Efeito do sexo e idade na produção do VOT

Documentos relacionados
AVALIAÇÃO DA RELAÇÃO ENTRE TONICIDADE E DISTINÇÃO DE OCLUSIVAS SURDAS E SONORAS NO PB

Características da duração do ruído das fricativas de uma amostra do Português Brasileiro

I SEMINÁRIO DE PESQUISA EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS

IMPLICAÇÕES DA AMPLIAÇÃO E REDUÇÃO DO VOT NA PERCEPÇÃO DE CONSOANTES OCLUSIVAS 1

VI SEMINÁRIO DE PESQUISA EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS. Luiz Carlos da Silva Souza** (UESB) Priscila de Jesus Ribeiro*** (UESB) Vera Pacheco**** (UESB)

Estudo do pré-vozeamento, frequência do burst e locus de F2 das oclusivas orais do Português Europeu

RELAÇÃO ENTRE DURAÇÃO SEGMENTAL E PERCEPÇÃO DE FRICATIVAS SURDAS E SONORAS

ESTUDO!DO!VOT!(VOICE&ONSET&TIME)&NA!FALA!CURITIBANA!

Produção de Oclusivas e Vogais em Crianças Surdas com Implante Coclear

PADRÃO FORMÂNTICA DA VOGAL [A] REALIZADA POR CONQUISTENSES: UM ESTUDO COMPARATIVO

TONICIDADE E COARTICULAÇÃO: UMA ANÁLISE INSTRUMENTAL

Estudo da Produção de Oclusivas do Português Europeu

EFEITOS DE TREINAMENTO PERCEPTUAL NA PERCEPÇÃO E PRODUÇÃO DAS PLOSIVAS NÃO-VOZEADAS DO INGLÊS

ESTUDO FONÉTICO-EXPERIMENTAL DA INFLUÊNCIA DA PAUSA NA DURAÇÃO DE VOGAIS ACOMPANHADAS DE OCLUSIVAS SURDAS E SONORAS *

VOGAIS NASAIS E NASALIZADAS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO: PRELIMINARES DE UMA ANÁLISE DE CONFIGURAÇÃO FORMÂNTICA

O PAPEL DOS CONTEXTOS FONÉTICOS NA DELIMITAÇÃO DA TONICIDADE DE FALA ATÍPICA

ANÁLISE ACÚSTICA DE CONSOANTES OCLUSIVAS EM POSIÇÃO DE ONSET E CODA SILÁBICOS PRODUZIDAS POR BRASILEIROS APRENDIZES DE INGLÊS

PERCEPÇÃO AUDITIVA E VISUAL DAS FRICATIVAS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Estudo das características fonético-acústicas de consoantes em coda. silábica: um estudo de caso em E/LE

Universidade de Aveiro Secção Autónoma de Ciências da Saúde MARISA LOBO LOUSADA. Estudo da Produção de Oclusivas do Português Europeu

Medidas de inteligibilidade da fala: influência da análise da transcrição e do estímulo de fala.

Percepção e Produção dos Padrões de VOT do Inglês (L2) por Aprendizes Brasileiros

AVALIAÇÃO ESPECTRAL DE FRICATIVAS ALVEOLARES PRODUZIDAS POR SUJEITO COM DOWN

A RELAÇÃO ENTRE POSIÇÃO DE ÊNFASE SENTENCIAL/PROXIMIDADE DE PAUSA E DURAÇÃO SEGMENTAL NO PB: O CASO DAS FRICATIVAS

Liliane Ramone Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Introdução

INVESTIGAÇÃO ACERCA DOS PROCESSOS DE REESTRUTURAÇÃO SILÁBICA CVC NO PORTUGUÊS BRASILEIRO E NO INGLÊS: UMA ANÁLISE FONÉTICO-ACÚSTICA

Distinction of Place of Articulation in Brazilian Portuguese: Examples in Plosives and Fricatives

ESTUDO PILOTO DA DURAÇÃO RELATIVA DE FRICATIVAS DE UM SUJEITO COM SÍNDROME DE DOWN. Carolina Lacorte Gruba 1 Marian Oliveira 2 Vera Pacheco 3

Aula 6 Desenvolvimento da linguagem: percepção categorial

Audinéia Ferreira-Silva

VOGAL [A] PRETÔNICA X TÔNICA: O PAPEL DA FREQUÊNCIA FUNDAMENTAL E DA INTENSIDADE 86

AVALIAÇÃO INSTRUMENTAL DOS CORRELATOS ACÚSTICOS DE TONICIDADE DAS VOGAIS MÉDIAS BAIXAS EM POSIÇÃO PRETÔNICA E TÔNICA *

Diferenças entre o Português Europeu e o Português Brasileiro: Um Estudo Preliminar sobre a Pronúncia no Canto Lírico

