Por que Ananse vive no teto?
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Kweku Ananse, a aranha, era um fazendeiro dos bons. Tinha a maior propriedade da região e cuidava dela com dedicação com a ajuda de seus três filhos. Bem cedinho, antes mesmo de o galo cantar, punham-se a caminho da fazenda, onde capinavam, regavam e lavravam a terra. Tornavam a casa de noite, exaustos e prontos para cair na cama. Ocorreu que, certo ano, as chuvas se atrasaram e, quando vieram, foram escassas. Com a estiagem, a colheita foi miserável e faltou comida. Mesmo assim, Ananse e seus filhos seguiram com o trabalho, cuidando da fazenda da melhor forma que podiam. Embora suas porções fossem menores, conseguiram alimentar o restante da família e ainda guardaram um excedente para a venda. Então algo misterioso começou a acontecer. Toda segunda-feira de manhã, percebiam que alguém havia feito uma visitinha noturna à fazenda. Não era um visitante comum. Aparentemente, ele sentava-se sem cerimônia, cozinhava ali mesmo, na fazenda, e fazia o seu banquete. Adoraria pegar esse ladrão disse o filho mais velho. 13
Ele deve se achar muito esperto acrescentou o mais novo. Ananse e seus filhos planejaram ficar de tocaia no domingo seguinte. Esperaram bastante, mas ninguém apareceu. Nas noites de vigilância, o ladrão não se aproximava da fazenda. Quando Ananse e seus filhos dormiam em casa, porém, o ladrão retomava as visitas. Talvez sejam os gnomos da floresta sugeriu Ananse, diminuindo o tom de voz. Contrariados, os filhos fizeram pouco da hipótese. É só um ladrão metido a espertinho. Se bolarmos um bom plano, vamos pegá-lo com a mão na massa afirmaram. Façam como quiserem foi a resposta de Ananse. Não me incluam nas próximas tocaias. Esses gnomos podem tornar-se violentos quando provocados. Naquela noite, os três filhos de Ananse arquitetaram um plano. Podemos fazer um pequeno boneco imitando um gnomo, para assustar o larápio disse o mais velho. Muita gente tem pavor dos gnomos da floresta. E se essa pessoa não tiver medo de gnomos? perguntou o segundo. Já sei exclamou o terceiro. Vamos cobrir o boneco com piche bem grudento. Se o gatuno tocar nele, ficará preso. Então, na manhã de domingo, eles se dirigiram bem cedo para a fazenda, a fim de colocar o plano em ação. 14
Naquela tarde, como era de costume, Ananse vestiu sua roupa de domingo e foi visitar os amigos. Naquela noite, como era de costume, o ladrão saiu para desfrutar sua refeição. Ele avistou uma figura escura, postada bem onde as plantações verdejantes estavam mais vistosas. O primeiro ímpeto do larápio foi dar as costas e bater em retirada. Mas pensou melhor e decidiu avançar. Nenhum gnomo da floresta iria impedi-lo de fazer a ceia. Ele ouvira dizer que a melhor maneira de lidar com aquelas criaturas era desafiá-las. O que você está fazendo aqui na fazenda? esbravejou. Como não obteve resposta, o ladrão aproximou-se e o ameaçou. Se não responder, vou lhe dar um tapa. Ele brandiu o punho diante do gnomo e esperou um pouco. Então, golpeou o rosto da pequena figura. Tome isso! Para sua surpresa, por mais que tentasse, não conseguia desgrudar a mão. Se não soltar minha mão disse ele, frustrado, vou estapeá-lo tão forte que você nunca mais esquecerá. E, pimba, acertou o segundo golpe com tanta força que ficou ainda mais grudado. Tome isso e mais isso e me largue disse ele, chutando a minúscula criatura negra. Quando percebeu que havia caído numa armadilha, seus pés e sua barriga estavam colados no boneco de piche como se ambos fossem irmãos siameses. Ele ficou ali, imóvel, esperando amanhecer. Na segunda-feira de manhã, os três filhos de Ananse chegaram à fazenda mais cedo que de hábito. 15
Papai vai ficar surpreso se vir que nosso plano funcionou riram os irmãos, animados. Mas foram eles que levaram um susto. Pois ali estava, grudado no gnomo de piche, o próprio Ananse, metido em sua roupa de domingo. Em silêncio, tentaram liberá-lo, rasgando suas roupas durante a operação. Ananse não disse uma palavra, mas fez de tudo para esgueirar-se até em casa antes de o vilarejo despertar. Era tarde demais, porém. Algumas pessoas o viram com seu traje de domingo rasgado. Aquele não é Ananse, quase sem roupa? perguntavam-se umas às outras, boquiabertas. Ananse está pelado, Ananse está pelado! cantarolaram as crianças. O que fazer com um Ananse pelado? Será que está bêbado? Será que ficou doido? Que tem de errado com um Ananse pelado? A cantoria seguiu durante muito tempo. Foi demais para o orgulho do fazendeiro e, como não dava para sumir, Ananse fez o que pôde: galgou as paredes até o teto para esconder sua vergonha. Desde aquele dia, as aranhas fazem os ninhos nos cantos das casas. 16