Vilson Caetano de Sousa Jr. (ORG.) Ilustração: Rodrigo Siqueira
2014 Enseada Indústria Naval S.A Todos os direitos reservados Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte Coleção Histórias Quilombolas O HOMEM QUE VIRAVA BICHO, O BICHO QUE VIRAVA HOMEM Organizador: Vilson Caetano de Sousa Jr. Ilustração: Rodrigo Siqueira Pesquisa: Magnair Barbosa e Marina Bonfim Revisão: Lise Mary Arruda Projeto Gráfico: Renato Ribeiro Ficha catalográfica elaborada por Cátina M. Santos Cerqueira CRB5/1440 S729 Sousa Júnior, Vilson Caetano de O homem que virava bicho, o bicho que virava homem / Vilson, Caetano de Sousa Júnior.Ilustrador: Rodrigo Siqueira, -- Salvador: Brasil com Artes, 2014. 12p.: il. ISBN: 978-85-66694-17-8 Coleção Histórias Quilombolas; v. 3 1. Contos Brasileiros. 2. Quilombos. 3. Cultura negra. I. Título CDD: B869. 3
A Coleção Histórias Quilombolas é um conjunto de publicações fruto da parceria entre a empresa Brasil com Artes e a Enseada Indústria Naval em atendimento às condicionantes da Anuência nº 08/2010 da Fundação Cultural Palmares. Trata-se de um trabalho que reúne histórias que ainda hoje são contadas nas comunidades quilombolas do município de Cachoeira, na Bahia. Transmitidas de geração a geração, essas histórias vinculam saberes, fazeres e visões de mundo destas comunidades. São contadas por adultos, que as ouviram de seus pais e mães quando ainda eram crianças, e continuam sendo atualizadas, dada à sua importância e ao seu significado. A Coleção Histórias Quilombolas reúne três volumes procedentes dos quilombos de Cachoeira: A Dona das Águas, a Mãe do Timbó e o Homem que virava bicho, o bicho que virava homem. São histórias que alguns quilombolas gostariam de ver contadas nas escolas. Estas aqui reescritas, além de novas palavras, podem ajudar o professor a trabalhar temas relacionados à natureza, noções de cidadania e conceitos como identidade, ética e filosofia. 2
3
4
Segundo algumas mulheres do quilombo Guaíba, o lobisomem era um bicho que andava pelas estradas deste quilombo nas noites de lua cheia. Ele adorava se esconder nas casinhas velhas abandonadas, mas preferia mesmo ficar quietinho no forno das casas de farinhas, lugar quentinho e escuro. Conta-se que um caçador tinha dois cachorros. Um se chamava Pergunta e o outro se chamava Amizade. O segundo era mais preguiçoso, mas o primeiro era muito companheiro e trabalhador. Um belo dia, quando o caçador voltava para casa, Pergunta correu na frente e começou a acoar. O caçador entendeu que tinha algo de errado e imaginou logo que só poderia ser o lobisomem. Pergunta cercou o bicho e não o deixou atacar o caçador. O caçador correu, correu sem olhar para trás e se protegeu numa casa que encontrou à beira do caminho. 5
6
Mas as histórias do lobisomem não param por aí. As mulheres deixavam as cascas do marisco, e o bicho vinha à noite e comia tudo. As galinhas colocavam os ovos, e o bicho vinha à noite e comia tudo. Tudo que se deixasse do lado de fora, o bicho comia tudo. Até que tiveram uma ideia: vamos falar com vovó Cadu Vovó Cadu tinha quase 100 anos e já estava acostumada com estas coisas de lobisomem. Vovó Cadu ficava sempre na janela, fumando um cachimbo e conversando com os passarinhos, com o vento e abençoando quem passava pela sua casa. A cada história que ouvia, vovó Cadu sorria. Por fim, ela falou: Hoje vamos pegar este lobisomem. 7
8
Vovó Cadu pediu que a criançada trouxesse uma lata, um pouco de gás e um cordão. Vovó Cadu ficou o dia todo enrolando o cordão e fez uma torcida. Vovó Cadu furou a lata, encheu de gás e, depois, colocou a torcida. Colocou tudo que o lobisomem gostava bem pertinho de sua janela e guardou todas as crianças dentro de casa. Vovó Cadu não tinha medo de nada. Vovó Cadu ficou escondida pelo lado de dentro da janela, esperando o bicho. 9
10
Assim que a lua apareceu, lá surgiu o lobisomem. O lobisomem começou a comer tudo que Vovó Cadu havia colocado para ele e foi se aproximando da janela de Vovó Cadu. Quando ele ficou bem pertinho, Vovó Cadu esticou o braço e queimou as costas do lobisomem com seu cachimbo. Em seguida, acendeu bem alto o fifó que havia feito com a lata, o gás e o cordão. O lobisomem saiu correndo e nunca mais assustou ninguém. Dias depois, chegou a luz elétrica, e o bicho foi-se embora para sempre. 11
OBJETIVOS Trabalhar noções de natureza e meio ambiente; Valorizar as histórias quilombolas; Colocar as pessoas em contato com algumas palavras utilizadas pelos quilombolas; Valorizar os fazeres quilombolas. VOCABULÁRIO Acoar O mesmo que uivar. Torcida Cordão feito de algodão retorcido, embebido no querosene, utilizado para manter uma chama. Fifó O mesmo que candeeiro. 12