O Conhecimento de Deus J. I. Packer



Documentos relacionados
O ESTUDO DE DEUS. Em 7 de janeiro de 1855 o ministro da capela da rua New Park começou seu sermão matinal do seguinte modo:

Os encontros de Jesus. sede de Deus

Juniores aluno 7. Querido aluno,

Você foi criado para tornar-se semelhante a Cristo

A ESPERANÇA QUE VEM DO ALTO. Romanos 15:13

7 E o Espírito é o que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade. 8 Porque três são os que dão testemunho: o Espírito, e a água, e o sangue; e

2015 O ANO DE COLHER ABRIL - 1 A RUA E O CAMINHO

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Todos Batizados em um Espírito

Estudos bíblicos sobre liderança Tearfund*

A Palavra de Deus. - É na Palavra de Deus que o homem encontra o conhecimento a respeito da Vida, de onde viemos e onde vamos viver a eternidade.

Mosaicos #7 Escolhendo o caminho a seguir Hb 13:8-9. I A primeira ideia do texto é o apelo à firmeza da fé.

Predestinação. Aula 15/06/2014 Prof. Lucas Rogério Caetano Ferreira

Lição 07 A COMUNIDADE DO REI

SUMÁRIO Páginas A alegria 10 (A alegria está no coração De quem já conhece a Jesus...) Abra o meu coração 61 (Abra o meu coração Deus!...

Apostila de Fundamentos. Arrependimento. Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem cancelados os vossos pecados...

No princípio era aquele que é a Palavra... João 1.1 UMA IGREJA COM PROPÓSITOS. Pr. Cristiano Nickel Junior

Curso de Discipulado

KJV King James Bible Study Correspondence Course An Outreach of Highway Evangelistic Ministries 5311 Windridge lane ~ Lockhart, Florida ~ USA

PERGUNTAS & RESPOSTAS - FONTE ESTUDOS BÍBLICOS 2015

Material: Uma copia do fundo para escrever a cartinha pra mamãe (quebragelo) Uma copia do cartão para cada criança.

Os encontros de Jesus O cego de nascença AS TRÊS DIMENSÕES DA CEGUEIRA ESPIRITUAL

Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e, como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos; e Ele passou a ensiná-los dizendo... Mateus 5.

Grandes coisas fez o Senhor!

Naquela ocasião Jesus disse: "Eu te louvo, Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos, e as revelaste aos

MISSÕES - A ESTRATÉGIA DE CRISTO PARA A SUA IGREJA

O PAI É MAIOR DO QUE O FILHO

Deus: Origem e Destino Atos 17:19-25

Lição 01 O propósito eterno de Deus

Músicos, Ministros de Cura e Libertação

1ª Carta de João. A Palavra da Vida. Deus é luz. Nós somos pecadores. Cristo, nosso defensor junto a Deus

O seu conceito das religiões é como o seguinte quadro?

LIÇÃO TÍTULO TEXTO PRINCÍPIO VERSÍCULOS-CHAVE ALVOS

ESCOLA BÍBLICA I. E. S.O.S JESUS

2 O CONHECIMENTO DE DEUS

Jesus declarou: Digo-lhe a verdade: Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo. (João 3:3).


Dia 4. Criado para ser eterno

ESTUDO 1 - ESTE É JESUS

I Tessalonicensses 4:13~18; a descrição do encontro

COMO E ONDE OS DONS DE PODER SE MANIFESTAM

Deus está implantando o Seu Reino aqui na Terra e Ele tem deixado bem claro qual é a visão dele para nós:

A OFERTA DE UM REI (I Crônicas 29:1-9). 5 - Quem, pois, está disposto a encher a sua mão, para oferecer hoje voluntariamente ao SENHOR?

Lição 1 - Apresentando o Evangelho Texto Bíblico Romanos 1.16,17

Jo 15.2 = Toda vara em mim que não dá fruto, a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto.

1ª Leitura - Ex 17,3-7

Compartilhando a Sua Fé

O que a Bíblia diz sobre o dinheiro

Sumário. Prefácio As evidências da ressurreição de Cristo Se Jesus está vivo, onde posso encontrá-lo?...15

No dia seguinte, viu João a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!

Vinho Novo Viver de Verdade

Jesus contou aos seus discípulos esta parábola, para mostrar-lhes que eles deviam orar sempre e nunca desanimar.

A Bíblia realmente afirma que Jesus

f r a n c i s c o d e Viver com atenção c a m i n h o Herança espiritual da Congregação das Irmãs Franciscanas de Oirschot

LIÇÃO 1 - COMEÇANDO A VIDA CRISTÃ

PREFÁCIO DA SÉRIE. estar centrado na Bíblia; glorificar a Cristo; ter aplicação relevante; ser lido com facilidade.

O povo da graça: um estudo em Efésios # 34 Perseverando com graça - Efésios

O NASCIMENTO DO SALVADOR

Por que você trabalha?

Bíblia para crianças. apresenta O SÁBIO REI

Lição Um. Um Novo Princípio. O Poder Transformador de Cristo

Em nossa cultura atual os valores familiares estão sendo questionados e quebrados. Hoje a ênfase no individualismo, no belo, no eficiente, no novo,

terça-feira, 26 de junho de 12

ESCOLA BÍBLICA DOMINICAL ESTUDO 4 A PESCA MILAGROSA

DANIEL EM BABILÔNIA Lição Objetivos: Ensinar que devemos cuidar de nossos corpos e recusar coisas que podem prejudicar nossos corpos

Como levar alguém a Jesus Cristo usando o Cubo Evangelístico (Use as setas do cubo para ajudá-lo a abrir as figuras)

Lembrança da Primeira Comunhão

Visão MDA. Sidnei Souza Hewlett-Packard 01/01/2014

Pr. Patrick Robert Briney Mission Boulevard Baptist Church. A Série das Verdades do Evangelho (caderno 4) God is the Answer

Estudo 17 Testemunhar a Cristo: um desafio diário. Em Marcha, IGREJA METODISTA ASA NORTE 406

E quando Deus diz não?

IGREJA CRISTÃ MARANATA PRESBITÉRIO ESPÍRITO SANTENSE EM EFÉSIOS 2.8 PAULO VINCULA A SALVAÇÃO À FÉ QUE VEM DE DEUS.

Como Estudar a Bíblia

Carta de Paulo aos romanos:

A Tua Frase Poderosa. Coaches Com Clientes: Carisma. Joana Areias e José Fonseca

Sempre Abundantes. IDE Curso E1 - Células. Lição 6 Multiplicando a sua célula

PERTO DE TI AUTOR: SILAS SOUZA MAGALHÃES. Tu és meu salvador. Minha rocha eterna. Tu és minha justiça, ó Deus. Tu és Jesus, amado da Minh alma.

CURSO DE PREPARAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE LÍDERES 2013 Presbitério de Campinas. Espiritualidade do Líder Pr. Thiago Jachetto de Campos

Centralidade da obra de Jesus Cristo

1Capítulo A SAUDADE DE DEUS

Nem o Catecismo da Igreja Católica responde tal questão, pois não dá para definir o Absoluto em palavras.

Mantendo uma Posição Firme

O NOVO NASCIMENTO. Texto base: Jo 3: 1 a 21

TEXTO SEGUNDA SEÇÃO: A PROFISSÃO DA FÉ CRISTÃ CAPÍTULO I: CREIO EM DEUS PAI. Parágrafo 1: Creio em Deus

FILOSOFIA DE VIDA Atos 13.36

Para onde vou Senhor?

