Palavras-chave: variação lingüística; concordância verbal; coletivo; saliência fônica.

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Transcrição:

A VARIAÇÃO VERBAL COM SUJEITO COLETIVO NO PORTUGUÊS FALADO DO BRASIL Shirley Eliany R. Mattos * RESUMO O artigo trata da variação verbal que ocorre quando o sujeito é de tipo coletivo singular como o pessoal, o povo, a turma. Por meio de metodologia variacionista foi analisado um corpus de fala de Fortaleza (Projeto Dialetos Sociais Cearenses) e os resultados gerados pelo conjunto de programas VARBRUL indicam as variáveis saliência fônica e tipo de sujeito como favorecedoras do aparecimento da forma plural no verbo relacionado a sujeito coletivo. Palavras-chave: variação lingüística; concordância verbal; coletivo; saliência fônica. INTRODUÇÃO. É característica da variação lingüística inerente não haver quem a faça sempre, nem quem nunca a tenha feito. Esta máxima laboviana, ainda que referente ao vernáculo (Cf. Labov, 1975:217), vem à mente quando identificamos casos como os seguintes: (1) "O pessoal não se IMPORTA se é funk, se é reggae, se é pagode, se é samba, se é sambalanço, se é o Tim Maia. QUER uma coisa em que se VEJAM e não DÃO a mínima para quem diz que eles deveriam consumir ou gostar de outra coisa qualquer." [Hubert e Marcelo Madureira. In: AGUIAR, L. A. & SOBRAL, M. (orgs.) Para entender o Brasil, p. 118] (2) "E um casal amigo meu comemorou o dia da Independência se separando. FORAM levantar a espada no fórum." [José Simão. Folha de S. Paulo, 02 set. 2001] (3) "A vendedora foi atender outro tipo de clientes, aquelas que em um minuto decidem se compram ou não, se era sim tiravam o cartão de crédito, pagavam e saíam, mas o casal TINHA todo o tempo do mundo e TROCAVA idéias sobre se DEVIAM ou não levar a echarpe. Afinal, ESTAVAM em Paris, e provavelmente aquele seria o presente de viagem dele para ela. ". [Danuza Leão, Folha de S. Paulo, 06 jan. 2002. C2] * Professora do Departamento de Letras da Faculdade de Filosofia Bernardo Sayão, Anápolis. Mestrado em... Doutoranda em... UnB 1

A variação de número na forma verbal que se vincula a um sujeito de noção coletiva como pessoal, casal, povo, turma não tem sido analisada na literatura sociolingüística brasileira, seja porque a gramática tradicional (GT) 1 trata do caso admitindo, em determinada modalidade de língua, a concordância ideológica (silepse de número), seja porque o fenômeno tem sido interpretado como uma hipercorreção. As peculiaridades dessa ligação vão da aparente quebra de uma tendência ao paralelismo lingüístico à negação da tendência à simplificação do paradigma verbal no português brasileiro (PB). Numa sentença como (4) "O povo num TÃO mais acreditando assim no Deus que tem, né?" [A Linguagem Falada em Fortaleza (LFF), p. 169, linha 485], temos um plural verbal em discordância morfológica com o sujeito a que se encontra ligado. Esse comportamento da forma verbal contraria o paralelismo sintático ou a tendência de "formas gramaticais particulares ocorrerem juntas" (Scherre, 1988: 301) 2 ; isto é, uma forma plural explícita ou uma forma plural zero tenderiam a ocorrer mais freqüentemente em ambiente de ocorrência de forma plural explícita ou forma plural zero anterior respectivamente; além dessa peculiaridade, na variação em análise, o plural verbal se instaura no sentido oposto ao da tendência da perda da flexão verbal 3 em língua portuguesa, em que a forma singular de terceira pessoa predominaria. A ANÁLISE DA VARIAÇÃO NA FALA O suporte para uma análise preliminar da variação com sujeito coletivo se deu em corpus da fala cearense organizado por Maria do Socorro S. de Aragão e Maria Elias Soares para o Projeto Dialetos Sociais Cearenses (UFC, 1996). A amostra contém 18 entrevistas com moradores de Fortaleza com variação etária que vai dos 10 aos 43 anos e nível de escolaridade entre zero (analfabetismo) e 11 anos. A tabela 1 dá maiores detalhes do universo de falantes examinados. 1 Por exemplo, Cunha & Cintra, p.614. 2 Citado em Scherre, 1998:42. 3 Naro, 1981; 1999a:201. 2