A PALATALIZAÇÃO DA FRICATIVA ALVEOLAR /S/ EM INGLÊS COMO L2 POR FALANTES DO DIALETO DO BREJO PARAIBANO

VARIABILIDADE DA FREQUÊNCIA FUNDAMENTAL: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE VOZES ADAPTADAS E DISFÔNICAS

Estudo do VOT no Português Brasileiro

Características acústicas das vogais e consoantes

ANÁLISE ACÚSTICA DA PRODUÇÃO DE NASAIS BILABIAIS E ALVEOLARES EM CODAS DE MONOSSÍLABOS POR ALUNOS DE INGLÊS

TIPOLOGIAS DE RUPTURAS DE FALA EM INDIVÍDUOS GAGOS E FLUENTES: DIFERENÇAS ENTRE FAIXAS ETÁRIAS

REALIZAÇÕES DAS VOGAIS MÉDIAS ABERTAS NO DIALETO DE VITÓRIA DA CONQUISTA BA

Gradiência na fala infantil: caracterização acústica de segmentos plosivos e fricativos e evidências de um período de refinamento articulatório

A CONCORDÂNCIA VERBAL DE TERCEIRA PESSOA DO PLURAL NO PORTUGUÊS POPULAR DA COMUNIDADE RURAL DE RIO DAS RÃS - BA

Descrição acústica das fricativas sibilantes em coda silábica em Porto Alegre/RS e Florianópolis/SC

líquidas do Português Europeu

A PRODUÇÃO DE PLOSIVAS POR CRIANÇAS DE TRÊS ANOS FALANTES DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Análise comparativa da eficiência de três diferentes modelos de terapia fonológica******

Fonoaudióloga Mestranda Ana Paula Ritto Profa. Dra. Claudia Regina Furquim de Andrade

Processamento fonológico e habilidades iniciais. de leitura e escrita em pré-escolares: enfoque no. desenvolvimento fonológico

Percurso da Aquisição dos Encontros Consonantais e Fonemas em Crianças de 2:1 a 3:0 anos de idade

OBSERVAÇÕES ACÚSTICAS SOBRE AS VOGAIS ORAIS DA LÍNGUA KARO

A PRODUÇÃO DA VOGAL FINAL /i/ EM DISSÍLABOS DO INGLÊS POR APRENDIZES BRASILEIROS UMA QUESTÃO DE TEMPO

AVALIAÇÃO INSTRUMENTAL DOS EFEITOS DA PAUSA E DA ÊNFASE NAS DURAÇÕES DAS VOGAIS E DOS VOTS *

Laringalização, Sexo e Diferenciação de locutor no Português Brasileiro: uma análise do registro laringalizado em contexto experimental

O efeito da idade em uma tarefa de identificação das vogais tônicas do Português Brasileiro

AS FRICATIVAS [s],[z], [ ] E [ ] DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

AQUISIÇÃO FONOLÓGICA EM CRIANÇAS DE 3 A 8 ANOS: A INFLUÊNCIA DO NÍVEL SÓCIO ECONÔMICO

Inadequações acústicas na fala infantil

Estudos atuais Transtorno Fonológico

Revista CEFAC ISSN: Instituto Cefac Brasil

Universidade de Aveiro 2009 Secção Autónoma de Ciências da Saúde. Mestrado em Ciências da Fala e da Audição 2006/08

Aquisição do sistema vocálico: caminhos da L1 e da L2

Duração relativa das vogais tônicas de indivíduos com fissura labiopalatina

2. Corpus e metodologia

A grafia das consoantes biunívocas que se diferenciam pelo traço distintivo [sonoro] em textos de alunos de séries/anos iniciais

A PALATALIZAÇÃO DO /S/ EM INGLÊS COMO LE POR FALANTES DO BREJO PARAIBANO

DEMAIS OU DE MENOS: OCLUSIVAS E NASAIS EM POSIÇÃO FINAL DE PALAVRA NA INTERLÍNGUA PORTUGUÊS BRASILEIRO INGLÊS

ANÁLISE ACÚSTICA DOS FONEMAS /ν/, /λ/, /π/, /τ/ EM REALIZAÇÕES SIMPLES E GEMINADAS DO ITALIANO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS BLENDA STEPHANIE ALVES E CASTRO

Um estudo acústico sobre a variação vocálica em dois dialetos do Português do Brasil