LIÇÃO 1 Deus Tem Dons para Nós

Roteiro VcPodMais#005

AGOSTINHO, TEMPO E MEMÓRIA

MOISÉS NO MONTE SINAI Lição 37

QUEM ANUNCIA AS BOAS NOVAS COOPERA COM O CRESCIMENTO DA IGREJA. II Reunião Executiva 01 de Maio de 2015 São Luís - MA

Bíblia Sagrada N o v o T e s t a m e n t o P r i m e i r a E p í s t o l a d e S ã o J o ã o virtualbooks.com.br 1

DESENVOLVENDO MEMBROS MADUROS

Selecionando e Desenvolvendo Líderes

NOME DO CURSO ORAR É AÇÃO EBA. Nome do professor

Educação de Filhos de 0 a 5 anos. Edilson Soares Ribeiro Cláudia Emília Ribeiro 31/03/2013

CATEQUESE 1 Estamos reunidos de novo. CATEQUESE 1 Estamos reunidos de novo

Realidade vs Virtualidade

Transcrição:

O Conhecimento de Deus J. I. Packer Título original: Knowing God Tradução de Cleide Wolf e Rogério Portela 2 a Edição Editora Mundo Cristão ISBN: 85-7325-030-5 Digitalizado, Revisado e Formatado por: Skat WWW.PORTALDETONANDO.COM.BR/FORUMNOVO/

2 S U MÁRI O Prefácio....... 3 Apresentação... 8 PARTE I: CONHEÇA O SENHOR 1. O estudo de Deus... 11 2. O povo que conhece seu Deus... 18 3. Conhecer e ser conhecido... 26 4. O único e verdadeiro Deus... 36 5. Deus encarnado... 44 6. Ele dará testemunho... 58 PARTE II: CONTEMPLE O SEU DEUS 7. O Deus imutável... 66 8. A majestade de Deus... 74 9. Só Deus é sábio... 81 10. A sabedoria de Deus e a nossa... 89 11. A tua palavra é a verdade... 99 12. O amor de Deus... 106 13. A graça de Deus... 119 14. Deus, o Juiz... 130 15. A ira de Deus... 139 16. Bondade e severidade... 149 17. O Deus ciumento... 158 PARTE III: SE DEUS É POR NÓS... 18. O coração do Evangelho... 168 19. Filhos de Deus... 189 20. Tu, nosso guia... 219 21. Estas provações íntimas... 233 22. A suficiência de Deus... 241

3 P R E F Á C I O Assim como os palhaços almejam representar Hamlet, eu queria escrever um tratado sobre Deus. Este livro, porém, não chega a tanto, ainda que sua extensão possa dar essa falsa idéia. Quem pensar assim ficará desapontado. É mais uma fieira de contas: uma série de pequenos estudos sobre grandes assuntos, muitos dos quais apareceram na Evangelical Magazine [Revista Evangélica}. Embora tenham sido escritos como mensagens independentes, são agora apresentados em conjunto porque englobam uma só mensagem a respeito de Deus e de nossa vida. É seu propósito prático que explica tanto a seleção como a omissão de diversos tópicos e seu tratamento. Em A preface to Christian theology [Prefácio à teologia cristã], John Mackay 1 ilustra dois tipos de interesse nos assuntos cristãos. Para isso usa a figura de pessoas sentadas na sacada de uma casa espanhola observando quem passa na rua. Eles podem ouvir a conversa dos transeuntes e mesmo conversar com eles, podem criticar seu modo de andar, ou discutir a respeito da rua: Como ela pode existir, ou para onde vai, o que 1 John Alexander Mackay (1889-1983). Ministro presbiteriano escocês (nascido em Iver-ness), foi um missionário ligado à educação (principalmente no Peru, Uruguai e México), presidente do Seminário Teológico de Princeton e líder ecumênico, proponente da Teologia do Caminho.

poderia ser observado de diferentes pontos dela, e assim por diante; mas são apenas observadores, e seus problemas são teóricos. Os viajantes, pelo contrário, estão enfrentando problemas, que embora tenham seu ângulo teórico são essencialmente práticos problemas do tipo "aonde ir" ou "como chegar lá", problemas que exigem não apenas compreensão, mas também decisão e ação. Observadores e viajantes podem refletir sobre o mesmo assunto, mas seus problemas diferem. Assim (por exemplo) em relação ao mal, o problema do observador é encontrar uma explicação que concilie o mal com a soberania e a bondade de Deus, enquanto o problema do viajante é como vencer o mal e se sair bem. Quanto ao pecado, o observador questiona a credibilidade da tendência humana ao pecado ou da perversidade pessoal, ao passo que o viajante, conhecendo o pecado por dentro, pergunta que esperança de libertação pode haver. Ou, em relação à divindade, enquanto o observador da sacada pergunta como é possível que um Deus seja três, que espécie de unidade pode haver em três, e como três que são um podem ser pessoas, os viajantes querem saber como poderão mostrar honra adequada, amor e confiança perante as três pessoas que agora estão unidas no esforço de transportá-los do pecado para a glória. Poderíamos continuar indefinidamente neste tom, mas este livro é para os viajantes e é com suas perguntas que ele lida. Foi escrito com a convicção de que a ignorância sobre Deus ignorância tanto de seus recursos como da prática da comunhão com ele tem relação direta com a fraqueza da igreja moderna. Duas tendências infelizes parecem ter produzido este estado de coisas. A primeira tendência é que a mentalidade cristã adaptou-se ao espírito moderno, ou seja, o que gera grandes idéias humanas e deixa espaço apenas para pequenos pensamentos sobre Deus. A atitude atual em relação a Deus é deixá-lo à distância, quando não o nega completamente. A ironia disto é que os cristãos modernos, preocupados em manter as práticas religiosas em um mundo sem religião, têm, eles mesmos, permitido que Deus se torne distante. Pessoas com uma visão mais clara das coisas, percebendo esta situação, são tentadas a se afastar da igreja, um tanto desgostosas, para buscar a Deus por si mesmas. Ninguém poderá culpá-las totalmente, pois os cristãos que buscam a Deus usando, por assim dizer, o lado errado do telescópio, reduzindo-o à proporção de um pigmeu, não podem esperar concluir seus dias senão como cristãos pigmeus. As mais esclarecidas querem naturalmente alguma coisa melhor. Além disso, pensamentos sobre a morte, a eternidade, o juízo, a grandeza da alma e as conseqüências duradouras das decisões temporais são "ultrapassados" para os modernistas. O triste é que a Igreja cristã, em lugar de levantar a voz para lembrar ao mundo o que está sendo esquecido, adquiriu o hábito de também menosprezar esses temas. Estas capitulações ao espírito moderno são realmente suicidas quando se referem à vida cristã. A segunda tendência é que a mentalidade cristã vem sendo confundida pelo ceticismo moderno. Por mais de três séculos o fermento naturalista da perspectiva renascentista tem agido como um câncer no pensamento ocidental. Os arminianos 2 e os deístas 3 do século xvn, assim como os socinianos 4 no século xvi, 4