TABELA 1 AMOSTRA DO PROJETO DIALETOS SOCIAIS CEARENSES SEXO FAIXA ETÁRIA ANOS DE ESCOLARIDADE CLASSE SOCIAL F M M 10-11 14-15 18-25 37-43 zero 1 a 4 5 a 8 9 a 11 B C 10 8 8 3 3 8 4 1 5 7 5 9 9 A caracterização das classes sociais seguiu os seguintes critérios: classe B (média): tem casa própria, tem carro, lê jornal, revista, tem alguma atividade intelectual e tem renda familiar acima de 5 salários mínimos; classe C (baixa): não tem casa própria, não tem carro, não lê jornal, revista, não tem atividade intelectual e tem renda familiar de até 3 salários mínimos (Aragão & Soares, 1996: 8-9). A variação encontrada está exposta nos seguintes exemplos: (5) O pessoal só ENTRA quando a professora chega (LFF, p. 27, l. 361) (6) E o pessoal nunca num DISSERAM assim... uma causa uma razão dele ter ficado doente (LFF, p. 84, l. 667) (7) Mas o povo VIVIA com mais tranqüilidade (LFF, p. 159, l. 177) (8) O povo parece que TÃO e SÃO menos católico (LFF, p.169, l.484-485) (9) Um casal que se SEPARA, quem é que sai perdendo mais? (LFF, p. 194) (10) O casal assim TAVAM noivo IA se casar (LFF, p. 229, l. 513-514) (11) Porque minha família num MORA aqui... minha família MORA muito distante de mim (LFF, p. 123, l. 61) (12) A minha família ainda não me ESCREVERAM (LFF, p. 133, l. 352-253) Essa coleta inicial foi codificada segundo a metodologia variacionista e sua análise quantitativa foi feita por meio do conjunto de programas VARBRUL (Cf. Pintzuk, 1988; Sankoff, 1988). Em um total de 221 dados, encontramos um percentual de 13% de plural verbal. Isso indica um fenômeno de variação bastante polarizada, mas de número suficientemente alto para, já de início, descartar a hipótese de se tratar de hipercorreção. 3

Justamente com o propósito de entender a sistematicidade que se encontra na variação verbal com sujeito coletivo singular sem adjunto, perseguimos os traços estruturais da dinâmica da variação através de variáveis como tipo de sujeito, distância entre sujeito explícito e verbo, tempo verbal, saliência fônica e tipo de construção sintática, entre outras. A abordagem variacionista do contexto de produção e interpretação das diferenças de realização verbal considera também a importância de fatores extralingüísticos como sexo, faixa etária e anos de escolaridade do falante. Além disso, controlou-se a inserção do dado analisado, se na fala do informante ou na do entrevistador. Os resultados auferidos na análise de pesos relativos, que observa o efeito conjugado das restrições, apresentaram, como estatisticamente significativas, uma variável de tipo morfofonológico, a saliência fônica, e uma variável de tipo morfossintático, o tipo de sujeito, ambas com capacidade explicativa para o aparecimento da forma verbal plural. Seguem-se tabelas de resultados. TABELA 2 INFLUÊNCIA DO FATOR SALIÊNCIA FÔNICA NO USO DO VERBO NO PLURAL COM SUJEITO COLETIVO SINGULAR TIPO DE OPOSIÇÃO Mais Saliente ( é / são ) (escreveu/escrevera m) Menos Saliente ( lia / liam ) (separa / separam) VERB OS NO PLUR AL TOTAL DE DADOS PORCENTA GEM DE VERBOS NO PLURAL PESO RELATIVO 22 83 27% 0,83 06 138 04% 0,28 TOTAL 28 221 13% 4