Flávia Azeredo Silva Universidade Federal de Minas Gerais Thaïs Cristófaro-Silva Universidade Federal de Minas Gerais King s College London (KCL)

DESVIO FONOLÓGICO E A DIFICULDADE COM A DISTINÇÃO DO TRAÇO [VOZ] DOS FONEMAS PLOSIVOS DADOS DE PRODUÇÃO E PERCEPÇÃO DO CONTRASTE DE SONORIDADE

Efeitos de treinamento perceptual na produção das plosivas não-vozeadas inglesas por aprendizes brasileiros de inglês

Módulo I Aquisição fonético-fonológica de L2: histórico da área de estudos

Análise das rupturas de fala de gagos em diferentes tarefas

Contrastes e contrastes encobertos na produção da fala de crianças** Contrast and covert contrast in the speech production of children

Determinação de tamanho mínimo de amostra para estimativa da taxa de produção da fala

Desempenho no Teste de Detecção de Intervalo Aleatório Random Gap Detection Test (RGDT): estudo comparativo entre mulheres jovens e idosas

Fonologia. Sistemas e padrões sonoros na linguagem. Sónia Frota Universidade de Lisboa (FLUL)

Produção de plosivas surdas em inglês e português por falantes brasileiros de inglês como língua estrangeira

Desempenho em prova de Memória de Trabalho Fonológica no adulto, no idoso e na criança Palavras Chaves: Introdução

R E V I S T A X, V O L U M E 1, P á g i n a 89

ANÁLISE DINÂMICA DA AQUISIÇÃO DO DAS OCLUSIVAS DO INGLÊS POR ALUNOS BRASILEIROS EM DIFERENTES IDADES

Apresentar uma análise inicial da variação na sílaba postônicaem paroxítonas segundo a

Thalita Evaristo Couto Dias

Efeito da língua, estilo de elocução e sexo do falante sobre medidas globais da frequência fundamental 1

PISTAS ACÚSTICAS E A PERCEPÇÃO DO ACENTO LEXICAL EM PORTUGUÊS BRASILEIRO

A AQUISIÇÃO DAS FRICATIVAS DENTAIS DO INGLÊS: UMA PERSPECTIVA DINÂMICA

PALAVRAS FUNCIONAIS DO INGLÊS: CARACTERÍSTICAS FORMÂNTICAS E DE DURAÇÃO NA PRODUÇÃO DE ESTUDANTES BRASILEIROS DE ILE.

EXEMPLARES VOCÁLICOS DE PROFESSORES POTIGUARES DE INGLÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA

Marina Emília Pereira Andrade

Terminal devoicing (?): data collected from informants from Paraná learners of English as L2

Intersecção entre variação linguística dos róticos e a variável sexo

AS FRICATIVAS INTERDENTAIS DO INGLÊS E SEUS SUBSTITUTOS EM DIFERENTES L1S. The English Interdental Fricatives and Its Substitutes in Different L1s

REVISITANDO OS UNIVERSAIS FONOLÓGICOS DE JAKOBSON

O ACRE ENTRE OS GRUPOS AFRICADORES DO BRASIL. Autora: Carina Cordeiro de Melo* 1 INTRODUÇÃO

MOVIMENTOS FACIAIS E CORPORAIS E PERCEPÇÃO DE ÊNFASE E ATENUAÇÃO 1

Marta Teresa Pedrosa Domingues. Produção de Oclusivas e Vogais em Crianças Surdas com Implante Coclear. Universidade de Aveiro 2010

Revista CEFAC ISSN: Instituto Cefac Brasil

A PRODUÇÃO DAS CONSOANTES OCLUSIVAS DO INGLÊS POR FALANTES NATIVOS E BRASILEIROS: A RELAÇÃO ENTRE DURAÇÃO E SOLTURA

Transcrição:

Efeito do sexo e idade na produção do VOT Letícia Corrêa Celeste (UFMG) Érica Gonçalves Teixeira (UFMG) RESUMO: O presente artigo tem por objetivo investigar a variação do voice onset time (VOT) no português brasileiro da consoante /k/ sob os efeitos de contexto vocálico, sexo e idade. Participaram desta pesquisa 20 informantes, sendo 5 mulheres adultas, 5 homens adultos, 5 mulheres idosas e 5 homens idosos. Os participantes leram um pequeno texto contendo a consoante no contexto CVC seguida de /a/ e /e/. O VOT foi medido desde o início da barra de explosão até o início da vibração da vogal seguinte. Foi possível observar que o contexto não apresentou variabilidade estatisticamente sgnificativa. Já o sexo e a idade apresentaram diferença estatisticamente muito significativas. Palavras-chave: Voice onset time, diferença de sexo, idade. ABSTRACT: The present study was conducted to investigate the variability of voice onset time (VOT) in the Brazilian Portuguese consonant /k/ under effect of vowel context, sex and age. 20 speakers participated: 5 adult women, 5 adult men, 5 elderly women and 5 elderly men. The participants read a small text with the consonant in the context CVC followed by /a/ and /e/. The VOT was measured from the beginning of the burst until the beginning of the following vowel vibration. It was possible to observe that the context did not have influence on VOT. However, sex and age presented a statistically significant difference. Keywords: Voice onset time, sex difference, age. Introdução As medidas acústicas relativas às oclusivas (tempo de silêncio, barra de explosão e voice onset time) apresentam-se de forma consistente porém diferentes nas línguas (HESELWOOD & MCCHRYSTAL 2000; FLEGE 1991; LISKER & ABRAMSON, 1964). Por exemplo, as oclusivas não vozeadas do inglês são produzidas com VOT longo e aspirado, enquanto no português essa mesma medida é mais curta e não há aspiração (ROCCA, 2003). O português brasileiro apresenta três consoantes oclusivas não vozeadas (/p/, /t/ e /k/) e três vozeadas (/b/, /d/ e /g/), as mesmas encontradas no português europeu (LOUSADA, 2006). O correlato acústico dessas consoantes são tempo de silêncio (referente ao acúmulo de pressão intra-oral, ou seja, oclusão total do trato vocal pelos articuladores), barra de explosão (liberação da pressão pelos articuladores) e voice onset time (VOT) (HERLICH & ACKERMAN, 2007; LOUSADA, 2006; ROCCA, 2003).

Efeito do sexo e idade na produção do VOT 29 Sabe-se, no entanto, que as medidas das oclusivas, em especial do VOT, podem ser alteradas por diversos fatores como o contexto linguístico (LISKER & ABRAMSON, 1967), prosódia (MCCREA & MORRIS, 2005 ; KESSINGER & BLUMSTEIN, 1998; VOLAITIS & MILLER, 1992), sexo e idade (MORRIS, 2009). Consoantes oclusivas e idade Estudos têm mostrado que a diferença de idade interfere tanto na percepção quanto na produção do VOT. A relação entre percepção e produção foi estudada a partir da diferença entre crianças e adultos tendo como base o grau de correspondência entre a percepção do VOT e a produção do mesmo (ZLATIN & KOENIGSKNECHT, 1976). Estudos investigativos sobre a relação entre a idade e a identificação/percepção de sons da fala relatam que o envelhecimento pode influenciar no processo de percepção de pistas temporais específicas como o VOT (Gordon-Salanti et. al., 2006; Lister & Taver, 2004). Já no que tange à produção das oclusivas, propriamente ditas, e idade, os estudos se dividem em dois: a relação entre a aquisição e a produção já aprendida, ou seja, diferença entre crianças e adultos, e os efeitos do envelhecimento na articulação, ou seja, diferença entre adultos e idosos ou entre adultos jovens e adultos mais velhos. Os estudos relativos à idade e aquição/desenvolvimento do VOT foram detalhados e possibilitaram o estabelecimento de etapas para o inglês (WHITESIDE, 2001). No primeiro estágio, até os 18 meses, não são encontradas as diferenças nos valores de VOT para as oclusivas vozeadas e não vozeadas como no adulto (WHITESIDE, 2001), como mostra o estudo de Kewley-Port & Preston (1974). No segundo estágio há um aumento do VOT nas oclusivas não vozeadas que é consolidado no terceiro estágio quando a criança está com aproximadamente 2 anos (WHITESIDE, 2001). No estágio quarto os valores de VOT para as oclusivas vozeadas e não vozeadas começam a se assemalhar à produção dos adultos se consolidando a partir dessa idade no quinto estágio (WHITESIDE, 2001; FLETCHER, 1989). Na comparação entre crianças de seis anos e adolescentes de 14 anos, FLETCHER (1989) verificou que os mais velhos alcançavam o local de articulação e produziam as oclusivas mais rápido do que os mais novos, mostrando um salto importante entre essas idades. Volume 2 Número 1 Ano II jul/2009