5 negavam, em oposição à teologia da Reforma, 5 que o controle de Deus sobre o mundo fosse direto ou total. Desde então, 2 Partidários do teólogo holandês Jacó Armínio (1560-1609), cujos escritos foram julgados postumamente pelo Sínodo de Dort (1618-1619), convocado pela Igreja Reformada Holandesa (da qual Armínio fora ministro), por negar a doutrina oficial calvinista sobre a predestinação absoluta, afirmando a incompatibilidade entre a soberania de Deus e o livre-arbítrio humano. 3 Adeptos de uma forma racionalista de explicar o relacionamento de Deus com o mundo. Costuma-se descrever o conceito deísta segundo a ilustração clássica criada por Nicolau de Oresmes (séc. XIV) de que Deus seria um "Relojoeiro", que inventou todas as engrenagens do relógio chamado Universo para trabalhar perfeitamente, deu corda e saiu para tratar de seus assuntos. 4 Seguidores de Fausto Socino (1539-1604) que negavam a divindade de Jesus, a onisciência divina e ensinavam a morte da alma. São os precursores do que se tornaria o unitarismo (séc. XVII) e a teologia aberta ou neoteísmo (séc. xx), escola de interpretação bíblica atualizada dos argumentos de Socino contra a onisciência absoluta de Deus. 5 Sucintamente descrita pela expressão "Cinco solas": Sola Scriptura (só a Escritura é a Palavra de Deus); Solus Christus (só Jesus Cristo salva mediante sua obra expiatória e substitutiva na cruz); Sola gratia (a salvação é decorrente única e exclusivamente da graça divina, sem nenhum merecimento por parte da humanidade decaída e pecadora); Sola fide (a salvação é outorgada só àqueles que têm fé, que também é dom divino) e Soli Deo gloria (todos os que foram alcançados pela mensagem exclusiva da Palavra de Deus e creram só em Jesus para a salvação, por terem sido beneficiados por Deus com sua graça e o dom da fé, darão eternamente glória e louvor exclusivos ao Senhor que os salvou).

6 a teologia, a filosofia e a ciência têm em grande parte se unido para sustentar essa negativa. Como conseqüência, a Bíblia está sob fogo cerrado, assim como muitos outros marcos do cristianismo histórico. Os fatos fundamentais da fé são questionados. Deus se encontrou com Israel no Sinai? Jesus foi mais que um homem muito espiritual? Os milagres dos Evangelhos realmente aconteceram? O Jesus dos Evangelhos não será, em grande parte, uma figura imaginária? e assim por diante. E isso não é tudo. O ceticismo a respeito da revelação divina e dos fundamentos cristãos deu margem ao questionamento mais amplo que abandona toda idéia da unicidade da verdade, e com isso qualquer esperança de unificar o conhecimento humano. Assim, é comumente aceito que minhas percepções religiosas não mantêm relação com meu conhecimento científico das coisas externas, porque Deus não está "lá fora" no mundo, mas apenas "aqui dentro" na psique. A incerteza e a confusão a respeito de Deus, características de nossos dias, são piores que qualquer ataque desde a tentativa da teosofia gnóstica 6 de absorver o cristianismo no século II. É comum dizer-se hoje em dia que a teologia está mais forte que nunca, e em termos de especificação acadêmica, ou na qualidade e quantidade de livros publicados, isto talvez seja verdade. No entanto, faz muito tempo que a teologia não se apresenta tão fraca e inábil na tarefa básica de manter a Igreja dentro das realidades do Evangelho. Há noventa anos Charles Haddon Spurgeon 7 descreveu como "declínio" as vacila-ções observadas então entre os batistas a respeito das Escrituras, da expiação e do destino humano. Se ele pudesse avaliar o pensamento 6 ''Conjunto de movimentos religiosos, sincréticos e esotéricos, anteriores à expansão do cristianismo, marcados pelo profundo apego ao "conhecimento secreto" (gnosis) e que misturavam misticismo e especulação filosófica. Foi um grande e perigoso adversário do cristianismo, principalmente quando gerações de cristãos provenientes do paganismo tentaram explicar suas novas crenças fazendo uso da nomenclatura e da cosmovisão gnóstica. 7 "Denominado o "Príncipe dos pregadores" (1834-1892). Nascido em Kelvendon (Grã-Bretanha), filho e neto de pregadores, Spurgeon foi um pastor batista calvinista que pregava a grandes audiências os princípios que extraía da teologia puritana. Foi um escritor prolífico e fundou também um seminário, orfanatos, sociedades assistenciais para diversas causas. Sua influência estende-se até o dia de hoje por meio de suas pregações e livros, que são impressos e distribuídos em todos os continentes.

7 protestante a respeito de Deus nos tempos atuais, creio que falaria em "afundamento"! "Ponham-se na encruzilhada e olhem; perguntem pelos caminhos antigos, perguntem pelo bom caminho. Sigam-no e acharão descanso" (Jr 6:16). Eis o convite deste livro. Não se trata de uma crítica aos novos caminhos, a não ser indiretamente; pelo contrário, é um chamado direto às sendas antigas, pois "o bom caminho" é ainda o mesmo. Não peço que meus leitores pensem que conheço perfeitamente o assunto de que estou falando. "Aqueles como eu", escreveu C. S. Lewis, 8 "cuja imaginação ultrapassa de longe a sua obediência, estão sujeitos a um castigo justo. Imaginamos facilmente condições muito mais elevadas que aquelas que realmente chegamos a alcançar. Se descrevermos o que imaginamos poderemos fazer com que outros, e nós, acreditemos que na verdade estivemos ali" 9 e desse modo enganamos tanto aos outros como a nós mesmos. Todos os escritores e leitores de literatura devocional fariam bem em pesar as palavras de Lewis. Entretanto, "Está escrito: 'Cri, por isso falei'. Com esse mesmo espírito de fé nós também cremos e, por isso, falamos" (2Co 4:13); e se o que aqui está escrito for útil a alguém, do mesmo modo como as minhas meditações durante este trabalho me ajudaram, esta obra terá então realmente valido a pena. JAMES I. PACKER 8 Clive Staples Lewis (1898-1963) foi escritor e estudioso. Nasceu em Belfast, Irlanda. Especialista em literatura medieval inglesa, escreveu após sua conversão sobre ficção cristã e outros temas ligados ao cristianismo. Suas obras mais conhecidas são Cristianismo puro e simples e As crônicas de Nárnia. 9 ''Os quatro amores, Col. Pensadores Cristãos, 2 a. ed., São Paulo: Mundo Cristão, 1986. p. 108.

8 A P R E S E N T A Ç Ã O É com entusiasmo que recomendo a leitura desta obra. Embora esta segunda edição não contemple alterações substanciais, não perde para outros livros lançados mais recentemente. Desconheço outro escritor que tenha superado a qualidade teológica e a aplicação prática que J. I. Packer imprime em O conhecimento de Deus. Jesus afirma que conhecer a Deus eqüivale à vida eterna, portanto essa deve ser a prioridade. Esse tema nunca estará "fora de moda", pois não é possível exaurilo. Como não tirar proveito de uma leitura tão edificante e informativa! Embora a designação best-seller não signifique necessariamente que seu autor escreve muito bem ou que o assunto seja da máxima importância, vemos ambas as características nesta obra. Com mais de um milhão de exemplares vendidos em uma dúzia de línguas, O conhecimento de Deus superou minhas expectativas. Dr. James Packer é escritor talentoso. Possui mente aguda e coração ardente, qualidades que se destacam em cada página. Teólogos podem ser, às vezes, complicados e tediosos. Embora detenham extenso conhecimento acadêmico, em geral não se revelam muito hábeis em desenvolver o tema a que se propõem de modo a fascinar os leitores. Este, porém, não é o caso de J. I. Packer. O conhecimento de Deus apresenta profundidade bíblica. Ao analisar diversas passagens das Escrituras, o dr. Packer tece discussões teológicas visando a desvelar verdades e pontos de vista antes despercebidos. Acredito que pastores e mestres da Bíblia aproveitarão muitas páginas deste livro para estimular seus alunos e suas ovelhas a conhecer melhor a Deus e a sua Palavra. O conhecimento de Deus apresenta abrangência teológica. Ainda que não se trate de uma teologia sistemática, recomendo esta obra a todos os estudiosos de teologia como sua melhor fonte de conhecimento paralelo. Além de reunir muita reflexão sobre Deus e sua atuação na história, é uma ferramenta de combate contra a tendência de muitos cursos de seminários de banalizar as verdades centrais da fé e desestimular a paixão pelo Senhor. O conhecimento de Deus ajuda a esclarecer doutrinas e práticas muitas vezes pouco compreendidas e, não raro, permeadas por erros. Muitos pastores e mestres da Palavra costumam repassar ensinamentos atraentes aos ouvintes sem analisar consistentemente sua veracidade ou seus fundamentos bíblicos. Para ilustrar a relevância deste aspecto, basta mencionar a discussão do dr. Packer sobre a proibição de imagens e o perigo que representam para os cristãos evangélicos. Utilitarismo e pragmatismo desviam facilmente as igrejas do caminho. O conhecimento de Deus apresenta-se ainda como fonte de orientação ética para os que enfrentam dilemas e precisam tomar decisões condizentes com a santidade. Muitas escolhas e decisões presentes na vida dos cristãos de hoje jamais foram concebidas pelo povo de Deus de dois mil anos atrás. Os desafios da modernidade, da vida urbana e do constante bombardeio da mídia requerem sabedoria. O leitor se sentirá grandemente estimulado ao acompanhar, por exemplo, o raciocínio do dr. Packer no capítulo 10, A sabedoria de Deus e a nossa, em que se evidencia sua capacidade de contextualizar a Bíblia.

