Reforma política e democracia no Brasil Carlos Ranulfo Melo Maio de 2015
Reforma política: um jogo marcado pela incerteza A ocorrência de processos de reforma política depende: da resiliência do antigo regime ; do grau de incerteza envolvido na mudança; da existência de uma maioria reformista que veja possibilidade de ganhos e/ou; de pressões externas que ameacem a legitimidade do sistema e, em consequência, a sobrevivência dos atores políticos.
Reforma política: um jogo marcado pela incerteza Mesmo que seja possível assegurar ganhos imediatos, a situação pode se alterar com o tempo: não se pode prever como reagirá o conjunto dos atores à medida que todos se familiarizem com as novidades; não se sabe exatamente como se combinarão as novas e as antigas instituições; não se pode impedir a interferência de fenômenos diversos que anulem ou minimizem os efeitos esperados.
Reforma política: um jogo marcado pela incerteza Processos de reforma política são um tipo de investimento de longo prazo e a depender de como se combinem os fatores geradores o controle do processo pode tornar-se difícil. Por estas razões, não é possível estabelecer uma relação entre processos de reforma política e qualidade da democracia. Além de gerarem perdedores e ganhadores, reformas podem dar certo ou errado, fugir do controle ou gerar resultados inesperados.
O Brasil e a reforma Longevidade dos principais traços do sistema eleitoral e complexidade do arranjo institucional favorecem o status quo; Existência de focos de incerteza (por exemplo: financiamento) ou mesmo o poder de agenda dos sucessivos governos não foram capazes de dar ensejo a uma coalizão reformista estável; Ausência de pressões externas facilita o processo de acomodação. Resultado: a agenda reformista mantem-se na pauta por mais de vinte anos, mas caminha de forma pontual e errática.
Brasil: o que mudou (ou quase) até hoje 1995: instituição de cláusula de desempenho de 5% para funcionamento parlamentar, HGPE e Fundo Partidário. 1997: Introdução da reeleição. 1998: Fim das candidaturas natas (TSE). 2001: (a) Congresso aprova cotas p/mulheres e aumenta o número de candidatos nas listas; (b) TSE verticaliza coligações. 2006: (a) Congresso restringe gastos e aumenta no controle na prestação de contas; (b) STF declara cláusula inconstitucional. 2007: (a) decisão do TSE sobre troca de partido; (b) Congresso libera coligações e muda regras de distribuição do Fundo Partidário (5% x 95%) em reação a decisão do TSE. 2015 (aprovadas no Senado): Regras para formação e fusão de partidos. Proibição de coligações nas proporcionais.
Uma agenda derrotada Comissões de reforma política. Resultados de 2003/2007/2011: Lista preordenada e fechada; Financiamento público exclusivo; Fim das coligações; Cláusula de desempenho.
A agenda atual SNTV ( distritão ) Fim da reeleição; Mandato de cinco anos; Unificação do calendário; Cláusula de desempenho de 2%; Proibição de coligações (com ou sem a criação de federações).
Duas agendas Pontos em comum: coligações, cláusula e fragmentação partidária O retrocesso via reforma política: a combinação de distritão, mandatos estendidos e coincidência de eleições.
Distritão versus Lista Aberta Fim da transferência (não autorizada) de voto na lista faz com que só exista um jogo a ser jogado. Facilita a compreensão do processo. Gera diminuição de candidatos, em especial nos distritos menores. Acaba com o efeito Tiririca. Acaba com o efeito escadinha.
Mas... O elevado número de partidos e as grandes magnitudes contribuirão para manter um elevado número de candidatos. O fim dos efeitos Tiririca e escadinha resolve problemas marginais do sistema. Ao terminar com a lista, o SNTV joga fora a água do banho com a criança e muda a situação pra pior.