30 Letícia Corrêa Celeste e Érica Gonçalves Teixeira Estudos que mostram as medidas de VOT de indivíduos adultos são diversos (LOWESTEIN & NITTOUER, 2008; JENSEN & RINGEN, 2002; CHO & LADEFOGED, 1999; LISKER & ABRAMSON, 1967), no entanto, poucos se dedicam a comparação entre essa faixa etária e idosos. Foram estudadas as medidas de VOT de 20 homens canadenses de língua francesa, sendo 10 homens adultos, com idade média de 24 anos, e 10 homens mais velhos, com idade média de 67 anos (RYALLS et. al., 1997). Os dados foram coletados a partir da produção de sílabas isoladas contendo as consoantes /p/, /b/, /t/, /d/, /k/ e /g/ num ambiente CV. Os resultados mostraram que há maior variabilidade na produção das consoantes vozeadas e menor nas não vozeadas no grupo de idosos quando comparado aos adultos (RYALLS et. al., 1997). A questão da variabilidade nas medidas de VOT relacionada ao aumento da idade também foi estudada por Sweeting e Baken (1982), mas comparando adultos (com faixa etária de 25 a 39 anos) com dois grupos de indivíduos idosos, o primeiro com indivíduos de 65 a 74 anos e o segundo com indivíduos com mais de 75 anos. Os autores verificaram que a média do VOT não apresentou diferença estatisticamente significativa, mas o desvio padrão sim. A variabilidade das medidas do VOT aumentam com o aumento da idade (SWEETING & BAKEN, 1982). Consoantes oclusivas e sexo Assim como a idade influencia nas medidas de VOT, a diferença de sexo também parece ser um fator relevante. A diferença entre os sexos parece ter marcação mais forte na pré-adolescência do que na infância (WHITESIDE, HENRY e DOBBIN, 2004; WHITESIDE & MARSHALL, 2001). Em um estudo com prédolescentes de 9 a 11 anos se constatou que os indivíduos do sexo feminino, aos 11 anos, já apresentavam os valores de VOT próximos dos adultos, o que não aconteceu com os do sexo masculino (WHITESIDE & MARSHALL, 2001). Em pré-adolescentes um pouco mais velhos, 13 anos, os resultados de diferença de sexo mostram que, para o inglês britânico, os participantes do sexo feminino apresentam VOT mais longo para as oclusivas não vozeadas do que os indivíduos do sexo masculino (WHITESIDE, HENRY e DOBBIN, 2004). Tal diferença entre os sexos também foi encontrada em indivíduos adultos (WADNERKAR et. al., 2006; ROBB et. al., 2005). Revista de Letras da Universidade Católica de Brasília

Efeito do sexo e idade na produção do VOT 31 No entanto, outros estudos mostram que há diferença sim entre os sexos, mas não são estatisticamente significativas (MORRIS et. al., 2008; HIGGINS et. al., 1998). Esses achados mostram que há uma diferença importante nos resultados apresentados na literatura e que o tema ainda não foi suficientemente explorado. O estudo das consoantes oclusivas do português brasileiro é escasso, especialmente no que diz respeito à variação de grupos. Desta forma, o presente trabalho teve como objetivo analisar a variação na produção do VOT das consoantes não vozeadas /k/, sob efeitos da diferença de sexo e de idade, além da variação contextual. Métodos Informantes e coleta de dados Participaram desta pesquisa 20 indivíduos, divididos em quatro grupos: (1) mulheres adultas, com média de 23 anos de idade; (2) homens adultos, com média de 25 anos de idade; (3) mulheres idosas, com média de 63 anos, e; (4) homens idosos, com média de 62 anos. Os participantes não apresentavam alterações neurológicas, sensoriais ou de audição. Uma fonoaudióloga acompanhou a seleção dos informantes a fim de verificar a produção adequada da fala. Todos os informantes da pesquisa, falantes do português brasileiro como língua materna, nasceram e residiram no estado de Minas Gerais, região sudeste do Brasil. Os grupos foram compostos por indivíduos com grau de escolaridade similar. O corpus desta pesquisa foi constituído da leitura de um pequeno texto que continha a oclusiva /k/ em diferentes ambientes. Os participantes receberam o texto antes da gravação para leitura silenciosa e foram instruídos a questionar caso houvesse dúvidas quanto à pronúncia de alguma das palavras. As gravações foram realizadas em ambiente silencioso para que o ruído não interferisse nas análises. Foi utilizado um microfone de cabeça posicionado a 10 centímetros da boca dos participantes, ligado a um computador. Os dados foram estocados para posterior edição. Procedimentos de análise Os dados foram editados e analisados por meio do programa de análise acústica Praat, versão 5.1.02 (disponível em www.praat.org). Para análise do VOT, cada dado foi Volume 2 Número 1 Ano II jul/2009