Poderíamos mencionar muitos outros aspectos importantes e interessantes desta obra mas assim como, creio, a melhor maneira de conhecer uma iguaria é prová-la, a melhor maneira de conhecer a qualidade superior do livro O conhecimento de Deus é mergulhar em sua leitura. A Deus toda a glória! DR. RUSSELL SHEDD 9

10 Parte I Conheça O Senhor

11 O ESTUDO DE DEUS Em 7 de janeiro de 1855 o ministro da capela da rua New Park começou seu sermão matinal do seguinte modo: Já foi dito por alguém que "o estudo adequado da humanidade é o próprio homem". Não me oponho à idéia, mas creio ser igualmente verdadeiro que o estudo correto do eleito de Deus é Deus; o estudo apropriado ao cristão é a divindade. A mais alta ciência, a mais elevada especulação, a mais poderosa filosofia que possa prender a atenção de um filho de Deus é o nome, a natureza, a pessoa, a obra, as ações e a existência do grande Deus, a quem chama Pai. Nada é melhor para o desenvolvimento da mente que contemplar a divindade. Trata-se de um assunto tão vasto, que todos os nossos pensamentos se perdem em sua imensidão; tão profundo que nosso orgulho desaparece em sua infinitude. Podemos compreender e aprender muitos outros temas, derivando deles certa satisfação pessoal e pensando enquanto seguimos nosso caminho: "Olhe, sou sábio". Mas quando chegamos a esta ciência superior e descobrimos que nosso fio de prumo não consegue sondar sua profundidade e nossos olhos de águia não podem ver sua altura, nos afastamos pensando que o homem vaidoso pode ser sábio, mas não passa de um potro selvagem, exclamando então solenemente: "Nasci ontem e nada sei". Nenhum tema contemplativo tende a humilhar mais a mente que os pensamentos sobre Deus... Ao mesmo tempo, porém, que este assunto humilha a mente, também a expande. Aquele que pensa com freqüência em Deus terá a mente mais aberta que alguém que apenas caminha penosamente por este estreito globo. [...] O melhor estudo para expandir a alma é a ciência de Cristo, e este crucificado, e o conhecimento da divindade na gloriosa trindade. Nada alargará mais o intelecto, nada expandirá mais a alma do homem que a investigação dedicada, cuidadosa e contínua do grande tema da divindade. Ao mesmo tempo que humilha e expande, este assunto é eminentemente consolador. Na contemplação de Cristo existe um bálsamo para cada ferida; na meditação sobre o Pai, há consolo para todas as tristezas, e na influência do Espírito Santo, alívio para todas as mágoas.

12 Você quer esquecer sua tristeza? Quer livrar-se de seus cuidados? Então, vá, atire-se no mais profundo mar da divindade; perca-se na sua imensidão, e sairá dele completamente descansado, reanimado e revigorado. Não conheço coisa que possa confortar mais a alma, acalmar as ondas da tristeza e da mágoa, pacificar os ventos da provação que a meditação piedosa a respeito da divindade. Para este assunto chamo a atenção de todos nesta manhã. Estas palavras, proferidas há mais de um século por Charles Haddon Spurgeon (que nessa época contava, inacreditavelmente, apenas 20 anos), foram verdadeiras do mesmo modo como são agora. Elas constituíram o prefácio adequado para uma série de estudos sobre a natureza e o caráter de Deus. QUEM PRECISA DE TEOLOGIA? "Mas, espere um instante", alguém objetará, "diga-me uma coisa, será realmente necessário estudar isso? Nos tempos de Spurgeon, sabemos que as pessoas achavam interessante a teologia, mas eu a considero entediante. Por que alguém precisa hoje em dia perder tempo com esse tipo de estudo que você está propondo? Com certeza, pelo menos o leigo pode passar sem isso. Afinal de contas, este é o século xxi e não o xix!". Uma pergunta justa! Mas acho que há uma resposta convincente para ela. Essa questão é levantada por alguém que pressupõe claramente a impraticabilidade e a irrelevância do estudo da natureza e do caráter de Deus para a vida. Entretanto, este é, na verdade, o projeto mais prático de que alguém poderia ocupar-se. Conhecer a Deus é crucialmente importante para nossa vida. Do mesmo modo que seria cruel levar de avião um indígena da Amazônia até São Paulo e deixá-lo, sem nenhuma explicação, sem que entendesse a língua portuguesa, em plena Praça da Sé, para que ele cuidasse da própria subsistência; assim também seríamos cruéis conosco se tentássemos viver neste mundo sem saber nada a respeito do Deus que é dono e Senhor do Universo. Para quem não conhece a Deus o mundo se torna um lugar estranho, louco, penoso, e viver nele pode ser decepcionante e desagradável. Despreze o estudo de Deus e você estará sentenciando a si mesmo a passar a vida aos tropeções, como um cego, como se não tivesse nenhum senso de direção e não entendesse aquilo que o rodeia. Deste modo poderá desperdiçar sua vida e perder a alma. Ao reconhecer, então, que o estudo de Deus tem valor, preparemo-nos para começar. Mas, por onde começar? Obviamente temos de partir de onde estamos. Isto, entretanto, significa sair em meio a uma tempestade, pois a doutrina de Deus hoje em dia está no centro de uma verdadeira tempestade. O chamado "debate sobre Deus" com seus refrões surpreendentes: "nossa imagem de Deus deve desaparecer", "Deus está morto", "podemos recitar o credo, porém não podemos confessá-lo", está ecoando a nossa volta. Dizem-nos que "dogmatizar sobre Deus" como os cristãos têm feito ao longo da história é manifestar refinada insensatez e que o conhecimento de Deus é, na realidade, uma ficção. Os tipos de ensinamento que professam tal conhecimento são rejeitados como obsoletos: calvinismo, fundamentalismo, escolástica protestante, velha ortodoxia. Que devemos fazer? Se esperarmos a tempestade passar para depois iniciarmos a jornada, pode ser que jamais a comecemos.

