Avaliação de Métodos de Tratamento do Lodo de ETA para a Utilização em Cerâmica Artística João Carlos Pozzobon 1, Juliana Fenner Ruas Lucas 2, Nora Díaz Mora 1 1 Centro de Engenharias e Ciências Exatas Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) Foz do Iguaçu, PR Brasil 2 Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) Cascavel, PR Brasil {jocapozzo,juliana_fenner}@hotmail.com, noradiaz@unioeste.br Abstract. Regarding the need to dispose the sludge generated in water treatment, it shows up this waste incorporation into the ceramic masses for the production of utilitarian and artistic pieces as a possible destination. Aiming to reduce the incidence of defects in ceramic pieces made with the addition of sludge in nature, in this paper were proposed and evaluated two techniques for the treatment of sludge of water treatment: the screening of sludge and the drying followed by milling of the same. Looking up apparent porosity and water absorption of sintered samples, it was identified the drying followed by milling as the more efficient sludge treatment, with reductions of up to 24.32% of porosity on the use of sludge in natura. Resumo. Considerando a necessidade de melhor dispor o lodo gerado em ETA, aponta-se como possível destinação deste resíduo sua incorporação a massas cerâmicas para a produção de peças artísticas e utilitárias. Com o objetivo de reduzir a incidência de defeitos em peças cerâmicas confeccionadas com adição de lodo in natura, neste trabalho foram propostas e avaliadas duas técnicas de tratamento do lodo de ETA: o peneiramento do lodo e a secagem seguida de moagem do mesmo. Analisando-se porosidade aparente e absorção de água de peças sinterizadas, identificou-se a secagem seguida de moagem como o tratamento do lodo mais eficiente, conferindo redução de até 24,32% da porosidade em relação ao uso de lodo in natura. 1. Introdução O abastecimento de água para consumo humano normalmente requer tratamento da água disponível na natureza para adequá-la aos padrões de potabilidade estabelecidos. O processo convencional de tratamento gera um lodo decantado, com alto teor de umidade, formado essencialmente por materiais inorgânicos, matéria orgânica e microrganismos [Portella et al 2003]. Esse resíduo gerado nas estações de tratamento de água (ETA) usualmente é destinado aos aterros sanitários, o que, entre outros inconvenientes ambientais, reduz a vida útil dos mesmos [Andreoli 2001]. Diante da necessidade de melhor gerenciar a disposição final do lodo de ETA, diversos trabalhos vêm sendo desenvolvidos na busca por soluções técnica e ambientalmente vantajosas. Algumas alternativas implicam no despejo do lodo na rede
coletora de esgoto, na incineração, na aplicação do lodo no solo, na incorporação em matriz cerâmica [Tartari 2008] e em matriz de concreto [Hoppen et al 2005]. Neste trabalho, é apontada como uma possível rota de destinação do lodo de ETA sua incorporação à massa cerâmica para a confecção de peças artísticas decorativas e utilitárias, em substituição parcial à argila normalmente usada. Esta alternativa se mostra bastante interessante devido ao aproveitamento do resíduo em um processo produtivo localmente pré-existente, com possível redução de custos de produção e de extração de recursos naturais, minimizando o potencial de riscos ambientais causados pela disposição inadequada do resíduo. Em estudos preliminares, estes autores identificaram que a utilização do lodo sem tratamento prévio para a composição de massas cerâmicas, apesar de ser uma opção ambiental e economicamente atrativa, pode comprometer o aspecto visual de peças artísticas devido a defeitos provenientes de impurezas presentes no lodo. Assim, a adição de 15% de lodo in natura a argilas, apesar de resultar em massas cerâmicas adequadas à manipulação e à confecção artesanal de peças, produziu, após a sinterização a 1000 ºC, peças que apresentavam furos e bolhas decorrentes de pedriscos, aglomerados de areia e matéria orgânica existentes no lodo, como pode ser observado na Figura 1. Figura 1. Furos e bolhas em amostra sinterizada de massa cerâmica com incorporação de 15% de lodo in natura. Os defeitos em peças cerâmicas ocorrem quando não se completam as reações de decomposição e interação entre os componentes da massa cerâmica, durante a sinterização. Neste processo, a peça moldada apresenta uma contração em volume que implica em redução de sua porosidade, juntamente com uma melhoria nas propriedades mecânicas [Callister 2002 e Silva 2004]. Embora artefatos cerâmicos artísticos não estejam submetidos a exigências normativas, um ponto importante refere-se à qualidade das peças, que está relacionada ao seu aspecto visual, especificamente à presença/ausência de defeitos. Para que a qualidade das peças não seja prejudicada, verifica-se, portanto, a necessidade de realizar o tratamento do lodo antes de sua adição à massa cerâmica básica.
Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivos propor duas técnicas de tratamento físico do lodo de ETA para a melhoria da qualidade das peças confeccionadas com adição do lodo e avaliá-las por ensaios de porosidade aparente e absorção de água. 2. Material e Métodos 2.1. Material utilizado O lodo utilizado é proveniente da ETA Tamanduá de Foz do Iguaçu PR, composto por 31,6% Al 2 O 3, 24,1% SiO 2, 18,6% Fe 2 O 3, 2,8%, SO 3, 2,2% TiO 2 (mediante difração de raios X) e 35,9% de matéria orgânica [Tartari 2008]. O teor de umidade da porção de lodo in natura coletado para os ensaios foi verificado e igual a 78,35%. A determinação da umidade do lodo foi realizada pela média de 3 repetições, relacionando a massa de água de uma amostra de lodo in natura pela massa total desta. A massa de água foi obtida pela diferença entre a massa da amostra úmida e a massa desta amostra após secagem em estufa à 105 ºC por 24 h [EMBRAPA 1997]. Para a composição das massas cerâmicas, foram selecionados materiais usados por artesãos de Foz do Iguaçu e região: a) uma argila natural da própria região, fornecida pela Cooperativa de Artesanato da Região Oeste e Sudoeste do Paraná, (representada por AC), e b) mistura industrializada de argila com chamote, procedente de São Paulo - SP, marca Pascoal, (representada por AP). As argilas foram secas em estufa a 110 ± 5 ºC por 24 h, moídas em moinho de bolas de porcelana e tamisadas em peneira granulométrica de 0,297 mm de abertura de malha. 2.2. Tratamentos avaliados Com o intuído de melhorar a qualidade das peças sinterizadas, foram propostos, em escala de bancada, dois tratamentos do lodo de ETA in natura: lodo úmido peneirado (representado por LUP) e lodo seco moído (representado por LSM). Com o tratamento LUP, objetivou-se diminuir a quantidade de pedriscos e matéria orgânica e desaglomerar a areia presente no lodo. Assim, o tratamento consistiu no peneiramento manual do lodo in natura em peneira granulométrica (0,297 mm de abertura de malha), sendo o lodo comprimido contra a malha, semelhantemente a um processo de extrusão devido à elevada viscosidade do mesmo. Após este procedimento, verificou-se que o teor de umidade do lodo peneirado foi de 78,93%. Com o tratamento LSM, objetivou-se diminuir a granulometria do lodo através de moagem, o que influenciaria positivamente no processo de sinterização da massa cerâmica lodo : argila e, consequentemente, na redução de defeitos. O tratamento consistiu na secagem do lodo em estufa à 110 ± 5 ºC por 24 h e posterior moagem manual com pistilo em almofariz de ágata e tamização em peneira granulométrica de 0.297 mm de abertura de malha.