32 Letícia Corrêa Celeste e Érica Gonçalves Teixeira medido desde o início da barra de explosão até o início da vibração da vogal seguinte (Fig. 1). Fig. 1: Oscilograma, espectrograma e textgrid: Na primeira tira a transcrição ortográfica da frase lida. Na segunda tira a transcrição fonética da produção. Na terceira tira a marcação do tempo de silêncio e da duração do VOT da oclusiva. Na quarta tira a indicação da barra de explosão, no exemplo, 1 barra. As medidas foram tiradas separando grupo por grupo e por contexto. Este último foi sempre VCV, sendo que a vogal que suscedeu o /k/ deveria ser /a/ ou /e/. Foram descartadas as consoantes realizadas no final de cada enunciado e em posição tônica, para que esses contextos não influenciassem os resultados. Dessa forma, foram separados durante a análise os fatores idade e sexo dos participantes e contexto de produção da oclusiva. Análise estatística Para análise estatística foi utilizado o teste não paramétrico de Kruskall Wallis por meio do programa de análise estatística MiniTab15. Foi considerado significativo p menor que 0,05. Resultados Diferença contextual Revista de Letras da Universidade Católica de Brasília

Efeito do sexo e idade na produção do VOT 33 A diferença de contexto neste estudo se refere a vogal que segue a consoante /k/. Nos gráficos de 1 a 4 as médias de cada informante por contexto são mostradas. A diferença entre as vogais /a/ e /e/ foram testadas separadamente por grupo. Em nenhum dos grupos a diferença foi estatisticamente significativa: grupo de mulheres idosas p=0,08; grupo de homens idosos p=0,3; grupo de mulheres adultas p=0,06; grupo de homens adultos p=0,2. Gráfico 1: Médias dos valores de VOT para as informantes idosas do sexo feminino. Gráfico 2: Médias dos valores de VOT para os informantes idosos do sexo masculino. Gráfico 3: Médias dos valores de VOT para as informantes adultas do sexo feminino. Volume 2 Número 1 Ano II jul/2009

34 Letícia Corrêa Celeste e Érica Gonçalves Teixeira Gráfico 4: Médias dos valores de VOT para os informantes adultos do sexo masculino. Diferença de sexo No gráfico 5 as médias dos grupos são mostradas. Na comparação entre o grupo de idosos, as diferenças encontradas não são estatisticamente significativas, com p=0,08 quando o contexto é a vogal /a/ e p=0,4 quando o contexto é a vogal /e/. Já para o grupo de adultos, ambos os contextos refletiram diferenças estatisticamente significativas na comparação entre os sexos, com p=0,0006 para o vogal /a/ e p=0,05 para a vogal /e/. Gráfico 5: Médias dos valores de VOT separadas por grupos 1 Quanto à variabilidade, o gráfico 6 mostra as médias de desvio padrão separadas por grupo. Para os idosos, não há diferença estatisticamente significativa entre os sexos, p=0,3 e p=0,4 para os contextos /a/ e /e/, respectivamente. Já para os adultos, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os sexos para ambos os contextos: para /a/ p=0,000* (*valores muito significativos, mas diferentes de zero) e para /e/ p=0,01. 1 Legenda: Fem: feminino; Masc: masculino; Id: idoso. Revista de Letras da Universidade Católica de Brasília

Efeito do sexo e idade na produção do VOT 35 Gráfico 6: Médias dos valores de desvio padrão do VOT separadas por grupos. Diferença de idade As diferenças entre as médias para a diferença de idade, tanto para os grupos do sexo feminino quanto masculino, foram estatisticamente significativas. O mesmo foi observado para a variabilidade. Discussão Diferença contextual No presente estudo, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas para os contextos /a/ e /e/. Esses achados não corroboram com a literatura na qual é relatada uma diferença importante entre a vogal /a/ e as demais para o inglês (Morris et. al., 2009; Higgins et. al., 1998; Klatt, 1975). Os achados de Lousada (2006) para o português europeu também mostram uma diferença na duração do VOT na mudança da vogal seguinte. A autora encontrou que para o /k/, seguido da vogal aberta, o valor de VOT obteve média de 0,031s, enquanto para as vogais fechadas, /i/ e /u/ essa média subiu para 0,060s. A diferença entre os resultados aqui encontrados e o relatado na literatura pode ser devido a três fatores. O primeiro diz respeito ao baixo número de informantes desta pesquisa, necessitando de mais estudos para comprovação desses achados. O segundo refere-se a diferenças articulatórias entre o /i/, vogal escolhida como oposição nos estudos mencionados, e o /e/, vogal selecionada neste estudo. Como a vogal /i/ é mais aberta do que a vogal /e/, espera-se resultados diferentes para ambas, com diferentes influências Volume 2 Número 1 Ano II jul/2009