13 Minha proposta é a seguinte: Você com certeza conhece a história de O peregrino, de Bunyan, 1 e de como ele tapou os ouvidos e correu gritando: "Vida, vida, vida eterna", quando sua esposa e filhos o chamaram de volta da viagem que estava para iniciar. Peço-lhe que feche por um momento os ouvidos para quem diz não haver caminho algum que leve ao conhecimento de Deus e ande um pouco a meu lado para verificar por si mesmo. Afinal de contas, só se prova o pudim comendo-o, e qualquer pessoa que esteja realmente viajando por uma estrada conhecida não ficará preocupada se ouvir um não-transeunte dizer que tal estrada não existe. Com tempestade ou sem ela, vamos começar. Mas como organizaremos nosso curso? Cinco verdades básicas cinco princípios fundamentais do conhecimento de Deus que os cristãos possuem determinarão todo nosso programa, como segue: 1. Deus falou aos homens, e a Bíblia é sua Palavra, que nos foi dada a fim de nos tornar sábios para a salvação. 2. Deus é Senhor e Rei deste mundo; ele governa todas as coisas para sua glória, mostrando sua perfeição em tudo o que faz, a fim de que homens e anjos possam louvá-lo e adorá-lo. 3. Deus é Salvador, ativo em amor soberano mediante o Senhor Jesus Cristo para salvar os crentes da culpa e do poder do pecado, adotá-los como filhos e assim abençoá-los. 1 Pastor e escritor puritano, John Bunyan (1628-1688) foi preso durante doze anos por pregar sem a autorização da Igreja Anglicana. Era independente, separatista e possuía convicções batistas acerca do batismo e da Igreja. Enquanto estava aprisionado escreveu sua obra-prima: O peregrino.

14 4. Deus é triúno. Há em Deus três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo; e a obra da salvação é operada pelos três ao mesmo tempo: o Pai propõe a redenção, o Filho a assegura e o Espírito a aplica. 5. Piedade significa responder à revelação de Deus com confiança, obediência, fé, adoração, oração, louvor, submissão e serviço. A vida deve ser vista e vivida à luz da Palavra de Deus. Isto, e nada mais, é a verdadeira religião. A luz dessas verdades gerais e fundamentais, vamos agora examinar com detalhes o que a Bíblia nos mostra da natureza e do caráter do Deus sobre o qual estamos falando. Nossa situação é comparável à dos viajantes que, depois de estudarem de longe uma grande montanha, andando a sua volta e observando como domina a paisagem e determina o tipo de região a seu redor, se aproximam dela, com a intenção de escalá-la. OS TEMAS BÁSICOS O que está envolvido nessa escalada? De que temas nos ocuparemos? Vamos tratar da divindade, as qualidades que separam Deus dos homens e que marcam a diferença e a distância entre o Criador e suas criaturas, qualidades como: existência própria, infinitude, eternidade e imutabilidade. Trataremos dos poderes de Deus: onisciência, onipotência e onipresença. Estaremos envolvidos com a perfeição divina, os aspectos de seu caráter moral manifestados por seus atos e palavras: santidade, amor, misericórdia, verdade, fidelidade, bondade, paciência e justiça. Precisaremos anotar o que lhe é agradável, ofensivo, o que lhe desperta ira, o que lhe dá satisfação e alegria. Para muitos de nós, estes termos não são conhecidos, mas nem sempre foi assim com o povo de Deus. Houve um tempo em que o tema dos atributos divinos (como se chamavam então) eram considerados tão importantes que foram incluídos nos catecismos ensinados a todas as crianças nas igrejas, e que todos os membros adultos deveriam saber. Assim, a quarta pergunta de O breve catecismo de Westminster "O que Deus é?" tem a seguinte resposta: "Deus é espírito, infinito, eterno e imutável em seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade", 2 uma declaração que o grande Charles Hodge descrevia como "provavelmente a melhor definição de Deus que o homem já fez". Hoje, entretanto, poucas crianças conhecem O breve catecismo de Westminster e poucos adoradores modernos chegarão a ouvir uma série de sermões abrangendo a doutrina do caráter divino compararável com o extenso Discourses on the existence and attributes of God [Discursos sobre a existência e os atributos de Deus], de Stephen Charnock (1682). 3 Poucos também terão a oportunidade de ler qualquer coisa simples e direta a respeito da natureza de Deus, pois tal tipo de publicação é bem rara atualmente. Podemos esperar, portanto, que uma exploração do tema acima mencionado traga muitas idéias novas sobre as quais pensar, e muitas novidades para serem consideradas e assimiladas.

15 CONHECIMENTO APLICADO Por esta simples razão, antes de começarmos a subir nossa montanha, precisamos parar e fazer-nos uma pergunta fundamental pergunta que, na verdade, devemos fazer sempre que nos dispusermos a estudar qualquer assunto na santa Palavra de Deus. Essa questão diz respeito a nossos motivos e intenções como estudantes. É preciso indagar de nós mesmos: Qual o alvo final e a razão de eu estar ocupando a mente com estas coisas? Que pretendo fazer com o conhecimento de Deus que vou adquirir? Pois o fato que teremos de enfrentar é este: A busca por conhecimento teológico como um fim em si mesmo talvez nos prejudique, tornando-nos orgulhosos e convencidos. A própria magnitude do assunto nos embriagará e chegaremos a pensar que somos bem melhores e superiores aos demais cristãos dado nosso interesse no assunto e a compreensão dele. Olharemos com superioridade para aqueles cujas idéias 2 São Paulo: Cultura Cristã, 2001, 6. ed., p. 10. 3 Pregador puritano (1628-1680), nascido em Londres, cujo ministério em conjunto com Thomas Watson em uma congregação presbiteriana em Bishopsgate foi marcado por suas mensagens tocantes e piedade pessoal. A data da publicação deste sermão indica seu caráter póstumo.

16 teológicas nos pareçam rudes e inadequadas, pondo-as de lado com desprezo. Isso se conforma às palavras de Paulo aos presunçosos cristãos de Corinto: "O conhecimento traz orgulho [...] Quem pensa conhecer alguma coisa ainda não conhece como deveria" (1Co 8:1 b,2). Preocupar-se em adquirir conhecimento teológico como um fim em si mesmo, aproximar-se da Bíblia para estudá-la sem nenhum motivo além do desejo de saber todas as respostas é o caminho direto para o auto-engano complacente. Precisamos proteger o coração contra essa atitude e orar para que isso não aconteça. Como já vimos antes, não pode haver saúde espiritual sem conhecer a doutrina, mas é igualmente verdadeiro que ela não será alcançada com esse conhecimento, se for buscado com propósitos errados e avaliado segundo padrões falsos. Deste modo o estudo da doutrina pode se tornar um perigo para a vida espiritual; e nós hoje precisamos estar atentos a esse respeito, tanto quanto os antigos coríntios. "Mas", diz alguém, "não é um fato que o amor à verdade revelada de Deus e o desejo de saber o máximo sobre isso é normal em toda pessoa que tenha nascido de novo?". Veja o salmo 119: "Ensina-me os teus decretos", "Abre os meus olhos para que eu veja as maravilhas da tua lei", "Como eu amo a tua lei!", "Como são doces para o meu paladar as tuas palavras! Mais que o mel para a minha boca!", "dá-me discernimento para compreender os teus testemunhos" (v. 12b, 18,97A,103,125). Não é verdade que, assim como o salmista, todo filho de Deus quer conhecer o máximo possível a respeito de seu Pai Celestial? Não é, na verdade, o fato de termos recebido "o amor à verdade" uma prova de que nascemos de novo? (v. 2Ts 2:10). E também não é justo que procuremos satisfazer ao máximo esse desejo dado pelo próprio Deus? Sim, naturalmente que sim. Mas se você se reportar ao salmo 119 verá que o interesse do salmista em obter conhecimento de Deus não era teórico, mas prático. Seu desejo supremo era conhecer e comprazer-se no próprio Deus, e considerava esse conhecimento de Deus um simples meio para alcançar um fim. Ele queria entender a verdade divina a fim de que seu coração pudesse corresponder a essa verdade e viver de acordo com ela. Observe a ênfase dada nos primeiros versículos: Como são felizes os que andam em caminhos irrepreensíveis, que vivem conforme a lei do SENHOR! Como são felizes os que obedecem aos seus estatutos e de todo o coração o buscam! [...] Quem dera fossem firmados os meus caminhos na obediência aos teus decretos (v. 1,2,5). Ele estava interessado na verdade e na ortodoxia, nos ensinamentos bíblicos e teológicos não como um fim em si mesmos, mas como meios práticos de aperfeiçoamento da vida e de santidade. Sua preocupação maior estava em conhecer e servir o grande Deus, cuja verdade procurava entender. Esta deve ser também nossa atitude. Ao estudar a divindade, nosso alvo deve ser conhecer melhor ao próprio Deus. Nosso objetivo deve ser expandir nosso conhecimento não apenas da doutrina dos atributos de Deus, mas também do

