Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias Assembleia da República 21 de Janeiro de 2014

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Transcrição:

Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias Assembleia da República 21 de Janeiro de 2014 Discurso de Teresa Tito de Morais, Presidente da Direcção do Conselho Português para os Refugiados (CPR) Senhor Presidente, Dr. Fernando Negrão; Senhoras e Senhores Deputados, Agradeço a esta Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias pela oportunidade, que muito apreciamos, de partilhar com Vossas Excelências a apreciação do Conselho Português para os Refugiados (CPR) relativamente à Proposta de Lei n.º 187/XII que altera as condições e os procedimentos de concessão de asilo e de protecção subsidiária, os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de beneficiário de protecção subsidiária, bem como as condições de acolhimento dos requerentes de asilo, transpondo para a ordem jurídica nacional as Directivas 2011/95/UE, 2013/32/UE e 2013/33/UE da União Europeia. Como é do conhecimento das senhoras e dos senhores deputados, a participação do CPR no presente processo legislativo decorre da sua dupla 1

qualidade de organização não governamental com atribuições estatutárias e legais em matéria de promoção do asilo em Portugal, por um lado, e de representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados no nosso país, por outro. Por esse motivo, e como já vem sendo hábito nestas ocasiões, procederemos à distribuição de um comunicado dirigido pelo ACNUR a esta Comissão, composto por um conjunto de observações sobre a proposta de lei ora em apreço. Ao submeter as presentes observações, o ACNUR louva a iniciativa legislativa do governo português, bem como a abertura da presente Comissão para a apreciação das suas observações, remetendo para os comentários do CPR e colocando-se à sua disposição para a realização de uma audiência com o objectivo de discutir de forma mais aprofundada a proposta de Lei n.º 187/XII. Senhor Presidente, Senhoras e Senhores deputados, O CPR teve ocasião de apresentar comentários ao ante-projecto de lei, nos contactos mantidos com os grupos parlamentares, e nos comentários detalhados ao articulado da Proposta de Lei n.º 187/XII, e procurou, em linha com a natureza apolítica e independente do seu mandato, contribuir de forma tecnicamente fundamentada para a consagração de um regime jurídico-legal do asilo humanista, consentâneo com os padrões de 2

protecção internacional e de respeito pelos direitos humanos a que Portugal se encontra vinculado. As propostas constantes das nossas observações resultam da experiência adquirida pelo CPR no exercício das suas atribuições legais de supervisão e assistência jurídica em todas as fases do procedimento de asilo, ao longo dos últimos quinze anos, na vigência da Lei n.º 15/98, de 26 de Março e da Lei n.º 27/2008, de30 de Junho. A exigência da tarefa que nos propusemos prosseguir, atendendo à consagração e consolidação, num único diploma, de regimes complexos e dispersos por fontes diversas de direito internacional e europeu dos direitos humanos e dos refugiados, aconselham a que o trabalho de aperfeiçoamento do diploma que ora nos ocupa prossiga após esta audiência, mantendo-se o CPR à inteira disposição da presente Comissão para o efeito, se esta assim o entender. Debruçando-me sobre a Proposta de Lei n.º 187/XII, gostaria de começar por louvar a abertura manifestada à data pelo Governo com vista à correcção de um conjunto de limitações apresentadas pelo então anteprojecto de lei, e que mereceram da parte do CPR, bem como das demais entidades consultadas, sérias reservas. A presente proposta de lei é meritória, em particular, ao reafirmar a natureza complementar da protecção subsidiária em relação com o asilo, na clarificação de conceitos como a alternativa interna de fuga, de agentes 3

de protecção ou das excepções à cessação da protecção internacional por razões ponderosas relacionadas com perseguições transactas. Merecem uma apreciação positiva, igualmente, o alargamento dos prazos relativos à tramitação administrativa e jurisdicional dos pedidos de asilo nos postos de fronteira e em território nacional; o alargamento da validade do direito de residência dos requerentes de asilo admitidos, e dos beneficiários de protecção subsidiária; o alinhamento dos direitos dos beneficiários de protecção internacional; bem como a atenção particular conferida aos direitos dos menores não acompanhados. Não obstante os avanços verificados, o CPR continua a identificar na presente Proposta de Lei, em linha com as nossas observações preliminares e os nossos comentários ao respectivo articulado, que evitaremos aqui desenvolver, sob pena de sermos redundantes e fastidiosos, um conjunto de deficiências que perigam uma aplicação plena da Convenção de Genebra de 1951, bem como dos princípios de direito internacional dos refugiados e dos direitos humanos aplicáveis. Ao consagrar um alargamento das situações, bem como das categorias de requerentes de protecção internacional passíveis de detenção, consagrando a detenção sistemática nos postos de fronteira e alargando-a aos casos vulneráveis, como os menores não acompanhados, a presente proposta de lei constitui um retrocesso notório nos padrões de protecção 4

nacionais, encontrando-se em frontal oposição com as recomendações do ACNUR e do Conselho da Europa nesta matéria. Ao insistir na consagração de procedimentos de fronteiras, caracterizados por garantias processuais mais reduzidas, e no alargamento ilegal da lista taxativa de cláusulas de inadmissibilidade com assento na Directiva 2013/32/UE, a presente proposta de lei promove o risco de os requerentes de protecção internacional serem expostos a uma eventual violação dos seus direitos fundamentais, em desconformidade com o princípio de non refoulement, porquanto nestas circunstâncias a devolução do requerente de protecção internacional poderá ocorrer sem uma análise idónea do mérito das suas necessidades de protecção internacional, com destino a um país onde a mesma não se encontra garantida em condições que correspondam aos padrões internacionais exigíveis nesta matéria. A consagração do recurso jurisdicional meramente devolutivo em segunda instância promove, também ela, um risco acrescido de violação de non refoulement, apresentando-se como discriminatória, porquanto reservada, nomeadamente, às circunstâncias de maior fragilidade processual do requerente como é o caso dos pedidos nos postos de fronteira. 5

Impõe-se igualmente uma palavra final sobre a ausência de consagração expressa das atribuições legais do CPR pela Proposta de Lei n.º 187/XII, pela sua natureza insuficientemente fundamentada e algo injusta, se me é permitido salientar - bem como prejudicial ao exercício eficaz da sua missão independente e humanista de promoção e protecção do direito de asilo em Portugal. Não se trata de uma questão meramente semântica, trata-se isso sim de uma questão de fundo que obsta, a nosso ver, a implementação prática do documento legislativo de forma estável e segura. No contexto do já longo processo legislativo, foram muitas as tomadas de posição trazidas à colação sobre esta matéria, a começar pelo CPR, naturalmente, mas igualmente do ACNUR, do Conselho da Europa, bem como das demais entidades consultadas neste âmbito, com especial destaque para interlocutores relevantes do procedimento de asilo nacional, como seja o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais. A história ensina-nos que a memória a não confundir com a resistência à mudança - nos oferece muitas vezes um entendimento mais profundo do presente, e bem assim da justiça dos caminhos que, juntos, nos propomos 6

trilhar no futuro. Queremos acreditar que neste particular, o caminho trilhado estes últimos anos quinze anos justificará uma solução diferente. Muito obrigado a todos pela vossa atenção, e estamos à disposição das senhoras e dos senhores deputados para os esclarecimentos que entendam necessários. 7