36 Letícia Corrêa Celeste e Érica Gonçalves Teixeira sobre a duração do VOT. São necessários estudos que comparem o desempenho dessas duas vogais em oposição para melhor esclarecer essa possibilidade. O terceiro fator diz respeito ao tipo de corpus utilizado em cada estudo. Nos estudos anteriormente descritos, foram utilizadas sílabas isoladas e pequenas frases, enquanto esta pesquisa utilizou leitura de pequenos textos. Cabe ressaltar também que aqui foram analisadas somente as sílabas não tônicas. Diferença de sexo As diferenças entre sexo encontradas neste estudo foram significativas para o grupo de adultos. A questão da possível influência do sexo na produção do VOT ainda apresenta resultados díspares na literatura. Whiteside e Irving (1998) pesquisaram sobre a diferença do VOT em 5 homens e 5 mulheres, todos adultos, falantes do inglês, em palavras isoladas. Os autores mostram que, para as oclusivas não vozeadas, as mulheres apresentaram valores de VOT superiores aos dos homens, mas valores menores para as vozeadas. Apesar de não encontrarem valores com diferença estatisticamente significativa, a mesma relação foi apontada por Morris (2009) e Robbi et. al. (2005), também para o inglês. A consoante escolhida para este estudo foi /k/, oclusiva não vozeada. Se o português do Brasil seguisse o mesmo padrão do americano, esperava-se que o grupo de mulheres apresentasse valores de VOT superiores ao do grupo de homens. Tal relação foi encontrada na comparação entre mulheres e homens idosos, mas não entre mulheres e homens mais jovens. No grupo de adultos essa relação se inverteu: valores de VOT mais altos para os homens do que para as mulheres. Essa diferença de resultados pode ser devido à diferença entre as línguas, português do Brasil e inglês, ou a diferenças de procedimentos para coleta de dados. Um outro achado relacionado à diferença encontrada diz respeito à variabilidade encontrada nos grupos. Para o grupo de idosos, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa quanto à variabilidade na produção. Já para os adultos, a diferença foi estatisticamente significativa para os dois contextos. No entanto houve uma inversão: quanto próximo da vogal /a/, o grupo do sexo masculino apresentou maior variação enquanto a proximidade da vogal /e/ parece influenciar na maior variação para o sexo feminino. Diferença de idade Revista de Letras da Universidade Católica de Brasília

Efeito do sexo e idade na produção do VOT 37 Um outro objetivo deste trabalho foi investigar a relação entre a diferença de idade e os valores de VOT. Foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre os grupos de adultos e idosos, para ambos os sexos, e em todos os contextos. Resultados similares foram encontrados por Ryallis et. al. (1997), porém em um estudo tendo como base a língua francesa. O grupo de idosos também apresentou maior variabilidade nos resultados do que o grupo de adultos, concordando com a literatura (RYALLIS et. al., 1997; SWEETING e BAKEN, 1982). A diferença apontada neste estudo e em outros mostram que a relação entre idade e produção do VOT poderia ser explicada pela perda natural da coordenação motora apresentada pelos idosos (ARANTIS et. al., 2009). Conclusão Este estudo teve por objetivo investigar as relações entre a produção do VOT na oclusiva velar não vozeada produzida por falantes nativos do português brasileiro em fatores contextuais, de sexo e idade. Foi possível observar que a diferença entre o contexto /k/ seguido de /a/ ou /e/ não apresentou diferenças estatisticamente significativas. A relação entre a duração do VOT e diferença de sexo foi estatisticamente significativa tanto para o grupo de adultos quanto de idosos. A relação entre VOT e idade foi estatisticamente significativa para os grupos de mulheres e de homens, tanto para duração quanto para variabilidade. No entanto, são necessários outros estudos para melhor compreensão do VOT no português brasileiro de uma forma geral e no que diz respeito às demais consoantes produzidas nesse idioma. Referências Bibliográficas ARANTES, L. Coelho, F. Silva, P. Costa, G. Gobbi, L.T.B. (2009). Caracterização dos parâmetros temporo-espaciais da marcha em idosas praticantes de diferentes modalidades de exercícios. Revista Movimenta, 2 (1) 7-11. CHO, T., & LADEFOGED, P. (1999). Variation and universality in VOT: Evidence from 18 languages. Journal of Phonetics, 27, 207 229. FLETCHER, S.G. (1989). Palatometric Specification of Stop, Affricate, and Sibilant Sounds. Journal of Speech and Hearing Research, 32, 736-748. FLEGE, J. E. (1991). Age of learning affects the authenticity of voice-onset time (VOT) in stop consonants produced in a second language. Journal of the Acoustical Society of America, 89: 395-411. Volume 2 Número 1 Ano II jul/2009