A tabela 2 indica claramente que quanto mais acentuada for a saliência fônica, isto é, quanto maior for a diferença entre a forma singular e a forma plural da terceira pessoa no verbo, maior será a probabilidade de ocorrência de plural no verbo ligado ao sujeito coletivo. Temos aqui um impasse teórico, visto que a análise do fator saliência fônica no fenômeno da concordância verbal (Naro & Scherre, 1999 b e c) tem projetado a saliência fônica mais acentuada como altamente condicionante de concordância verbal. Isso, no entanto, não tem se mostrado válido no âmbito da relação verbal com sujeito coletivo singular, pois neste caso, concordância pressupõe desinência verbal no singular. O que é possível afirmar, a partir de nossa análise, é que o fator saliência fônica tem influência determinante no aparecimento da forma plural, e não apenas no fenômeno da concordância verbal. Quanto à variável tipo de sujeito (ver tabela 3), a seleção estatística elegeu a construção com sujeito zero como proporcionalmente o ambiente de maior favorecimento de plural verbal (0,86). A hipótese que previmos é a de que um mecanismo sintático-semântico orientado para a preservação da referência realiza a operação de resgate do sentido do nome sob pena de se ter a ligação verbal associada a outro constituinte. TABELA 3 INFLUÊNCIA DO FATOR TIPO DE SUJEITO NO USO DO VERBO NO PLURAL COM SUJEITO COLETIVO SINGULAR PORCENTA VERBOS TOTAL GEM DE PESO TIPO DE NO DE VERBOS RELATI SUJEITO PLURAL DADOS NO VO PLURAL Zero 12 38 32% 0,86 O Pessoal 09 53 17% 0,72 O Povo 02 15 13% 0,62 Demais* Substantivos 05 115 04% 0,25 TOTAL 28 221 13% *Demais = família, casal, turma, gente, muita gente, etc. 5

O detalhamento da tabela 3, expondo os índices gerados no cálculo estatístico para a variável tipo de sujeito, se deve ao fato de os verbos relacionados aos sujeitos pessoal e povo também terem apresentado altas taxas de plural (0,72; 0,62) em oposição ao efeito desfavorecedor (0,25) dos demais substantivos (família, casal, turma, gente, etc). Este fato será submetido à comprovação e conseqüente interpretação com análise de dados de outras comunidades de fala. Os fatores sociais ainda não se evidenciaram como estatisticamente significativos. Destaque-se, todavia, a porcentagem maior de plural verbal na fala dos homens (19%) em relação à média das mulheres (7%). Falantes de faixa etária entre 15 e 25 anos apresentaram uma porcentagem de 17% de pluralização verbal, próxima da média geral de 16% no conjunto das faixas etárias estabelecidas. E ter entre 9 e 11 anos de escolaridade foi fator de 17% de plural verbal, igualmente próximo da média de 16%. A diferença entre a média geral das varáveis nas tabelas 2 e 3 (13%) e a média geral de plural nas variáveis sociais (16%) deveuse ao controle da origem do dado, se proveniente do informante ou se do entrevistador. Uma vez que as informações de cunho extralingüístico relativas aos entrevistadores não estavam disponíveis, algumas variáveis tiveram o número de dados reduzido. A NECESSIDADE DA DESCRIÇÃO A variação na concordância verbo-nominal com coletivos formalmente singulares nos interessa ainda de um ponto de vista da temporalidade, considerando-se que já encontraremos exemplos do fenômeno no português arcaico, como os apresentados por Mattos e Silva (1991: 71-72): (13) Idolo a que o poboo sandeu de toda aquela terra FAZIAN honra come a Deus (14) E mandou que toda a outra gente que SOIA andar con el que FOSSEN con el e LEVASSEN boas vestiduras É preciso assim empreender uma descrição aprofundada do fenômeno a fim de detectar fatores que estariam influenciando fortemente o comportamento da variável, o que sem duvida contribuiria ainda para a eliminação do estigma que enfrentam aqueles que teimam em fazer concordar idéia e número na relação verbo-sujeito. 6

