HELOÍSA Heloísa chegou de repente, as aulas já estavam pelo se gundo ou terceiro mês quando aquela menina adolescente, com seus quatorze anos de alegria e meiguice, entrou na sala de aula, olhou para mim e sorriu com delicadeza. Eu me lembro de seu sorriso tímido, mas ao mesmo tempo maroto, cabelos castanho claros na altura dos ombros, per nas morenas com coxas roliças. Não era linda, mas possuía encanto, cativava. Hoje penso em Heloísa e da importância dela em minha vida e, com certeza, meu corpo ainda sente sua lembrança. Lá está ela, com sua marca estampada no fundo das minhas entranhas. Ela foi o início, o despertar dos meus instintos sexuais instintos que eu não conhecia. Heloísa era filha de um professor de inglês que fora trans ferido para a nossa escola. Hoje, acredito que o destino dese nhou suas linhas retas e curvas para me despertar, deixar de ser criança e me tornar adolescente. Devo isso a Heloísa. Quando nos conhecemos, ela não chamou muito a minha atenção. Eu tinha as minhas preferidas e Heloísa não era uma delas. Os meninos olhavam para todas as meninas, normal nessa fase da vida, eu era um quase adolescente com quinze anos que corria atrás de bola de futebol, andava de bicicleta, sonhava em ser capitão do exército, 11
Nata l Au g u s t o Do r n e l l e s depois ser piloto de avião, ser arquiteto... as meninas não ocupavam muito os meus pensamentos. Sonhava, sonhava, sonhava sonhos, um sonhador. Os sonhos me levavam a outros mundos e, com isso, o tempo passava, não dando espaço para eu sentir nem pensar a realidade à minha volta. Morava numa vila de trabalha dores humildes que se reuniam em bares para beber cachaça e discutir futebol, matando tempo, adiando ao máximo a hora de ir para casa e discutir com a mulher, ouvindo sempre as mesmas reclamações, os choros dos filhos, e sentir quão miserável era a vida que teimavam, que insistiam em viver. Enquanto eu sonhava meus sonhos, a realidade passava. No colégio, as garotas estavam à nossa volta, os meninos paqueravam todas em qualquer lugar. A paquera consistia em olhar, em mandar algum recado e falar com a menina. Essa fase era a demonstração da coragem, era atingir outro patamar, mudávamos de categoria, os outros respeitavam você. Após uma semana de conversa, sempre no recreio, era a hora de pegar na mão. Isso era um acontecimento que todo o colégio iria comentar. Quem chegava nesse nível, só faltava beijar, que era a consagração. Eu nunca tinha chega do nem na fase de conversar com alguma garota. Havia a turma das chamadas garotas populares, meninas carimbadas, famosas, viviam sempre grudadas entre elas e que, no domingo à tarde, frequentavam a matinê so mente para namorar. Passavam a sessão toda beijando, bei jando e beijando. Acredito que tudo não passava de beijos, creio que elas estavam aprendendo e ao mesmo tempo ensi nando a nobre arte do amor, os primeiros passos do desejo e da paixão. Minha turma de amigos não participava dessa turnê beijoqueira, nossas experiências, nesse campo, ainda estavam por começar. 12
He l o í s a E Heloísa? Heloísa, até hoje não entendi, pois não se procura entender o destino, tornou-se minha amiga. Nor malmente, as meninas não eram minhas amigas. Era natural, eu incomodava, debochava, dizia gracinhas, era um chato, não sabia ser legal com elas. Sempre fui um dos melhores alunos da classe, excelentes notas, pode ter sido esse o mo tivo que tenha influenciado em sua aproximação. A atenção dela, sendo legal comigo, repartindo o seu lanche, contando seus fins de semana, começou a produzir as pequenas mudanças em um menino quase adolescente. Comecei a me cuidar mais, já não dizia tanta besteira, era o controle íntimo chegando. Contudo, Heloísa nunca me atraiu, nunca pensei nela como uma namoradinha, como já tinha pensado em outras, das turmas da tarde, meninas com doze ou treze anos. He loí sa era uma amiga, apenas uma amiga que ficava ao meu lado. Uma manhã, em comemoração ao final do ano letivo, a turma resolveu fazer uma pequena festa. Todos foram sem uniforme, cada um botando suas roupas mais bonitas e levando refrigerantes e salgadinhos. Fui de calça Topeka, camiseta branca da Hering, acredito que calçando uma Conga azul (não me recordo), estava bem arrumado, todos estavam bem-vestidos. As meninas, um show à parte, não paravam, espoletas, corriam para um lado e para outro, cochichando, tramando seus ataques aos inocentes colegas. A moda era a minissaia e todas esta vam com ela, e os meninos, felizes, analisando e comentando todos os detalhes das coxas das colegas. Enquanto bebia re frigerante e comia salgadinho, tudo legal para mim, es tava no meu campo. 13
