em atividade no país, com ou sem título de especialista, o que indica um oftalmologista para 15.564 habitantes, relação suficiente para atender a população brasileira, segundo a OMS. O CFM realizou um censo no início do ano 2006 constatando que menos de 2% dos médicos brasileiros não dependiam da prestação de serviços médicos às operadoras de planos de saúde. Este dado demonstra a importância deste mercado, a principal fonte de renda dos médicos. Levando-se em conta o número de beneficiários (36.953.198) e o quantitativo de oftalmologistas estimados pelo CBO (12.000) temos a relação de um oftalmologista para 3.079 beneficiários de planos de saúde. As operadoras de planos de saúde FIGURA 6: Relação entre habitantes e médicos nos Estados da Região Sul do Brasil. Fonte: C.F.M. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) divulgou que em dezembro de 2006 existiam 36.953.198 beneficiários de planos de saúde, ou seja, 19,8% da população brasileira tinha acesso a medicina privada (ou suplementar). Esse número vem aumentando, principalmente nos últimos anos (Figura 7). FIGURA 7: Beneficiários de planos de saúde por cobertura assistencial (Brasil, dezembro de 2000 a dezembro de 2006). (*) Um dos argumentos apontados para a habilitação de tantas escolas médicas, grande parte delas em precárias condições de oferecer um ensino de considerável qualidade é a de que há muitos municípios brasileiros sem assistência à saúde. Isso é verdade, embora em todas as principais cidades brasileiras o mercado de trabalho médico esteja mais do que saturado. Assim, essa razão para a manutenção de cursos deficientes e a abertura de novos não se sustenta pelos próprios fatos pois, ao contrário, tal formação de médicos em excesso não tem ajudado a resolver o problema de suas distribuições, não os provê a municípios carentes e avilta o exercício profissional, pela pletora, nos grandes centros urbanos. Caberia ao governo tomar providências de fixação de profissionais de saúde e de educação nesses locais desprovidos de recursos, para lhes garantir a elevação de seus padrões de vida, sem esperar que isso ocorra por simples decorrência de leis mercadológicas, de oferta e demanda. Desses beneficiários, 67,1% estão na região Sudeste e apenas 2,9% na região Norte (figura 8). Conforme a modalidade em que opera o plano, a grande maioria corresponde a operadoras de medicina de grupo e cooperativas médicas (figura 9). E é principalmente esta forma de serviço que vem aumentando sua participação no mercado de trabalho médico (figura 10). 58
FIGURA 8: Distribuição percentual dos beneficiários de planos de assistência médica, por grandes Regiões do Brasil (dezembro 2006). (**) TABELA II: Beneficiários de planos de assistência médica e taxa (Brasil dezembro/2006), Região Norte. Fonte: ANS. FIGURA 9: Distribuição percentual dos beneficiários de planos de assistência médica, por modalidade da operadora (Brasil, dezembro 2006). (**) TABELA III: Beneficiários de planos de assistência médica e taxa (Brasil dezembro/2006), Região Nordeste. Fonte: ANS. FIGURA 10: Beneficiários de planos de assistência médica, por modalidade da operadora (Brasil, 2000-2006). (**) TABELA IV: Beneficiários de planos de assistência médica e taxa (Brasil dezembro/2006), Região Centro-Oeste. Fonte: ANS. TABELA V: Beneficiários de planos de assistência médica e taxa de cobertura, segundo as Grandes Regiões e Unidades da Federação (Brasil dezembro/2006), Região Sudeste. Fonte: ANS. No Estado de São Paulo, 38,0% de sua produção tem plano de saúde, assim como 30,1% no Rio de Janeiro, 26,3% no Distrito Federal, 22,6% no Espírito Santo, 20,8% em Santa Catarina, 19,0% em Minas Gerais, 18,4% no Paraná e 16,8% no Rio Grande do Sul. Estes três últimos Estados já ficam abaixo da média nacional (19,8%). (Tabelas II a VI). 59
TABELA VI: Beneficiários de planos de assistência médica e taxa (Brasil dezembro/2006), Região Sul. Fonte: ANS. Existe uma concentração muito grande de beneficiários nas capitais e suas regiões metropolitanas. Vitória-ES (67,6%) tem o maior percentual de beneficiários em relação à sua população, seguida de São Paulo-SP (59,2%), Rio de Janeiro-RJ (49,0%), Belo Horizonte-MG (46,2%), Florianópolis-SC (44,9%), Curitiba-PR (42,9%), Porto Alegre-RS (36,2%), Recife-PE (35,9%), Natal-RN (29,9%), Aracajú-SE (29,4%), João Pessoa-PB (26,9%), Distrito Federal-DF (26,3%), Fortaleza-CE (25,9%), Cuiabá-MT (24,7%), Belém-PA (24,0%), Salvador-BA (23,7%), Goiânia- GO (22,6%) e Campo Grande-MS (22,0%). A situação atual do mercado de trabalho A prestação de serviços é a principal fonte de renda dos médicos, esperando-se que remunerações dignas recompensem os longos anos de estudos e sacrifícios; e sobretudo a enorme responsabilidade da lida com os bens mais caros a cada um: a saúde e a vida. Mas, provavelmente, por essa sobre-saturação do mercado médico de trabalho, nas principais cidades do país, foi se extingüindo o atendimento privado predominado agora, quase que exclusivamente, o oferecimento dos cuidados médicos por entidades que regulam esses serviços, já que os empregos pelo poder público são mal remunerados e com lamentáveis condições de trabalho. Não obstante, esses planos de saúde acham-se fechados a novos credenciados ou cooperados, o que torna constrangedora a situação dos egressos das muitas Faculdades de Medicina, levando alguns, no desespero da luta pela sobrevivência, numa competição exacerbada, a atitudes pouco abonadoras da profissão, faltas éticas, desvios de condutas bem qualificadas. Algumas medidas que poderiam ser adotadas para melhorar o mercado de trabalho: Abrir o credenciamento do SUS, aproveitando a capacidade instalada. Rever os valores de remuneração para o SUS, aproximando-os dos valores da CBHPM, com redutor a ser estabelecido. Estabelecer parcerias público-privadas para atuação em áreas carentes no atendimento de maior demanda, como refração, cirurgias de catarata, tratamento de retinopatia diabética, etc, afastando a necessidade de demais alternativas, desnecessárias, oportunistas, mercantilistas e, sobretudo, prejudiciais à saúde ocular da população brasileira. Valorizar os serviços prestados com redução de taxas e impostos (de renda, de importação, etc). Atuar ativamente junto aos poderes Legislativo e Executivo, mantendo simultaneamente assessoria jurídica competente para evitar eventuais invasões das fronteiras médicas. (*) Harley E. A. Bicas Presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (*) Nelson Terra Louzada Coordenador da Comissão de Honorários Médicos do C.B.O e Presidente da COOESO-RJ (**): Fonte: Sistema de Informações de Beneficiários ANS/MS (12/2006) ( Beneficiário refere-se a vínculos aos planos de saúde, podendo incluir vários vínculos para uma única pessoa). 60