Água um desafio sem Espaço nem Tempo U n i v e r s i d a d e C a t ó l i c a E d i t o r a L I S B O A 2 0 0 9
7 Preâmbulo F. Xavier Malcata A água nas Ciências Humanas 11 A água e a arquitectura António Reis Cabrita 47 A água e o direito MÁRIO MELO ROCHA 57 A água e a ética Joana Araújo, Ana Sofia Carvalho e Michel Renaud 69 A água e a filosofia: a filosofia, a espiritualidade e a poesia Alfredo Dinis 83 A água e a história Ou de como os homens acharam a terra demasiado estreita Marília dos Santos Lopes 105 A água e a literatura Esboço de uma relação Isabel Capeloa Gil 131 A água e a música Paisagens sonoras aquáticas José Paulo Antunes 153 A água e a arte LAURA CASTRO 173 A água e a religião José Carlos Carvalho 191 A água e a sociedade MARGARIDA M. SILVA 209 A água e a psicologia. Promoção da saúde psicológica António M. Fonseca
A água nas Ciências Aplicadas 213 A água e os alimentos. Componente activo e passivo Ana P. Carvalho e F. Xavier Malcata 227 A água e o ambiente PAULA M. L. CASTRO 243 A água e a vida CÉLIA M. MANAIA 259 A água e a bioquímica. Ou uma viagem com os actores metabólicos Isabel Mafra e F. Xavier Malcata 273 A água e a energia MÁRIO NERY R. NINA 283 A água e a física João Paulo M. Ferreira 297 A água e a química Rui Morais 313 A água e a segurança M. JOÃO MONTEIRO 321 A água e a saúde F. Coelho Rosa 335 A água e o ordenamento do território Maria José Lucena e Vale 371 A água e a nutrição. Veículo de interacção com o Homem Marta W. Vasconcelos e F. Xavier Malcata
Preâmbulo F. Xavier MalcaTa PROF. CATEDRÁTICO. ESCOLA SUPERIOR DE BIOTECNOLOGIA, UCP PORTO A menina gotinha de água / Que foi nuvem no ar / Chuva abençoada / Fonte a brotar / Ribeiro a saltar / Rio a correr / E mar uma vez mais a estrofe pedagógica da grande Sophia de Mello Breyner continua a retinir na minha mente, hoje como há mais de três décadas quando pela primeira vez a recitei, numa candura infantil tão saudosa. Mas se a água existe e é determinante na envolvente geofísica, ela existe também no seio de cada um de nós enquanto seres humanos, porquanto sujeitos de raciocínio e emoções; como tão bem cantava o sublime António Gedeão, sobre a problemática do racismo personifi cado por uma lágrima de alguém negro, Nem sinais de negro, nem vestígios de ódio / Água quase tudo e cloreto de sódio. Com efeito, é espantoso como o ciclo da água está presente, de forma explícita ou subliminar, no mundo físico-químico, desde a atmosfera à biosfera, e passando pela hidrosfera. No estado sólido, líquido ou gasoso, este composto tão simples em estrutura mas tão complexo em propriedades acaba por ser indispensável à manutenção do ecossistema global sendo o componente mais abundante da unidade de vida (a célula), e simultaneamente o vector determinante da dinâmica do planeta (o clima). Divagar, de forma coesa e lógica, sobre um tal ente emerge por isso como um desafi o motivador. Porém, uma dissertação sobre a água não poderia limitar-se à constatação da natureza material daquela substância, sob pena de tal abordagem reducionista coartar deliberadamente a abrangência do conceito e a importância do efeito. Falar sobre a água implica assegurar também a sua conceptualização, enquanto elemento do saber, enquanto valor do ser humano ou enquanto componente do imaginário. Preâmbulo 7
A Água nas Ciências Humanas 8 Mercê dos diversos formatos assumidos pela água materiais e imateriais, descritos pela física ou emoldurados pela estética, racionalizados pela química ou relatados pela história e operacionalizados pela agricultura ou enfatizados pela política, qualquer dissertação minimamente credível sobre tão vasto e profícuo tema exige contributos de diversas áreas do saber. Sendo desiderato estatutário da Universidade Católica Portuguesa constituir-se como um fórum pluridisciplinar, sem limites geográficos ou de tipologia de intervenção, tal tema não poderia ter melhor cabimento do que no seio desta universidade de tertium genus que, não sendo estatal nem privada, se configura de interesse público, e se exprime através de um indelével espírito de corpo. Mas tal tema de natureza transdisciplinar consubstancia, por isso mesmo, uma ênfase integradora e plural que caracteriza ab initio a Colecção Vária, como ponte entre o alfa e o ómega assegurada pela verdade trazida pelo saber (que instrui e, por isso, liberta). Numa altura em que a escassez de água potável começa a afectar até os países mais desenvolvidos, e em que os indivíduos e as comunidades voluntariamente se envolvem em esforços conscientes de racionalização no uso da água disponível, urge repensar o paradigma associado à água. Num mundo habitado por vida que não poderia existir sem água, e em que a qualidade da água começa a ser questionada, urge assumir este bem como sede de valor, em detrimento de sinónimo de quantidade. E se, ao invés do passado, a democracia do presente pretende ser participativa muito mais do que representativa, urge questionar e equacionar o tema da água por todos e por cada um de nós, e não apenas por alguns quiçá mais iluminados. Talvez esta obra se constitua como repositório de saber proveniente de diversas vertentes, plural em forma e conteúdo. Talvez este repositório se constitua como contributo para um melhor conhecimento e um maior respeito por esse conceito singular. Talvez este contributo se constitua como esforço para nos ajudar a ser mais conscientes e mais homens. Com certeza que este esforço de alguns se constitirá como referência de muitos nessa função inalienável de reflexão consciente, que suporta a verdadeira cidadania.