17 Deus vivo a quem pertencem esses atributos. Já que ele é o tema de nosso estudo e nosso ajudador nesta tarefa, deve ser também o fim em si mesmo. Ao estudarmos Deus, devemos procurar ser conduzidos a ele. A revelação nos foi dada com esse propósito, e devemos usá-la com essa finalidade. MEDITAR SOBRE A VERDADE Como faremos isso? Como podemos transformar nosso conhecimento sobre Deus em conhecimento de Deus? A regra é simples, mas rigorosa. Devemos transformar cada verdade aprendida sobre Deus em assunto de meditação diante de Deus, conduzindo-nos à oração e ao louvor a Deus. Temos alguma idéia a respeito do significado da oração, mas o que é meditação? É uma boa pergunta, pois a meditação é uma arte esquecida hoje em dia, e o povo cristão sofre dolorosamente por ignorar sua prática. Meditação é o ato de trazer à mente as várias coisas conhecidas sobre os procedimentos, as peculiaridades, os propósitos e as promessas de Deus; pensar, deter-se nelas e aplicá-las à própria vida. É a atividade do pensamento santo, conscienciosamente apresentado diante de Deus, sob seus olhos, com seu auxílio e como meio de comunhão com ele. Seu propósito é esclarecer nossa visão mental e espiritual de Deus e deixar que sua verdade produza um impacto total na mente e no coração do indivíduo. É o modo de falar consigo mesmo a respeito de Deus e de si próprio; é, na realidade, um meio de raciocinar consigo mesmo em ocasiões de dúvida e apreensão até chegar ao claro entendimento do poder e da graça de Deus. O resultado deve ser nos humilhar, enquanto contemplamos a grandeza e a glória divinas e nossa insignificância e pecaminosidade, e nos encorajar e tranqüilizar "confortando-nos", no velho e forte sentido bíblico da palavra, enquanto contemplamos as riquezas insondáveis da divina misericórdia manifestada no Senhor Jesus Cristo. Estes foram os pontos salientados por Spurgeon na passagem que citamos no início, e eles são verdadeiros. À medida que penetramos mais e mais profundamente nessa experiência de sermos humilhados e exaltados, nosso conhecimento de Deus aumenta, e com ele nossa paz, força e alegria. Que Deus nos ajude a pôr em uso nosso conhecimento sobre ele, e que possamos todos, na verdade, "conhecer o Senhor".

18 O POVO QUE CONHECE SEU DEUS Eu passeava ao sol com um professor que havia perdido efetivamente suas possibilidades de avanço na carreira acadêmica, por ter entrado em choque com os dignitários da Igreja a respeito do evangelho da graça. "Mas isso não tem importância", afirmou, "pois eu conheci a Deus, e eles não". Essa declaração foi um mero parêntese, um comentário a respeito de algo que eu tinha dito, mas que me ficou gravado na mente e me fez pensar. Não creio que muitos de nós possamos dizer com espontaneidade que conhecemos a Deus. Essas palavras implicam uma experiência definitiva e verdadeira, à qual, se formos sinceros, temos de admitir que somos ainda estranhos. Afirmamos isso talvez para dar testemunho e poder contar a história de nossa conversão como o melhor deles: dizemos que conhecemos a Deus isto, afinal de contas, é o que se espera que os evangélicos digam. No entanto, será que nos ocorreria dizer, sem hesitação, e em referência a acontecimentos particulares de nossa história pessoal, que realmente conhecemos a Deus? Duvido, pois suspeito de que para a maioria de nós a experiência de Deus jamais foi assim tão vivida. Penso que muitos de nós nem poderíamos dizer com naturalidade que as decepções do passado e as tristezas do presente, como as vê o mundo, são irrelevantes quando comparadas ao conhecimento de Deus que viemos a alcançar. A realidade, porém, é que para muitos de nós elas têm significado real, são nossas "cruzes" (como as chamamos). Ficamos constantemente entristecidos, amargurados e apáticos quando nos lembramos delas, o que fazemos com freqüência. A atitude que mostramos ao mundo é um tipo de estoicismo frio, a quilômetros de distância da alegria "indizível e gloriosa" que Pedro confiava estarem sentindo todos seus leitores (lpe 1:8). "Pobres almas", nossos amigos dizem a nosso respeito, "como têm sofrido" e é justamente isso o que sentimos! Essa tendência para fazer o papel de mártir, porém, não tem lugar na mente de quem conhece a Deus de fato. Eles nunca se preocupam com o que poderia ter sido; nunca pensam nas coisas que perderam, apenas nos ganhos. "Mas o que para mim era lucro, passei a considerar como perda, por causa de Cristo", escreveu Paulo. "Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por quem perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar a Cristo e ser encontrado

19 nele [...] Quero conhecer Cristo [...]" (Fp 3:7-10). Quando Paulo diz que considera "esterco" tudo o que perdeu, não só afirma que não dá nenhum valor a essas coisas, mas que tampouco permanecem constantemente em seus pensamentos. Que pessoa normal passa seu tempo sonhando nostalgicamente com esterco? Entretanto, é o que na realidade muitos de nós fazemos, e isso mostra como temos pouco conhecimento de Deus. CONHECIMENTO RETÓRICO VERSUS CONHECIMENTO REAL É necessário fazer uma auto-análise sincera neste ponto. Somos, talvez, evangélicos ortodoxos. Podemos explicar o evangelho com clareza e podemos sentir o cheiro de doutrina falsa a quilômetros de distância. Se alguém nos perguntar como os homens podem conhecer a Deus, de imediato apresentamos a fórmula certa: que chegamos ao conhecimento de Deus mediante Jesus Cristo, o Senhor, graças à cruz e a sua mediação, confiados nas promessas de sua palavra, pelo poder do Espírito Santo, por meio do exercício pessoal da fé. Entretanto, a alegria, a bondade, a liberdade de espírito, que constituem as marcas de quem conhece a Deus, são raras em nosso meio mais raras talvez do que em outros círculos cristãos, onde, se fizermos uma comparação, a verdade do evangelho não é conhecida com tanta clareza e tão completamente. Aqui também pareceria que os últimos poderiam ser os primeiros e os primeiros, os últimos. Um pequeno conhecimento de Deus vale bem mais que um grande conhecimento a respeito dele. Para salientar melhor este ponto, quero dizer duas coisas: 1. Pode-se saber bastante sobre Deus sem conhecê-lo muito. Tenho a certeza de que muitos de nós nunca pensamos realmente nisto. Descobrimos em nós um profundo interesse pela teologia (que é, por sinal, uma ssunto dos mais fascinantes e intrigantes no século xvii era o passatempo de todos os cavalheiros). Lemos livros de exposição teológica e apologética; aprofundamo-nos na história cristã e estudamos o credo cristão; aprendemos a descobrir nosso caminho nas Escrituras. Outros apreciam nosso interesse por essas coisas e somos convidados a dar nossa opinião em público a respeito de diversas questões cristãs, a dirigir grupos de estudo, escrever artigos, fazer conferências e geralmente aceitar responsabilidade, formal ou informal, de agir como mestres e árbitros da ortodoxia em nosso círculo cristão. Nossos amigos nos dizem como apreciam essa contribuição e isso nos leva a explorar mais ainda as verdades de Deus, de modo a podermos atender às exigências que nos fazem. Tudo isso é muito bom. Entretanto, o interesse em teologia conhecimento sobre Deus e a capacidade de pensar com clareza e falar bem sobre temas cristãos não são o mesmo que conhecer a Deus. Podemos saber tanto quanto Calvino a respeito de Deus na verdade, se estudarmos suas obras com diligência, cedo ou tarde isso vai acontecer, contudo durante todo o tempo (ao