O recém-lançado Dicionário Houaiss da língua portuguesa indica a noção de número característica dos nomes coletivos como um traço semântico importante 4, fato que certamente também a gramática normativa leva em conta ao registrar e aceitar a concordância ideológica, especialmente na escrita literária. O descompasso na aceitação da forma verbal plural é meramente político uma vez que a gramática normativa recomenda que se evite a silepse de número na linguagem usual, embora reconheça nela um potencial de expressividade para a linguagem literária. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em uma análise que se inicia é preciso ter em mente a necessidade do refinamento das categorizações. A partir de um esforço preliminar de entendimento, vimos que a variação verbal com sujeito coletivo singular leva em conta uma particularidade morfofonológica presente na forma verbal, a saliência fônica, vista ela como um mecanismo de influência na produção de plural verbal. Leva também em conta uma particularidade morfossintática, o tipo de sujeito, a indicar que a manutenção da referência adequada parece ser o mecanismo lingüístico que explica a alta tendência ao aparecimento do plural verbal nos casos de sujeito zero, sob o risco de se perder a ligação referencial adequada entre constituintes, caso ocorra a forma verbal singular. Interessa ainda salientar a prática constante da variação na língua escrita não literária, como apontam os exemplos no início do artigo, e registrar um esforço no sentido de repelir a alegação de erro a essa prática lingüística, já sistematicamente incorporada ao cotidiano da língua em qualquer de suas modalidades. ABSTRACT This article is about the verbal variation that occurs with the singular collective subject such as o pessoal, o povo, a turma. Through a variation methodology, a corpus of speaking from Fortaleza was analyzed and run in the VARBRUL program. The results indicated two variables salient phonic points and the kind of subject as favorable to the emergence of the plural form of the verb related to a collective subject. 4 "Coletivo. LING traço semântico distintivo de determinados substantivos, que indica um conjunto de seres ou de coisas, da mesma espécie consideradas como um todo". (p. 760) 7

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAGÃO, Maria do S. Silva de. & SOARES, Maria Elias (Orgs.). (1996) A linguagem falada em Fortaleza. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará. CUNHA, Celso & CINTRA, L. (1985). Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. HOUAISS, Antonio. (2001) Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva. LABOV, William. (1975). The study of language in its social context. In:. Sociolinguistic Patterns.. 3.ed. Philadelphia, University of Pensylvania Press. p. 183-259. MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. (1991). Caminhos de mudanças sintático-semânticas no português arcaico. In: OLIVEIRA E SILVA, Giselle M. & TARALLO, F. (orgs.). Cadernos de estudos lingüísticos, 20: 59-74. Campinas: UNICAMP. NARO, A. J. (1981) The social and structural dimensions of a syntactic change. Language. LSA, 57(1):63-98. NARO, Julius A., GÖRSKI, Edair & FERNANDES, Eulália. (1999a) Change without change. Language variation and change. Cambridge, 11(2):197-211. NARO, A. J. & SCHERRE, Maria Marta P. (1999b). Sobre o efeito do princípio da saliência na concordância verbal na fala moderna, na escrita antiga e na escrita moderna. In: MOURA, Denilda. (org.). Os múltiplos usos da língua. Maceió: EDUFAL.. (1999c). Influência de variáveis escalares na concordância verbal. Idéia. Revista de Letras da Universidade Estadual de Feira de Santana. SANKOFF, David. (1988) Variables rules. In: AMMON, U., DITTMAR, N. & MATTHEIER, K. J. (eds.) Sociolinguistics: an international handbook of the science of language and society.. Berlin/New York; Walter de Gruyter. P. 984-98. SCHERRE, Maria Marta Pereira. (1998). Paralelismo lingüístico. In: Revista de estudos da linguagem.. UFMG, 7(2):29-59. PINTZUK, Susan. (1988). VARBRUL programs. Inédito. 8