2.3. Confecção das amostras Para cada argila, foram produzidas 3 misturas: a) argila + lodo in natura (representado por LIN), b) argila + LUP e c) argila + LSM. Para a composição das 6 misturas, manteve-se a relação de 85% de argila para 15% de lodo (massa seca), independentemente do tratamento. Para tanto, a partir do teor de umidade do lodo in natura e do lodo úmido peneirado, calculou-se as quantidades destes, com base em 300 g de massa seca de mistura. Para a confecção de massas cerâmicas, algumas misturas demandaram a adição de água destilada para possibilitar o umedecimento e aglutinação dos componentes. Produziu-se também, para as duas argilas, massas cerâmicas sem a adição de lodo, como referência. A composição das 8 massas cerâmicas é mostrada na Tabela 1. Tabela 1. Composição das massas cerâmicas. Composição da Massa de água Massa de argila (g) Massa de lodo (g) massa cerâmica destilada (g) AC 300,0 0 110,0 AC + LIN 255,0 207,9 10,0 AC + LUP 255,0 213,6 10,0 AC + LSM 255,0 45,0 90,0 AP 300,0 0 70,0 AP + LIN 255,0 207,9 0 AP + LUP 255,0 213,6 0 AP + LSM 255,0 45,0 58,0 Para cada uma das 8 massas cerâmicas, confeccionou-se amostras em triplicata. Estas foram moldadas manualmente, com o auxílio de uma forma metálica de 45 mm de diâmetro e 15 mm de altura. As 24 amostras foram secas ao ar e posteriormente sinterizadas a 1000 ºC. 2.4. Avaliação dos tratamentos Uma vez que a observação de defeitos mediante inspeção visual é uma avaliação subjetiva da qualidade das peças, optou-se por realizar sua avaliação pela medida de porosidade aparente e de absorção de água. Considerando que, quanto melhor o processo de sinterização da massa cerâmica, menor a porosidade da peça e a incidência de defeitos, especificamente de furos e bolhas, a porosidade aparente pode ser usada como uma medida indireta da qualidade em relação a esses tipos de defeitos. A medida da absorção de água, que tem íntima relação com a porosidade, é um parâmetro importante de qualidade em peças cerâmicas, que se demasiada, confere à peça propriedades indesejadas, especialmente em se tratando de peças utilitárias. Assim, as amostras sinterizadas foram submetidas aos ensaios de porosidade aparente, segundo Santos (1975), e de absorção de água, conforme indica ABNT (2009). Os cálculos da porosidade aparente PA(%) e da absorção de água AA(%) são dados, respectivamente, pelas expressões:
m u ms PA(%) = 100, m m u m u ms AA(%) = 100, m onde m u e m s representam a massa seca e a massa úmida da amostra, em g, e m i a massa da amostra imersa em água, também em g. Para tanto, as 24 amostras foram completamente imersas em água fervente por 2 h. Após este período, verificou-se a massa úmida e a massa das amostras imersas em água. Posteriormente, as amostras foram secas em estufa à 110 ± 5 ºC por 24 h, obtendo a massa seca das amostras. A partir da comparação das médias dos resultados de porosidade e absorção de água das amostras confeccionadas com lodo in natura, lodo úmido peneirado e lodo seco e moído, foi possível avaliar a influência dos tratamentos LUP e LSM na redução de defeitos em peças cerâmicas. 3. Resultados e Discussão Na Tabela 2, são apresentados os resultados médios de porosidade aparente e absorção de água obtidos para as amostras confeccionadas com as 8 massas cerâmicas produzidas. Tabela 2. Porosidade aparente e absorção de água das massas cerâmicas. Composição da massa cerâmica Porosidade aparente (%) Absorção de água (%) AC 31,53 18,38 AC + LIN 37,11 24,48 AC + LUP 35,27 22,54 AC + LSM 34,91 21,67 AP 18,02 9,18 AP + LIN 36,63 23,81 AP + LUP 31,79 20,30 AP + LSM 27,72 16,04 Os tratamentos LUP e LSM promoveram diferença considerável com relação ao LIN, sendo que o tratamento LSM mostrou-se melhor para as duas argilas, uma vez que as médias da porosidade aparente e da absorção de água das amostras com LSM foram menores que das amostras com LUP. Para possibilitar uma melhor comparação dos resultados, são mostradas na Tabela 3 as eficiências dos tratamentos LUP e LSM em relação ao LIN para porosidade aparente e da absorção de água das amostras. Tabela 3. Eficiência dos tratamentos. Composição da massa cerâmica Porosidade aparente (%) Absorção de água (%) AC + LUP 4,95 7,92 AC + LSM 5,93 11,48 AP + LUP 13,21 14,74 AP + LSM 24,32 32,63 s i