20 contrário de Calvino) saberemos bem pouco a respeito de Deus. 2. Pode-se saber bastante sobre piedade sem ter muito conhecimento de Deus. Isso depende dos sermões ouvidos, dos livros lidos e do círculo de amigos. Nesta era analítica e tecnológica não faltam livros nas bibliotecas das igrejas, nem sermões nos púlpitos sobre como orar, testemunhar, ler a Bíblia, dar ó dízimo, ser um jovem cristão, ser um velho cristão, ser um cristão feliz, tornar-se consagrado, levar pessoas a Cristo, receber o batismo do Espírito Santo (ou, em alguns casos, como evitar esse batismo), falar em línguas (ou como explicar satisfatoriamente a manifestação do Pentecostes) e geralmente como cumprir todo o programa que os professores em questão associam com a vida do crente. Tampouco faltam biografias narrando as experiências dos cristãos do passado para nosso exame atento e interessado. Independentemente do que se diga sobre a questão, é certamente possível aprender muito, de segunda mão, sobre a prática cristã. Além disso, se alguém tiver uma boa dose de senso comum pode fazer uso do que aprendeu para ajudar cristãos vacilantes, de temperamento menos estável, a readquirir firmeza e desenvolver o senso analítico quanto a suas dificuldades, ganhando deste modo para si mesmo a reputação de bom pastor. Entretanto, alguém pode ter tudo isso e não conhecer realmente a Deus. Voltamos, então, ao ponto em que começamos. Não está em jogo a questão de sermos bons em teologia, ou "equilibrados" (palavra horrível e pretensiosa), em nossa abordagem dos problemas da vida cristã. O caso é este: podemos dizer, com simplicidade e franqueza, não porque sentimos ser nosso dever como evangélicos, mas por tratar-se de um fato real, que conhecemos a Deus, e que por esse conhecimento os despra-zeres que tivemos ou os prazeres que não tivemos, pelo fato de sermos cristãos, não nos afetam? Se conhecêssemos realmente a Deus, seria isto o que estaríamos dizendo, e se não o fazemos, significa que precisamos encarar com mais precisão a diferença entre conhecer a Deus e o mero conhecimento sobre ele. EVIDÊNCIA DO CONHECIMENTO DE DEUS Dissemos que quando um homem conhece a Deus as perdas e as "cruzes" deixam de ter importância; o que ele ganhou simplesmente afasta-lhe da mente essas coisas. Que outros efeitos o conhecimento de Deus produz nos homens? Várias partes das Escrituras respondem a esta pergunta apresentando diferentes pontos de vista, mas talvez a resposta mais clara e direta seja aquela encontrada no livro de Daniel. Podemos resumir esse testemunho em quatro proposições: 1. Os que conhecem a Deus têm grande força por meio dele. Em um dos capítulos proféticos de Daniel lemos: "o povo que conhece ao seu Deus se esforçará e fará proezas" (11:32; ARC). A versão revista e atualizada diz: "o povo que conhece ao seu Deus se tornará forte e ativo". No contexto esta definição inicia com "mas" e faz o contraste entre a atividade do "ser desprezível" (v. 21)

21 que estabelecerá o "sacrilégio terrível" e corromperá com palavras suaves e lisonjas aqueles cuja lealdade ao Deus da aliança tenha falhado (v. 31,32). Isto nos mostra que aquele que conhece a Deus toma a atitude de reagir à tendência antideus que vê operando a seu redor. Não consegue descansar enquanto seu Deus é desafiado ou desprezado, sente que precisa fazer alguma coisa. A desonra imposta ao nome de Deus o impele à ação. É exatamente isso que vemos acontecer nos capítulos de Daniel, onde são narradas as "proezas" do profeta e de seus três amigos. Eram homens que conheciam a Deus e, em conseqüência, sentiam-se compelidos, de tempos em tempos, a posicionar-se ativamente contra as convenções e os preceitos da irreligião e da falsa religião. Daniel, em particular, mostra-se incapaz de relevar esse tipo de situação; sente-se obrigado a desafiá-la abertamente. Em lugar de correr o risco de tornar-se ritualmente impuro ao consumir as iguarias do palácio, ele insiste em uma dieta vegetariana, para grande consternação do chefe dos oficiais da corte (1:8-16). Quando Dario proibiu, sob pena de morte, que fossem feitas orações durante um mês, Daniel não só continuou orando três vezes ao dia, voltado para Jerusalém, como também o fazia diante de uma janela aberta, de modo que qualquer pessoa pudesse ver o que estava fazendo (6:10). Isto me fez lembrar o bispo Ryle 1 inclinando-se para a frente em 1 John Charles Ryle (1816-1900), ministro ordenado da Igreja Anglicana, foi indicado em 1880 o primeiro bispo da recém-criada diocese de Liverpool (Inglaterra). Escritor prolífico de livros de caráter devocional, suas obras refletem profunda influência puritana. Era extremamente zeloso pela sã doutrina em uma época em que sua igreja havia posto de lado a própria confissão de fé denominada Trinta e nove artigos de religião.

