SONATA N. 1 PARA PIANO E DIVERTIMENTO PARA CORDAS, DE EDINO KRIGER: ADAPTAÇÕES IDIOMÁTICAS NO PROCESSO DE TRANSCRIÇÃO

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Transcrição:

SONATA N. 1 PARA PIANO E DIVERTIMENTO PARA CORDAS, DE EDINO KRIGER: ADAPTAÇÕES IDIOMÁTICAS NO PROCESSO DE TRANSCRIÇÃO Resumo Bruna Vieira Cristina Capparelli Gerling Freddi Gerling cgerling@ufrgs.br UFRGS Este trabalho consiste em um estudo comparativo entre a Sonata n. 1 para piano e sua transcrição intitulada Divertimento para cordas de Edino Krieger, obras que integram o segundo período de criação do compositor, marcado pela tendência neoclássica e utilização de temas de caráter brasileiro. Ao investigar as adaptações idiomáticas ocorridas no processo de transcrição, são traçados paralelos entre a escrita pianística do compositor e elementos idiomáticos dos instrumentos de cordas. Palavras-chave: Análise comparativa; adaptações idiomáticas; Edino Krieger Abstract This text compares Edino Krieger s Piano Sonata n º 1 and its transcription for string orchestra entitled Divertimento para Cordas. Both works are representative of Krieger s second stylistic period by the adoption of neoclassical frames coupled with the use of materials characteristic of Brazilian music. Besides comparing both versions and finding modifications in the string transcription, the analytical procedures point out features found in his pianistic writting related to idiomatic string playing. Keywords: Comparative analysis; idiomatic requirements; Edino Krieger O presente artigo resume os dados obtidos em um estudo comparativo entre a Sonata n. 1 para piano de Edino Krieger (1928) e sua transcrição para cordas, no qual é estabelecida uma relação entre a escrita das duas obras através da investigação das adaptações feitas pelo compositor. A Sonata n. 1 para piano de Edino Krieger foi composta em 1954 e transcrita para cordas em 1959. Nos anos 1950, Krieger deixou clara sua opção pelo nacio- ANPPOM Décimo Quinto Congresso/2005 835

nalismo, seguindo os caminhos que seus contemporâneos, Cláudio Santoro e Guerra Peixe, entre outros, estavam percorrendo (APPLEBY, 1983, p.162). Sua Sonata n. 1 para piano é marcada por essa tendência, exibindo uma moldura neoclássica preenchida por temas alusivos à música popular brasileira. Construída sobre esquemas formais tradicionais, constitui-se de três movimentos: Andante (Allegretto no Divertimento), Seresta (Homenagem a Villa-Lobos) e Variações e Presto. Além de elementos da valsa suburbana, da seresta e do frevo, é possível observar na Sonata a influência do violino, instrumento do compositor, como um aspecto marcante de sua escrita pianística. Barankovski e Gandelman (1999, p. 29) afirmam que, A fluência melódica, no caso particular das obras para piano, remete à escuta do violino, instrumento do compositor. Nelas podem ser identificados escrita e gestos violinísticos: região e âmbito da linha melódica, digitação natural à fôrma da mão, inclusive no cruzamento de cordas 1, trilos mais ou menos longos e notas repetidas, que seriam executadas em spiccato e até, algumas vezes, em ricochet, golpe típico de virtuosidade violinística. Além destas observações, as autoras complementam que em circunstâncias distintas, como no primeiro movimento da Sonata n. 1, ao longo do segundo tema, e no terceiro movimento da Sonata n. 2, as oitavas parecem cumprir função timbrística, aludindo à orquestração para conjunto de cordas (Idem, p. 46). A partir destas afirmações, surgiram as seguintes questões: Existe relação entre a escrita da Sonata n. 1 para piano e os aspectos idiomáticos dos instrumentos de cordas? Que adaptações foram feitas no processo de transcrição? Buscando estabelecer uma relação entre a escrita pianística da obra e os aspectos idiomáticos dos instrumentos de cordas, apresentaremos a seguir um exame das principais adaptações feitas pelo compositor no processo de transcrição. Para tanto foi utilizada como referencial teórico a obra The Technique of Orchestration de Kennan (1970). Comparação entre as duas obras: aspectos idiomáticos Através do estudo comparativo 2, constatamos que a transcrição não só inclui modificações significativas mas também omissões de trechos da Sonata. Sabe-se que ao orquestrar a música para piano, o arranjador freqüentemente encontra elementos que são essencialmente pianísticos, muito mais que orquestrais. Nesses casos, uma transcrição literal seria tecnicamente ineficaz. Sendo assim, a melhor solução seria traduzir o efeito esperado em 1 Entendo que as autoras referem-se à mudança de cordas. 2 A análise completa encontra-se no trabalho de Vieira (2005). ANPPOM Décimo Quinto Congresso/2005 836