38 Letícia Corrêa Celeste e Érica Gonçalves Teixeira GORDON-SALANTI, S. YENI-KOMSHIAN, G.H. FITZGIBBONS, P.J. BARRETT, J. (2006). Age-related differences in identification and discrimination of temporal cues in speech segments. J. Acoust. Soc. Am., 119 (4) 2455-2466. JESSEN, M., & RINGEN, C. (2002). Laryngeal features in German. Phonology, 19, 189 218. HESELWOOD, B. & MCCHRYSTAL, L. (2000). Gender, accent features and voicing in Panjabi-English bilingual children. In: D. Nelson & P. Foulkes (Eds.) Leeds working papers in Linguistics and Phonetics, 8. HERTRICH, I. ACKERMANN, Pr.H. (2007) Exploration of orofacial speech movements. IN: AUZOU, P.; ROLLAND, V.; PINTO, S., OZSANCAK, C. (eds.) Les dysarthries. ISBN 978--2-35327-021-7. Marseille: Solal., 350 pages. KESSINGER, R., BLUMSTEIN, S. (1998). Effects of speaking rate on voice-onset time and vowel production: Some implications for perception studies. Journal of Phonetics, 26, 117 128. KEWLEY-PORT, D.; PRESTON, M.S. (1974). Early apical stop production, a voice onset time analysis. J. Phonet., 2, 194 210. LISKER, L., ABRAMSON, A. (1964). A cross-language study of voicing in initial stops: Acoustical measurements. Word, 20, 384 422. LOUSADA, M. L. (2006) Estudo da Produção de Oclusivas do Português Europeu (tese). Universidade de Aveiro: Secção autônoma de Ciências da Saúde. LOWENSTEIN, J.H. NITTROUER, S. J. (2008) Patterns of acquisition of native voice onset time in English-learning children. Acoust. Soc. Am. 124 ( 2), 1180-1191. MCCREA, C., MORRIS, R. (2005). The effects of fundamental frequency level on voice onset time in normal adult male speakers. Journal of Speech, Language, & Hearing Research, 48, 1013 1024. MORRIS, R.J. GORHAM-ROWAN, M. HERRING, K. (2009) Voice Onset Time in Women as a Function of Oral Contraceptive Use. Journal of Voice, 23 (1), 114-118. ROBB, M., GILBERT, H., & LERMAN, J. (2005). Influence of gender and environmental setting on VOT. Folia Phoniatrica & Logopaedica, 57, 125 133. ROCCA, P. (2003) O Desempenho de Falantes Bilíngues: Evidências Advindas da Investigação do VOT de Oclusivas Surdas do Inglês e do Português. D.E.L.T.A, 19 (2), 303-328. RYALLS, J. CLICHÉ, A. FORTIER-BLANC, J. COULOMBE, I. PRUD'HOMMEAUX, A. Voice-onset time in younger and older French-speaking Canadians. Clinical linguistics & phonetics, 11 (3), 205-212. SWEETING, P.M. BAKEN, R.J. (1982). Voice Onset Time in a Normal-Aged Population. Journal of Speech and Hearing Research, 25, 129-134. VOLAITIS, L., & MILLER, J. (1992). Phonetic prototypes: Influence of place of articulation and speaking rate on the internal structure of voicing categories. Journal of the Acoustical Society of America, 92, 723 735. WADNERKAR, M., COWELL, P., & Whiteside, S. (2006). Speech across the menstrual cycle: A replication and extension. Neuroscience Letters, 408, 21 24. WHITESIDE, S.P. and MARSHALL, J. (2001) Developmental trends in voice onset time: some evidence for sex differences. Phonetica, 58 (3) 196-210. Revista de Letras da Universidade Católica de Brasília

Efeito do sexo e idade na produção do VOT 39 WHITESIDE, S., & IRVING, C. (1998). Speakers sex differences in voice onset time: A study of isolated word production. Perceptual & Motor Skills, 86, 651 654. Letícia Corrêa Celeste é fonoaudióloga, mestre em linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutoranda em linguística pela mesma universidade com estágio doutoral no Laboratoire Parole Langage da Université de Provence, e professoraadjunta do curso de Fonoaudiologia FEAD. (leticiacceleste@gmail.com) Érica Gonçalves Teixeira é fonoaudióloga e mestre em linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais (ericagteixeira@gmail.com) Volume 2 Número 1 Ano II jul/2009