22 seu assento na Catedral de São Paulo para que todos pudessem ver que ele não se virava para o leste na hora do credo! Tais gestos não devem ser mal interpretados. Não é que Daniel, ou o bispo Ryle, fossem pessoas desagradáveis ou intratáveis que tivessem prazer na rebelião e só se sentissem felizes se provocassem acintosamente o governo. Significa apenas que quem conhece seu Deus é sensível às situações em que a verdade e a honra de Deus são direta ou tacitamente prejudicadas. Assim, em vez de, por negligência, deixar que tudo continue como está, força a atenção dos homens para o assunto e procura levá-los a mudar de atitude mesmo que possa sofrer algum risco pessoal. Essa força por Deus não se resume em atitudes públicas, na realidade também não começa aí. Os homens que conhecem seu Deus são, antes de tudo, homens de oração, e o primeiro ponto em que seu zelo e sua força para a glória de Deus são expressos é nas orações. Em Daniel 9, lemos como o profeta, ao entender "pelas Escrituras" que o tempo do cativeiro de Israel estava chegando ao fim e compreendendo igualmente que o pecado da nação ainda era tal que poderia levar Deus a condená-la em vez de ter misericórdia, decidiu-se a buscar a Deus "com orações e súplicas, em jejum, em pano de saco e coberto de cinza" (v. 3). Daniel orou pela restauração de Jerusalém com veemência, paixão e agonia de espírito às quais muitos de nós somos completamente estranhos. Ainda mais, o fruto invariável do verdadeiro conhecimento de Deus é a força para orar pela causa divina força, na verdade, que só poderá encontrar saída e alívio da tensão interna quando canalizada em tal tipo de oração. Quanto maior o conhecimento, maior a energia! Este pode ser um teste para nós. Talvez não estejamos em posição de realizar atos públicos contra a incredulidade e a apostasia; talvez sejamos velhos ou doentes, ou de algum modo limitados por nossa condição física. Todos, porém, podemos orar a respeito da incredulidade e apostasia que nos rodeia diariamente. Se, entretanto, houver pouca energia nessa oração e, conseqüentemente, pouca prática, é com certeza o sinal de que ainda conhecemos bem pouco nosso Deus. 2. Os que conhecem a Deus pensam grandes coisas sobre ele. Não há espaço suficiente aqui para reunir tudo o que o livro de Daniel nos diz sobre a sabedoria, o poder e a verdade do grande Deus que comanda a história e mostra sua soberania em atos de condenação e misericórdia para com indivíduos e nações, de acordo com sua vontade. É suficiente dizer que não há talvez em toda a Bíblia outra apresentação mais vivida ou firmada dos muitos aspectos da realidade da soberania de Deus. Em face do poder e do esplendor do Império Babilônico, que engolfou a Palestina, e da perspectiva de outros grandes impérios mundiais que se seguiriam, minimizando Israel segundo qualquer padrão humano de cálculo, o livro todo relembra de forma dramática que o Deus de Israel é Rei dos Reis e Senhor dos Senhores. Lembra também que "os Céus dominam" (4:26); que a mão de Deus está na história em todos os momentos; que a história, na verdade, não é nada mais que "sua história", o desdobramento de seu plano eterno, e que o reino triunfante, no final, será o reino de Deus.

23 A verdade central que "o Altíssimo domina sobre os reinos dos homens" (4:25; cf. 5:21) foi ensinada por Daniel a Nabucodonosor nos capítulos 2 e 4, e também a Belsazar no capítulo 5 (v. 18-23), verdade essa que Nabucodonosor reconheceu no capítulo 4 (v. 34-37) e que Dario confessou no capítulo 6 (v. 25-27). Ela também foi a base para as orações de Daniel nos capítulos 2 e 9 e de sua confiança ao desafiar a autoridade nos capítulos 1 e 6, e de seus amigos, que agiram do mesmo modo no capítulo 3. Essa verdade se constituiu na matériaprima de toda a revelação que Deus fez a Daniel nos capítulos 2,4,7,8,10,11 e 12. Deus sabe e prevê todas as coisas, e sua presciência é predestinação. Ele, portanto, terá a última palavra, tanto na história como no destino de cada homem; seu reino e sua justiça finalmente triunfarão, pois nem os homens, nem os anjos poderão opor-se a ele. Eram esses os pensamentos sobre Deus que tomavam a mente de Daniel, como testemunham suas orações (sempre a melhor evidência da idéia que o homem tem de Deus): Louvado seja o nome de Deus para todo o sempre; a sabedoria e o poder a ele pertencem. Ele muda as épocas e as estações; destrona reis e os estabelece. Dá sabedoria aos sábios [...] conhece o que jaz nas trevas, e a luz habita com ele" (2:20,21,22). Ó Senhor, Deus grande e temível, que manténs a tua aliança de amor com todos aqueles que te amam e obedecem aos teus mandamentos [...] Senhor, tu és justo [...] O Senhor nosso Deus é misericordioso e perdoador [...] O SENHOR, O nosso Deus, é justo em tudo o que faz [...] (9:4,7,9,14). É assim que pensamos sobre Deus? É essa a idéia de Deus que nossas orações expressam? Será que essa tremenda consciência de siia santa majestade, perfeição moral e graciosa fidelidade nos mantém humildes e dependentes, respeitosos e obedientes, como acontecia com Daniel? Por este teste podemos também medir quanto ou quão pouco conhecemos a Deus. 3. Os que conhecem a Deus são ousados por causa dele. Daniel e seus amigos eram homens que aceitavam riscos. Isso não era temeridade. Eles sabiam o que estavam fazendo, tinham calculado o preço e considerado o perigo. Sabiam qual seria o resultado de suas ações, a menos que Deus misericordiosamente interferisse o que, por sinal, ele fez. Mas isto não os perturbava. Uma vez convencidos de que sua atitude estava certa e que a lealdade a Deus assim exigia, como disse Oswald Chambers, 2 eles "sorridentes lavavam as mãos quanto às conseqüências". "É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens!", disseram os apóstolos (At 5:29). "Todavia, não me importo, nem considero a minha vida de valor algum para mim mesmo, se tão-somente puder terminar a 2 Ministro escocês (1874-1917) que veio à fé pela instrumentalidade das pregações de Charles H. Spurgeon, bastante conhecido por seus escritos devocionais. Sua principal obra é Tudo para ele.

24 corrida", disse Paulo (At 20:24). Era esse precisamente o espírito de Daniel, Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, e é também o espírito de todos os que conhecem a Deus. Ainda que possam achar terrivelmente difícil essa determinação de seguir o caminho certo, uma vez decididos, aceitam-na ousadamente e sem hesitação. Não lhes importa se outros que pertencem ao povo de Deus vejam o assunto de modo diferente e não tomem posição com eles (Sadraque, Mesaque e Abede-Nego foram os únicos judeus que se negaram a adorar a imagem de Nabucodonosor? Nenhuma das palavras ditas por eles e que foram registradas sugerem que soubessem do fato ou que ao menos se importassem com isso. Seu curso de ação estava claro para eles, e isso lhes bastava). Com este teste podemos também medir nosso conhecimento de Deus. 4. Os que conhecem a Deus têm grande alegria nele. Não existe paz comparável à da pessoa que tem a mente imbuída da plena certeza de conhecer a Deus, e de que Deus o conhece. Este relacionamento garante o favor de Deus na vida, na morte e para sempre. Esta é a paz da qual Paulo fala em Romanos 5:1: "Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo", e cuja substância ele analisa completamente em Romanos 8: Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus [...] O próprio Espírito testemunha ao nosso espírito que somos filhos de Deus. Se somos filhos, então somos herdeiros [...] Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam [...] aos que justificou, também glorificou [...] Se Deus é por nós, quem será contra nós? [...] Quem fará alguma acusação contra os escolhidos de Deus? [...] Quem nos separará do amor de Cristo? [...] Pois estou convencido de que nem a morte nem vida [...] nem o presente nem o futuro [...] será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor (v. 1,16, 17,28,30,31,33,35,38,39). Esta é a paz que Sadraque, Mesaque e Abede-Nego conheciam; Essa era a razão do contentamento e da calma com que firmaram sua posição diante do ultimato de Nabucodonosor (Dn 3:15): "[...] Mas, se não a adorarem, serão imediatamente atirados numa fornalha em chamas. E que deus pode livrá-los das minhas mãos?". A resposta deles (3:16-18) é clássica: "Não precisamos defender-nos diante de ti" (Sem medo!). "... o Deus a quem prestamos culto pode livrar-nos, e ele nos livrará das tuas mãos, ó rei" (cortês, mas indiscutível eles conheciam seu Deus!). "Mas se ele não nos livrar, saiba, ó rei, que não prestaremos culto aos teus deuses" (não importa! Não faz diferença! Vivendo ou morrendo, eles estavam contentes). As tuas mãos dirigem meu destino, Ó Deus de amor, bom é que seja assim! Teus são os meus poderes, Minha vida, em tudo, eterno Pai, dispõe de mim!