termos orquestrais, adaptando o texto original à formação desejada, o que implica em algumas modificações necessárias (KENANN, 1970, p.172). Nesse sentido, o presente estudo busca esclarecer como o compositor adaptou o material original. Dentre as diversas modificações, selecionamos algumas passagens que serão apresentadas a seguir. É possível observar como as ligaduras são utilizadas de forma diversa nas duas obras. Na música para cordas, a ligadura, via de regra, não indica o contorno das frases como é o caso na música para piano; ao invés disso, [a ligadura] é usada para mostrar quais notas são tocadas em um arco (Idem, p. 52). Assim, no Divertimento há uma ligadura entre as notas dó-si e lá-fá# no 1º violino (c.1); já na Sonata a nota dó é ligada ao primeiro grupo de notas em anacruse (c.1). Essas ligaduras, que na Sonata correspondem a gestos, no Divertimento são correspondentes às arcadas já determinadas pelo compositor. (Figuras 1 e 2). Figura 1: Sonata Andante c. 1 e 2 Figura 2: Divertimento Allegretto c.1-3 A indicação Allegro Enérgico no primeiro movimento da Sonata é substituída por a tempo no Divertimento (seção correspondente). Os staccatos são executados em spiccato no Divertimento e as terças acentuadas no piano correspondem ao pizzicato nas cordas. Segundo Kennan (1970, p.181), notas em staccato na versão para piano podem ser tocadas na versão para cordas em pizzicato ou spiccato ou group staccato, dependendo do grau de rapidez pretendido e da dinâmica e tempo. Nesse caso, a figuração de notas repetidas requer maior velocidade, sendo apropriada à execução em spiccato, e as terças em colcheias, que não exigem tanta velocidade, são executadas em pizzicato. A escrita baseada ANPPOM Décimo Quinto Congresso/2005 837

no uso de notas repetidas é comum em obras para instrumentos de cordas. Esta pode ser considerada uma semelhança entre a escrita pianística e um aspecto idiomático dos instrumentos de cordas (Figuras 3 e 4). Figura 3: Sonata Andante c.27 e 28 Figura 4: Divertimento Allegretto c.33 e 34 No Andante da Sonata, observa-se uma passagem característica da escrita pianística, cujos padrões conservam a fôrma da mão (Figura 5). Esse jogo de mãos tem sido freqüentemente utilizado por compositores que se baseiam na topografia do teclado. Segundo Barrenechea e Gerling (2000, p.57) Villa-Lobos pertence à categoria dos compositores que encontram no próprio teclado os padrões que se transformam em matéria prima da composição. As autoras se referem ao uso de padrões sugeridos pela alternância desigual das teclas brancas e pretas, encontrados também na escrita de compositores brasileiros tais como Francisco Mignone, Lorenzo Fernandes e outros. Figura 5: Sonata Andante 33 e 34 ANPPOM Décimo Quinto Congresso/2005 838

A seção comentada acima, de caráter idiomático ao piano, não foi transcrita e apresenta uma seção correspondente no Divertimento. As duas seções, cada uma a seu modo, são idiomáticas aos instrumentos, pois, a escrita imitativa utilizada no Divertimento é apropriada para conjunto de cordas (Figura 6). Figura 6: Divertimento Allegretto c.39 e 40 O tema do segundo movimento apresentado na Sonata está transcrito no Divertimento para o violoncelo uma oitava abaixo, adaptando-se ao registro do instrumento. Além disso, observa-se que as notas ré (c.6) e lá (c.7-8) na Sonata (Figura 7) são mais longas que no Divertimento (Figura 8). Assim, a linha inferior da Sonata contribui na sustentação do som, sendo necessária pela longa duração dessas notas. Já no Divertimento, a linha inferior é omitida, pois, o compositor não prioriza a manutenção das notas longas. Figura 7: Sonata Seresta c.6-8 Figura 8: Divertimento Seresta c.4 e 5 O uso de quartas e quintas justas, coincidente com a afinação dos instrumentos de cordas, é um aspecto marcante na escrita da Sonata. Segundo Barankovski e Gandelman (2000, p.29) o emprego abundante dos intervalos de quartas e quintas vai ao encontro da ANPPOM Décimo Quinto Congresso/2005 839