O efeito Tiririca em 2014 Estado Deputado Votos/QE Minas Gerais Reginaldo Lopes (PT) 1,6 Rio de Janeiro Jair Bolsonaro (PP) 2,8 Clarissa Matheus de Oliveira (PR) 2,0 São Paulo Celso Russomano (PRB) 5,0 Francisco Everardo (PR) 3,4 Deputados sem voto na Câmara: 10 (1,9%)
O último eleito, o QE e quem tinha mais voto... Estado Votação eleito/qe Candidatos c/ mais votos e não eleitos AC 35,8 0 AL 34,6 0 AM 34,7 0 AP 20,7 3 BA 23,4 17 CE 40,6 0 DF 18,1 5 ES 25,4 3 GO 43,7 1 MA 29,7 6 MG 23,7 17 MS 34,3 1 MT 34,6 1 PA 28,8 5 Estado Votação Candidatos c/mais eleito/qe votos e não eleitos PB 39,3 0 PE 15,9 11 PI 47,6 1 PR 31,8 5 RJ 15,9 17 RN 32,6 0 RO 24,2 2 RR 22,6 1 RS 31,6 5 SC 25,0 4 SE 40,2 0 SP 7,3 90 TO 45,6 1
Bancadas partidárias na Câmara (base: 2014) Partido Atual (A) Distritão (B) B-A PT 68 71 3 PMDB 66 71 5 PSDB 54 54 0 PP 38 38 0 PSD 36 42 6 PR 34 32-2 PSB 34 34 0 PTB 25 24-1 DEM 21 23 2 PRB 21 19-2 PDT 19 21 2 SD 15 13-2 PSC 13 15 2 PROS 11 10-1 PC do B 10 12 2 PPS 10 9-1 Partido Atual (A) Distritão (B) B - A PV 8 5-3 PHS 5 2-3 PSOL 5 6 1 PTN 4 3-1 PMN 3 2-1 PRP 3 3 0 PEN 2 1-1 PSDC 2 0-2 PT do B 2 1-1 PTC 2 0-2 PRTB 1 1 0 PSL 1 1 0 PCB 0 0 0 PCO 0 0 0 PPL 0 0 0 PSTU 0 0 0
Novos deputados: 46 7 6 Perdas e ganhos "Distritão" - Número absoluto de cadeiras por partido 6 5 5 4 3 3 2 2 2 2 2 1 1 0-1 0 0 0 PT PMDB PSDB PP PSD PR PSB PTB DEM PRB PDT SD PSC PROS PC do B -1-1 PPS PV PHS PSOL PTN PMN PRP PEN PSDC PT do B -1-1 -1 0-1 -1 0 0 PTC PRTB PSL -2-2 -2-2 -2-2 -3-3 -3-4
O quadro piora: a guerra de todos contra todos Levada às últimas consequências, a personalização da política faz com que os partidos desapareçam do cenário eleitoral. Estratégias de construção partidária que passem pela criação e fortalecimento de laços de identidade com setores sociais deixam de ser viáveis. O fim do voto de legenda praticamente inviabiliza a construção, daqui em diante, de novas alternativas ao status quo que não estejam lastreadas em um número expressivo de detentores de mandatos (Kassab versus Marina Silva).
Um congresso mais elitizado Fim dos votos de legenda e da transferência de votos no interior da lista partidária fará com que cada candidato tenha que buscar mais votos. Com a manutenção do atual sistema de financiamento, a tendência será de que as campanhas se tornem mais caras e o impacto do dinheiro sobre o resultado eleitoral mais acentuado. Candidatos alternativos serão apenas aqueles que possuírem reputação própria construída previamente à carreira política.
Reeleição, mandatos expandidos e controle A politização da discussão sobre a reeleição. O fantástico debate sobre o mandato dos senadores. A coincidência e espaçamento da eleições restringe a participação da sociedade e afrouxar os mecanismos de controle vertical sobre os representantes. Na melhor das hipóteses, a proposta diz aos insatisfeitos que tomem o caminho que lhe restará: o protesto nas ruas.
A coincidência das eleições O eleitor brasileiro faz suas escolhas em um cenário de escassa informação e oferta excessiva (de candidatos e de partidos). A unificação do calendário piora a situação: aumenta o número de escolhas e de temas em discussão em um só momento sem uma diminuição expressiva na quantidade de candidatos. E sem incrementar a quantidade de informação disponível. A coincidência interessa particularmente aos operadores políticos e aos deputados que estarão desobrigados de intensificar o contato com suas bases dois anos após sua chegada à Câmara.
As propostas podem ser aprovadas Não mudam substancialmente o jogo. Não será preciso alterar de forma expressiva as estratégias de sobrevivência no sistema político. A reforma possibilita combinar o discurso da mudança (agora sim) com a introdução deum mínimo de incerteza. O problema: não estamos apenas diante de uma tentativa de promover mudanças para que tudo fique como está. Caso sejam aprovadas as medidas, a piora será expressiva.