Nata l Au g u s t o Do r n e l l e s Um toca-discos apareceu, começou a música e alguns mais afoitos ou mais corajosos começaram a dançar. Eu só olhava, não sabia e nunca tive coragem para dançar. Já ia buscar mais alguma coisa para comer quando... Lucas, vamos dançar? Levei um susto, era Heloísa, estava muito bonita, vestindo uma blusa levemente decotada, muito justa, que dese nhava perfeitamente a forma dos seus seios. A blusa cobria até o início da barriga, deixando expostos uns quatro a cinco dedos da mesma e, por fim, uma minissaia que deixava metade de suas belas coxas à mostra. Enfim percebi, elas eram simplesmente perfeitas, não ficando devendo nada para nenhuma das ditas garotas populares. Engraçado, até aquele momento, eu nunca tinha observado Heloísa por este ângulo e de repente... o destino tramando suas peças. No início e durante a festa, eu já tinha notado, ela estava diferente, chamava atenção, sua roupa estava perfeita, mostrava sua barriga, pernas e coxas levemente amo renadas. Desculpe, Heloísa, eu não sei dançar, só estou olhando. Deixa disso, eu ensino você. É só ficar leve, relaxar, o resto é comigo. Vamos, a música já vai começar. Automaticamente, me deixei levar, não sei como, quan do me dei conta, eu estava no meio da sala, Heloísa na minha frente, pegando minha mão com firmeza, me olhando nos olhos com carinho, com confiança, sorrindo, um sorriso diferente, um sorriso que eu não conhecia, um sorriso que várias vezes, hoje, eu tento lembrar e lembro, depois esque ço, que me deixa perturbado, um sorriso de alguém que sabe o que quer, o sorriso de Heloísa era um desses, com certeza. 14
He l o í s a Heloísa era uns cinco centímetros mais baixa do que eu, colocou os dois braços sobre o meu pescoço e senti seu corpo colar no meu, foi como se eu tivesse levado um choque. Coloca as suas mãos na minha cintura, disse ela, sussur rando no meu ouvido. Fiz o que ela pediu, o contato das minhas mãos com sua pele foi explosivo, meu corpo, todo ele, sentiu, eu simples mente estava tremendo. Sentia o toque de suas coxas encostando, afastando e finalmente colando nas minhas, seus seios roçavam meu peito, seu rosto parece que adormecia um pouco acima do meu pescoço, o cheiro do seu cabelo me enlevava, minha boca tocava levemente sua orelha. No contato com a maciez daquela pele, o êxtase que senti foi indescritível. Nunca tinha tocado alguém daquela maneira, minhas mãos estavam abertas e o balançar da música faziam elas levemente, muito levemente, acariciar aquele pedaçinho de Heloísa. Foram os minutos mais agradáveis, mais loucos que eu já tinha vivido. A música tocava, casais dançavam, outros bebiam e comiam, eu e Heloísa estávamos dançando como se fôssemos únicos, juntinhos, meu coração batia loucamente. Todo o meu ser sentiu aquele contato, um menino adolescente, inocente, que pela primeira vez teve um corpo junto ao seu, que pela primeira vez acariciou um pedacinho de pele, que pela primeira vez teve o maravilhoso calor de uma boca feminina respirando em seu rosto. A cada passo dado, o corpo de Heloísa parecia que era jogado contra o meu, eu sentia o formato de suas coxas empurrando as minhas com suavidade, sentia seus seios indo e 15
Nata l Au g u s t o Do r n e l l e s vindo, arfando no ritmo das batidas do seu coração. O meu coração estava ace le ra do, minhas mãos suavam, meu corpo não estava enten den do o que ocorria. Um pedaço de meu corpo não estava mais sob o meu controle, não me obedecia, estava tomando suas próprias decisões. Eu estava apavorado. A música terminou, gaguejei alguma coisa e caminhei (quase corri) porta afora. Mãos e braços incontroláveis, as pernas bambas, trêmu las, minha cabeça não pensava, meus olhos não enxergavam, meu coração querendo sair do meu peito. Eu não conseguia entender o que ocorria. Heloísa... Heloísa... Heloísa. Saí. Fugi. Corri. Nunca mais ví Heloísa. 16