própria afinação do violino [instrumento do compositor].... Por exemplo, as quatro notas iniciais do tema do segundo movimento (ré-lá-dó-sol) correspondem a uma permuta entre cordas soltas do violoncelo (dó-sol-ré-lá), o que torna essa escrita bastante idiomática ao instrumento, ainda que as quatro notas não sejam todas tocadas nas cordas soltas (Figura 9). Esse tema, caracterizado por uma linha melódica sem acompanhamento que termina com um intervalo de quinta, assemelha-se à escrita de obras para instrumentos de cordas, como suítes e sonatas para instrumento solo do século XVIII (vide, por exemplo, o Menuett II da Suíte n. 2 em Ré menor para violoncelo solo de J.S. Bach, na Figura 10). Figura 9: Sonata Seresta c.1-4 Figura 10: J.S. Bach Suíte n. 2 em ré menor para violoncelo solo BWV 1008 Menuet II c.1-8 Algumas seções do segundo movimento da Sonata foram omitidas no Divertimento, apesar da textura eminentemente contrapontística, como é o caso da passagem a seguir (Figura 11). A combinação entre a extensão dos registros e a distância entre as vozes pode resultar em um desafio na realização ao piano quanto à permanência das notas de maior valor. Por exemplo, a mão esquerda ao tocar a voz intermediária (c.33), deve tocar também a voz do baixo enquanto a nota lá permanece sustentada. Uma solução para este caso seria o uso do pedal tonal. Figura 11: Sonata Seresta c.32 e 33 ANPPOM Décimo Quinto Congresso/2005 840

A textura contrapontística do segundo movimento, possivelmente, favorece a adaptação da escrita pianística à versão de cordas. A seção a quatro vozes (c.47-53) da Sonata parece ser tão ideal para um conjunto de cordas que o compositor a transcreve quase que de forma integral no Divertimento (c.25-31). As quatro vozes desta seção são divididas entre os quatro naipes de cordas (Figuras 12 e 13). Figura 12: Sonata Seresta c.47-49 Figura 13: Divertimento Seresta c.25-27 Alguns aspectos de execução merecem discussão na sexta variação do terceiro movimento da Sonata. Um exemplo é a indicação de legato, dificilmente realizado porque algumas notas do tema (sol#, mi, lá) requerem o uso do polegar. A sustentação da nota lá com o valor de mínima (c.99) representa um desafio, pois, o polegar que a pressiona deve ser transferido para a nota sol (Figura 14). Ainda em notas do tema (mi, lá, ré), o polegar deve ser utilizado em conjunção com o pedal. No entanto, o uso do pedal acarretaria em menor clareza na passagem escalar da clave de fá (c. 100). Essa variação é pouco idiomática ao piano, e apesar de se adequar melhor ao conjunto de cordas, não foi transcrita. ANPPOM Décimo Quinto Congresso/2005 841

Figura 14: Sonata Variações e Presto c.96-101 Considerações finais Tendo demonstrado alguns dos procedimentos empregados no processo de transcrição, concluímos que determinados aspectos da escrita pianística mostram-se mais favoráveis ao conjunto de cordas, como por exemplo, a escrita imitativa que foi utilizada com mais intensidade no Divertimento, característica esta freqüentemente encontrada em obras orquestrais. Por outro lado, passagens bastante idiomáticas ao piano foram omitidas na versão para cordas. Sob o ponto de vista interpretativo, o estudo comparativo entre as duas obras propicia a elucidação de vários aspectos da execução pianística, tais como, a aplicação do pedal e a observação das indicações de caráter e andamento contidas apenas no Divertimento. Por último, porém não menos importante é a questão dos tipos de toques pianísticos sugeridos pela alusão às sonoridades obtidas pelo conjunto de cordas. Referências bibliográficas APPLEBY, David P. The music of Brazil. Texas: University of Texas Press, 1983. p. 162. BACH, Johan Sebastian. Suite n. 2 in D Minor, BWV 1008. New York: Dover Publications, 1988. BARANCOVSKI, Ingid; GANDELMAN, Saloméa. Edino Krieger Obras Para Piano. Debates: Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Música, Rio de Janeiro, Uni-Rio, n. 3, p. 25-56, 1999. BARRENECHEA, Lúcia Sílvia; GERLING, Cristina Capparelli. Villa-Lobos e Chopin: o diálogo musical das nacionalidades. Série Estudos, Três Estudos Analíticos, Porto Alegre, v. 5, p. 57, dez. 2000. KENNAN, Kent Wheiler. The Technique of Orquestration. 2ª ed. New Jersey: Prentice- Hall, Inc., Englewood Cliffs, 1970. KRIEGER, Edino. Divertimento para cordas. Rio de Janeiro: LK Produções Artísticas, 1983.. Sonata n. 1 para piano. Rio de Janeiro: LK Produções Artísticas, 1983. ANPPOM Décimo Quinto Congresso/2005 842

VIEIRA, Bruna Maria de Lima. Análise Comparativa entre a Sonata n. 1 para piano e o Divertimento para Cordas de Edino Krieger: Um Estudo das Adaptações Idiomáticas da Escrita Pianística na Transcrição Para Cordas (Mestrado em Práticas Interpretativas, do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Porto Alegre: UFRGS, 2005. ANPPOM Décimo Quinto Congresso/2005 843