A maior eficiência de LSM, ou seja, a maior redução de porosidade aparente e absorção de água com relação ao LUP, indica que ocorreu uma melhor sinterização das argilas com o lodo seco moído e consequentemente, menor incidência de defeitos nas amostras com este. Isso ocorre porque, com a granulometria mais fina do lodo, minimiza-se o tempo que necessário para a ocorrência da reação de decomposição, e introduzi-se um patamar de desgaseificação, aumentando a liberação de gás [Silva 2004]. Nota-se que os valores de absorção de água seguiram a mesma tendência dos valores de porosidade aparente. Utilizando-se como parâmetro de comparação a NBR 15.310 [ABNT 2009], que normaliza diversos requisitos de telhas cerâmicas, e que limita o valor máximo de absorção de água em 20%, apenas a massa cerâmica AP + LSM atenderia a esse requisito. As amostras com massa cerâmica a base de AP apresentaram melhor eficiência que aquelas com AC para ambos os tratamentos. As amostras com AP apresentaram menor porosidade em relação às amostras com a argila da AC com a mesma adição de lodo, apesar da primeira ter em sua composição chamote, que promove o aumento da porosidade. Possivelmente, esta diferença se deva a seleção e tratamento das matériasprimas, uma vez que a argila Pascoal é industrializada, enquanto a argila da COART é elaborada de forma artesanal, sem controle de qualidade que garanta a distribuição granulométrica efetivamente restrita à faixa argilosa. Através de inspeção visual das amostras, observou-se uma variação de cor entre amostras com e sem adição de lodo e entre os tratamentos (ver Figura 2), sendo as cores mais pronunciadas nas amostras com LIN e LUP, para ambas as argilas. Figura 2. Amostras sinterizadas das massas cerâmicas confeccionadas Apesar não ter sido realizado ensaio de retração linear neste trabalho, notou-se uma redução diametral mais expressiva nas amostras confeccionadas com LIN e LUP (ver Figura 2). Isso se deve ao fato de que, em ambos os casos, o lodo se apresentava
úmido e com elevado teor de umidade, acarretando em um maior volume de água na composição das massas e, por conseguinte, nas amostras. 4. Conclusões Neste trabalho, constatou-se que para o melhor aproveitamento do lodo de ETA na fabricação de artefatos artísticos, este deve ser seco e moído antes de ser incorporado à massa cerâmica, com o objetivo de melhorar a sinterização e reduzir a porosidade aparente, a absorção de água e a ocorrência de defeitos. Obteve-se melhores resultados quando utilizada argila industrializada: a argila Pascoal com lodo seco e moído apresentou uma eficiência de 24,32% na redução da porosidade, enquanto que a argila da COART com lodo de mesmo tratamento apresentou 5,93%. Em escala piloto, o procedimento de secagem e moagem pode ser viabilizado pela secagem do lodo ao sol em leitos de secagem e posterior moagem em moinho de bolas de dimensões apropriadas. Observou-se variação de cor entre amostras com e sem adição de lodo e entre os tratamentos, o que constitui um aspecto interessante para a aplicação deste resíduo em cerâmica artística. 5. Agradecimentos Os autores agradecem a Sanepar, a COART, ao Laboratório de Tecnologia do Concreto de Itaipu, ao Parque Tecnológico Itaipu e à artista plástica Maria Cheung. 6. Referências Bibliográficas ABNT (2009). NBR 15310: Componentes cerâmicos telhas terminologia. ABNT. Andreoli, C. V. (2001). Resíduos sólidos do saneamento: processamento, reciclagem e disposição final. RiMa, ABES. Callister, W. D. Jr. (2002). Ciência e engenharia de materiais. LTC, 5. ed. EMBRAPA. (1997). Manual de métodos de análise de solos. Centro Nacional de Pesquisa de Solos, 2. ed. Hoppen, C.; Portella, K. F.; Joukoski, A.; Baron, O.; Franck, R.; Sales, A.; Andreoli, C. V.; Paulon, V. A. (2005). Co-disposição de lodo centrifugado de estação de tratamento de água (ETA) em matriz de concreto: método alternativo de preservação ambiental. In Cerâmica, v. 51, n. 318, p. 85-95. Portella, K. F.; Andreoli, C. V.; Hoppen, C.; Sales, A. Baron, O. (2003). Caraterização físico-química do lodo centifugado da estação de tratamento de água Passaúna Curitiba PR. In Anais do Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária Ambiental. ABES. Santos, P. de S. (1975). Tecnologia de argilas. Edgar Blücher, Ed. da Universidade de São Paulo. Silva, R. C. da. (2004). Obtenção e caracterização de vidrados contendo resíduos industriais. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Tartari, R. (2008). Incorporação de lodo gerado na estação de tratamento de água Tamanduá, como aditivo em massa para cerâmica vermelha. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual do Oeste do Paraná.